Atualmente, o Aeroporto Campo de Marte, localizado na zona norte de São Paulo, está sob comando da concessionária Pax Aeroportos, também responsável pela operação e infraestrutura do Aeroporto de Jacarepaguá (RJ). A empresa vai gerir o Campo de Marte por 30 anos a partir do momento em que assumiu o controle, em 15 de agosto de 2023.
Aeroporto mais antigo da cidade, o Campo de Marte recebe aviões e helicópteros gerais, executivos e de táxi aéreo. De acordo com o relatório anual da Pax, 70.567 pousos e decolagens ocorreram no ano de 2024.
Para aumentar a área do aeroporto, quase 200 árvores foram derrubadas. As obras começaram em junho deste ano e estão previstas para terminar em maio de 2026. Além de reformar as pistas e implementar um sistema de luzes, o principal objetivo é a melhoria na segurança dos voos.
Os pousos e decolagens atuais são feitos através da visualização do piloto sobre a pista, sem a ajuda de nenhum equipamento. Segundo a Pax, ao final das obras, o aeroporto será capaz de receber voos com instrumentos que auxiliarão o piloto. Dessa forma, a tendência é que os movimentos das aeronaves aumentem no Campo de Marte.

Impacto do número de árvores retiradas
O engenheiro ambiental e especialista em gestão ambiental pela UFPR, Hian Silva, afirmou não ter conhecimento sobre este caso até dias antes da entrevista, visto que obras civis que envolvem supressão de vegetação nativa não são isoladas e acontecem com certa frequência.
“Minha posição é sempre de preocupação e atenção. Embora seja importante garantir a segurança e a infraestrutura do aeroporto, é crucial que essas obras não ignorem os impactos ambientais de longo prazo. Acredito que é possível e necessário buscar um meio-termo, onde desenvolvimento urbano e preservação caminhem juntos”, declarou Silva.
Para ele, a retirada de quase 200 árvores causa um impacto significativo e imediato na fauna e flora local e no entorno urbano. Inclusive, ressaltou que a perda desse patrimônio natural representa também a perda de memória e identidade do espaço urbano, já que muitas dessas árvores tinham valor histórico e paisagístico, algumas com mais de 100 anos.
“Em uma cidade com poucos fragmentos florestais como São Paulo, essas árvores funcionam como parte de um ecossistema complexo: habitat, fonte de alimento e corredores ecológicos para aves, insetos e pequenos mamíferos. A remoção repentina desse habitat pode levar à perda de biodiversidade e ao deslocamento de espécies que nem sempre conseguem se adaptar a novos locais. Além disso, a vegetação regula temperatura, umidade e qualidade do ar. A supressão tende a aumentar o calor da área, reduzir a infiltração de água no solo e afetar o bem-estar da população vizinha”, afirmou o engenheiro ambiental.
Moradora na região, Yasmin Mafei, 33, não gostou da retirada das árvores: “a cidade está cada vez mais sem árvores, precisamos dos bairros mais arborizados”. Paulo Xavier, 69, outro vizinho da área, acreditava que essas obras eram destinadas à construção do futuro Parque Municipal Campo de Marte. Mesmo assim, ele minimizou a derrubada e comentou que há outras áreas em São Paulo para o plantio de árvores como uma forma de compensação.
Nota de autorização para supressão das árvores
No dia 7 de março de 2025, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) emitiu uma nota para comunicar o deferimento parcial da solicitação da derrubada das árvores. Com assinatura de Rodrigo Kenji de Souza Ashiuchi, Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente, um trecho do comunicado diz: “AUTORIZO, em caráter excepcional, com fundamento no Artigo 14, incisos III, IV e VIII da Lei Municipal n° 17.794/2022, a supressão de 194 (cento e noventa e quatro) exemplares de porte arbóreos, sendo 30 (trinta) exemplares secos/morta”.
O texto indica que haverá a iniciativa de replantio de 194 mudas em outras áreas de São Paulo, além de reaproveitar os resíduos gerados pelo desmatamento. Segundo a nota, o plantio substituto será fiscalizado pela SVMA por meio de um relatório técnico fotográfico após doze meses, ou seja, apenas em 2026.

Silva também comentou sobre a nota. Ele acredita que a avaliação dos impactos cumulativos no ecossistema urbano não ficou totalmente clara, e que seria importante comunicar de forma mais transparente os critérios usados para definir quais árvores seriam retiradas e de que maneira o impacto seria reduzido.
“Na natureza, a balança não é tão simples. Não basta retirar 200 árvores de um lado e plantar 200 mudas em outro para que tudo fique equilibrado. A ideia de replantar é essencial e demonstra uma tentativa de suavizar os impactos da supressão, mas não se trata de uma solução simples ou perfeita. Árvores centenárias, com raízes profundas e ecossistemas associados, não podem ser simplesmente transferidas – o replantio ocorre por meio de mudas, o que significa que um ambiente construído ao longo de décadas ou séculos é perdido”, opinou o especialista em gestão ambiental, sobre o plantio substituto que será realizado.
Os locais em que as mudas serão replantadas são: Parque Municipal Campo de Marte, Refúgio da Vida Silvestre Anhanguera, em Perus, e no Projeto Rio do Peixe, em Socorro (SP). O Parque Municipal Campo de Marte fica ao lado do aeroporto e ainda está na fase inicial, porém o projeto já está assinado, conforme disse no mês passado, Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo.
Silva acredita que o plantio em locais distantes – caso da cidade de Socorro, localizada a 132 quilômetros de São Paulo – pode comprometer a adaptação das espécies, pois condições de solo, clima e hidrologia variam significativamente.
“A taxa de sobrevivência dessas mudas também não é garantida, exigem monitoramento constante, irrigação e equipes técnicas especializadas. Por fim, mesmo que todas as mudas vinguem, o tempo necessário para que se estabeleça um ecossistema comparável ao anterior é extremamente longo, e os benefícios ambientais imediatos proporcionados pelas árvores centenárias são insubstituíveis a curto e médio prazo. Aqui cabe o cuidado dos órgãos competentes em acompanhar cada caso e entender a real necessidade das ações”, completou.
Por Amanda Campos
A Cop 30 é um evento global que reúne líderes mundiais para discutir ações contra a crise climática, mas o Brasil enfrenta um dilema: enquanto o mundo olha para o País como um player chave nas negociações, a realidade interna revela uma nação já castigada pelos efeitos devastadores do aquecimento global. Tornado que devasta cidade, enchentes que destroem municípios inteiros, queimadas que devoram florestas e ondas de calor que esgotam até os mais resilientes no semiárido não são mais previsões distantes — são tragédias diárias que afetam milhões de vidas, forçando famílias a reconstruírem suas rotinas em meio ao caos e ao medo. A COP30 poderia ser uma chance de o Brasil liderar mudanças reais, mas o histórico de conferências passadas, como o Acordo de Paris, que ficou aquém das promessas, gera ceticismo. Muitos países, em vez de avançarem, recuaram em seus compromissos, deixando os nações do Sul Global, como o Brasil, pagando o preço mais alto por uma crise que não criaram.
Para ilustrar essa dor humana, basta olhar para as enchentes devastadoras que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024. Famílias inteiras acordaram com a água invadindo suas casas, carregando móveis, lembranças e sonhos de uma vida estável. Pessoas que perderam tudo o que tinha construído em décadas, ou jovens pais que nadaram para salvar seus filhos das correntezas impiedosas, testemunharam a impotência diante de uma natureza furiosa. Essas enchentes não foram apenas um desastre natural; foram o resultado de anos de negligência, de cidades crescendo sem planejamento adequado, de rios poluídos e de governos que ignoraram alertas científicos. Milhões de pessoas sofreram, com comunidades inteiras desalojadas, economias locais destruídas e cicatrizes emocionais que marcarão gerações. É nessas histórias pessoais, de perda e resiliência, que vemos o verdadeiro custo da crise climática, a angústia de quem viu sua casa virar lama e sua esperança afundar nas águas.
Essa urgência climática no Brasil é sentida na pele de quem vive aqui, mas as respostas governamentais têm sido insuficiente e desigual. A ciência brasileira oferece ferramentas valiosas, como satélites que rastreiam queimadas e tecnologias que ajudam a prever chuvas extremas, mas grande parte desses esforços se concentra na proteção da agricultura, deixando a população comum exposta aos riscos. Em vez de transformar conhecimento em ações preventivas, o sistema muitas vezes reage apenas às catástrofes, com custos altos e resultados lentos. Guilherme Kiraly, internacionalista e especialista em ciência, tecnologia e inovação pela Universidade Federal da Bahia, vê nessa crise não apenas um fenômeno natural, mas o resultado direto de escolhas políticas e econômicas que exploraram recursos sem considerar o impacto nas pessoas. Ele argumenta que o que vivemos hoje é fruto de decisões que priorizaram o lucro imediato sobre a sobrevivência coletiva, deixando comunidades inteiras à mercê de desastres evitáveis.
O Brasil participa de acordos internacionais sobre clima, mas a lacuna entre o que é prometido e o que acontece na prática é enorme. Muitos tratados ficam no papel, sem metas claras, orçamentos definidos ou benefícios reais para quem mais sofre. O país monitora o clima há décadas, mas depende de soluções importadas, adaptando equipamentos estrangeiros em vez de investir em inovações próprias. Guilherme critica essa dependência, dizendo que ela torna o sistema caro e ineficaz, focado em respostas emergenciais em vez de prevenção. Tecnologias como barragens de contenção ou softwares de previsão existem, mas não impedem que famílias sejam desalojadas por enchentes ou que florestas sejam consumidas pelo fogo. O que falta, segundo ele, são políticas públicas que transformem a ciência em proteção concreta para as pessoas, não apenas para os negócios.
Há alternativas promissoras que poderiam aliviar os impactos, mas elas são ignoradas em favor do agronegócio. Parques alagáveis em cidades como Curitiba e São Paulo, por exemplo, ajudam a conter enchentes, enquanto experiências de agrofloresta recuperam terras degradadas. Guilherme destaca que, além da tecnologia, há lições valiosas nos saberes tradicionais de povos indígenas e comunidades do semiárido, que convivem com secas há séculos adaptando-se à natureza em vez de combatê-la. Integrar essa sabedoria à ciência moderna poderia criar caminhos mais sustentáveis e humanos, respeitando a vida das pessoas e dos ecossistemas. Mas o maior obstáculo permanece: acordos internacionais frágeis, sem cronogramas, metas ou financiamentos garantidos, fazem com que projetos acabem parados na fase inicial. A cooperação entre países, que poderia gerar soluções compartilhadas, se resume a declarações vazias.
Essa fragilidade reflete uma contradição dolorosa no Brasil: enquanto os impactos climáticos se aceleram, as respostas políticas andam em ritmo de tartaruga. O País acumula tratados assinados, mas poucos projetos efetivos, revelando uma falta de compromisso real. Ainda assim, há sinais de esperança. Universidades, organizações da sociedade civil e movimentos sociais estão pressionando por mudanças, mostrando que soluções locais podem ser rápidas e eficazes, mesmo quando fóruns globais falham. Comunidades indígenas, por exemplo, demonstram que estratégias coletivas de organização e solidariedade podem enfrentar desafios compartilhados de forma duradoura, independentemente de fronteiras. Guilherme observa que esses povos cooperam entre si há séculos, provando que é possível lidar com problemas comuns em rede, algo que os Estados deveriam aprender, em vez de competir ou ignorar.
O desafio é garantir que países como o Brasil tenham voz nas negociações, para que as decisões globais considerem as necessidades dos mais afetados. O futuro diante da crise climática exige uma mudança profunda de perspectiva: não apenas reagir a desastres ou cumprir acordos superficiais, mas construir uma cultura de prevenção e harmonia com a natureza. É preciso integrar ciência, tecnologia e saberes tradicionais para valorizar soluções locais que respeitem as comunidades e os ecossistemas. Enquanto o aquecimento global avança sem piedade, o Brasil e o mundo enfrentam uma escolha crítica: continuar apagando incêndios ou criar, de forma colaborativa e estratégica, defesas que protejam vidas e recursos naturais antes que seja tarde demais.
Por Helena Haddad
Os Data Centers - centros de processamento de dados - são instalações físicas que sustentam a infraestrutura digital contemporânea. Na era digital, informação e internet são centrais no cotidiano, e com o crescimento das IAs e da digitalização, a demanda por essas infraestruturas tem aumentado significativamente. No contexto global, a América Latina surge como uma “nova fronteira” para investimentos, e o Brasil busca se destacar no setor, embora a construção dessas instalações levante questionamentos sobre sua sustentabilidade.
O projeto do Data Center do TikTok, uma empresa chinesa, em Caucaia, no Ceará, já aprovado mas sem data de inauguração, gera polêmica. Os indígenas Anacé pedem a derrubada do licenciamento ambiental, alegando ausência de estudos claros sobre impactos ambientais e alertando para o risco ao aquífero de Dunas, considerado vulnerável. Eles também questionam o alto consumo de energia e água, que poderia pressionar recursos locais. Por outro lado, a Casa dos Ventos, responsável pela obra, afirma que a licença foi obtida com base em estudos técnicos conduzidos por especialistas. Outra crítica recai sobre a exclusão do Ministério do Meio Ambiente das negociações iniciais, apesar de seu papel central na avaliação de impactos.
Carlo Pereira, especialista em sustentabilidade, reconhece que os Data Centers demandam grande quantidade de energia, mas lembra que no Brasil esse consumo pode ser atendido por fontes renováveis. Pedro Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, alerta, porém, que a indústria da inteligência artificial cresce mais rápido que a geração elétrica, e sem políticas públicas claras há risco de desequilíbrio e até colapso. O alto consumo de água e energia reforça a necessidade de planejamento para não comprometer recursos finitos.
Além disso, a presença de empresas estrangeiras evidencia uma dimensão geopolítica. Cerca de 60% dos dados brasileiros são processados fora do país, o que submete parte da vida econômica, social e política do Brasil a legislações e interesses de outras nações. A instalação de um Data Center do TikTok levanta a questão de quem realmente terá controle sobre dados críticos.
Soberania digital não significa fechar o mercado, mas exige estratégias claras. Segundo Pereira, isso passa por atrair players globais com contrapartidas — exigindo energia 100% renovável, integração a ecossistemas locais, formação de talentos e armazenamento de certos dados em território nacional; fortalecer operadores brasileiros com incentivos fiscais e zonas especiais que estimulem a competição; e estabelecer regulação estratégica para garantir que dados críticos — saúde, defesa, governo e infraestrutura — permaneçam sob jurisdição nacional.
Por fim, a chamada “nuvem”, embora pareça imaterial, depende de recursos físicos como solo e água, que são finitos. A expansão dos Data Centers no Brasil oferece oportunidade de atrair investimentos e consolidar o país como polo digital, mas impõe desafios relacionados à sustentabilidade, governança e soberania digital. O futuro do setor dependerá da capacidade do Brasil de conciliar desenvolvimento econômico, proteção de recursos naturais e autonomia sobre sua infraestrutura crítica de dados.
O Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, recebe até 15 de setembro a exposição fotográfica “Perder Tudo. Novamente”, realizada pelo ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) em parceria com a operadora aeroportuária Aena. A mostra reúne imagens que documentam histórias de pessoas refugiadas que, após escaparem de conflitos e perseguições, enfrentaram novas perdas provocadas por enchentes, secas e outros eventos climáticos.
Instalada no corredor que conecta embarque e desembarque, a exposição é gratuita e alcança milhares de passageiros diariamente. O espaço escolhido reforça a ideia de deslocamento e recomeço, que marca a trajetória dos refugiados retratados.
As fotografias revelam um drama crescente: o impacto da crise climática sobre populações já fragilizadas pelo deslocamento forçado. O ACNUR alerta que essa sobreposição de crises — política, social e ambiental — cria uma condição de risco permanente.
Davide Torzilli, representante do ACNUR no Brasil, afirmou em comunicado no site da agência da ONU que “os refugiados não apenas precisam reconstruir suas vidas em um novo país, mas também enfrentam o impacto de desastres ambientais que podem levá-los a perder tudo mais uma vez”. Ele destacou que incluir essas populações em políticas de adaptação climática e resposta a emergências é fundamental para garantir proteção e dignidade.

O contexto brasileiro reforça a relevância da mostra. As enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, afetaram 2,4 milhões de pessoas, entre elas 43 mil refugiados e solicitantes de refúgio, principalmente vindos da Venezuela e do Haiti. O episódio revelou como a crise ambiental no Brasil também atinge diretamente quem vem ao país em busca de abrigo.
Segundo o relatório “Refúgio em Números”, publicado pelo Ministério da Justiça e pelo ACNUR em 2025, o Brasil registrou 68.159 pedidos de refúgio em 2024, um aumento de 16,3% em relação ao ano anterior. Do total, 13.632 pessoas tiveram o status reconhecido. Entre 2015 e 2024, o país acumulou 156,6 mil refugiados reconhecidos. As nacionalidades mais frequentes foram venezuelana (39,8%), cubana (32,7%) e angolana (5%). No cenário global, o ACNUR estima que 123,2 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar até o fim de 2024.
Para a administração do aeroporto, a iniciativa cumpre o papel de provocar reflexão em um espaço de grande circulação. Em nota, o diretor-executivo de Congonhas, Kleber Meira, lembrou que o aeroporto “é também um ponto de partida e chegada para pessoas que não viajam por escolha, mas porque foram obrigadas a deixar tudo para trás”.
A exposição também dialoga com o calendário internacional. Em novembro, o Brasil sediará a COP30, em Belém, encontro que reunirá lideranças de mais de 190 países para discutir a crise climática. Em nota oficial, o ACNUR destacou que a mostra antecipa um dos debates centrais da conferência: como eventos ambientais extremos intensificam desigualdades e atingem de forma desproporcional populações já vulneráveis.
No mesmo dia em que representantes do governo brasileiro discursavam na conferência climática em Bonn, na Alemanha, defendendo um protagonismo ambiental rumo à COP30 (Conferência do Clima das Nações Unidas), a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizava um dos maiores leilões de áreas de extração de petróleo do ano, com destaque para locais na região da Foz do Amazonas.
O contraste entre discurso e prática acendeu alertas entre ambientalistas, diplomatas e organizações indígenas, colocando o Brasil em situação delicada poucos meses de sediar a COP30, marcada para novembro em Belém (PA).

O que foi leiloado?
O 5º ciclo da Oferta Permanente de Concessão da Agência Nacional do Petróleo (ANP) ofertou 172 blocos de exploração em cinco bacias sedimentares. Desses, 47 blocos estavam localizados na Bacia da Foz do Amazonas, uma área de rica biodiversidade marinha, com presença de corais, recifes e comunidades tradicionais.
Ao final do leilão, realizado nesta segunda-feira (16), 34 blocos foram arrematados, arrecadando R$ 989 milhões em bônus de assinatura, valor quase 65% acima da expectativa inicial da própria ANP.
Mais de 85% desse montante veio de lotes situados na Foz do Amazonas, arrematados por gigantes como Petrobras, Chevron, ExxonMobil e CNPC. O consórcio Chevron-CNPC, por exemplo, arrematou nove deles com um ágio superior a 1.200% em alguns casos.
Por que a Foz do Amazonas é tão polêmica?
A região onde os blocos estão localizados é ambientalmente sensível e ainda pouco conhecida. Estudos científicos recentes revelam a existência de recifes de corais e espécies únicas no encontro das águas do rio Amazonas com o Oceano Atlântico. Ambientalistas alertam para o risco de derramamentos e danos irreversíveis à biodiversidade.
Além disso, parte das áreas ainda não tem licença ambiental para exploração e não passou por consulta prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, como determina a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que pode levar à judicialização dos contratos.
O Ministério Público Federal no Pará entrou com ações pedindo a suspensão do leilão, enquanto ONGs ambientais classificaram a iniciativa como “incompatível com os compromissos climáticos do Brasil”.
O peso das emissões
A exploração dos blocos vendidos pode liberar até 11 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente, segundo estimativas do Instituto Arayara, entidade internacional que atua há 30 anos na defesa do meio ambiente. Isso representa aproximadamente 5% do orçamento global de carbono disponível para manter o aquecimento abaixo de 1,5 °C, meta central do Acordo de Paris, tratado internacional juridicamente vinculativo sobre mudanças climáticas.
Só a Foz do Amazonas responderia por 4,7 bilhões de toneladas dessas emissões, mais do que todo o setor agropecuário brasileiro em seis anos.
Bonn, COP30 e o paradoxo climático brasileiro
Em Bonn, onde ocorre a reunião preparatória para a COP30, o Brasil buscou se firmar como liderança ambiental no sul global. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, participou de encontros destacando a necessidade de um “balanço ético global” e defendendo que países em desenvolvimento recebam apoio para promover uma transição energética justa.
No entanto, o leilão de blocos fósseis no mesmo dia do evento internacional foi visto como uma contradição gritante. Líderes indígenas, como o cacique Ninawá Huni Kui, acusaram o governo de hipocrisia climática. “Não é possível falar em transição energética ao mesmo tempo em que se amplia a fronteira fóssil na Amazônia”, disse durante sua participação no painel de abertura do evento Diálogos Amazônicos.

Interesse econômico ou estratégia de transição?
O governo federal e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) justificaram o leilão por meio de notas oficiais publicadas em 10 de junho de 2025, nos portais do Ministério de Minas e Energia (MME) e da própria ANP. Nas comunicações, alegam que a medida visa garantir a segurança no abastecimento de energia do país e gerar recursos que, segundo eles, serão destinados a financiar a transição energética para fontes renováveis.
Os contratos exigem investimentos em tecnologias de baixo carbono e preveem que parte dos recursos arrecadados possa ser destinada a projetos sustentáveis. A medida, no entanto, gerou questionamentos por parte de organizações ambientais.
Em nota publicada no dia 10 e 11 de junho, o Greenpeace criticou a realização do leilão e apontou contradições entre a expansão da exploração de petróleo e o compromisso do Brasil com a descarbonização. A entidade, que atua globalmente no monitoramento de políticas climáticas, afirmou que a iniciativa coloca em risco a credibilidade do país nas negociações internacionais sobre o clima.











