Seja em bonés, camisetas de time ou chinelos Havaianas, o verde, amarelo e azul estão presentes nos novos produtos da moda nacional e internacional. Nos últimos meses, a bandeira brasileira se espalhou rapidamente pelas redes sociais de influencers fashionistas do mundo todo, principalmente pelo TikTok e Instagram. Às vésperas das eleições e da Copa do Mundo do Qatar, a popularização do símbolo do Brasil restaura um sentimento de identidade que vai muito além da moda.
Mais que uma tendência, o BrasilCore tem uma importância política no ano de 2022. Desde 2014, a bandeira brasileira e o próprio brasão da Confederação Brasileira de Futebol são associadas à direita política no país. O verde, amarelo e azul estamparam campanhas eleitorais e manifestações a favor desse lado, representado principalmente pelo presidente em exercício, Jair Bolsonaro (PL). Um exemplo expressivo do uso das cores com um cunho partidário foi a onda de atos pedindo pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.
Esse processo de apropriação do símbolo nacional fez com que o grupo que não se identifica com os ideais da direita deixasse de usar roupas com o tema e, mais do que isso, perdesse o sentimento de nacionalismo. Em contrapartida, a estética BrasilCore surge na direção contrária à apropriação, já que propõe o resgate da bandeira como forma de representação do povo brasileiro. Assim, o movimento une moda, política e, ainda, futebol.
Não é possível falar de estética brasileira sem mencionar o futebol, já que, no país, é o esporte mais popular. Por isso, o lançamento das camisas da seleção da Copa do Mundo de 2022 pela Nike é uma forma de consolidar o BrasilCore como tendência nacional e internacional. Em entrevista para a AGEMT, Julia Andreata (20), Analista Júnior que integra a equipe criativa da empresa, conta que a maior dificuldade no processo de criação do novo uniforme foi manter as cores clássicas da camisa brasileira tendo em vista o longo e complexo processo político pelo qual o país está passando.
A moda sempre foi um instrumento de manifestação e, com a chegada da Copa do Mundo e das eleições, a tendência do verde e amarelo se torna mais presente e comentada do que nunca, o que gera grandes reflexões e embates internos por parte da população. É uma perspectiva que estimula, por um lado, o patriotismo de volta, mas, por outro, o medo e a repulsa de usar a camisa verde e amarela com receio de ser associado a partidos e ideologias políticas. Durante anos, o povo brasileiro assistiu essa atitude, fazendo com que muitos abrissem mão de sua bandeira, de suas camisas, das cores que representam a sua nação.
Na tentativa de desmistificar, a Nike, junto a sua equipe criativa, exploraram maneiras de desvincular a política das blusas da seleção e restaurar aquele sentimento de orgulho ao vestir o verde e amarelo.
O caminho que a Nike escolheu seguir foi exaltar aspectos da cultura brasileira. Para isso, escolheu um visual baseado no uniforme usado pelo time na conquista de seu último título, em 2002. Surge então o slogan “Veste a Garra”, estampado por toda a campanha das novas camisetas da próxima Copa, que sugere ao povo brasileiro agora, mais que nunca, é o momento de vestir a camisa e lutar pelo país, assim como os atletas em campo lutam por uma vitória.
Julia ainda retoma que o objetivo principal dos novos designs foi “trazer orgulho de volta para os brasileiros, e fazer eles vestirem a camiseta. Tudo foi pensado nisso, envolver a textura de onça pintada nas mangas e a bandeirinha na gola, símbolos brasileiros. Por isso, todo o marketing teve o bordão ‘Veste a Garra’”.
As camisetas de time e a periferia
O esporte sempre foi um dos fatores que influenciam a moda. Dos tênis All Star até a camisa Polo, muitas tendências surgiram por conta das práticas esportivas. No entanto, com o futebol no Brasil, alguns fatores fizeram com que essa influência fosse vista como algo negativo. Apesar de eleito o esporte favorito dos brasileiros, a elite enxergava, até pouco tempo atrás, o futebol como pertencente a uma cultura de massa e tinha uma visão negativa sobre ele.
Desde muito antes da repercussão atual do Brazilian aesthetic nas redes, que trouxe consigo uma nova visão das camisetas como itens fashionistas, elas já eram muito antes reverenciadas e reconhecidas como itens essenciais da moda periférica. O “país do futebol”, assim chamado e reconhecido por sua nação, fez com que as camisetas se tornassem um grande símbolo, que teve um imenso consumo e ênfase nas periferias pelo entorno do cotidiano periférico em que o futebol é um elemento muito forte e presente. Como um exemplo disso, a existência dos campos de futebol nas comunidades em que crianças e adultos de todas as idades frequentam e jogam.
Diante dessa situação, pelas roupas da seleção terem como modelos principais os corpos negros e periféricos, esse movimento foi envolto pelo preconceito e o “mal olhado” sendo associado como estilo de “favelado” ou símbolo de algo desleixado. A problemática da tendência surge neste momento em que passa a ser valorizada apenas quando vestida por um grupo específico, branco e elitista no Brasil e "gringos". Algo que muito antes já fazia parte da moda nacional, identidade cultural e realidade de muitos brasileiros, somente a partir do momento que foi usada por pessoas de outros países e grandes figuras brancas e influentes passa a ser visto como um elemento grandioso de moda.
Com a replicação das tendências do exterior observadas no Brasil e a questão da desvalorização de moda nacional e periférica, Laura Ferrazza, historiadora da moda, diz: “As referências da moda estão globalizadas, porém, é um erro pensar que o Brasil não crie suas próprias tendências internas e mesmo seja capaz de exportar tendências”.
“Acho que a identidade de um povo, como uma nação jovem como a brasileira, está sempre em construção. O brasileiro sempre coloca sua marca, seu jeito próprio ao usar algo externo e é muito criativo e inovador”, completa Laura.
Sobre a repercussão da tendência BrazilCore, diz: “A moda é um catalisador do espírito do tempo, um espaço para expressar gostos e opiniões.” “Certamente as preferências eleitorais e esportivas acabam aparecendo como tendência em momentos importantes como uma eleição presidencial e uma Copa do Mundo”, diz Laura Ferrazza.
Moda consciente tem a ver com sustentabilidade e consumo. Para falar sobre o assunto, conversamos com a equipe do brechó Use Brígida, com a equipe da Macê Concept e perguntamos a uma consumidora o que ela acha disso. Ouça aqui

No dia 02/05/2022, estruturado no tema de “Brasilidade Fantástica” e na semana de arte moderna de 1922, movimento que buscou uma arte efetivamente brasileira, aconteceu o Baile da Vogue no Rio de Janeiro. Em meio a trajes luxuosos e produções exuberantes, o evento contou com a presença de artistas e digital influencers da atualidade, e na maioria deles, era notório algo em comum: a falta de representatividade da cultura e da identidade brasileira.
É importante lembrar que a indústria cultural, e principalmente, a indústria da moda vende constantemente a imagem do povo carnavalesco para o mundo, mas o Brasil não é somente representado por carnaval, samba e Rio de Janeiro. Em entrevista para o “Nós, Mulheres da Periferia”, a estilista brasileira Seanny Oliveira conta que a decisão do tema foi importante para uma representação brasileira ainda maior, porém, acredita que faltou diversidade cultural. “Eu penso que a Vogue deve conhecer as artistas [indígenas, quilombolas e ribeirinhas] que produzem moda. Não precisamos de representatividade estrangeira, existe também no Brasil muita gente que é capacitada”. O que faz então, os artistas e influencers buscarem a representação vinda de fora?
A escolha pela moda estrangeira
Bianca Andrade, mais conhecida como “Boca Rosa” pela internet, foi uma das centenas de artistas presentes no Baile em 2022 que apostou num estilista estrangeiro. “Escolhi esse vestido surrealista da Loewe para trazer a ‘Brasilidade Fantástica’ de um jeito inusitado, com uma peça dourada inspirada nas riquezas naturais do nosso país”, comentou a empresária em suas redes sociais na divulgação de seu look para o evento. A Loewe é uma casa de luxo espanhola especializada em artigos de couro e foi fundada por Enrique Loewe Roessberg, um espanhol. Ana Dias, estilista e especialista em ilustração de moda, afirma que o Baile da Vogue é uma porta de entrada a variados artistas, mas principalmente, uma importante manifestação da moda Brasileira, apesar de muitas vezes o evento ser usado com muito oportunismo por “subcelebridades” para se evidenciar e não de fato celebrar a moda, cultura e diversidade, que é de fato o intuito do evento. “De modo geral, os convidados tentaram decifrar o tema ‘Brasilidade Fantástica’ como algo que fosse surreal e fantasmagórico, mas nem todos foram felizes nas escolhas, na minha opinião. Se formos analisar, a maioria nem se quer considerou algum designer brasileiro para evidenciar e apoiar, sendo que nosso país tem tantos artistas talentosos que poderiam ser notados”, pontua a estilista.
O "Vira-lata" constituído na subalternidade e na humilhação
É possível estabelecer um paralelo comparativo entre o acontecimento da moda e o complexo de ‘vira-lata’, abordado por Nelson Rodrigues. "A inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face ao resto do mundo” - ressaltou o escritor em 1958. Desde a chegada dos europeus em território brasileiro e a imposição da cultura estrangeira sobre toda identidade nacional do país, as manifestações artísticas africanas e indígenas, que representam majoritariamente o que é o Brasil, sofreram um processo intenso de silenciamento. Em toda essa conjuntura, a exaltação de tudo aquilo que vem de fora, desde arte até o estilo de vida, e o sentimento de inferioridade tornaram-se um fenômeno recorrente na sociedade brasileira. Em entrevista, a historiadora e professora da Pontifícia Universidade Católica, Carla Cristina, afirma que “O viralatismo brasileiro tem a ver com uma subjetividade constituída na subalternidade e na humilhação. A constante necessidade de aprovação do exterior gera uma dependência de validação e a inferiorização diante de todas as manifestações culturais que possuem raízes brasileiras: As oportunidades de manifestar a riqueza do Brasil, a riqueza cultural, são perdidas para aquilo que parece ser o que vende.” - completa a professora.
Além das produções fashionistas exuberantes, o complexo de vira-lata não estampou-se apenas no âmbito da moda. A bebida escolhida para patrocinar o evento foi o Gin, que surgiu na Holanda e se popularizou na Inglaterra após a Guerra dos Trinta Anos. Com a diversidade de frutas tropicais e bebidas nacionais, como a cachaça, homenagear criações estrangeiras em um evento que possui como tema um território tão rico em suas manifestações artísticas e seus costumes, escancara a realidade de um país estruturado na colonização e na imposição cultural.
O centenário que marcou presença no baile
A semana de Arte Moderna de 1922, que inspirou o Baile, foi uma manifestação artístico-cultural que trazia uma nova visão da arte, a partir de estéticas inspiradas nas vanguardas europeias. O modernismo demarca uma grande ruptura, a desassociação da visão colonizadora sobre os costumes brasileiros, além de desconstruir a influência eurocêntrica e imperialista que fundou o país, também é provocar um mergulho dentro da nossa própria cultura. Mesmo com uma grande oportunidade de representar verdadeiramente a história de um povo através de seu próprio olhar, em um evento que possui grande repercussão e importância para as manifestações da moda, mais uma vez a elite brasileira se preocupou em reverenciar construções estrangeiras. Carla completa que a semana de arte moderna vai ficar marcada como um giro de reflexão a respeito da cultura brasileira. “Essa ideia de Oswald de Andrade, ‘Tupi or not Tupi’, o manifesto antropofágico, Macunaíma, Mário de Andrade e suas andanças pelo Brasil [...] é importante lembrar de uma aula de intelectuais da elite brasileira que passam a pensar a respeito do que é a arte que nós fazemos, a arte que nós consumimos, e o que é a cultura brasileira dessas duas primeiras décadas do século vinte.”
Apesar da grande parcela de convidados que enalteceram as grifes estrangeiras, ainda sim houve trajes inspirados e elaborados por grandes personalidades do Brasil. Um dos exemplos foi Andressa Suíta, que vestiu a talentosa Naya Violeta, estilista preta do centro-oeste, que representa de forma única, a brasilidade em suas criações, além de usar a moda para manifestar a história negra do país, através da influência de festas populares e do Candomblé. Já a advogada e apresentadora Gabriela Prioli, teve seu visual assinado por Teodora Oshima, fashion designer nipo-brasileira e transsexual que traz representatividade pra indústria da moda e cria peças únicas que exibem força e identidade. A moda brasileira costuma ser vista e considerada como cópia das grandes coleções do eixo fashion, como Paris e Milão? Muito pelo contrário, a moda brasileira vai além da identidade, é uma questão de identificação e busca pela maior representatividade étnica e cultural, afinal, isso que verdadeiramente representa o Brasil. Como pontua Ana Dias: “O Baile da Vogue é apenas a porta de acesso a variados artistas, e principalmente uma importante manifestação da moda Brasileira”.