Tukuma Pataxo Reprodução / Digital Favela
“Quero que as pessoas conheçam essa história, pois é muito mais do que a romantização da luta indígena. Muitas pessoas dizem: ‘Vocês são heróis’, mas não quero ser heroína de nada, quero ter o direito de ser eu mesma e ter a certeza do meu espaço” protesta Alice Pataxó (21), em uma live feita no Instagram. Indígena da Aldeia Craveiro, na Cidade do Prado, na Bahia, Alice é influenciadora digital e manifesta em suas redes sociais a defesa de seus direitos como mulher nas aldeias e luta pelo reconhecimento de seu povo, cobrando direitos e respeito. Além disso, Alice explica sobre pinturas, acessórios e rituais de suas origens.
Em 2021, a influenciadora participou da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, e ressaltou a importância de “...defender esses territórios, defender a vida”. Alice foi indicada pela ativista paquistanês Malala como “mulheres que levam suas vozes e experiências para o mundo”.
Por fim, a Pataxó destaca, no COP26, sobre os problemas no Brasil sobre terras indígenas, mas reafirma que não irá desistir: “Essa é a primeira vez que saio do meu território, em um momento em que o Brasil vive uma forte decisão sobre as terras indígenas. Mas eu entendo a necessidade de me unir à juventude do mundo para falar sobre isso, para lutar pelo meio ambiente e criar soluções juntos. Estou orgulhosa de poder voltar para minha casa e dizer para meu povo: não estamos mais sozinhos”.
REUTERS / Christophe Petit Tesson MALALA
Alice Pataxó / Arquivo Pessoal
Tukumã Pataxó (22) é outro exemplo de um grande influenciador indígena, sendo ativo em suas redes sociais, contando com mais de 250 mil seguidores no total. Tukumã trabalha como comunicador, é palestrante e host do podcast Papo de Parente, disponível no Globoplay. Além disso, é representante do movimento em prol dos direitos indígenas, produzindo conteúdos voltados a conscientização sobre a urgência em relação a preservação do meio ambiente, desconstrução de estereótipos e distorções históricas.
Em entrevista para a Fundação Tide, Tukumã descreve os principais desafios que encontra para se comunicar com quem pouco se sensibiliza em relação as pautas indígenas: “Cada plataforma tem uma maneira para você lidar com o público. O Papo de Parente foi algo muito novo para mim, tanto que, quando chegou o convite para participar, falei que não sabia gravar podcasts. Mas topei, pois, era algo que queria aprender. Temos de transmitir a emoção do que explicamos para as pessoas escutarem e tentarem imaginar o que tentamos falar para elas.”
Tukumã conta que, em um dia de gravação, ocorreu um confronto na frente da sede da Funai, “No dia da gravação, ocorreu o segundo confronto entre os indígenas e a polícia, quando não deixaram entrar na sede da Funai. Quando parei para almoçar e vi aquilo, sabendo que eu estava no estúdio, em Goiás, e não poderia estar lá.” Ele afirma que ficou ansioso e pensou sobre o que os parentes deles estavam passando enquanto ele estava gravando, após um tempo, o indígena diz que conseguiu falar com o pessoal presente na manifestação e o confronto já tinha se acalmado.
Cabos eleitorais da candidatura de Sonia Guajajara afirmam sofrer xingamentos durante panfletagem na cidade de São Paulo em cenário violento de pré-eleição. Rodrigo Gabriel, indígena do Pico do Jaraguá, ainda contou de uma colega que, enquanto panfletava, levou um tapa na cara.
Encabeçada por Sônia Guajajara, Celia Xakriabá e Shirlei Pankará (candidatas a deputadas pelo PSOL), a “Bancada do Cocar” se dispõe a tratar de pautas relevantes aos povos indígenas, que vêm sofrendo cada vez mais ataques e mortes nos últimos anos .
Quanto às condutas da candidata a deputada federal por São Paulo, Rodrigo afirma estar otimista: “as candidatas tão sempre com a gente, não só mandando a gente trabalhar, mas vindo, dançando”.
Para ele, as representantes da Bancada “lutam pela garantia de direitos que deveriam ser respeitados. O povo indígena tá sofrendo por causa dos políticos e tendo que lutar por coisas que são direito dele. A gente não deveria nem tá passando por isso”.
Rodrigo revela a situação de precariedade na qual os indígenas do Pico do Jaraguá se encontram. “Muitas pessoas abandonam seus animais e cachorros pra gente cuidar, eles abandonam e a gente cuida por obrigação; tem mais cachorro do que indígena”.
A realidade das pessoas que panfletam para a Bancada do Cocar também não é tranquila. O aumento de casos de violência a pessoas que votam em candidaturas alinhadas mais à esquerda, como é o caso da de Sonia Guajajara, não exclui os indígenas que panfletam para elas. Rodrigo afirmou ter sido xingado em vários momentos durante suas atividades.
Osmar da Silva, colega de Rodrigo, disse que acreditava São Paulo não ser tão violento quanto outros estados: “Mato Grosso é mais violento”. Osmar afirmou ter vontade de fazer uma viagem para ver a situação dos indígenas de lá.
Durante o lançamento da pré candidatura de Sônia Guajajara realizado no dia 14/06 deste ano no Teatro da Rotina em São Paulo e cobrido pela AGEMT, Guajajara revelou que os povos indígenas correspondem a 5% da população mundial e que 82% da biodiversidade do planeta se encontra em terras indígenas. Disse que “as empresas que poluem os rios, que poluíram Mariana e Brumadinho, seguem impunes”, mas que quando esses são poluídos: ”não é só o rio que se perde, a nossa cultura vai junto. Todo mundo vai sentir sede, vai ver a água correr, mas a água estará contaminada”.
Sonia também esteve presente na conclusão do julgamento realizado pelo Tribunal Permanente dos Povos - entidade internacional que julga crimes e violações de Direitos Humanos sem a aplicação de pena - que julgou e condenou Jair Bolsonaro por crimes contra a humanidade em sua gestão durante a pandemia no último dia 1.
Antes da decisão, o Tribunal passou por duas sessões nas quais foram ouvidas testemunhas representando os povos indígenas, negros e profissionais de enfermagem. Auricélia da Fonseca, representante dos povos indígenas, enfatizou o “projeto de morte” efetivado pelo atual governo.
Além de Auricélia, Maurício Terena, advogado indígena representante dos Terena, foi uma das testemunhas do julgamento, e, no dia da decisão, reafirmou a importância de, em ano de celebração da Independência no Brasil, o TPP denunciar o presidente da República.
Bolsonaro, embora condenado por crimes contra a humanidade, não foi condenado pelo crime de Genocídio em uma tentativa do Júri de “não banalizar o conceito de”. Sonia rejeitou fortemente a decisão: "O que mais precisa acontecer para que esse governo seja considerado Genocida? O TPP [Tribunal Permanente dos Povos] nega a condenação. Não posso sair daqui feliz com essa sentença parcial”, exclamou.
No dia 4 de setembro, Gustavo Conceição da Silva, um jovem indígena Pataxó de 14 anos foi assassinado em Corumbau, no sul da Bahia. Segundo testemunhas, os criminosos abriram fogo a partir de dois carros. A motivação do crime continua misteriosa assim como os assassinos.
Em 1951, ocorreu um massacre indígena conhecido como “fogo de 51”, organizado pela força Volante do Sul da Bahia contra a nação Pataxó, na aldeia de Barra Velha. A tragédia ocorrida no início de setembro passado, reflete o modo como a sociedade brasileira lida com as questões de demarcação de terras dos povos originários e dessa questão como um todo.
Cerca de 5% da população mundial é indígena, e juntos protegem aproximadamente 82% da biodiversidade do planeta. Com tamanha relevância ecológica, principalmente na era em que mais se discute a questão das mudanças climáticas, qual é a representatividade indígena na política brasileira?
Em 2022, aproximadamente 178 candidatos à câmara dos deputados se declararam indígenas, número que aumentou em 44 candidatos em relação a 2018, que passaram a representar de 0,32% para 0,62% das candidaturas ao planalto.
Joenia Wapichana, a primeira e única deputada federal indígena em entrevista à agência de notícias da câmara dos deputados, citou o descaso e a exclusão dos povos nativos na participação política:
“Principalmente muitos indígenas que vivem na Amazônia vivem em meios rurais e muito longínquos que dependem de transporte fluvial, muitas vezes aéreo, muitas vezes não têm ainda sequer documentos, não têm um sistema de internet para informá-los sobre questões eleitorais, não têm urnas em suas comunidades, que muitas vezes se deslocam para sede de municípios, isso faz com que haja dificuldade no acesso à informação e até mesmo à participação nos direitos políticos”
Para as eleições de 2022, as cadeiras do plenário tendem a ter uma maior ocupação indigenista. Sonia Guajajara, ex-candidata à vice-presidente em 2018 e eleita pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, foi eleita recentemente deputada federal. Tendo como principais pautas as demarcações de terras, justiça climática e por uma democracia plena com representatividade ampla.
Assim como Chirley Pankará, que foi candidata a deputada estadual por São Paulo, mas infelizmente não conseguiu se eleger com 27.802 votos e Daniel Munduruku também para a cadeira federal.
As populações originais, que se encontram marginalizadas até o presente, exerceram um serviço fundamental para a humanidade ao conservar vastas áreas de florestas que auxiliam o controle do clima mundial e fixam o carbono da atmosfera no solo. Logo, para o futuro, a sociedade brasileira e a comunidade internacional devem reconhecer a importância que estes povos têm e sempre tiveram, e finalmente compartilhar com estes, o protagonismo e a representatividade política.
(Imagem retirada do site Conexão Planeta.)
A primeira deputada federal indígena eleita pelo PSOL em São Paulo, com mais de 156 mil votos, Sônia Guajajara, tem uma história construída para lutar pela defesa dos povos originários, e em defesa dos biomas brasileiros.
Em ano de eleições, as mulheres estão cada vez mais presentes em atos políticos e as campanhas de candidatas indígenas chamaram atenção para os seus projetos, que buscavam apoio da população. “É importante ter vozes no Congresso Nacional que, representando o Estado mais rico do Brasil, defenda um dos nossos mais importantes biomas!”, mediou Sônia em seu site durante sua candidatura.
Um dos projetos de candidatura de Guajajara era a reconstrução de algumas organizações e instituições que foram desfeitas pelo Ministério do Meio Ambiente do atual governo. Além de lutar contra os garimpos, e grilagens de terra que são muito comuns em áreas de florestas.
“Vimos o esvaziamento de órgãos e entidades que se dedicam ao meio ambiente e à educação ambiental, além de inúmeras ações administrativas que, criminosamente, tem desmontado a política nacional de meio ambiente e do sistema de órgãos responsáveis por sua implementação. Junto a isso, sofremos o crescimento da violência contra os povos indígenas, ações criminosas como o ‘Dia do Fogo’ orquestrada por fazendeiros na Amazônia e o aumento de assassinatos de ambientalistas como Dom e Bruno”, diz Guajajara no site de campanha.
A deputada eleita é premiada e reconhecida por sua liderança: ela é considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, de acordo com a Revista Time, e em sua candidatura contou com o apoio da cantora Anitta, de grande influência em movimentos políticos.
Guajajara também visa a proteção das vidas negras, LGBTQIA+ e defende a garantia de mulheres indígenas no poder, e luta pelos direitos das mulheres.
“Defender o direito à diversidade e à pluralidade dos modos de vida para que ninguém mais morra por ser quem é. Viemos para ocupar de vez os espaços de poder e de decisão para defender as mães, as chefes de família e as trabalhadoras que erguem o Brasil. Pelos nossos direitos e pela nossa sobrevivência!”, aponta ela.
Célia Xakriabá, também eleita pelo PSOL, em Minas, com mais de 101 mil votos, defende a proteção dos povos indígenas, a educação democrática, e a preservação dos ecossistemas brasileiros.”Quero levar essa experiência para o Congresso Nacional e contribuir com a reconstrução da democracia brasileira, que só será possível com a força de todos os povos que formam o nosso país”, diz Xakriabá em seu site.
Em ambas as campanhas, as pautas ambientais estão diretamente ligadas às pautas identitárias: para as deputadas, a resistência indígena é essencial para a manutenção dos biomas, e a supressão dos territórios e das culturas nativas levariam à morte das florestas. As propostas das mulheres chamaram atenção internacionalmente, nessa época em que as discussões sobre o meio-ambiente são de preocupação mundial.
O governo atual não está preocupado com a preservação dos ecossistemas, nem tão pouco com medidas para a proteção deles. De acordo com o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), que monitora as degradações na floresta, no governo Bolsonaro houve um recorde de desmatamento: nos últimos 12 meses, de agosto de 2021 a julho de 2022, 10.781 km² de floresta foram derrubados.
“Para manter a floresta em pé, é preciso garantir a vida e os direitos de quem a habita e a preserva: povos originários e tradicionais que vivem da floresta e que têm sido alvos preferenciais dessa política genocida e ecocida”, diz Sonia.
“Desde 1500, com a chegada dos portugueses, há um preconceito enorme contra a gente, com os povos indígenas, falam que o indígena, quando usa o rap, ele perdeu a sua cultura. E, quando a gente mostra a nossa cultura, falam que o indigena é selvagem. Mas a gente vai continuar seguindo, mostrando nossa cultura, nossa arte e nossa tecnologia, que também é a nossa cultura!”, diz Owerá MC, rapper nativo. São artistas como esse que lutam por representatividade no país e ainda encontram dificuldades ao adentrar na sociedade contemporânea. Mesmo com uma cultura rica em diversidades que compõem parte do Brasil, sua arte ainda é ignorada e, muitas vezes, silenciada. Presentes em vários âmbitos – como a música, a gastronomia, o artesanato, a moda etc. – os indígenas sofrem para conquistar espaços de representatividade.
Na sede da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, ocorreu dos dias 13 a 27 de setembro um painel de diálogo para debater sobre como a indústria do entretenimento pode contribuir na co-criação de um futuro justo e sustentável. Nesse contexto, diversos indígenas estavam presentes para discutir essas questões, como Mapu Huni Kui: “O que a gente fez foi apresentar a nossa música para passar de geração em geração, porque um dia isso será preciso para compartilhar com os homens que não têm conhecimento do que é a floresta”.
A ação é apoiada pelo Greenpeace, ONG que tem como uma de suas pautas a importância da presença dos povos indígenas em discussões pela proteção do clima e do meio ambiente: "Quero mostrar para as pessoas que nós não ficamos presos em 1500, evoluímos como todo o mundo. Porque muitas pessoas têm esse pré-conceito com os povos originários, que não podemos ter celular, carros, televisão, e que devemos morar em uma oca’’ declara o trapper indígena Tahw em entrevista para a Agência de Jornalismo Maurício Tragtenberg.
Através de sua cultura originária, esses povos conseguem transmitir para a população um conhecimento que tentou ser silenciado por séculos. Seus artefatos, suas músicas, suas pinturas e rituais são característicos de muita luta e resistência no cenário brasileiro. Um exemplo é o ritual ancestral da Ayahuasca, bebida utilizada para cura espiritual em cerimônias indígenas. Essa tradição tornou-se comum não só entre esses povos, mas também entre outras camadas da sociedade, o que possibilitou a criação de eventos referentes ao assunto, como a Conferência de Ayahuasca. Tahw também se utilizou de elementos originários de sua cultura para produzir a sua arte: ‘’ na minha cultura Pataxó tem muito dessas coisas das cantorias no nosso idioma materno o Patxohã, sempre que vamos fazer nossos rituais cantamos para Tupã (Deus). Com isso eu resolvi juntar o RAP com minha cultura e começar fazer rap com a língua materna do meu povo.’’
Mesmo com uma maior visibilidade das redes sociais, os povos indígenas ainda lutam pelos seus direitos na política, na cultura e na educação, uma vez que o atual governo de Jair Bolsonaro sempre se manifestou de forma contrária à essa parcela da população e é contra a demarcação de terras indígenas no país. O chefe do Executivo também vetou a mudança do nome do “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas”, sendo que o termo “índio” anula a pluralidade de povos e culturas, remetendo ao Brasil colônia.
No entanto, existem pessoas e instituições, como a Organização das Nações Unidas (ONU), que buscam por uma maior representatividade e abrem espaços para discussão da importância da preservação e disseminação desses conhecimentos originários. O evento, ocorrido em Nova York, possibilitou voz para esses artistas indígenas debaterem sobre a atual situação do Brasil e exporem suas artes dentro de um grande centro de influência, com convidados de todo o mundo.