'Nosso marco é ancestral, sempre estivemos aqui' protestam indígenas contra tese do Marco Temporal.
por
Vitor Simas
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26/04/2024 - 12h

Na quinta-feira (25), uma marcha indígena tomou conta da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. 

Povos de diversas etnias no Brasil fizeram com que todos ouvissem seus cantos e vissem seus cocares, demandando a demarcação das terras de seus territórios. Sob o lema "Nosso Marco é Ancestral: Sempre Estivemos Aqui!", a manifestação foi uma resposta à tese do Marco Temporal, que contesta a existência de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas antes da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

 

mulheres indígenas se preparando para a marcha - Foto: Vitor Simas
Mulheres indígenas se preparando para a marcha em Brasília - Foto: Vitor Simas 

Demarcação

Cerca de 200 povos, representados inclusive por mulheres e crianças, partiram do Acampamento Terra Livre (ATL), localizado no gramado do Eixo Cultural Ibero-Americano, antiga Funarte, em uma mobilização organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ao encontro das lideranças originárias com o presidente Lula, que na semana do dia 19 de abril, data alusiva à resistência dos Povos Indígenas, assinou decreto de homologação de apenas 2 das 14 Terras Indígenas, que havia prometido demarcar. 

Além do apoio da Apib, a mobilização recebeu o respaldo de três grandes movimentos sociais: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).  "A luta pela terra não é só dos povos indígenas", afirmou Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

 "O que estamos pedindo é o direito ao acesso à terra e ao território, não só dos povos indígenas, mas também de outros segmentos que fazem essa luta. Essa marcha marca um momento histórico dessa união de forças que lutam pela vida, que são todos os movimentos sociais que estão lutando e militando em favor da vida".

Eleições 

As lideranças indígenas ainda aguardam a confirmação de reuniões com grandes autoridades políticas, como o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A expectativa é que se possa discutir a cota de candidaturas indígenas nas eleições.

Os povos originários ocupam cerca de 13% do território nacional, com 724 áreas definidas como territórios indígenas. Além disso, esses povos somam aproximadamente 900 mil pessoas, reúnem 305 etnias diferentes e falam mais de 274 línguas. Contudo a quantidade de representantes indígenas na política ainda é muito pequena. Apenas em 2018, foi eleita a primeira mulher indígena no Congresso nacional, a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR). 

Recentemente, já sob o atual governo do presidente Lula, houve a criação do Ministério dos Povos Indígenas, o que representa um passo importante na inclusão da pauta indigenista na discussão política do país. Classificado como algo “inédito e histórico”, a pasta tem como ministra Sônia Guajajara, eleita deputada federal pelo PSOL e primeira indígena na história a ocupar um ministério.

Desafios

Segundo dados da (Apib), houve um aumento alarmante de 44% nas invasões de terras indígenas e de 21% nos casos de violência contra essas comunidades em 2023.  Desta forma a demarcação das terras indígenas é fundamental para os povos indígenas por diversos motivos:

  • Proteção contra invasões e pressões externas: Os povos indígenas enfrentam constantes ameaças, como a exploração ilegal de recursos naturais por garimpeiros e madeireiros. A demarcação é fundamental para garantir a segurança territorial e a integridade das comunidades.
  • Redução da violência: O aumento alarmante nas invasões de terras indígenas e nos casos de violência contra essas comunidades evidencia a necessidade urgente de demarcação para proteger os direitos humanos e a segurança dos povos indígenas.
  • Preservação da cultura e identidade: As terras indígenas são espaços onde as comunidades mantêm suas tradições, línguas e práticas culturais. A demarcação é essencial para garantir a continuidade dessas culturas ancestrais e a transmissão de conhecimentos para as futuras gerações.
  • Conservação da biodiversidade: Muitas áreas indígenas abrigam ecossistemas ricos e diversos. A preservação dessas terras contribui para a proteção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos essenciais para o equilíbrio ambiental e a sustentabilidade.
  • Respeito aos direitos indígenas: A demarcação das terras é um direito garantido pela Constituição brasileira e por tratados internacionais. Negar ou retardar esse processo é uma violação dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos indígenas.

Em resumo, a demarcação das terras indígenas não apenas protege os direitos e a segurança das comunidades, mas também desempenha um papel fundamental na preservação da cultura, da biodiversidade e do meio de vida dos povos indígenas.

A aprovação da Lei nº 14.701/2023, lei do Marco Temporal, portanto, é um alerta vermelho à negociação da vida dos Povos Indígenas. Desde sua promulgação já foram registrados pelo menos  9 assassinatos de lideranças indígenas e mais de 23 conflitos territoriais. 

Enquanto não for declarada inconstitucional pelo STF, a mencionada lei permanecerá em vigor, gerando preocupação e insegurança para os povos indígenas do Brasil.

No Dia dos Povos Indígenas, ela debate sua história e as lutas de seus ancestrais
por
Luísa Ayres
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19/04/2024 - 12h
jaci
Jaci mostra sempre em suas redes sociais os eventos e festividades de seu povo / Reprodução: @jaci.martins_

Jaci Guarani é uma mulher, indígena, estudante bolsista e mãe de quase meia dúzia de filhos. Ela vem da etnia Guarani, e atua como militante das causas indígenas no estado de São Paulo. O nome de seu povo significa guerreiro, e talvez ela nunca tenha precisado ser tão guerreira quanto nos últimos anos. 

Segundo pesquisadores do Instituto Socioambiental (ISA), apenas no Mato Grosso do Sul, mais de 530 indígenas de sua etnia foram assassinados nos últimos 16 anos. Somado a isso, as invasões, a poluição ambiental, o estupro e a pedofilia a que são submetidos os indígenas, levam a pauta da demarcação de terras a ser uma das mais urgentes para os povos – não só pelo direito ao espaço, mas pelo direito à vida. 

Além disso, entre 2000 e 2020, houve um aumento de 167% nos números de feminicídio de mulheres indígenas, segundo o Instituto Igarapé.  

“A gente tá vendo que os não indígenas estão desmatando a Mata Atlântica, o pulmão aqui de São Paulo”, desabafa Jaci Guarani. Mesmo assim, nada parece ser forte o suficiente para abater a ancestralidade da neta de indígenas nômades, que saíram lá da fronteira do Uruguai. A caminhada foi longa, mas ainda não acabou. 

Akângatu

Jaci conta que seu avô ficou internado por 7 anos na Santa Casa. Nesse tempo, aprendeu a escrever e começou a anotar suas lembranças e ensinamentos em um diário, guardado por um Instituto que já não existe mais. Quer dizer, não existe mais no papel, mas resiste no coração de Jaci, que não só guarda histórias, mas as constrói. Afinal, neta da primeira mulher cacique do Brasil, ela garante que para seu povo “não existe só o homem”. “Se eu sou essa mulher que luta pela tekoa (aldeia), é porque essa mulher veio primeiro pra me inspirar”, garante ela. 

Apesar de todo o racismo, preconceito e machismo que enfrentou em sua vida, aprendeu na dor a força que tem a união. Foi contra a exclusão de tantas crianças indígenas que a avó de Jaci lutou pelo ensino regular dentro das aldeias, direito conquistado posteriormente em 2002. Apesar da educação euro centrada, a língua materna é de ensino obrigatório para as crianças de cada  tekoa. No seu caso, seu tronco linguístico é o Tupi, o que permite uma maior identificação entre os povos. 

“É preciso ter a língua materna e o ensinamento cultural voltado para a natureza, plantio e rituais ancestrais”, pontua Jaci, em um tom de preocupação, como o de quem não pode mais deixar que as lembranças e lutas de seu avô sejam novamente perdidos em papéis brancos, tão brancos quanto a pele daqueles que os silencia. A esses, talvez, tenha faltado o que para Jaci Gurani jamais faltou: “A gente aprende o respeito a todos os tipos de vida, o amor, o zelar, o estar cuidando”, conta, relembrando que aprender não e se limita a contas matemáticas e verbos de línguas estrangeiras. 

Além da educação, sua avó cacique também foi peça fundamental na conquista de postos de saúde para as aldeias, o que só aconteceu em 2005, apesar dos primeiros centros básicos de saúde no país terem sido criados por volta do ano de 1918. Não surpreende que as primeiras assistências, preocupações e direitos jamais sejam dados em primeiro lugar aos que já estavam aqui antes.  

aldeia
Casas na tekoa de Jaci, localizada próxima ao Pico do Jaraguá, em São Paulo / Reprodução: Jaci Guarani


Mãe Natureza

Jaci é mãe de 5 crianças. Ainda assim, para que pudesse tomar qualquer tipo de anticoncepcional, precisava da autorização de seu marido e de sua avó, que jamais concordou com essa ideia de pedir a ela permissão. “O corpo é dela, a decisão é dela. Não quero mais nenhuma mulher precisando de assinatura minha para não engravidar”, disse a cacique para todas as outras indígenas de sua tekoa naquela ocasião. 

Se para poucas decisões precisava da aprovação da avó, não a teve em uma de suas mais importantes. Jaci saiu da aldeia para casar-se com um não indígena. E quase deixou que a aldeia também saísse dela. 

“Eu não gosto que você vá para a aldeia ou que fale em idioma indígena”, dizia seu ex marido. Assim foi também com o nome de uma das filhas do casal, Taquá. Para ele, nada agradava ter uma descendente batizada com as  águas e ervas sagradas da floresta, abençoadas pelas divindades. Por isso, Jaci lutou muito pelo nome dessa criança. Não o de papel e documentos. O de alma. 

Outra parte da aldeia Guarani no Jaraguá. Para eles, é fundamental que as crianças brinquem e não reproduzam os vícios da internet e dos jogos / Reprodução: Jaci Guarani. 

Jaci conta que na hora que nasce uma criança indígena, um espírito vem à terra. O nome desse espírito, no entanto, só é sussurrado nos ouvidos do cacique cerca de 5 anos depois, se a criança ainda estiver viva, já que não se sabe se ela ainda estará feliz na terra ou se subirá antes aos céus. Esse nome, em todo caso, será o seu novo dali por diante. 

Pelo nome de suas filhas e pelo seu próprio, Jaci largou mão de seu  casamento e voltou à sua aldeia. Sem as repressões da sogra, sem as ofensas vindas do ex marido, apenas com a doçura daquilo que seu nome sempre significou. “Mel”. 

Nascida na região do pico do Jaraguá, terra demarcada em 1988, Jaci vive em uma aldeia de cerca de 1,7 hectares. Que deveria ser bem maior. 

O parque e as construções ao redor de sua casa, ameaçam a cada dia mais o seu povo. Para ela,  isso decorre de toda uma história de desprezo, violência e invasão, já naturalizados em nossa sociedade. 

“Nunca se falaram dos povos indígenas, nunca passamos na televisão”, protesta, chamando atenção também para o silenciamento e apagamento dessa luta.  

Tempo

Apesar disso, Jaci decidiu mostrar sua verdadeira face para quem quisesse olhar. E a quem não, paciência. A mesma enorme paciência que ela teve para acreditar que conseguiria se formar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUC, uma universidade das mais elitistas do país. 

Aqui, começa sua história com o Pindorama, programa de bolsas de estudo fornecidas a estudantes indígenas - mediante prova e obtenção de nota como em qualquer outro processo seletivo. Isso, 11 anos antes das cotas para estudantes indígenas serem de fato sancionadas no país. 

Ainda assim, como para qualquer outro estudante bolsista, estar lá dentro não significa pertencer, ser aceito ou visto da mesma forma pelos outros alunos. Guarani guerreira, batalhou muito, mas essa não foi uma das lutas, dentre tantas outras, que pode vencer naquele momento. 

“Você não tem tempo para estar aqui”, ouviu da sua professora. Falar de tempo para Jaci, porém, é complicado. Para ela, isso é coisa de gente branca. Gente essa que manda e desmanda nas universidades – que acha que sabe do tempo de cada um.  

Como quem já não se preocupava mais com tempo nenhum a perder, afinal já tinha perdido muita coisa nessa vida só por ser quem realmente era, Jaci desceu as rampas da universidade em lágrimas depois de escrever sua carta de desligamento da graduação. Naquele dia, não perdeu só tempo. Perdeu chances, perdeu suas forças e sua esperança. 

“Eu passo muito preconceito aqui na PUC. Eu ando pintada e o racismo já começa dentro do ônibus”, desabafou. Afinal, a trajetória de sua aldeia até sua universidade, não era dolorosa só pela longa viagem. 

Jaci está falando do tempo da mulher indígena, ainda que esteja sendo contado nos relógios do sistema capitalista, que só marcam as horas de des(matar) e exterminar. Esse não é o tempo da colheita, nem o tempo da fertilidade, tampouco o  tempo dos rituais e pedidos atendidos. Porque se fosse, Jaci saberia muito bem. E esse tempo, teria de sobra. 

Ainda assim, voltou a estudar nesse mesmo lugar anos mais tarde. Como se o tempo a tivesse dado forças para tentar de novo. Recebeu uma ligação de um dos padres da mantenedora da universidade que leu sua carta com todos os motivos que a fizeram desistir de estudar. E pela primeira vez na história, tornou-se uma estudante indígena aceita de volta no Programa Pindorama. Isso porque, dentre tantas centenas de indígenas que desistem da universidade, nenhum pode, pelo regulamento, voltar a estudar com sua bolsa depois da desistência. 

Segundo o Inep, as mulheres indígenas representam apenas 0,5% dos estudantes universitários. 

Mesmo assim, Jaci voltou. Como quem ressurge das cinzas, mas ainda sente as feridas arderem em fogo. Fogo vermelho como tinta de pau-brasil. 

Felizmente, a doçura que Jaci carrega no significado de seu nome não amargou. Quem sabe, dessa vez, Jaci consiga contar o tempo, ou melhor, contar ao tempo que ele é só uma abstração, porque tudo muda e a natureza muda junto. E que para isso, não existe tempo, existe união, amor e fé. Existe muita reza, muita força e muita festa. Existe um caderninho de memórias eterno de seu avô que o tempo jamais poderá apagar. E toda uma história que nem o tempo é capaz de mensurar. 

Se guarani significa guerreiro, Jaci é canto de guerra, disfarçado de amor, doçura e paz. 

Não falemos de tempo para Jaci. Falemos de Jaci em todo o tempo, para todo o mundo. 

Para que um dos povos mais antigos desse continente, com ainda cerca de 51.000 sobreviventes de todos os massacres e extermínios a que foram submetidos no Brasil, no Paraguai, na Bolívia e na Argentina, continuem fazendo da Terra um lugar melhor para se estar. Que tudo seja aldeia e que a aldeia a tudo resista! 

Nhanderu tenondeguiae

Jaikuaa nhanderekorã'i

Ãyreve jareko'i aguã

Ãyreveve hareko'i aguã

Ãyreve ãyreve. 

(Todas sabedorias que mantemos vem do nosso pai supremo e assim mantemos até hoje, e assim mantemos até hoje). 

jaci 2
Jaci ressalta a importância das tradições e rituais de seu povo com orgulho / Reprodução: Jaci Guarani
Fala de Ailton Krenak foi destaque durante 13 aniversário da Pública
por
Kimberlly Ramos
Victória Rodrigues
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25/03/2024 - 12h

A Agência Pública completou 13 anos no último dia 13 de março. Em comemoração, organizou um evento na PUC SP, para debater “Condições Climáticas e o Antropoceno”, entre outros temas mais do que necessários. A celebração contou com a presença do ativista e escritor Ailton Krenak, o climatologista Carlos Nobre e a jornalista Daniela Chiaretti. Durante a conversa, Krenak trouxe uma importante reflexão, em que enfatiza o fato de as mudanças climáticas recentes afetarem principalmente os mais pobres. Confira no link

Referência nacional no jornalismo independente celebrou seu aniversário no Tucarena
por
Philipe Mor
Rafael Rizzo
Vitor Bonets
Arthur Rocha
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25/03/2024 - 12h

No último dia 13 de março, a Agência Pública comemorou seu 13 aniversário. O evento ocorreu no Tucarena e contou com a presença de personagens ilustres do cenário socioambiental e político. Giovana Girardi foi a responsável por mediar a mesa de debate, que tinha como convidados: Carlos Nobre, cientista ambiental; Daniela Chiaretti, jornalista de meio ambiente do jornal O Valor Econômico e Ailton Krenak, o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras.

O tema central da palestra foi o colapso climático e o antropoceno. Além disso, foram esclarecidas pautas importantes como o racismo climático, a desumanização social e a extinção de várias espécies. A conversa também buscou associar o jornalismo como ferramenta democrática e relacionar os impactos climáticos nesse tipo de modelo político. Confira tudo o que aconteceu nesse dia no YouTube

 

Em comemoração aos 13 anos da Agência Pública, o Tucarena recebe Ailton Krenak, Carlos Nobre e Daniela Chiaretti para discutir o "Colapso climático e Antropoceno"
por
Bianca Abreu
|
25/03/2024 - 12h

O ativista indígena Ailton Krenak, o climatologista Carlos Nobre e a jornalista especial de meio ambiente do jornal Valor Econômico, Daniela Chiaretti, explicam como a crise ambiental e a política se entrelaçam. Além disso, chamam a atenção para o quanto é importante que todos, enquanto cidadãos, reflitam sobre suas próprias decisões em relação a essa pauta, que, segundo eles, é tão urgente. Confira a cobertura pelo TikTok. Direção: @biancao.producoes/ @brasilandiana
Áudio e imagens: @tvpucsp / @brasilandiana

 

Ao mostrar o dia a dia em aplicativos como TikTok e Instagram, os influenciadores respondem perguntas dos internautas, quebram estereótipos e fazem reidivincações por seus direitos
por
Davi Garcia
José Pedro dos Santos
Pedro Lima
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06/10/2022 - 12h

 

Tukuma Pataxo Reprodução / Digital Favela 

“Quero que as pessoas conheçam essa história, pois é muito mais do que a romantização da luta indígena. Muitas pessoas dizem: ‘Vocês são heróis’, mas não quero ser heroína de nada, quero ter o direito de ser eu mesma e ter a certeza do meu espaço” protesta Alice Pataxó (21), em uma live feita no Instagram. Indígena da Aldeia Craveiro, na Cidade do Prado, na Bahia, Alice é influenciadora digital e manifesta em suas redes sociais a defesa de seus direitos como mulher nas aldeias e luta pelo reconhecimento de seu povo, cobrando direitos e respeito. Além disso, Alice explica sobre pinturas, acessórios e rituais de suas origens. 

Em 2021, a influenciadora participou da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, e ressaltou a importância de “...defender esses territórios, defender a vida”. Alice foi indicada pela ativista paquistanês Malala como “mulheres que levam suas vozes e experiências para o mundo”.  

Por fim, a Pataxó destaca, no COP26, sobre os problemas no Brasil sobre terras indígenas, mas reafirma que não irá desistir: “Essa é a primeira vez que saio do meu território, em um momento em que o Brasil vive uma forte decisão sobre as terras indígenas. Mas eu entendo a necessidade de me unir à juventude do mundo para falar sobre isso, para lutar pelo meio ambiente e criar soluções juntos. Estou orgulhosa de poder voltar para minha casa e dizer para meu povo: não estamos mais sozinhos”. 

 

REUTERS / Christophe Petit Tesson MALALA 

Alice Pataxó / Arquivo Pessoal 

Tukumã Pataxó (22) é outro exemplo de um grande influenciador indígena, sendo ativo em suas redes sociais, contando com mais de 250 mil seguidores no total. Tukumã trabalha como comunicador, é palestrante e host do podcast Papo de Parente, disponível no Globoplay. Além disso, é representante do movimento em prol dos direitos indígenas, produzindo conteúdos voltados a conscientização sobre a urgência em relação a preservação do meio ambiente, desconstrução de estereótipos e distorções históricas. 

Em entrevista para a Fundação Tide, Tukumã descreve os principais desafios que encontra para se comunicar com quem pouco se sensibiliza em relação as pautas indígenas: “Cada plataforma tem uma maneira para você lidar com o público. O Papo de Parente foi algo muito novo para mim, tanto que, quando chegou o convite para participar, falei que não sabia gravar podcasts. Mas topei, pois, era algo que queria aprender. Temos de transmitir a emoção do que explicamos para as pessoas escutarem e tentarem imaginar o que tentamos falar para elas.” 

 Tukumã conta que, em um dia de gravação, ocorreu um confronto na frente da sede da Funai, “No dia da gravação, ocorreu o segundo confronto entre os indígenas e a polícia, quando não deixaram entrar na sede da Funai. Quando parei para almoçar e vi aquilo, sabendo que eu estava no estúdio, em Goiás, e não poderia estar lá.” Ele afirma que ficou ansioso e pensou sobre o que os parentes deles estavam passando enquanto ele estava gravando, após um tempo, o indígena diz que conseguiu falar com o pessoal presente na manifestação e o confronto já tinha se acalmado. 

Militantes da causa indígena sofrem preconceito durante campanha na cidade de São Paulo
por
Artur dos Santos
Lucas Allabi
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06/10/2022 - 12h

Cabos eleitorais da candidatura de Sonia Guajajara afirmam sofrer xingamentos durante panfletagem na cidade de São Paulo em cenário violento de pré-eleição. Rodrigo Gabriel, indígena do Pico do Jaraguá, ainda contou de uma colega que, enquanto panfletava, levou um tapa na cara. 

Encabeçada por Sônia Guajajara, Celia Xakriabá e Shirlei Pankará (candidatas a deputadas pelo PSOL), a “Bancada do Cocar” se dispõe a tratar de pautas relevantes aos povos indígenas, que vêm sofrendo cada vez mais ataques e mortes nos últimos anos .

Quanto às condutas da candidata a deputada federal por São Paulo, Rodrigo afirma estar otimista: “as candidatas tão sempre com a gente, não só mandando a gente trabalhar, mas vindo, dançando”.

Para ele, as representantes da Bancada “lutam pela garantia de direitos que deveriam ser respeitados. O povo indígena tá sofrendo por causa dos políticos e tendo que lutar por coisas que são direito dele. A gente não deveria nem tá passando por isso”.

Rodrigo revela a situação de precariedade na qual os indígenas do Pico do Jaraguá se encontram. “Muitas pessoas abandonam seus animais e cachorros pra gente cuidar, eles abandonam e a gente cuida por obrigação; tem mais cachorro do que indígena”.

A realidade das pessoas que panfletam para a Bancada do Cocar também não é tranquila. O aumento de casos de violência a pessoas que votam em candidaturas alinhadas mais à esquerda, como é o caso da de Sonia Guajajara, não exclui os indígenas que panfletam para elas. Rodrigo afirmou ter sido xingado em vários momentos durante suas atividades.

Osmar da Silva, colega de Rodrigo, disse que acreditava São Paulo não ser tão violento quanto outros estados: “Mato Grosso é mais violento”. Osmar afirmou ter vontade de fazer uma viagem para ver a situação dos indígenas de lá.

Durante o lançamento da pré candidatura de Sônia Guajajara realizado no dia 14/06 deste ano no Teatro da Rotina em São Paulo e cobrido pela AGEMT, Guajajara revelou que os povos indígenas correspondem a 5% da população mundial e que 82% da biodiversidade do planeta se encontra em terras indígenas. Disse que “as empresas que poluem os rios, que poluíram Mariana e Brumadinho, seguem impunes”, mas que quando esses são poluídos: ”não é só o rio que se perde,  a nossa cultura vai junto. Todo mundo vai sentir sede, vai ver a água correr, mas a água estará contaminada”.

Sonia também esteve presente na conclusão do julgamento realizado pelo Tribunal Permanente dos Povos - entidade internacional que julga crimes e violações de Direitos Humanos sem a aplicação de pena - que julgou e condenou Jair Bolsonaro por crimes contra a humanidade em sua gestão durante a pandemia no último dia 1.

Antes da decisão, o Tribunal passou por duas sessões nas quais foram ouvidas testemunhas representando os povos indígenas, negros e profissionais de enfermagem. Auricélia da Fonseca, representante dos povos indígenas, enfatizou o “projeto de morte” efetivado pelo atual governo.

Além de Auricélia, Maurício Terena, advogado indígena representante dos Terena, foi uma das testemunhas do julgamento, e, no dia da decisão, reafirmou a importância de, em ano de celebração da Independência no Brasil, o TPP denunciar o presidente da República.

Bolsonaro, embora condenado por crimes contra a humanidade, não foi condenado pelo crime de Genocídio em uma tentativa do Júri de “não banalizar o conceito de”. Sonia rejeitou fortemente a decisão: "O que mais precisa acontecer para que esse governo seja considerado Genocida? O TPP [Tribunal Permanente dos Povos] nega a condenação. Não posso sair daqui feliz com essa sentença parcial”, exclamou.




 

Jovem é morto no sul da Bahia no dia 4 de setembro, e traz à tona a cíclica chacina perpetuada contra os povos nativos
por
Francisco Vecchia, Ian Valente, Lucas Lopes e Rodolfo Soares
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06/10/2022 - 12h

No dia 4 de setembro, Gustavo Conceição da Silva, um jovem indígena Pataxó de 14 anos foi assassinado em Corumbau, no sul da Bahia. Segundo testemunhas, os criminosos abriram fogo a partir de dois carros. A motivação do crime continua misteriosa assim como os assassinos.   

Em 1951, ocorreu um massacre indígena conhecido como “fogo de 51”, organizado pela força Volante do Sul da Bahia contra a nação Pataxó, na aldeia de Barra Velha. A tragédia ocorrida no início de setembro passado, reflete o modo como a sociedade brasileira lida com as questões de demarcação de terras dos povos originários e dessa questão como um todo.

Cerca de 5% da população mundial é indígena, e juntos protegem aproximadamente 82% da biodiversidade do planeta. Com tamanha relevância ecológica, principalmente na era em que mais se discute a questão das mudanças climáticas, qual é a representatividade indígena na política brasileira?  

Em 2022, aproximadamente 178 candidatos à câmara dos deputados se declararam indígenas, número que aumentou em 44 candidatos em relação a 2018, que passaram a representar de 0,32% para 0,62% das candidaturas ao planalto. 

Joenia Wapichana, a primeira e única deputada federal indígena em entrevista à agência de notícias da câmara dos deputados, citou o descaso e a exclusão dos povos nativos na participação política:  

“Principalmente muitos indígenas que vivem na Amazônia vivem em meios rurais e muito longínquos que dependem de transporte fluvial, muitas vezes aéreo, muitas vezes não têm ainda sequer documentos, não têm um sistema de internet para informá-los sobre questões eleitorais, não têm urnas em suas comunidades, que muitas vezes se deslocam para sede de municípios, isso faz com que haja dificuldade no acesso à informação e até mesmo à participação nos direitos políticos”  

Para as eleições de 2022, as cadeiras do plenário tendem a ter uma maior ocupação indigenista. Sonia Guajajara, ex-candidata à vice-presidente em 2018 e eleita pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, foi eleita recentemente deputada federal. Tendo como principais pautas as demarcações de terras, justiça climática e por uma democracia plena com representatividade ampla. 

Assim como Chirley Pankará, que foi candidata a deputada estadual por São Paulo, mas infelizmente não conseguiu se eleger com 27.802 votos e Daniel Munduruku também para a cadeira federal. 

As populações originais, que se encontram marginalizadas até o presente, exerceram um serviço fundamental para a humanidade ao conservar vastas áreas de florestas que auxiliam o controle do clima mundial e fixam o carbono da atmosfera no solo. Logo, para o futuro, a sociedade brasileira e a comunidade internacional devem reconhecer a importância que estes povos têm e sempre tiveram, e finalmente compartilhar com estes, o protagonismo e a representatividade política.  

O crescimento da repercussão de pautas identitárias e ambientais levou pela primeira vez duas mulheres indígenas para a Câmara dos Deputados
por
Lorrane Santana, Marina Jonas e Marina Figueiredo
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06/10/2022 - 12h

(Imagem retirada do site Conexão Planeta.)

A primeira deputada federal indígena eleita pelo PSOL em São Paulo, com mais de 156 mil votos, Sônia Guajajara, tem uma história construída para lutar pela defesa dos povos originários, e em defesa dos biomas brasileiros. 

Em ano de eleições, as mulheres estão cada vez mais presentes em atos políticos e as campanhas de candidatas indígenas chamaram atenção para os seus projetos, que buscavam apoio da população. “É importante ter vozes no Congresso Nacional que, representando o Estado mais rico do Brasil, defenda um dos nossos mais importantes biomas!”, mediou Sônia em seu site durante sua candidatura.

Um dos projetos de candidatura de Guajajara era a reconstrução de algumas organizações e instituições que foram desfeitas pelo Ministério do Meio Ambiente do atual governo. Além de lutar contra os garimpos, e grilagens de terra que são muito comuns em áreas de florestas. 

 “Vimos o esvaziamento de órgãos e entidades que se dedicam ao meio ambiente e à educação ambiental, além de inúmeras ações administrativas que, criminosamente, tem desmontado a política nacional de meio ambiente e do sistema de órgãos responsáveis por sua implementação. Junto a isso, sofremos o crescimento da violência contra os povos indígenas, ações criminosas como o ‘Dia do Fogo’ orquestrada por fazendeiros na Amazônia e o aumento de assassinatos de ambientalistas como Dom e Bruno”, diz Guajajara no site de campanha.

A deputada eleita é premiada e reconhecida por sua liderança: ela é considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, de acordo com a Revista Time, e em sua candidatura contou com o apoio da cantora Anitta, de grande influência em movimentos políticos.

Guajajara também visa a proteção das vidas negras, LGBTQIA+ e defende a garantia de mulheres indígenas no poder, e luta pelos direitos das mulheres.

“Defender o direito à diversidade e à pluralidade dos modos de vida para que ninguém mais morra por ser quem é. Viemos para ocupar de vez os espaços de poder e de decisão para defender as mães, as chefes de família e as trabalhadoras que erguem o Brasil. Pelos nossos direitos e pela nossa sobrevivência!”, aponta ela. 

Célia Xakriabá, também eleita pelo PSOL, em Minas, com mais de 101 mil votos, defende a proteção dos povos indígenas, a educação democrática, e a preservação dos ecossistemas brasileiros.”Quero levar essa experiência para o Congresso Nacional e contribuir com a reconstrução da democracia brasileira, que só será possível com a força de todos os povos que formam o nosso país”, diz Xakriabá em seu site.

Em ambas as campanhas, as pautas ambientais estão diretamente ligadas às pautas identitárias: para as deputadas, a resistência indígena é essencial para a manutenção dos biomas, e a supressão dos territórios e das culturas nativas levariam à morte das florestas. As propostas das mulheres chamaram atenção internacionalmente, nessa época em que as discussões sobre o meio-ambiente são de preocupação mundial.

O governo atual não está preocupado com a preservação dos ecossistemas, nem tão pouco com medidas para a proteção deles. De acordo com o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), que monitora as degradações na floresta, no governo Bolsonaro houve um recorde de desmatamento: nos últimos 12 meses, de agosto de 2021 a julho de 2022, 10.781 km² de floresta foram derrubados.

“Para manter a floresta em pé, é preciso garantir a vida e os direitos de quem a habita e a preserva: povos originários e tradicionais que vivem da floresta e que têm sido alvos preferenciais dessa política genocida e ecocida”, diz Sonia. 

Evento da ONU evidencia a urgência de reconhecer o protagonismo dos povos originários
por
Jalile Elias
Lais Romagnoli
Laura Paro
Sophia Pietá
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06/10/2022 - 12h
(Arquivo pessoal de Mapu Huni Kui)
(Arquivo pessoal de Mapu Huni Kui).

“Desde 1500, com a chegada dos portugueses, há um preconceito enorme contra a gente, com os povos indígenas, falam que o indígena, quando usa o rap, ele perdeu a sua cultura. E, quando a gente mostra a nossa cultura, falam que o indigena é selvagem. Mas a gente vai continuar seguindo, mostrando nossa cultura, nossa arte e nossa tecnologia, que também é a nossa cultura!”, diz Owerá MC, rapper nativo. São artistas como esse que lutam por representatividade no país e ainda encontram dificuldades ao adentrar na sociedade contemporânea. Mesmo com uma cultura rica em diversidades que compõem parte do Brasil, sua arte ainda é ignorada e, muitas vezes, silenciada. Presentes em vários âmbitos – como a música, a gastronomia, o artesanato, a moda etc. – os indígenas sofrem para conquistar espaços de representatividade.

            Na sede da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, ocorreu dos dias 13 a 27 de setembro um painel de diálogo para debater sobre como a indústria do entretenimento pode contribuir na co-criação de um futuro justo e sustentável. Nesse contexto, diversos indígenas estavam presentes para discutir essas questões, como Mapu Huni Kui: “O que a gente fez foi apresentar a nossa música para passar de geração em geração, porque um dia isso será preciso para compartilhar com os homens que não têm conhecimento do que é a floresta”.

            A ação é apoiada pelo Greenpeace, ONG que tem como uma de suas pautas a importância da presença dos povos indígenas em discussões pela proteção do clima e do meio ambiente: "Quero mostrar para as pessoas que nós não ficamos presos em 1500, evoluímos como todo o mundo. Porque muitas pessoas têm esse pré-conceito com os povos originários, que não podemos ter celular, carros, televisão, e que devemos morar em uma oca’’ declara o trapper indígena Tahw em entrevista para a Agência de Jornalismo Maurício Tragtenberg.

            Através de sua cultura originária, esses povos conseguem transmitir para a população um conhecimento que tentou ser silenciado por séculos. Seus artefatos, suas músicas, suas pinturas e rituais são característicos de muita luta e resistência no cenário brasileiro. Um exemplo é o ritual ancestral da Ayahuasca, bebida utilizada para cura espiritual em cerimônias indígenas. Essa tradição tornou-se comum não só entre esses povos, mas também entre outras camadas da sociedade, o que possibilitou a criação de eventos referentes ao assunto, como a Conferência de Ayahuasca. Tahw também se utilizou de elementos originários de sua cultura para produzir a sua arte: ‘’ na minha cultura Pataxó tem muito dessas coisas das cantorias no nosso idioma materno o Patxohã, sempre que vamos fazer nossos rituais cantamos para Tupã (Deus). Com isso eu resolvi juntar o RAP com minha cultura e começar fazer rap com a língua materna do meu povo.’’

            Mesmo com uma maior visibilidade das redes sociais, os povos indígenas ainda lutam pelos seus direitos na política, na cultura e na educação, uma vez que o atual governo de Jair Bolsonaro sempre se manifestou de forma contrária à essa parcela da população e é contra a demarcação de terras indígenas no país. O chefe do Executivo também vetou a mudança do nome do “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas”, sendo que o termo “índio” anula a pluralidade de povos e culturas, remetendo ao Brasil colônia.

No entanto, existem pessoas e instituições, como a Organização das Nações Unidas (ONU), que buscam por uma maior representatividade e abrem espaços para discussão da importância da preservação e disseminação desses conhecimentos originários.  O evento, ocorrido em Nova York, possibilitou voz para esses artistas indígenas debaterem sobre a atual situação do Brasil e exporem suas artes dentro de um grande centro de influência, com convidados de todo o mundo.