Outubro foi um mês marcante para São Paulo. Na noite do dia 11, rajadas de vento de até 107,6 km/h surpreenderam a população paulista e deixaram sem energia elétrica mais de 496 mil residências na capital e 3,1 milhões no estado, além de gerar telhados arrancados, árvores derrubadas e um apagão que duraria até 5 dias em determinadas regiões. Ainda impactados com a destruição deixada, paulistanos foram notificados da possibilidade da queda de granizo e ventos a 60 km/h no final de semana seguinte. Na chegada da sexta-feira (18), o clima não poderia estar mais distante do previsto, apenas com uma leve garoa.
Esse cenário de inconsistência planta a dúvida: quais são os fatores que causam tamanhas alterações de tempo? Os sistemas de previsão ainda são eficazes para garantir que a população e órgãos públicos estejam preparados para lidar com crises climáticas?
Para entender a situação, é necessário compreender as movimentações maiores de clima e território. Por um lado, mudanças repentinas são mais comuns durante a primavera, por outro, seus efeitos em 2024 foram agravados por picos de temperatura inéditos. “As primeiras pancadas de chuva da primavera vêm com intensidade pois é o momento de virada entre o clima seco do inverno para umidade do verão. Tivemos um intenso período de estiagem e altas temperaturas no interior do Brasil, e quanto mais calor na atmosfera, mais energia para formação de nuvens de tempestade quando entra a frente fria" explica a especialista em meteorologia Maria Clara Sassaki.
A seca que a especialista menciona ainda afeta o país e compromete 55% do território nacional, segundo estudos feitos pela Universidade Federal de Alagoas. O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais) relatou que, diferente do último recorde de secas em 2015, os impactos da falta de chuva e calor intenso não se restringiram ao norte e nordeste do país, mas se mostraram mais generalizados e intensos em todo território. No interior de São Paulo, as queimadas durante o mês de agosto deixaram a umidade do ar abaixo de 20% e temperatura acima de 35°C. O Monitor do Fogo do MapBiomas estima que a área queimada no Brasil cresceu em 150% em relação ao ano passado, totalizando uma área equivalente ao estado inteiro de Roraima.
A intensificação das secas impacta nos ventos extremos em São Paulo. fonte: Cemaden
Eventos extremos, como os ventos que passaram por São Paulo, são esperados pela meteorologia, mas o acúmulo de gases estufa na atmosfera, que é liberado pelas queimadas intensas - e por atividades humanas, como o uso de combustíveis fósseis -, agravam o aquecimento global e aumentam a frequência com que esses episódios acontecem. "O aquecimento global e mudanças climáticas tornaram esses eventos extremos mais recorrentes, e para isso, o modelo matemático usado para a previsão não estava preparado, como foi o caso do Rio Grande do Sul. Se o modelo não viveu aquilo antes, é difícil ter precisão nos impactos", comenta Sassaki, “são eventos que raramente acontecem e agora os detectamos com menos de um ano de intervalo entre si".
Maria Clara também afirma que os modelos matemáticos são constantemente atualizados para se adaptarem ao ritmo das mudanças temporais, e que ambos os vendavais em São Paulo foram previstos e notificados, mas se perderam em meio as notícias climáticas sobre o furacão Milton que atravessava os Estados Unidos naquela mesma semana. Sendo assim, até mesmo o espaço midiático contribuiu para um contexto de despreparo da população. “As atenções estavam voltadas para esse fenômeno que estava acontecendo com o furacão Milton. Havia um aviso da defesa civil e ele foi circulado entre os grupos, mas acabou se perdendo no meio de tantas notícias do furacão, foi uma falha na comunicação.”
Os alertas sobre esses eventos climáticos intensos, são emitidos pela Defesa Civil de acordo com os cenários mais preocupantes previstos, para que a precaução seja feita da forma mais eficiente possível. Por isso, no dia 18 de outubro houve a sinalização de uma segunda tempestade que não ocorreu, mas preparou as cidades caso acontecesse.
A analista de marketing, Maria Eduarda Frazzato, mora em Dolcinópolis (interior de São Paulo) e trabalha de forma híbrida para uma empresa localizada na capital. Com o alerta sobre a tempestade, sua empresa preferiu manter os funcionários em casa: “Eu voltaria para São Paulo na quinta, pois sexta seria meu dia presencial. Porém, com o alerta, meu chefe dispensou a equipe e mantemos o home office para evitar problemas na volta para casa”, relata Frazzato.
Algumas melhorias podem ser feitas para uma melhor previsão do tempo, como mais investimento para o aprimoramento das inteligências artificiais e modelos meteorológicos utilizados. “O Brasil tem pouquíssimos radares meteorológicos comparado com os Estados Unidos, por exemplo. Então se a gente aumentar essa quantidade, coletamos mais dados iniciais e abastecemos com com mais precisão os modelos que fazem as previsões", explica a especialista.
O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) - organização sem fins lucrativos que atua em prol do desenvolvimento socioambiental e da justiça climática na Amazônia - divulgou novos dados sobre a degradação florestal na Amazônia. No mês de setembro de 2024, o bioma atingiu um nível alarmante com 20.238 km² de área degradada, segundo a organização. Esse número representa a maior área degradada em quinze anos, e equivale a mais de treze vezes o território da cidade de São Paulo.
Setembro foi o quarto mês consecutivo de aumento na degradação da floresta. Somente este ano, entre janeiro e setembro, 26.246 km² foram destruídos, um recorde em comparação aos 6.869 km² registrados no mesmo período em 2022.

Apenas o Pará registrou 57% das áreas de floresta degradadas na Amazônia, passando de 196 km² em setembro de 2023 para 11.558 km² no mesmo mês deste ano, quase 60 vezes mais. No ranking dos dez municípios mais degradados em setembro de 2024, sete são paraenses, incluindo os três primeiros: São Félix do Xingu (3.966 km²), Ourilândia do Norte (1.547 km²) e Novo Progresso (1.301 km²).
Outros estados também apresentaram alta na degradação: Mato Grosso (25%), Rondônia (10%) e Amazonas (7%). Em Rondônia, a área passou de 50 km² em setembro de 2023 para 1.907 km² no mesmo mês deste ano, um aumento de 38 vezes.
Entre as áreas de proteção, a Terra Indígena Kayapó foi a mais impactada pelo segundo mês consecutivo, representando 17% da degradação com 3.438 km² afetados.
Desde 2009, o Imazon monitora a degradação na Amazônia por imagens de satélite, como parte de seu trabalho para promover o desenvolvimento socioambiental e a justiça climática no bioma. As principais causas são a exploração madeireira e as queimadas, ameaças graves à fauna e à flora.
Na noite desta terça-feira (29), chuvas torrenciais atingiram a região de Valência, leste espanhol. A grande força da água arrastou carros, destruiu pontes e deixou um cenário de devastação. Segundo autoridades locais, 158 mortes foram confirmadas até o momento. Dezenas de pessoas estão desaparecidas e milhares estão desabrigadas, porém os números ainda são incertos. A defesa civil já realizou 3.400 resgates, desde terça-feira, e segue em busca de desaparecidos. A tempestade foi a pior do século, de acordo com o serviço meteorológico da Espanha, o Aemet.
Causas climáticas
Tempestades com ventos fortes, granizo e trovoadas, batizadas de ‘gota fria’ pelos espanhóis - mas oficialmente chamada de Dana (depressão isolada em altos níveis, na sigla em espanhol) - são características do outono europeu. A chuva já é esperada nesta época do ano, e, inclusive, a formação da Dana foi alertada pelo Aemet às vésperas da tragédia. O que surpreendeu foi a intensidade da chuva, agravada pela desregulação climática decorrente das ações humanas.
Meteorologistas espanhóis apontam uma relação direta dos desastres à mudança climática. O aquecimento do mar Mediterrâneo - atualmente 2°C acima do normal - cria massas de ar quente. Quando essa massa, quente e úmida, se choca com o ar frio da Dana, isso potencializa a violência e força da tempestade.
Nas regiões mais afetadas, a recomendação do governo é que os cidadãos permaneçam em suas casas.
Em municípios vizinhos, como Turís e Utiel, o volume das chuvas ultrapassou o esperado para o ano inteiro.

Serviços interrompidos
As zonas afetadas se encontram em situações críticas. Rodovias seguem inutilizáveis e trens foram suspensos. Museus, escolas e bibliotecas tiveram seus serviços igualmente interrompidos e milhares de casas se encontram sem luz elétrica ou redes de telefone.
A Federação Espanhola de Futebol adiou as eliminatórias da Copa Rei da Espanha, entre os clubes Parla Escuela e Valência, que estavam previstas para ocorrer nesta quarta-feira (30). A LaLiga também avalia a suspensão da partida entre o Valência e o Real Madrid, programada para o próximo sábado (02).
Cidades em alerta
Residentes de Valência acordaram nesta quinta-feira (31) sob alerta vermelho, e devem enfrentar mais chuvas intensas. O alerta de perigo máximo também foi emitido para 5 outras comunidades próximas, incluindo a cidade de Barcelona, que além das fortes chuvas, deve enfrentar granizo e tornados nos próximos dias, principalmente nas zonas costeiras.
Em meio a toda a devastação, o governo da Espanha decretou três dias de luto a partir desta quinta-feira.
A Comissão Europeia anunciou na quarta-feira, 02 de outubro, a proposta de adiar o início da aplicação da Lei Antidesmatamento. Se essa mudança for aprovada, a lei deve entrar em vigor somente dia 30 de dezembro de 2025, no caso das grandes empresas, e junho de 2026, para micro e pequenas empresas. O objetivo é garantir uma implementação mais gradual das medidas.
A legislação, oficialmente chamada "Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR)", visa proibir a importação, por parte dos países do bloco econômico, de produtos provenientes de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. Atualmente, ela está prevista para ser implantada em 30 de dezembro deste ano. No entanto, ela tem sido alvo de críticas do agronegócio e governo brasileiros, que veem na norma um desafio para as exportações.

Somente em 2021, de acordo com o Relatório Anual do Desmatamento feito pelo Mapbiomas, 97% do desmatamento ilegal realizado no país foi causado pelo agronegócio, o que provocou perda de vegetação nativa, principalmente na Amazônia - que concentrou 59% da área desmatada no período -, seguida por Cerrado (30%) e Caatinga (7%).
Produtos como café, soja, óleo de palma, madeira, couro, carne bovina, cacau e borracha estão entre os itens que serão diretamente impactados. Estima-se que 15% das exportações totais do Brasil e 34% das exportações brasileiras para a União Europeia possam ser afetadas pela medida.
O Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil elogiou a proposta de adiamento, destacando o papel do Brasil nas negociações. "Esse resultado reflete o diálogo internacional no qual o Brasil teve um papel fundamental ao destacar as preocupações de nossos produtores", afirmou o ministério em nota enviada à AFP.
Em setembro, em carta enviada à cúpula da União Europeia, o governo brasileiro pediu que a Lei Antidesmatamento fosse suspensa, sob risco de prejudicar as exportações brasileiras para o bloco europeu.
A Comissão Europeia, responsável pela elaboração de propostas legislativas, submeteu o pedido de adiamento ao Parlamento Europeu, que deverá aprovar ou rejeitar a proposta.
Sobre a Lei Antidesmatamento
A Lei Antidesmatamento da União Europeia proíbe a importação de produtos originários de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020, mesmo em casos de desmatamento legal. A medida abrange sete setores, muitos deles presentes na pauta de exportação brasileira: carne bovina, café, cacau, produtos florestais (como papel, celulose e madeira), soja, e borracha. Também inclui o óleo de palma, único item não exportado pelo Brasil, mas que afeta produtos derivados, como couro, móveis e chocolate.
Na última terça-feira (24), aconteceu o primeiro dia da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Por tradição, cabe ao Brasil, representado pelo presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva (PT), abrir os discursos do encontro anual, que reúne líderes de mais de 190 países. Na ocasião, o brasileiro reforçou o papel do país no combate às mudanças climáticas, sublinhando a urgência de ações globais.
O chefe de Estado destacou a crise climática como um dos principais temas, afirmando que não é possível “desplanetizar a vida em comum” e que o mundo está "condenado à interdependência". Ele também criticou o descumprimento de acordos climáticos, afirmando que "o planeta está farto de promessas não cumpridas".
Para ilustrar os efeitos das mudanças climáticas, o presidente citou as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca severa na Amazônia. Além disso, reafirmou o compromisso de erradicar o desmatamento na Amazônia até 2030. “No sul do Brasil, tivemos a maior enchente desde 1941. A Amazônia enfrenta a pior seca em 45 anos. Incêndios florestais se alastraram pelo país, destruindo 5 milhões de hectares só em agosto. Meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica de sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais. Além de combater a crise climática, enfrentamos aqueles que lucram com a degradação ambiental. Não toleraremos crimes ambientais, mineração ilegal e crime organizado. Reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% no último ano e vamos erradicá-lo até 2030”, declarou Lula.
Presidente discursando na abertura do debate da 79° Assembleia Geral da ONU. Imagem: Ricardo Stuckert/PR.
Lula também salientou sobre a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em Belém (Pará), em 2025. Ele reforçou a importância do multilateralismo e o compromisso do Brasil com a limitação do aumento da temperatura global. “O Brasil sediará a COP30 em 2025, convicto de que o multilateralismo é o único caminho para enfrentar a urgência climática. Nossa Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) será apresentada este ano, alinhada ao objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5°C”, pontuou.
Confira aqui a fala completa do presidente na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas em seu canal do Youtube.