Oposição e movimentos sociais apontam contradição entre a agenda ambiental do governo e aumento da fronteira petrolífera na Amazônia
por
Iasmim Silva
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19/06/2025 - 12h

No mesmo dia em que representantes do governo brasileiro discursavam na conferência climática em Bonn, na Alemanha, defendendo um protagonismo ambiental rumo à COP30 (Conferência do Clima das Nações Unidas), a  Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizava um dos maiores leilões de áreas de extração de petróleo do ano, com destaque para locais na região da Foz do Amazonas.


O contraste entre discurso e prática acendeu alertas entre ambientalistas, diplomatas e organizações indígenas, colocando o Brasil em situação delicada poucos meses de sediar a COP30, marcada para novembro em Belém (PA).

Brasil leva preparativos da COP30 à conferência climática da ONU na Alemanha. Reprodução: UNFCCC.
Brasil leva preparativos da COP30 à conferência climática da ONU na Alemanha. Reprodução: UNFCCC.

O que foi leiloado?

O 5º ciclo da Oferta Permanente de Concessão da Agência Nacional do Petróleo (ANP) ofertou 172 blocos de exploração em cinco bacias sedimentares. Desses, 47 blocos estavam localizados na Bacia da Foz do Amazonas, uma área de rica biodiversidade marinha, com presença de corais, recifes e comunidades tradicionais.

Ao final do leilão, realizado nesta segunda-feira (16), 34 blocos foram arrematados, arrecadando R$ 989 milhões em bônus de assinatura, valor quase 65% acima da expectativa inicial da própria ANP.

Mais de 85% desse montante veio de lotes situados na Foz do Amazonas, arrematados por gigantes como Petrobras, Chevron, ExxonMobil e CNPC. O consórcio Chevron-CNPC, por exemplo, arrematou nove deles com um ágio superior a 1.200% em alguns casos.

Por que a Foz do Amazonas é tão polêmica?

A região onde os blocos estão localizados é ambientalmente sensível e ainda pouco conhecida. Estudos científicos recentes revelam a existência de recifes de corais e espécies únicas no encontro das águas do rio Amazonas com o Oceano Atlântico. Ambientalistas alertam para o risco de derramamentos e danos irreversíveis à biodiversidade.

Além disso, parte das áreas ainda não tem licença ambiental para exploração e não passou por consulta prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, como determina a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que pode levar à judicialização dos contratos.

O Ministério Público Federal no Pará entrou com ações pedindo a suspensão do leilão, enquanto ONGs ambientais classificaram a iniciativa como “incompatível com os compromissos climáticos do Brasil”.

O peso das emissões

A exploração dos blocos vendidos pode liberar até 11 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente, segundo estimativas do Instituto Arayara, entidade internacional que atua há 30 anos na defesa do meio ambiente. Isso representa aproximadamente 5% do orçamento global de carbono disponível para manter o aquecimento abaixo de 1,5 °C, meta central do Acordo de Paris, tratado internacional juridicamente vinculativo sobre mudanças climáticas.

Só a Foz do Amazonas responderia por 4,7 bilhões de toneladas dessas emissões, mais do que todo o setor agropecuário brasileiro em seis anos.

Bonn, COP30 e o paradoxo climático brasileiro

Em Bonn, onde ocorre a reunião preparatória para a COP30, o Brasil buscou se firmar como liderança ambiental no sul global. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, participou de encontros destacando a necessidade de um “balanço ético global” e defendendo que países em desenvolvimento recebam apoio para promover uma transição energética justa.


No entanto, o leilão de blocos fósseis no mesmo dia do evento internacional foi visto como uma contradição gritante. Líderes indígenas, como o cacique Ninawá Huni Kui, acusaram o governo de hipocrisia climática. “Não é possível falar em transição energética ao mesmo tempo em que se amplia a fronteira fóssil na Amazônia”, disse durante sua participação no painel de abertura do evento Diálogos Amazônicos.

Manifestantes e Cacique Ninawá Huni Kui reunidos em Bonn, na Alemanha, para protestar contra novo leilão de óleo e gás no Brasil. Foto: Divulgação/350.org.
Manifestantes e Cacique Ninawá Huni Kui reunidos em Bonn, na Alemanha, para protestar contra novo leilão de óleo e gás no Brasil. Reprodução: 350.org.

Interesse econômico ou estratégia de transição?

O governo federal e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) justificaram o leilão por meio de notas oficiais publicadas em 10 de junho de 2025, nos portais do Ministério de Minas e Energia (MME) e da própria ANP. Nas comunicações, alegam que a medida visa garantir a segurança no abastecimento de energia do país e gerar recursos que, segundo eles, serão destinados a financiar a transição energética para fontes renováveis.

Os contratos exigem investimentos em tecnologias de baixo carbono e preveem que parte dos recursos arrecadados possa ser destinada a projetos sustentáveis. A medida, no entanto, gerou questionamentos por parte de organizações ambientais.

Em nota publicada no dia 10 e 11 de junho, o Greenpeace criticou a realização do leilão e apontou contradições entre a expansão da exploração de petróleo e o compromisso do Brasil com a descarbonização. A entidade, que atua globalmente no monitoramento de políticas climáticas, afirmou que a iniciativa coloca em risco a credibilidade do país nas negociações internacionais sobre o clima.

Site Entrelinhas: em meio a arranha céus e vielas a natureza vai escorrendo
por
Vítor Nhoatto
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16/06/2025 - 12h

Apesar de viver-se um tempo de emergênciua climática e sentir seus efeitos na prática, nem todos são afetados da mesma forma. Para isso se dá o nome de racismo ambiental, tema central do novo site Entrelinhas. Idealizado e produzido pelo aluno de jornalismo, Vítor Nhoatto para a disciplina de Jornalismo Contra-Hegemônico, conta com a orientação da professora e doutora Anna Flávia Feldmann.

O projeto se desenvolve ao longo de uma série de quatro reportagens, que contam com entrevista de especialistas de norte a sul do Brasil e relatos de quem sente na pele o peso de viver em uma sociedade que precisa de mudança. É proposto um espaço de letramento racial e ambiebtal, baseado em dados e fatos, que muitas vezes são ofuscados pelos outdoors, ou ignoados por empresas e governos.

Com uma linguagem que se aproxima do dia a dia do leitor, o site ainda conta com reportagens especiais desenvolvidas pelo estudante, demonstrando como tudo está interligado. E para saber mais sobre as entranhas ambientais, é só acessar o Entrelinhas pelo link abaixo:

https://entrelinhasambiental.my.canva.site/

Com participação de lideranças indígenas e acadêmicas, simpósio destacou a urgência ambiental como eixo estratégico para a reconstrução do projeto político progressista
por
Anna Cândida Xavier
Camila Bucoff
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14/05/2025 - 12h

O seminário nacional sobre o futuro da esquerda brasileira: impasses e desafios ocorreu de 12 a 15 de maio no prédio de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. A mesa de crise ecológica e emergência climática aconteceu na quarta-feira (14), mediada pelo Manifesto Coletivo e composta por Vladimir Safatle, docente responsável pelo evento, Jera Guarani, educadora e líder indígena do povo guarani mbya, e Luiz Marques, professor livre-docente aposentado e colaborador do Departamento de História da Unicamp. 

A mesa reforçou a necessidade de ações políticas e econômicas cientificamente e culturalmente informadas contra o aquecimento global. "Vivemos os anos mais frios do futuro", afirma o professor Luiz Marques, que  alerta para o aquecimento global de ao menos 2° celsius em finais dos anos 2030. Segundo o INPE, de 1971 a 2021, 3 milhões 052 mil e 247 km quadrados da cobertura vegetal nativa foi desmatada no Brasil e mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para pastagem. Assim, o professor coloca o agronegócio como o inimigo número 1° do Brasil e o principal emissor de gases poluentes do país.  

Já Jera Guarani ressaltou a importância da demarcação das terras indígenas para a preservação ambiental e cultural do Brasil. Atualmente seu trabalho é voltado para a segurança alimentar indígena: “não dá para ter guarani forte e inteligente tomando coca-cola e comendo salgadinho. A comida é sagrada, o plantio e a colheita são fundamentais para a autonomia indígena", alerta.  

Vladimir Safatle afirmou que historicamente a questão ecológica está ausente na esquerda brasileira, “fomos cúmplices dessa ideia de progresso e desenvolvimento, um dos problemas fundamentais do capitalismo”, e reitera que devemos "habitar a terra, e não consumi-la como mercadoria – para ele essa é a irracionalidade estrutural do capitalismo, a exploração desenfreada de recursos finitos".

O professor defende ainda a soberania popular e que a esquerda deve sonhar novos futuros: "Esta crise ecológica nos coloca duas questões muito claras. A primeira delas é a sua urgência. Ela não aceita que nós esperemos mais 10 anos, nós esperamos mais 20 anos. Porque o seu processo de aceleração, como ficou claramente mostrado aqui, é exponencial. Ele exige uma ação para ontem. A segunda é entender que essa questão é, antes de qualquer coisa, um problema político. E se ela é um problema político, então, como todo problema político, se resolve quando nós mudamos aqueles que decidem sobre ele.

O modelo atual de decisão, que nos está sendo imposto, ele é uma parte do problema. Ele nunca vai ser uma parte da solução. Você pode gastar milhões com estas festas de diplomacia internacional - COPS 85, COPS 87, COPS 30 - em que você mobiliza setores muito engajados dos processos de organização da sociedade. Normalmente eles sempre saem frustrados, porque eles veem que, afinal de contas, essas reuniões não tem nenhuma função, já que sua função central e efetiva é gerenciar o tempo. Comprar tempo". 

A estudante de Ciências Sociais da universidade, Bruna Nascimento, também comenta sobre a questão. "Então, o que a gente, na verdade, está vendo, é uma contradição em relação à agenda do governo aqui dentro do Brasil, que é passar o PL do desmatamento no Senado, como aconteceu recentemente, ou trazer para a voga a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Isso é o maior absurdo que a gente pode ouvir no momento que estamos falando sobre emergência climática no presente, não mais no futuro.

"Um momento em que o mundo já aumentou em mais de um grau e meio de temperatura, e isso é uma situação absolutamente emergencial. A gente deve esperar de um governo de esquerda mais alinhamento na pauta, mais alinhamento do que estamos discutindo", diz Nascimento.

"Como a gente pode discutir dentro da COP30 todos esses assuntos revolucionários, para a mudança climática, se dentro da nossa agenda, dentro do nosso Senado, estamos falando sobre desmatamento, sobre destravar a economia do país explorando recursos naturais", questiona Nascimento.

Charlon Fernandes, outro discente do curso, critica a forma como o governo federal tem conduzido o debate climático. "Acho que um governo de esquerda, quando vai debater a questão climática, tem que fazer um debate muito sério, o que a gente não vê hoje. Por exemplo, o governo brasileiro é um governo federal querendo pautar a extração de petróleo na foz do rio Amazônia, sendo que já existem pesquisas comprovando quão danoso isso será, um governo que em menos de 12 horas vai ter petróleo na Guiana, em águas internacionais, prejudicando todo o ecossistema mundial. A própria Petrobras anunciou que apenas em 48 horas ela pode conter um vazamento de petróleo, ou seja, o dano já está garantido, é um risco calculado, previsível, e que o governo federal está querendo tomar", diz Fernandes no evento. 

Para ele "outra questão que também tem que ser colocada no debate sobre as fontes renováveis, que é muito importante a gente avançar, mas não podemos fazer uma troca absurda como vem acontecendo. Como o caso da usina de Belo Monte,  que foi uma grande campanha do governo federal para construir uma usina hidrelétrica, mas que prejudicou diversos povos nativos, a cultura, povos quilombolas e ribeirinhos que foram totalmente danificados pela construção".

Além disso, a expansão das energias eólicas no Nordeste simboliza, por exemplo, em pesquisas apontadas por universidades federais, o dano a comunidades de bandos de pássaro. Ou seja, isso é um debate climático sério? A gente tem que fazer um aprofundamento, porque o governo federal não pode ser conivente com essas políticas que prejudicam o meio ambiente. Como é o caso do Plano Safra, que manda bilhões para o agronegócio, que desmata, que entra no jogo de crédito de carbono, e que não é uma política suficiente. A gente sabe muito bem que esses protocolos e as conferências do clima que acontecem esporadicamente não são a solução da crise climática, que esses acordos, como o Tratado de Paris, não são suficientes para combater e dar retrocesso à crise climática".

 

Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Questões climáticas serão discutidas em meio a Amazônia
por
Cecília Schwengber Leite
Helena de Paula Barra
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09/05/2025 - 12h

Entre os dias 10 e 21 de novembro, Belém (PA) hospedará a 30° Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30). Durante o evento, a capital paraense receberá líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil com o objetivo de discutir ações para enfrentar a emergência climática global. Os principais temas a serem debatidos são a redução de emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; preservação de florestas e biodiversidade; justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas.

Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará
Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará

Em entrevista à AGEMT, Sérgio Haddad, economista, pedagogo e mestre e doutor em História e Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP); e Janaina Uemura, formada em relações internacionais pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), e em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) levantam as principais questões envolvendo a simbologia da COP-30 ter Belém como sede e o papel dos governos e sociedade civil em eventos como esse, principalmente com relação aos seus desdobramentos. Para ouvir a matéria completa, acesse o link:

 

Medida visa combater emissões de gases do efeito estufa, com regras que obrigam empresas a compensar poluentes
por
Majoí Costa
Nicole Conchon
|
21/11/2024 - 12h

 

Floresta Amazônica
Floresta Amazônica / Foto: Neil Palmer

 

 

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (19), o Projeto de Lei 182/2024, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). O objetivo da proposta é estabelecer um mercado regulado de carbono, com o intuito de controlar e reduzir as emissões de gases que agravam o efeito estufa, oferecendo incentivos para que as empresas adotem práticas mais sustentáveis.

O novo sistema funcionará com a criação de cotas de emissão de gases chamados créditos de carbono. Esses créditos são certificados emitidos a partir de ações que reduzem ou capturam gases de efeito estufa. Cada crédito equivale a uma tonelada de dióxido de carbono evitada ou retirada da atmosfera. Eles podem ser comercializados tanto por estatais quanto por empresas privadas.

As empresas que ultrapassarem seus limites de poluição terão que compensar com a compra de créditos. Em contrapartida, aquelas que conseguirem reduzir suas emissões, poderão vender esses créditos, o que gera uma fonte de receita para as práticas mais ecológicas.

A proposta foi idealizada para tornar o mercado mais eficiente e permitir a redução dos impactos ambientais provocados pelas indústrias. 

O projeto foi discutido e aprovado em uma sessão no plenário da Câmara, e agora segue para sanção presidencial. A proposta foi trabalhada em conjunto com o Senado, que já havia aprovado uma versão anterior. O texto estabelece um marco para a criação de um sistema transparente e confiável de monitoramento e controle das emissões no Brasil.

Além disso, o projeto inclui mecanismos de compensação de emissões para veículos automotores e prevê a criação de fundos para apoiar projetos sustentáveis. O mercado será regulamentado por um órgão especializado, garantindo a transparência e a eficácia das ações.

Preservar as nascentes é essencial para garantir a sustentabilidade e qualidade de vida na cidade.
por
Majoí Costa
Nicole Conchon
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21/11/2024 - 12h

São Paulo, a maior cidade do Brasil, esconde um tesouro natural: as nascentes de água. Essas fontes de água, muitas vezes, são invisíveis aos olhos de quem vive na correria do cotidiano paulistano. Porém, se olharmos mais de perto, podemos perceber que são elas que abastecem os rios que cruzam a cidade e que são parte fundamental de um ciclo ecológico essencial para o funcionamento de toda a metrópole. Conhecer essas fontes de água é o primeiro passo para sua preservação e, assim, para a manutenção de uma São Paulo mais verde, mais saudável e mais sustentável.

De acordo com a Secretaria do Verde e Meio Ambiente da cidade de São Paulo, há 10.403 nascentes só na capital. Essas fontes de água são vitais para o abastecimento hídrico da cidade e para o equilíbrio do ecossistema urbano. Mas o curioso é que a maioria da população desconhece sua importância ou, em alguns casos, tenta ocultá-las por acreditar que elas representam um problema. Esse comportamento leva algumas pessoas a cobrir ou "tapar" essas nascentes, o que compromete não só o abastecimento de água, mas também a biodiversidade local.

De acordo com o arquiteto e fundador da ONG Rios e Ruas, José Bueno: “A população foi ensinada a não gostar dos rios e a tratá-los como um problema urbano, mas na verdade os rios são a solução para uma cidade que enfrenta aquecimento global e mudanças climáticas extremas”. 

José andava de bike pelo Butantã quando percebeu que havia água e planta crescendo em uma linha específica da rua Iquiririm que tinha uma parte coberta por mato. Curioso, ele foi seguindo aquele rastro de vegetação e encontrou uma nascente. 

Essa nascente não tinha nome, então ele a nomeou de rio/riacho Iquiririm. Ela encontra com o rio Pirajussara Mirim, que, por sua vez, encontra com Pirajussara e deságua no rio Pinheiros. 

José Bueno junto com Luiz Campos Jr na nascente do Iquiririm
José Bueno junto com Luiz Campos Jr na nascente do Iquiririm / Foto: Arquivo Pessoal

Depois disso ele fundou, junto com seu amigo Luiz de Campos Jr., a ONG Rios e Ruas e publicou um livro sobre a presença dessas nascentes na cidade e como cuidar delas torna a cidade melhor. A intenção do projeto é mudar o nível de consciência não só da população da capital, mas do país inteiro para que as mudanças causem um impacto visível na sociedade. 

“Os rios estão pela cidade inteira, a maioria foi canalizada, desprezada, esquecida e apagada da memória. A má notícia é que eles estão longe da percepção, mas a boa notícia é que eles estão todos vivos, eles foram enterrados vivos”, acrescenta José. 

A importância dessas nascentes vai além de seu papel no abastecimento de água. Elas são fontes de vida para diversas espécies de fauna e flora e desempenham um papel crucial na manutenção da qualidade do ar e do clima na cidade. No entanto, sua preservação está diretamente ligada à conscientização da população sobre sua relevância. A falta de informação sobre o ciclo da água e sobre como o ecossistema urbano se relaciona com esses recursos naturais contribui para a negligência em relação a esses corpos de água.

José Bueno não é o único que luta pelos rios e nascentes na cidade de São Paulo. Adriano Sampaio largou sua vida na administração para fazer um curso de permacultura e nunca mais voltou atrás. Filho de nordestinos e neto de pescadores, Adriano se denomina como “da roça”. Anos depois de sua chegada em São Paulo, Adriano fundou o coletivo Existe Água em SP. “Eu sempre gostei da natureza, de pescar, mas não tinha espaço pra fazer isso em São Paulo até que eu percebi que existe sim natureza aqui, só é preciso encontrá-la”, afirma Sampaio.  

À direita, Adriano Sampaio em dos seus mutirões
À direita, Adriano Sampaio em dos seus mutirões / Reprodução: Facebook

 

E de tanto buscar, Adriano encontrou a Praça das Nascentes, local em que havia diversos charcos d’agua. Essa praça fica localizada em Sumaré, zona oeste de São Paulo. As águas da praça vêm de nascentes do córrego Água Preta. Esse córrego vai descendo, passa pelo Sesc Pompéia, até chegar no rio Tietê. 

Adriano e sua ONG, junto com o coletivo Ocupe e Abrace, juntaram todas essas nascentes e charcos d’agua e transformaram em um grande lago. 

Lago na Praça das Nascentes/ Foto: Divulgação
Lago na Praça das Nascentes / Foto: Divulgação

Adriano relata que sua vida se transformou quando começou essa luta em defesa dos rios e ainda diz: “Eu vejo os rios como artérias porque o planeta é um sistema vivo”. 

A gestão de áreas verdes e de rios precisa ser reforçada com políticas públicas que envolvam a comunidade, para que as pessoas compreendam a importância de manter essas fontes de água em seu estado natural.

Está em trâmite na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei que visa criar Áreas de Preservação Permanente (APP) perto de cursos d'água naturais. O PL 4/2022,  apresentado pelo vereador Toninho Vespoli (PSOL), tem como justificativa a função de preservar os recursos naturais e garantir a segurança e o bem-estar da população.

Especialistas alertam a ultrapassagem do limite estabelecido pelo Acordo de Paris e destacam a rapidez assustadora
por
Leticia Alcântara
Sophia Razel
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19/11/2024 - 12h

É praticamente certo que 2024 irá bater recordes de temperatura e será o ano mais quente já registrado. Pela primeira vez, o planeta deve terminar o ano com a média de temperatura de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Os dados são do relatório do Observatório Europeu Copernicus, divulgados no início de novembro, antes do início da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29). 

O relatório ainda mostrou que não só na Europa, mas também em regiões como o leste da Antártida, Texas, México, Canadá, nordeste da África, Irã, China, Japão e na Austrália as temperaturas também ficaram acima da média. Parte da América do Sul também enfrentou secas e incêndios florestais, como foi o caso do Brasil.

Bombeiros tentando controlar o fogo
Mudanças climáticas favorecem as queimadas Foto: Marcelo Camargo//Agência Brasil

Durante o primeiro dia da COP29, que acontece entre os dias 11 e 22 de novembro na cidade de Baku, no Azerbaijão, o relatório “Atualização do Estado do Clima 2024”  foi divulgado.

De acordo com análise feita pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), organização da ONU, “as ambições do Acordo de Paris estão em grave perigo” uma vez que a temperatura global foi extremamente alta entre janeiro e setembro de 2024. Isso corrobora as projeções do Observatório Europeu, e destaca que 2024 deve ser o ano mais quente da história, superando 2023 que, até então, possuía o posto. 

Acordo de Paris e mobilização mundial 

O Acordo de Paris, tratado internacional que foi assinado em dezembro de 2015 e passou a valer em novembro de 2016, foi adotado por 195 países e tem como objetivo reforçar a ação global contra as mudanças climáticas. Dentre os propósitos, destacam-se reduzir os gases de efeito estufa, como, por exemplo, o dióxido de carbono - que se origina do uso intenso de combustíveis fósseis -, e manter  o aumento da temperatura global abaixo de 2 °C até o final do século. Isso inclui uma série de esforços para limitar esse aumento a 1,5°C. Diante dos dados apresentados, a meta deve ser quebrada.

A vitória do republicano Donald Trump nas eleições dos EUA coloca em xeque as negociações globais futuras e participação estadunidense do acordo.  Em 2017, durante seu primeiro mandato, Trump retirou o país do acordo; tal atitude causou preocupação mundial, já que se trata do segundo país com maiores níveis de emissão de gases de efeito estufa do mundo, perdendo apenas para a China. No início de 2021 seu então sucessor, Joe Biden, voltou a aderir ao acordo. Com o seu retorno à Casa Branca existe forte especulação de uma nova saída.

Quais são as consequências 

Danos climáticos já passaram a ser observados nos últimos anos. O aumento da temperatura dos oceanos, a elevação do nível do mar, incêndios florestais e o derretimento de geleiras são alguns deles. 

Há pelo menos uma década, cientistas já alertam para os perigos iminentes das constantes mudanças climáticas resultadas pelas ações humanas, que estão causando constante destruição e perdas irreparáveis. Desde as ondas de calor intensas à chuvas torrenciais, os efeitos já estão sendo sentidos e, se não controladas as mudanças, a tendência é piorar. 

A OMM ainda alerta para a necessidade urgente de medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e garantir preparo para lidar com as consequências, especialmente em relação a pessoas em situações de vulnerabilidade.

 

Passando por vendavais repentinos e temperaturas mega variantes, fatores - para além do clima - fazem o tempo parecer imprevisível
por
Gisele Cardoso
Maria Eduarda Anjos
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08/11/2024 - 12h

Outubro foi um mês marcante para São Paulo. Na noite do dia 11, rajadas de vento de até 107,6 km/h surpreenderam a população paulista e deixaram sem energia elétrica mais de 496 mil residências na capital e 3,1 milhões no estado, além de gerar telhados arrancados, árvores derrubadas e um apagão que duraria até 5 dias em determinadas regiões. Ainda impactados com a destruição deixada, paulistanos foram notificados da possibilidade da queda de granizo e ventos a 60 km/h no final de semana seguinte. Na chegada da sexta-feira (18), o clima não poderia estar mais distante do previsto, apenas com uma leve garoa.

 

Esse cenário de inconsistência planta a dúvida: quais são os fatores que causam tamanhas alterações de tempo? Os sistemas de previsão ainda são eficazes para garantir que a população e órgãos públicos estejam preparados para lidar com crises climáticas?

 

Para entender a situação, é necessário compreender as movimentações maiores de clima e território. Por um lado, mudanças repentinas são mais comuns durante a primavera, por outro, seus efeitos em 2024 foram agravados por picos de temperatura inéditos. “As primeiras pancadas de chuva da primavera vêm com intensidade pois é o momento de virada entre o clima seco do inverno para umidade do verão. Tivemos um intenso período de estiagem e altas temperaturas no interior do Brasil, e quanto mais calor na atmosfera, mais energia para formação de nuvens de tempestade quando entra a frente fria" explica a especialista em meteorologia Maria Clara Sassaki.

 

A seca que a especialista menciona ainda afeta o país e compromete 55% do território nacional, segundo estudos feitos pela Universidade Federal de Alagoas. O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais) relatou que, diferente do último recorde de secas em 2015, os impactos da falta de chuva e calor intenso não se restringiram ao norte e nordeste do país, mas se mostraram mais generalizados e intensos em todo território. No interior de São Paulo, as queimadas durante o mês de agosto deixaram a umidade do ar abaixo de 20% e temperatura acima de 35°C. O Monitor do Fogo do MapBiomas estima que a área queimada no Brasil cresceu em 150% em relação ao ano passado, totalizando uma área equivalente ao estado inteiro de Roraima.

 

A intensificação das secas impacta nos ventos extremos em São Paulo. fonte: Cemaden

 

Eventos extremos, como os ventos que passaram por São Paulo, são esperados pela meteorologia, mas o acúmulo de gases estufa na atmosfera, que é liberado pelas queimadas intensas - e por atividades humanas, como o uso de combustíveis fósseis -, agravam o aquecimento global e aumentam a frequência com que esses episódios acontecem. "O aquecimento global e mudanças climáticas tornaram esses eventos extremos mais recorrentes, e para isso, o modelo matemático usado para a previsão não estava preparado, como foi o caso do Rio Grande do Sul. Se o modelo não viveu aquilo antes, é difícil ter precisão nos impactos", comenta Sassaki, “são eventos que raramente acontecem e agora os detectamos com menos de um ano de intervalo entre si".

 

Maria Clara também afirma que os modelos matemáticos são constantemente atualizados para se adaptarem ao ritmo das mudanças temporais, e que ambos os vendavais em São Paulo foram previstos e notificados, mas se perderam em meio as notícias climáticas sobre o furacão Milton que atravessava os Estados Unidos naquela mesma semana. Sendo assim, até mesmo o espaço midiático contribuiu para um contexto de despreparo da população. “As atenções estavam voltadas para esse fenômeno que estava acontecendo com o furacão Milton. Havia um aviso da defesa civil e ele foi circulado entre os grupos, mas acabou se perdendo no meio de tantas notícias do furacão, foi uma falha na comunicação.”

 

Os alertas sobre esses eventos climáticos intensos, são emitidos pela Defesa Civil de acordo com os cenários mais preocupantes previstos, para que a precaução seja feita da forma mais eficiente possível. Por isso, no dia 18 de outubro houve a sinalização de uma segunda tempestade que não ocorreu, mas preparou as cidades caso acontecesse.

 

A analista de marketing, Maria Eduarda Frazzato, mora em Dolcinópolis (interior de São Paulo) e trabalha de forma híbrida para uma empresa localizada na capital. Com o alerta sobre a tempestade, sua empresa preferiu manter os funcionários em casa: “Eu voltaria para São Paulo na quinta, pois sexta seria meu dia presencial. Porém, com o alerta, meu chefe dispensou a equipe e mantemos o home office para evitar problemas na volta para casa”, relata Frazzato.

 

Algumas melhorias podem ser feitas para uma melhor previsão do tempo, como mais investimento para o aprimoramento das inteligências artificiais e modelos meteorológicos utilizados. “O Brasil tem pouquíssimos radares meteorológicos comparado com os Estados Unidos, por exemplo. Então se a gente aumentar essa quantidade, coletamos mais dados iniciais e abastecemos com com mais precisão os modelos que fazem as previsões", explica a especialista.

Novos dados sobre a degradação do bioma, divulgados pelo Imazon, revelam a pior degradação dos últimos 15 anos
por
Rafaela Eid
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01/11/2024 - 12h

O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) - organização sem fins lucrativos que atua em prol do desenvolvimento socioambiental e da justiça climática na Amazônia  - divulgou novos dados sobre a degradação florestal na Amazônia. No mês de setembro de 2024, o bioma atingiu um nível alarmante com 20.238 km² de área degradada, segundo a organização. Esse número representa a maior área degradada em quinze anos, e equivale a mais de treze vezes o território da cidade de São Paulo.

Setembro foi o quarto mês consecutivo de aumento na degradação da floresta. Somente este ano, entre janeiro e setembro, 26.246 km² foram destruídos, um recorde em comparação aos 6.869 km² registrados no mesmo período em 2022.

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Sobrevoo em área queimando na Amazônia em 2024. Reprodução: Marizilda Cruppe/Greenpeace.

Apenas o Pará registrou 57% das áreas de floresta degradadas na Amazônia, passando de 196 km² em setembro de 2023 para 11.558 km² no mesmo mês deste ano, quase 60 vezes mais. No ranking dos dez municípios mais degradados em setembro de 2024, sete são paraenses, incluindo os três primeiros: São Félix do Xingu (3.966 km²), Ourilândia do Norte (1.547 km²) e Novo Progresso (1.301 km²).

Outros estados também apresentaram alta na degradação: Mato Grosso (25%), Rondônia (10%) e Amazonas (7%). Em Rondônia, a área passou de 50 km² em setembro de 2023 para 1.907 km² no mesmo mês deste ano, um aumento de 38 vezes.

Entre as áreas de proteção, a Terra Indígena Kayapó foi a mais impactada pelo segundo mês consecutivo, representando 17% da degradação com 3.438 km² afetados.

Desde 2009, o Imazon monitora a degradação na Amazônia por imagens de satélite, como parte de seu trabalho para promover o desenvolvimento socioambiental e a justiça climática no bioma. As principais causas são a exploração madeireira e as queimadas, ameaças graves à fauna e à flora.