O rompimento da barragem do Fundão no município de Mariana (MG) aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, sendo considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil por muitos especialistas do meio ambiente. Contudo, para o povo Krenak o ocorrido ultrapassa os limites de ‘desastre’ e se configura como mais um episódio de luta dos indígenas no Brasil.
De acordo com a Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), os rejeitos devastaram o Distrito de Bento Rodrigues e conduziram-se em 55 km até o Rio Gualaxo, afluente do Rio do Carmo que é afluente do Rio Doce.
Geovani Krenak, líder indígena e vereador da cidade de Resplendor em MG, declara que o intitulado “desastre” deveria na realidade ser retratado como crime, já que foi por negligência da empresa Samarco, subsidiária da Vale, que a barragem cedeu. “É bom olhar os termos utilizados pra gente não reforçar a ideia de desastre, uma coisa mais no âmbito natural, nesse caso foi crime. Um crime premeditado, digamos assim”, afirmou.
Leonardo Alves da Cunha, professor de sociologia do IFSP campus São Miguel Paulista, fala sobre a relação do indígena com a natureza, a qual também se difere de acordo com cada povo. Também orientador do núcleo de estudos afro-brasileiros e indígenas da instituição, afirma que existe para os Krenak, uma ligação cosmológica, de ancestralidade e fixação no território: “A gente poderia chamar de conexão com a natureza no sentido de que eles não a pensam como um depósito de recursos, que pode ser o tempo inteiro utilizado para tirar o que quiser.”
Para a ativista indígena e diretora escolar municipal, Ludimila Krenak, o impacto do crime foi avassalador em todos os âmbitos. A pedagoga pontua que eles tiveram que criar muitas adaptações, como consumir água mineral em garrafas de plástico e necessitar de caminhões pipa: “Depois da contaminação do Watu, nós passamos a ter inúmeras dificuldades para fazer nossos rituais culturais, pois o rio era nossa fonte de alimentos, água, lazer, esportes, onde colhíamos nossas ervas medicinais, ensinávamos as crianças a nadar e a pescar. Perdemos isso tudo”.
"Watu" como é chamado por Ludimila, diz respeito ao Rio Doce que para os Krenak é como um ancestral. Leonardo, ao explicar sobre essa relação, ressalta as falas de Ailton Krenak, em que o escritor discute a existência de muitas humanidades diferentes e a mais próxima dos indígenas tem uma relação muito íntima com as paisagens naturais, considerando-as realmente seres vivos.
Segundo a diretora, "Difícil é encontrar alguma forma que esse crime não me atinja". Aprender a nadar para os Krenak não é apenas nadar como para os não-indígenas. Ela afirma que fazer isso é criar um vínculo eterno com Watu, relatando que aprendeu a nadar no rio juntamente com todos os seus familiares, mas suas 3 filhas não conseguirão seguir a tradição.
"O Watu não conhece minhas duas meninas mais novas, a primeira foi batizada nele, as outras nem isso puderam. As ervas que o rio nos oferecia para dar o primeiro chá e o primeiro banho nos recém nascidos não podemos utilizar mais, isso me fere diariamente, uma ligação espiritual que não existirá com as novas gerações", completa.
O vereador, Geovani, disse também que os Krenak estão exigindo ações referentes à água do Rio Doce e reivindicado minimamente condições de vida no vale. Ele declara com indignação: “O crime aconteceu em 2015, acontece hoje e vai continuar acontecendo durante muito tempo”.
A respeito de tratar esse tema em aula e questionar os alunos sobre como resolver o problema, Alves completa: “Perderam vidas, propriedades, a maneira como viviam coletivamente, seus bens, tanto suas casas quanto seus objetos. Como é que repara isso? Você dá uma indenização? Você manda para um outro lugar? Tem coisas que são imateriais, que você não consegue reparar com dinheiro, né?”
O Xingu é um dos territórios indígenas mais fotografados e filmados no mundo. Sobretudo por olhares quase sempre de uma branquitude que desconhece o protagonismo e a identidade dos povos originários. “Mas hoje nós somos protagonistas da nossa própria história, não conhecíamos o audiovisual, agora conhecemos. Somos donos da nossa imagem e levamos as lutas dos povos do Xingu para museus, festivais, cinemas, redes sociais e exposições”, defende Takumã Kuikur.
Com curadoria de Guilherme Freitas e Takumã Kuikuro, a exposição “XINGU: Contatos” fica aberta ao público até o dia 09.04 no centro de São Paulo e conta como os povos da região do XINGU utilizam equipamentos de audiovisual para registrar sua e forma de ver o mundo para além da visão do homem branco.
A amostra está localizada nos 7° e 8° andar do IMS e lá é possível entender um pouco como câmeras, tripés e lentes chegaram até os indígenas. A maneira como isso é apresentado é bastante plural, sendo possível ter acesso aos textos dos curadores, fotos e vídeos tiradas das populações, até as próprias gravações feitas por elas.
Ao entrar nas salas ocorre uma desconstrução do imaginário popular do que seriam essas comunidades, já que a história dos povos originários sempre foi narrada pelo viés do homem branco. Os documentos expostos subvertem essa narrativa mostrando desde os rituais até o impacto da exploração do meio ambiente. Há uma humanização daqueles que sempre foram desconsiderados pessoas constituídas de direitos.
O último andar do prédio é uma área comum que também expõe algumas atrações mais interativas como, por exemplo, quadros com palavras no dialeto de alguns povos e imagens com a tradução para o português. A exposição é gratuita e pode ser visitada de terça a domingo das 10h às 20h, podendo ser acessada até meia hora antes do encerramento. O IMS fica localizado na Avenida Paulista 2424 ao lado da estação Paulista (linha amarela) e Consolação (linha verde).
Para mais informações acesse: https://ims.com.br/exposicao/xingu-contatos_ims-paulista/
Rio São Francisco,
Rio Pinheiros,
A aldeia de Caynã Pankararu é favela,
Real Parque, próximo ao Estádio do Morumbi.
Morumbi, termo tupi-guarani,
"Morro verde", mas de aspecto concretal.
A aldeia Pankararu é de Pernambuco,
Mas também é Real.
Os corpos que habitam essa comunidade,
De luta contínua, de geração a geração,
São mais do que cultura,
Também são tradição.
Leroy Merlin,
Shopping Cidade Jardim,
O que antes eram terras indígenas,
Hoje são antros do capitalismo sem fim.
Caynã vive, mas a burguesia lhe tirou,
O que antes era lar,
Hoje é Pão de Açúcar,
Não os morros, e sim o supermercado,
Mas ele não se abalou,
Não se sentiu derrotado.
A resistência indígena jovem,
Que ele defende desde que se conhece por gente,
Não fortalece apenas Pankararu,
Mas todos os primos, de norte a sul.
Apesar da distância, a aldeia continua viva,
Mais de duzentas famílias são periféricas,
Com invasões e truculência policial,
Retornar à aldeia nordestina é cultural,
É espiritual.
O ID Jovem traz conforto,
Voltar à aldeia raiz por vinte reais traz o barro sagrado,
A pintura corporal traz o encontro,
Ensinar o sagrado é elevado.
Que as escolas Pankararu,
De professores indígenas e não-indígenas,
Ensinem sempre ao seu povo,
Que resistência é essencial,
Ainda mais para a aldeia Pankararu, que é Pernambuco, é Real.
Por Vitor Simas Ribeiro Costa
O Brasil é ainda o País com maior número de povos indígenas em isolamento voluntário na América do Sul, segundo o MPF (Ministério Público Federal).A diversidade de etnias e línguas é uma característica das populações indígenas no Brasil, diversos em sua sabedoria e modo de vida. O Censo de 2010 registrou 305 etnias e 274 línguas indígenas. A Funai reconhece a existência de 114 registros de indígenas isolados na Amazônia brasileira. São povos que vivem sem contato frequente –ou sem contato nenhum– com outros indígenas e com não indígenas.
O censo dos povos indígenas, a fim de atender a diversidade do modo de vida presente nas mais de 305 etnias presentes no Brasil, conta com peculiaridades. O Recenseamento Indígena vai mostrar o número de pessoas indígenas que vivem no País atualmente e as condições das comunidades, com perguntas sobre etnia, línguas faladas, questões de registro civil, arranjo familiar, religiosidade, deficiência, educação, trabalho, situação do domicílio e dos cômodos, assim como de água, saneamento, destino do lixo e acesso à Internet, entre outros.
Em aldeias nas florestas, distante dos centros urbanos, não há ruas com casas em sequência nas aldeias, há recenseador que opte por fazer a coleta de dados por núcleos familiares. Alguns grupos étnicos habitam malocas ou casas sem paredes, por isso, no questionário é aceito que o domicílio não tenha paredes. Outra adaptação é a pergunta sobre religião ou culto, presente no questionário da população em geral. Em território indígena, a pergunta é “Qual sua crença, ritual indígena ou religião?”, para trazer uma caracterização mais ampla da religiosidade dos povos originários.
Essas peculiaridades foram conferidas por quem foi a campo logo no início da coleta de dados dos indígenas para o Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), na Aldeia Lagoinha, em Mato Grosso do Sul. Na aldeia, vivem indígenas da etnia Terena.
Essa edição vai contar com um importante avanço no mapeamento das aldeias, o que amplia a cobertura da pesquisa. “Nossa cartografia censitária avançou muito de 2010 para agora. Tivemos acesso a um geoserviço de imagem que nos permitiu detalhar a localização de aldeias e comunidades indígenas de forma muito mais precisa que em 2010. Isso nos garante uma ótima cobertura censitária e que não vamos deixar nenhuma aldeia ou comunidade de fora do Censo”, explicou Marta Antunes, coordenadora de Censo de povos e comunidades tradicionais do IBGE.
Nesse contato inicial, é aplicado um questionário sobre a infraestrutura das comunidades indígenas. Essa é a primeira vez que esse tipo de informação será levantada. São perguntas sobre abastecimento de água, de energia e presença de escolas e unidades de saúde. Outras questões são sobre a língua em que as aulas são lecionadas nas escolas, número de professores, hábitos e práticas como a caça, a criação de animais e o artesanato.
O trabalho prévio de mapeamento do IBGE identificou 632 terras indígenas, 5.494 agrupamentos indígenas e 977 outras localidades indígenas, em 827 municípios brasileiros. Caso os recenseadores identifiquem comunidades não mapeadas previamente, elas serão incluídas na pesquisa do Censo. De acordo com o IBGE, os povos em isolamento voluntário não entram no Censo 2022.
Esse mapeamento é de extrema importância para o fortalecimento da visibilidade da existência dos mais diversos grupos étnicos indígenas presentes no Brasil. As equipes do IBGE que vão atuar nos territórios indígenas passaram por um dia a mais de treinamento específico e foram preparadas para a abordagem e possíveis adaptações de metodologia nos questionários. E vão obedecer aos protocolos de saúde, tais como terem tomado as vacinas contra a gripe, a febre amarela e a Covid-19. Devem ainda apresentar teste negativo para Covid-19, declaração de que não teve contato com nenhuma pessoa com sintomas gripais 10 dias antes da entrada em área indígena e usar máscara.
“O Estado é que demarca a terra, é ele que protege os povos indígenas. Ele tem essa obrigação, não é um favor que ele nos faz, é obrigação constitucional de assim proceder. A demarcação é fundamental para que o Estado, a nação, os povos indígenas tenham um limite que ele saiba que sua terra. E os brancos tenham um limite até onde ele pode chegar sem causar mal a esses povos”. Alerta Sydney Possuelo ex-presidente da Funai em especial Terra Yanomami feito pelo Instituto Socioambiental.
Os povos indígenas têm uma relação muito profunda com a natureza, por isso é tão importante a demarcação de suas terras, por justiça ambiental, social e para a perpetuação de suas tradições e cultura ao longo das gerações.
"'E aí, curumim, como é que cê tá?' 'A sua tribo é qual? Os canibais?' 'Eu posso conversar com você, ou você vai me morder?'" Esses foram alguns dos comentários que o professor Alvaro Azevedo Gonzaga escutou vindo de um colega do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) na sala de professores. O docente compartilhou tais acontecimentos no evento promovido pelo programa Pindorama na quinta-feira, 22 de setembro.
O programa Pindorama da PUC-SP, responsável pela promoção de bolsas de estudos para indígenas na universidade, realizou o evento da Retoma Indígena dos dias 19 ao 24 de setembro. As reuniões acontecem desde 2008 de forma anual com organização mútua da coordenação com os alunos da plataforma, apoiadas por siglas como por exemplo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e o Núcleo de Gênero, Raça e Etnia, do Curso de Serviço Social.
Em contato via WhatsApp, Amanda Santos Pankararu, assistente social por meio do Pindorama e hoje doutoranda em outra instituição, explicou sobre a expressão definida para o seminário e seu objetivo: "nós fazemos esse evento enquanto programa Pindorama no intuito de dar visibilidade para a presença indígena na universidade. A gente chama de retomada pensando que todo o território é indígena. Então, é um processo de retomar o que é nosso."
A pauta para os encontros foi uma crítica ao bicentenário, comemorando neste ano, da autonomia conquistada pelo Brasil em relação a Portugal, na era colonial - "Independência para quem? Luta e Resistência dos Povos Indígenas". Vanuza Kaimbé nos deu suas impressões gerais sobre a semana comemorativa: "foi de uma riqueza milenar, pois nós somos sabedores da ciência, educação, proteção à vida humana e da mãe terra."
22/09 - Bate papo: Como é ser estudante indígena na PUC-SP
Amanda Santos, mediadora do evento, deu o ponto de largada da conversa pedindo licença a seus ancestrais, àqueles que vieram antes. Em sua introdução abordou o fato de haver poucas pessoas presentes na plateia e questionou, "a gente vai falar de nós para nós e é sempre importante demarcar que esse esvaziamento também é simbólico. Por que não temos aqui pessoas interessadas para discutir, para nos ouvir nesse lugar de saber?"
À respeito do esvaziamento, o outro mediador da mesa, Wesley Pankararu, formado em serviços sociais através do programa Pindorama, também se pronunciou. "A PUC-SP precisa ser cada vez mais 'aldeada' e acho que é muito simbólico que a gente tenha esse esvaziamento. Isso também se reflete nas nossas lutas lá fora. Mostra que as questões indígenas ainda não são pautadas da forma que deveriam, mas a gente ocupar esse espaço aqui também é uma forma de continuar com a nossa resistência, que dura mais de 520 anos."
Nascida na aldeia de Massacará, no sertão da Bahia, Vanuza Kaimbé compartilhou junto à bancada experiências de sua trajetória. "Quando eu entrei no curso de serviço social, já com 45 anos, era uma sala jovens e de pessoas que estavam na segunda, na terceira graduação. Quando eu comecei a fazer os trabalhos acadêmicos, eu senti uma resistência, que as pessoas não queriam fazer o trabalho comigo achando que eu não era capaz."
Também convidada da mesa, Jaciara Guarani Mbyá abordou em seu discurso a necessidade de irmandade e diálogo entre indígenas e não-indígenas. "Temos que ter respeito a todos, porém quando eu vejo pessoas nos denominando como selvagens, eu fico pensando: que civilização pensa dessa forma? Cadê o humanismo, o amor, o respeito?" E concluiu, "a gente vem nesse mundo para aprender, e enquanto a gente não aprender a conviver bem, a respeitar o próximo e suas diferenças, não vamos evoluir."
Após a fala dos membros da mesa, o microfone ficou aberto ao tímido e modesto grupo de pessoas que ali acompanhavam a conversa. Diante da oportunidade e da presença da estudante Cristiane Fairbanks, da Associação dos alunos de pós-graduação da PUC-SP (APG), o Professor Alvaro de Azevedo Gonzaga aproveitou para propor uma ideia que possa resultar em mudanças efetivas no comportamento do corpo docente da universidade. "Nós podemos propor que na semana de recepção aos professores, exista uma formação anti-discriminatória com relação aos estudantes indígenas, pois os professores ainda partem de um racismo recreativo."