Por Vitor Simas Ribeiro Costa
O Brasil é ainda o País com maior número de povos indígenas em isolamento voluntário na América do Sul, segundo o MPF (Ministério Público Federal).A diversidade de etnias e línguas é uma característica das populações indígenas no Brasil, diversos em sua sabedoria e modo de vida. O Censo de 2010 registrou 305 etnias e 274 línguas indígenas. A Funai reconhece a existência de 114 registros de indígenas isolados na Amazônia brasileira. São povos que vivem sem contato frequente –ou sem contato nenhum– com outros indígenas e com não indígenas.
O censo dos povos indígenas, a fim de atender a diversidade do modo de vida presente nas mais de 305 etnias presentes no Brasil, conta com peculiaridades. O Recenseamento Indígena vai mostrar o número de pessoas indígenas que vivem no País atualmente e as condições das comunidades, com perguntas sobre etnia, línguas faladas, questões de registro civil, arranjo familiar, religiosidade, deficiência, educação, trabalho, situação do domicílio e dos cômodos, assim como de água, saneamento, destino do lixo e acesso à Internet, entre outros.
Em aldeias nas florestas, distante dos centros urbanos, não há ruas com casas em sequência nas aldeias, há recenseador que opte por fazer a coleta de dados por núcleos familiares. Alguns grupos étnicos habitam malocas ou casas sem paredes, por isso, no questionário é aceito que o domicílio não tenha paredes. Outra adaptação é a pergunta sobre religião ou culto, presente no questionário da população em geral. Em território indígena, a pergunta é “Qual sua crença, ritual indígena ou religião?”, para trazer uma caracterização mais ampla da religiosidade dos povos originários.
Essas peculiaridades foram conferidas por quem foi a campo logo no início da coleta de dados dos indígenas para o Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), na Aldeia Lagoinha, em Mato Grosso do Sul. Na aldeia, vivem indígenas da etnia Terena.
Essa edição vai contar com um importante avanço no mapeamento das aldeias, o que amplia a cobertura da pesquisa. “Nossa cartografia censitária avançou muito de 2010 para agora. Tivemos acesso a um geoserviço de imagem que nos permitiu detalhar a localização de aldeias e comunidades indígenas de forma muito mais precisa que em 2010. Isso nos garante uma ótima cobertura censitária e que não vamos deixar nenhuma aldeia ou comunidade de fora do Censo”, explicou Marta Antunes, coordenadora de Censo de povos e comunidades tradicionais do IBGE.
Nesse contato inicial, é aplicado um questionário sobre a infraestrutura das comunidades indígenas. Essa é a primeira vez que esse tipo de informação será levantada. São perguntas sobre abastecimento de água, de energia e presença de escolas e unidades de saúde. Outras questões são sobre a língua em que as aulas são lecionadas nas escolas, número de professores, hábitos e práticas como a caça, a criação de animais e o artesanato.
O trabalho prévio de mapeamento do IBGE identificou 632 terras indígenas, 5.494 agrupamentos indígenas e 977 outras localidades indígenas, em 827 municípios brasileiros. Caso os recenseadores identifiquem comunidades não mapeadas previamente, elas serão incluídas na pesquisa do Censo. De acordo com o IBGE, os povos em isolamento voluntário não entram no Censo 2022.
Esse mapeamento é de extrema importância para o fortalecimento da visibilidade da existência dos mais diversos grupos étnicos indígenas presentes no Brasil. As equipes do IBGE que vão atuar nos territórios indígenas passaram por um dia a mais de treinamento específico e foram preparadas para a abordagem e possíveis adaptações de metodologia nos questionários. E vão obedecer aos protocolos de saúde, tais como terem tomado as vacinas contra a gripe, a febre amarela e a Covid-19. Devem ainda apresentar teste negativo para Covid-19, declaração de que não teve contato com nenhuma pessoa com sintomas gripais 10 dias antes da entrada em área indígena e usar máscara.
“O Estado é que demarca a terra, é ele que protege os povos indígenas. Ele tem essa obrigação, não é um favor que ele nos faz, é obrigação constitucional de assim proceder. A demarcação é fundamental para que o Estado, a nação, os povos indígenas tenham um limite que ele saiba que sua terra. E os brancos tenham um limite até onde ele pode chegar sem causar mal a esses povos”. Alerta Sydney Possuelo ex-presidente da Funai em especial Terra Yanomami feito pelo Instituto Socioambiental.
Os povos indígenas têm uma relação muito profunda com a natureza, por isso é tão importante a demarcação de suas terras, por justiça ambiental, social e para a perpetuação de suas tradições e cultura ao longo das gerações.
"'E aí, curumim, como é que cê tá?' 'A sua tribo é qual? Os canibais?' 'Eu posso conversar com você, ou você vai me morder?'" Esses foram alguns dos comentários que o professor Alvaro Azevedo Gonzaga escutou vindo de um colega do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) na sala de professores. O docente compartilhou tais acontecimentos no evento promovido pelo programa Pindorama na quinta-feira, 22 de setembro.
O programa Pindorama da PUC-SP, responsável pela promoção de bolsas de estudos para indígenas na universidade, realizou o evento da Retoma Indígena dos dias 19 ao 24 de setembro. As reuniões acontecem desde 2008 de forma anual com organização mútua da coordenação com os alunos da plataforma, apoiadas por siglas como por exemplo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e o Núcleo de Gênero, Raça e Etnia, do Curso de Serviço Social.
Em contato via WhatsApp, Amanda Santos Pankararu, assistente social por meio do Pindorama e hoje doutoranda em outra instituição, explicou sobre a expressão definida para o seminário e seu objetivo: "nós fazemos esse evento enquanto programa Pindorama no intuito de dar visibilidade para a presença indígena na universidade. A gente chama de retomada pensando que todo o território é indígena. Então, é um processo de retomar o que é nosso."
A pauta para os encontros foi uma crítica ao bicentenário, comemorando neste ano, da autonomia conquistada pelo Brasil em relação a Portugal, na era colonial - "Independência para quem? Luta e Resistência dos Povos Indígenas". Vanuza Kaimbé nos deu suas impressões gerais sobre a semana comemorativa: "foi de uma riqueza milenar, pois nós somos sabedores da ciência, educação, proteção à vida humana e da mãe terra."
22/09 - Bate papo: Como é ser estudante indígena na PUC-SP
Amanda Santos, mediadora do evento, deu o ponto de largada da conversa pedindo licença a seus ancestrais, àqueles que vieram antes. Em sua introdução abordou o fato de haver poucas pessoas presentes na plateia e questionou, "a gente vai falar de nós para nós e é sempre importante demarcar que esse esvaziamento também é simbólico. Por que não temos aqui pessoas interessadas para discutir, para nos ouvir nesse lugar de saber?"
À respeito do esvaziamento, o outro mediador da mesa, Wesley Pankararu, formado em serviços sociais através do programa Pindorama, também se pronunciou. "A PUC-SP precisa ser cada vez mais 'aldeada' e acho que é muito simbólico que a gente tenha esse esvaziamento. Isso também se reflete nas nossas lutas lá fora. Mostra que as questões indígenas ainda não são pautadas da forma que deveriam, mas a gente ocupar esse espaço aqui também é uma forma de continuar com a nossa resistência, que dura mais de 520 anos."
Nascida na aldeia de Massacará, no sertão da Bahia, Vanuza Kaimbé compartilhou junto à bancada experiências de sua trajetória. "Quando eu entrei no curso de serviço social, já com 45 anos, era uma sala jovens e de pessoas que estavam na segunda, na terceira graduação. Quando eu comecei a fazer os trabalhos acadêmicos, eu senti uma resistência, que as pessoas não queriam fazer o trabalho comigo achando que eu não era capaz."
Também convidada da mesa, Jaciara Guarani Mbyá abordou em seu discurso a necessidade de irmandade e diálogo entre indígenas e não-indígenas. "Temos que ter respeito a todos, porém quando eu vejo pessoas nos denominando como selvagens, eu fico pensando: que civilização pensa dessa forma? Cadê o humanismo, o amor, o respeito?" E concluiu, "a gente vem nesse mundo para aprender, e enquanto a gente não aprender a conviver bem, a respeitar o próximo e suas diferenças, não vamos evoluir."
Após a fala dos membros da mesa, o microfone ficou aberto ao tímido e modesto grupo de pessoas que ali acompanhavam a conversa. Diante da oportunidade e da presença da estudante Cristiane Fairbanks, da Associação dos alunos de pós-graduação da PUC-SP (APG), o Professor Alvaro de Azevedo Gonzaga aproveitou para propor uma ideia que possa resultar em mudanças efetivas no comportamento do corpo docente da universidade. "Nós podemos propor que na semana de recepção aos professores, exista uma formação anti-discriminatória com relação aos estudantes indígenas, pois os professores ainda partem de um racismo recreativo."
Tukuma Pataxo Reprodução / Digital Favela
“Quero que as pessoas conheçam essa história, pois é muito mais do que a romantização da luta indígena. Muitas pessoas dizem: ‘Vocês são heróis’, mas não quero ser heroína de nada, quero ter o direito de ser eu mesma e ter a certeza do meu espaço” protesta Alice Pataxó (21), em uma live feita no Instagram. Indígena da Aldeia Craveiro, na Cidade do Prado, na Bahia, Alice é influenciadora digital e manifesta em suas redes sociais a defesa de seus direitos como mulher nas aldeias e luta pelo reconhecimento de seu povo, cobrando direitos e respeito. Além disso, Alice explica sobre pinturas, acessórios e rituais de suas origens.
Em 2021, a influenciadora participou da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, e ressaltou a importância de “...defender esses territórios, defender a vida”. Alice foi indicada pela ativista paquistanês Malala como “mulheres que levam suas vozes e experiências para o mundo”.
Por fim, a Pataxó destaca, no COP26, sobre os problemas no Brasil sobre terras indígenas, mas reafirma que não irá desistir: “Essa é a primeira vez que saio do meu território, em um momento em que o Brasil vive uma forte decisão sobre as terras indígenas. Mas eu entendo a necessidade de me unir à juventude do mundo para falar sobre isso, para lutar pelo meio ambiente e criar soluções juntos. Estou orgulhosa de poder voltar para minha casa e dizer para meu povo: não estamos mais sozinhos”.
REUTERS / Christophe Petit Tesson MALALA
Alice Pataxó / Arquivo Pessoal
Tukumã Pataxó (22) é outro exemplo de um grande influenciador indígena, sendo ativo em suas redes sociais, contando com mais de 250 mil seguidores no total. Tukumã trabalha como comunicador, é palestrante e host do podcast Papo de Parente, disponível no Globoplay. Além disso, é representante do movimento em prol dos direitos indígenas, produzindo conteúdos voltados a conscientização sobre a urgência em relação a preservação do meio ambiente, desconstrução de estereótipos e distorções históricas.
Em entrevista para a Fundação Tide, Tukumã descreve os principais desafios que encontra para se comunicar com quem pouco se sensibiliza em relação as pautas indígenas: “Cada plataforma tem uma maneira para você lidar com o público. O Papo de Parente foi algo muito novo para mim, tanto que, quando chegou o convite para participar, falei que não sabia gravar podcasts. Mas topei, pois, era algo que queria aprender. Temos de transmitir a emoção do que explicamos para as pessoas escutarem e tentarem imaginar o que tentamos falar para elas.”
Tukumã conta que, em um dia de gravação, ocorreu um confronto na frente da sede da Funai, “No dia da gravação, ocorreu o segundo confronto entre os indígenas e a polícia, quando não deixaram entrar na sede da Funai. Quando parei para almoçar e vi aquilo, sabendo que eu estava no estúdio, em Goiás, e não poderia estar lá.” Ele afirma que ficou ansioso e pensou sobre o que os parentes deles estavam passando enquanto ele estava gravando, após um tempo, o indígena diz que conseguiu falar com o pessoal presente na manifestação e o confronto já tinha se acalmado.
Cabos eleitorais da candidatura de Sonia Guajajara afirmam sofrer xingamentos durante panfletagem na cidade de São Paulo em cenário violento de pré-eleição. Rodrigo Gabriel, indígena do Pico do Jaraguá, ainda contou de uma colega que, enquanto panfletava, levou um tapa na cara.
Encabeçada por Sônia Guajajara, Celia Xakriabá e Shirlei Pankará (candidatas a deputadas pelo PSOL), a “Bancada do Cocar” se dispõe a tratar de pautas relevantes aos povos indígenas, que vêm sofrendo cada vez mais ataques e mortes nos últimos anos .
Quanto às condutas da candidata a deputada federal por São Paulo, Rodrigo afirma estar otimista: “as candidatas tão sempre com a gente, não só mandando a gente trabalhar, mas vindo, dançando”.
Para ele, as representantes da Bancada “lutam pela garantia de direitos que deveriam ser respeitados. O povo indígena tá sofrendo por causa dos políticos e tendo que lutar por coisas que são direito dele. A gente não deveria nem tá passando por isso”.
Rodrigo revela a situação de precariedade na qual os indígenas do Pico do Jaraguá se encontram. “Muitas pessoas abandonam seus animais e cachorros pra gente cuidar, eles abandonam e a gente cuida por obrigação; tem mais cachorro do que indígena”.
A realidade das pessoas que panfletam para a Bancada do Cocar também não é tranquila. O aumento de casos de violência a pessoas que votam em candidaturas alinhadas mais à esquerda, como é o caso da de Sonia Guajajara, não exclui os indígenas que panfletam para elas. Rodrigo afirmou ter sido xingado em vários momentos durante suas atividades.
Osmar da Silva, colega de Rodrigo, disse que acreditava São Paulo não ser tão violento quanto outros estados: “Mato Grosso é mais violento”. Osmar afirmou ter vontade de fazer uma viagem para ver a situação dos indígenas de lá.
Durante o lançamento da pré candidatura de Sônia Guajajara realizado no dia 14/06 deste ano no Teatro da Rotina em São Paulo e cobrido pela AGEMT, Guajajara revelou que os povos indígenas correspondem a 5% da população mundial e que 82% da biodiversidade do planeta se encontra em terras indígenas. Disse que “as empresas que poluem os rios, que poluíram Mariana e Brumadinho, seguem impunes”, mas que quando esses são poluídos: ”não é só o rio que se perde, a nossa cultura vai junto. Todo mundo vai sentir sede, vai ver a água correr, mas a água estará contaminada”.
Sonia também esteve presente na conclusão do julgamento realizado pelo Tribunal Permanente dos Povos - entidade internacional que julga crimes e violações de Direitos Humanos sem a aplicação de pena - que julgou e condenou Jair Bolsonaro por crimes contra a humanidade em sua gestão durante a pandemia no último dia 1.
Antes da decisão, o Tribunal passou por duas sessões nas quais foram ouvidas testemunhas representando os povos indígenas, negros e profissionais de enfermagem. Auricélia da Fonseca, representante dos povos indígenas, enfatizou o “projeto de morte” efetivado pelo atual governo.
Além de Auricélia, Maurício Terena, advogado indígena representante dos Terena, foi uma das testemunhas do julgamento, e, no dia da decisão, reafirmou a importância de, em ano de celebração da Independência no Brasil, o TPP denunciar o presidente da República.
Bolsonaro, embora condenado por crimes contra a humanidade, não foi condenado pelo crime de Genocídio em uma tentativa do Júri de “não banalizar o conceito de”. Sonia rejeitou fortemente a decisão: "O que mais precisa acontecer para que esse governo seja considerado Genocida? O TPP [Tribunal Permanente dos Povos] nega a condenação. Não posso sair daqui feliz com essa sentença parcial”, exclamou.
No dia 4 de setembro, Gustavo Conceição da Silva, um jovem indígena Pataxó de 14 anos foi assassinado em Corumbau, no sul da Bahia. Segundo testemunhas, os criminosos abriram fogo a partir de dois carros. A motivação do crime continua misteriosa assim como os assassinos.
Em 1951, ocorreu um massacre indígena conhecido como “fogo de 51”, organizado pela força Volante do Sul da Bahia contra a nação Pataxó, na aldeia de Barra Velha. A tragédia ocorrida no início de setembro passado, reflete o modo como a sociedade brasileira lida com as questões de demarcação de terras dos povos originários e dessa questão como um todo.
Cerca de 5% da população mundial é indígena, e juntos protegem aproximadamente 82% da biodiversidade do planeta. Com tamanha relevância ecológica, principalmente na era em que mais se discute a questão das mudanças climáticas, qual é a representatividade indígena na política brasileira?
Em 2022, aproximadamente 178 candidatos à câmara dos deputados se declararam indígenas, número que aumentou em 44 candidatos em relação a 2018, que passaram a representar de 0,32% para 0,62% das candidaturas ao planalto.
Joenia Wapichana, a primeira e única deputada federal indígena em entrevista à agência de notícias da câmara dos deputados, citou o descaso e a exclusão dos povos nativos na participação política:
“Principalmente muitos indígenas que vivem na Amazônia vivem em meios rurais e muito longínquos que dependem de transporte fluvial, muitas vezes aéreo, muitas vezes não têm ainda sequer documentos, não têm um sistema de internet para informá-los sobre questões eleitorais, não têm urnas em suas comunidades, que muitas vezes se deslocam para sede de municípios, isso faz com que haja dificuldade no acesso à informação e até mesmo à participação nos direitos políticos”
Para as eleições de 2022, as cadeiras do plenário tendem a ter uma maior ocupação indigenista. Sonia Guajajara, ex-candidata à vice-presidente em 2018 e eleita pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, foi eleita recentemente deputada federal. Tendo como principais pautas as demarcações de terras, justiça climática e por uma democracia plena com representatividade ampla.
Assim como Chirley Pankará, que foi candidata a deputada estadual por São Paulo, mas infelizmente não conseguiu se eleger com 27.802 votos e Daniel Munduruku também para a cadeira federal.
As populações originais, que se encontram marginalizadas até o presente, exerceram um serviço fundamental para a humanidade ao conservar vastas áreas de florestas que auxiliam o controle do clima mundial e fixam o carbono da atmosfera no solo. Logo, para o futuro, a sociedade brasileira e a comunidade internacional devem reconhecer a importância que estes povos têm e sempre tiveram, e finalmente compartilhar com estes, o protagonismo e a representatividade política.