Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Questões climáticas serão discutidas em meio a Amazônia
por
Cecília Schwengber Leite
Helena de Paula Barra
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09/05/2025 - 12h

Entre os dias 10 e 21 de novembro, Belém (PA) hospedará a 30° Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30). Durante o evento, a capital paraense receberá líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil com o objetivo de discutir ações para enfrentar a emergência climática global. Os principais temas a serem debatidos são a redução de emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; preservação de florestas e biodiversidade; justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas.

Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará
Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará

Em entrevista à AGEMT, Sérgio Haddad, economista, pedagogo e mestre e doutor em História e Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP); e Janaina Uemura, formada em relações internacionais pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), e em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) levantam as principais questões envolvendo a simbologia da COP-30 ter Belém como sede e o papel dos governos e sociedade civil em eventos como esse, principalmente com relação aos seus desdobramentos. Para ouvir a matéria completa, acesse o link:

 

Como anda o suporte aos afetados e a responsabilização pela tragédia?
por
Leticia Falaschi
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07/05/2025 - 12h

Em 5 de novembro de 2015, a barragem de rejeitos do Fundão, localizada no distrito Bento Rodrigues, na cidade de Mariana, rompeu. Naquele dia, aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de lama infectada da mineração desabaram sobre Bento Rodrigues e o Rio Doce. Desde dentão, a lama assombra os sobreviventes da tragédia e deixa rastros quase que irreversíveis, sobre o rio afetado e as cidades pelas quais ele passava. Sustento, acesso a água limpa, e modo vida: fatores para sempre abalados para os habitantes de Mariana. A cidade carrega, por 9 anos, severas mudanças ambientais e desequilíbrio do ecossistema local. 

Quase uma década depois do desastre, a Samarco e suas acionistas, a anglo- australiana BHP Billiton e Vale, empresas responsáveis pela mineração e pela barragem que se rompeu, seguem tentando articular uma defesa que não as categorize como como réus. Em novembro de 2024, nove anos após o ocorrido, a Justiça Brasileira absolveu todos os denunciados pelo Ministério Público Federal, segundo a alegação de que as evidências expostas, até então não, permitiam atribuir configuração de crime aos acusados.  

Enquanto isso, o escritório de advocacia de Londres, Pogust Goodhead, processa a BHP na justiça inglesa. A ação se move em defesa de certa de 620 mil afetados pela tragédia e reivindica 260 bilhões de reais de indenização às vítimas e as cidades impactadas. A primeira fase do julgamento acabou em 13 de março, e a corte decidirá se a BHP é responsável até os dias 2 e 3 de março. Durante a primeira etapa do julgamento inglês, foram apresentadas provas de que a barragem já dava sinais de problemas na drenagem e no armazenamento muito antes do colapso de funcionamento.

Relatórios que denunciaram a existência de uma fissura na barragem notada ainda em 2014 pela Samarco, entre outros indicativos prévios de esgotamento do sistema. A defesa da BHP nega as acusações disse que os conselheiros da Samarco não foram notificados, e que os engenheiros especialistas contratados os asseguraram a estabilidade de barragem. A expectativa, dado os caminhos tomados pelo julgamento, é que a empresa seja responsabilizada.

Caso isso aconteça, as definições dos valores de indenizações pode ser um processo longo, podendo perdurar até 2026. Frente a isso, segundo a legislação inglesa, a defesa das vítimas tem direito ao adiantamento parcial da indenização quando o julgamento tende a ir a favor, uma tentativa de mitigar possíveis atrasos.  Em contraste, a justiça brasileira, no acordo firmado ano passado, pede R$ 170 bilhões para as empresas, dos quais 38 bilhões já foram gastos em ações de compensação. Em comparação ao processo internacional, o Brasil se mostrou mais passivo diante das operações de das operações das grandes empresas estrangeiras afetando a vida dos brasileiros. Uma das maiores tragédias ambientais do Brasil tende a ter maior suporte vindo de fora. Entenda o caso com a repórter Leticia Falaschi. 

Novo leilão de campos de exploração indica lentidão da transição energética
por
Anna Cândida Xavier
Camila Bucoff
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05/05/2025 - 12h

Sob pressão do Governo Federal, técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) negaram licença à exploração da Petrobras na Margem Equatorial. O pedido já havia sido negado em 2023, mas com o avanço das negociações, voltou à tona a exigência de estudos estratégicos sobre o impacto às comunidades indígenas e tempo de resposta e atendimento à fauna atingida por óleo. Em entrevista à AGEMT, a cientista política e professora da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do LAPAGE (Laboratório de Pesquisa em Política Ambiental e Justiça), Cristiana Losekann, explica como está a questão ambiental na região. 

Venha entender mais sobre o assunto no podcast!

 

 

Culpa, medo e urgência influenciam comportamento de uma geração que teme não ter tempo
por
Luane França
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03/05/2025 - 12h

“Vocês estão falhando conosco. Mas os jovens já começaram a entender sua traição. Os olhos de uma geração futura inteira estão sobre vocês. E, se vocês escolherem fracassar, eu lhes digo: nós jamais perdoaremos [...] O mundo está despertando. E a mudança está chegando, quer vocês queiram ou não", diz Greta Thunberg, ativista e ambientalista sueca, que, com apenas 16 anos, atravessou o silêncio em um discurso na Cúpula de Ação Climática da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2019. Na ocasião, ela convocou os líderes mundiais à responsabilidade diante da crise climática.

No ano seguinte a esse pronunciamento, a humanidade enfrentaria um desafio global: a pandemia de Covid-19. Embora a origem da pandemia envolva muitos fatores, não dá para ignorar o papel da crise climática nesse contexto. O desmatamento crescente e a destruição dos habitats naturais têm aproximado seres humanos de animais silvestres como nunca antes, o que acaba facilitando o surgimento e a propagação de doenças que antes ficavam restritas à natureza. 

Até 12 de março de 2025, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou oficialmente mais de 7 milhões de mortes confirmadas por Covid, embora o número real de vítimas seja possivelmente ainda maior, considerando subnotificações e mortes indiretas decorrentes das repercussões da pandemia. Hoje, quase seis anos após o discurso de Thunberg, a crise climática continua crítica e novas formas de se comportar começaram a emergir. Entre elas, a ecoansiedade se destaca como um reflexo emocional desse cenário. Mas até que ponto essa sensação está moldando a maneira como as pessoas lidam com o tempo, tomam decisões e buscam viver o presente?

Significado e a transformação do presente

De acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA), a ecoansiedade é caracterizada como um medo crônico da catástrofe ambiental, conceito que também foi integrado ao Dicionário Oxford. Embora seja um conceito relativamente recente, ela revela uma inquietação crescente diante da incerteza em relação ao futuro, tanto pessoal quanto coletivo. Marcado pelos efeitos aparentemente irreversíveis das mudanças climáticas, o fenômeno tem ganhado visibilidade na mídia e, sobretudo, entre os jovens, que sentem com particular intensidade o peso do que ainda está por vir. Matheus Arantes, estudante do 5º semestre de odontologia na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), relata que, por um período, foi tomado por uma sensação constante de desespero. O gatilho veio em 2019, ano em que o número de queimadas na Amazônia aumentou 30% em relação a 2018, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram 89.178 focos de incêndio registrados no bioma.

“Me lembro de não conseguir parar de pensar naquilo e de me sentir sufocado por não poder fazer nada para ajudar [...] Ficava o tempo todo focado nos desastres ambientais, como se, pela primeira vez, eu tivesse realmente percebido que o mundo estava acabando. Isso me deixava exausto, como se eu estivesse carregando um peso que não conseguia controlar [...] Hoje, acordo sabendo que tudo ainda está acontecendo, mas a sensação de impotência só aumentou”, desabafa Arantes.

O relato do estudante é um entre tantos que revelam como a crise climática deixou de ser uma projeção distante para se tornar uma presença constante na vida de quem está crescendo em meio a ela. A ansiedade provocada pelas mudanças no planeta não se limita mais a sentimentos de medo ou angústia , ela já começa a interferir em escolhas práticas, inclusive nas que envolvem o futuro da vida humana, como a decisão de ter filhos. Uma pesquisa internacional, realizada entre maio e junho de 2021, conduzida por pesquisadores de diversas instituições, incluindo o Centro de Inovação em Saúde Global da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford e a Universidade de Helsinque, e financiada pela plataforma Avaaz, entrevistou 10 mil jovens entre 16 e 25 anos em dez países.

No Brasil, 48% dos entrevistados afirmaram que a crise climática os faz hesitar quanto à possibilidade de ter filhos, o maior percentual entre os países analisados. A média global foi de 39%. O estudo também revelou que 55% dos jovens acreditam que terão menos oportunidades do que seus pais tiveram. Essa percepção revela algo mais profundo do que apenas pessimismo: trata-se de uma dificuldade real de se projetar no tempo.

A crise ambiental, juntamente com outras demandas sociais e econômicas, cria uma sensação de compressão do tempo. O futuro se torna uma ameaça, não mais algo a ser conquistado, mas uma ideia difícil de visualizar. O impacto disso se reflete nas escolhas de vida, como o adiamento do desejo de ter filhos ou a falta de planos a longo prazo. A crítica aqui não está dirigida aos indivíduos, mas ao contexto que os leva a esse tipo de decisão.

Essa mudança de perspectiva representa uma interrupção na continuidade dos projetos de vida. O luto não é apenas pelo planeta, mas pela própria ideia de futuro. O problema está na dificuldade de muitos jovens em se imaginar em um cenário concreto. Ana Lizete Farias, psicanalista e doutora em Meio Ambiente pela UFPR, dedica seus estudos a compreender o sofrimento psíquico sob a ótica socioambiental. Em sua análise, ela observa: "Os discursos hegemônicos hoje ainda estão muito centrados em uma questão urbana e de classe média, o que acaba silenciando as vivências das classes mais baixas, transformando os sofrimentos dessas populações em algo abstrato. Não estamos convivendo com essa realidade de forma direta. Não se pode viver uma romantização dos desastres ambientais", ressalta Farias. 

A ecoansiedade já faz parte da vida de quem habita regiões mais expostas aos efeitos diretos da crise climática. Para trabalhadores rurais, populações de baixa renda, indígenas e pessoas negras, os desastres ambientais não são uma previsão futura, mas uma experiência contínua. Nesse cenário, a fauna também sofre com os impactos da destruição dos habitats naturais, o que agrava ainda mais o sofrimento dessas comunidades que dependem diretamente dos ecossistemas.

A emergência climática também pressiona o sistema de saúde e acentua desigualdades já existentes. Nesses contextos, a ecoansiedade não vem apenas do medo do que pode acontecer, mas da convivência diária com um cenário que há tempos se deteriora. "Precisamos ouvir diretamente, sem a mediação de um discurso positivista. A ecoansiedade precisa ser compreendida e recolocada dentro das questões de justiça ambiental".

 

Dois homens plantam juntos em um vaso na Avenida Paulista
Dois homens plantam juntos em um vaso na Avenida Paulista - Foto: Luane França

 

Ninguém muda o mundo sozinho

Ana também chama atenção para os riscos de naturalizar a ecoansiedade.. Encará-la como um simples efeito colateral da modernidade, algo ao qual deve se adaptar, é perigoso. Além disso, é preciso atenção aos discursos catastrofistas. Muitas vezes, eles se expressam por meio de uma linguagem técnica que culpabiliza ou de uma retórica apocalíptica que, em vez de mobilizar, paralisa. Ninguém age movido apenas pelo terror, esse tipo de narrativa tende a gerar desamparo, afastando as pessoas em vez de envolvê-las. Em alguns casos, a linguagem utilizada não responsabiliza quem realmente deveria ser responsabilizado. Ela falha em atingir os setores que têm maior impacto ambiental e, ao mesmo tempo, impede que as pessoas se sintam parte do problema e parte da solução. Diante do excesso de informação, muitas pessoas acabam se sentindo sobrecarregadas e incapazes de transformar esse conhecimento em ação.

A questão não é fazer com que cada indivíduo “faça mais” sozinho, mas sim incentivar ações coletivas, que envolvam empatia, solidariedade e responsabilidade compartilhada. Precisa-se questionar as estruturas, como a indústria e os sistemas de produção e entender que é possível pressioná-las. A transformação não é individual: ela depende de laços e de pertencimento. Mais do que um bombardeio de dados, Farias destaca a importância de boas informações e de narrativas coletivas que reconectem as pessoas — formas de construir pertencimento e estar juntos, mesmo em meio ao caos.

 

 

Tempestades, derretimento dos glaciares, subida do nível do mar e ondas de calor escaldantes causam sofrimento à população do continente asiático
por
Guilherme Lima Alavase
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07/05/2024 - 12h

A Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência das Nações Unidas especializada em clima, divulgou, em abril, o relatório “Estado do Clima na Ásia 2023”.

O Órgão destacou, em comunicado à imprensa, o ritmo acelerado de alterações nos principais indicadores observados, como: aumento da temperatura no continente, derretimento e recuo dos glaciares, aquecimento da água do mar e a subida de seu nível.

As alterações nestes dados reforçam a gravidade das mudanças climáticas no continente.

O relatório aponta que a tendência de aquecimento global se intensificou e que, no longo prazo, as consequências do desequilíbrio da natureza serão cada vez mais intensas.

O aumento desenfreado de emissão de gases do efeito estufa, ocorrido desde a Revolução Industrial, com o uso intensivo de combustíveis fósseis para movimentar os motores e máquinas, a utilização de técnicas arcaicas na agricultura e pecuária, como a queimada de florestas para semear capim e possibilitar a criação de gado em larga escala ou a monocultura, e o uso intensivo de agrotóxicos em áreas extensas tem causado uma desordem severa na natureza ao longo dos anos.

Mapa do continente asiático – Fonte: mapamundipolitico.com
Mapa do continente asiático – Fonte: mapamundipolitico.com

 

A Ásia, continente com a maior extensão terrestre, que se estende até o Ártico, é a região do mundo em que o aquecimento é superior à média global e mais propensa a desastres naturais, sendo os perigos relacionados à água a principal ameaça. 

As tempestades e inundações são os maiores causadores de vítimas e perdas econômicas no continente. Em 2023, ocorreram 79 desastres associados às chuvas intensas com inundações na Ásia, afetando diretamente nove milhões de pessoas, com mais de 2000 vítimas fatais.  

O relatório destaca o aumento da temperatura da superfície dos oceanos, sendo que no continente os mares estão aquecendo três vezes mais rápido que a temperatura média global dos oceanos. O derretimento e recuo dos glaciares, com a consequente subida do nível do mar, ocasionam sérios problemas para as sociedades, economia e ecossistemas da região.   

Como a natureza não escolhe nem onde, nem quem ela atingirá mais severamente, os países, com limitada infraestrutura sofrem de forma desproporcional, com consequências mais duradouras. 

Como exemplo, o ciclone tropical Mocha, que, em maio de 2023 provocou 156 mortes em Mianmar e Bangladesh. A chuva torrencial, classificada como tempestade ciclônica extremamente severa, atingiu a costados países situados no golfo de Bengala, obrigando milhares de pessoas a abandonarem as suas casas.

 

Desabrigado da tempestade Mocha
Destruição causada por tempestade ciclônica em Mianmar – Foto: Sai Aung Main/AFP/JC

 

Além dos fenômenos climáticos associados à água, ocorre na Ásia aumento significativo da temperatura, com ondas de calor sufocantes que podem causar desidratação e insolação.

 

Termômetros registram temperaturas elevadas
As ondas de calor sufocantes do continente contribuem para o aumento de focos de incêndio nas florestas – Foto: VladisChern / Shutterstock.com

 

As ondas de calor são o mais letal dos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas. Em 2023, o Japão viveu o verão mais quente já registrado em sua história.

Na China, em muitas estações meteorológicas foram anotados recordes de temperaturas. Na Índia, as fortes ondas de calor levaram à morte 110 pessoas devido à insolação. 

Os trabalhadores que vivem expostos a condições extremamente quentes e úmidas, como os operários da construção civil ou quem trabalha em atividades ao ar livre, são os que correm maiores riscos de estresse térmico.

 

destruição das florestas com incêncio
Incêndio florestal  - Foto: Nicolas Economou/Reuters -

 

O relatório da OMM reforça a necessidade de que os serviços meteorológicos nacionais de toda a região produzam dados e os divulguem de forma sistematizada e em tempo hábil, para melhor alertar a população sobre os riscos eminentes de um evento climático na tentativa de reduzir danos.

Óbitos, desaparecimentos e desalojamentos são registrados por todo o estado
por
Giovanna Takamatsu
|
06/05/2024 - 12h

As tempestades contínuas que se alastraram pela maioria dos municípios gaúchos fizeram com que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB-RS), decretasse estado de calamidade pública, por 180 dias. Essa decisão, divulgada na última quarta-feira (1) no Diário Oficial do Estado, permite que órgãos e entidades da administração pública prestem apoio à população afetada. 

Até o momento, foram apontados 83 óbitos, 111 desaparecidos e, pelo menos, 129 mil desalojados, de acordo com o boletim mais recente divulgado pelas autoridades gaúchas.  


A situação do RS foi classificada como um desastre nível 3. Segundo a Defesa Civil do Rio Grande do Sul, “os danos causados são importantes e os prejuízos vultosos”. Todo o território está em alerta de risco hidrológico extremo, com níveis dos rios acima da cota de inundação - quando as águas passam a causar danos ao município. 

mapa hidrológico
Mapa de risco de inundação de acordo com o município. Imagem: Defesa Civil do RS

A prefeitura de Porto Alegre iniciou a evacuação de seus moradores na última  sexta-feira (3). O lago Guaíba, que banha a capital, ultrapassou a marca dos 5m acima de seu nível normal - circunstância que deve se manter por, no mínimo, 4 dias. A situação se agravou, especificamente na zona norte da cidade, por causa de um rompimento de uma das comportas do lago - o portão 14. 

centro histórico
Nível da água no Centro Histórico de Porto Alegre. Foto: Evandro Leal/Agência O Globo

Por que as chuvas estão ocorrendo?

Chuvas fortes já são esperadas na região Sul, entre dezembro e março, devido ao El Niño, que provoca o aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico. Entretanto, o Rio Grande do Sul está sendo atingido por níveis pluviais anormais por uma combinação de alguns fenômenos climáticos: 

  • Intensa corrente de ventos que causa instabilidade climática;

  • Onda de calor na região central do Brasil causa um bloqueio atmosférico por estagnação do movimento normal do ar - naturalmente essa é uma região de alta pressão atmosférica;

  • Sucessão de frentes frias e chuvosas proveniente da Argentina, que ficaram estagnadas na região Sul do Brasil por causa do bloqueio causado pela onda de calor;

  • Corredor de umidade proveniente da Amazônia é desviado pelos Andes, e acaba atingindo a região Sul do Brasil. A umidade causa precipitação;

  • La Niña e altas temperaturas no oceano Atlântico geram mais umidade e precipitação.  

Em entrevista à TV Brasil, Marcelo Seluchi, coordenador do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), explica que as chuvas não devem cessar tão prontamente. “Esta situação [as chuvas], infelizmente, deve se manter, com poucas mudanças, pelo menos até sábado com volumes muito elevados ainda, até superiores a 250 milímetros, especialmente na porção centro-norte do estado”, diz Seluchi.

infográfico
Gráfico explicando a causa das chuvas. Foto: Ighor Jesus/ Arte g1

 

O envolvimento do governo federal

lula e leite
Lula e Eduardo Leite em Santa Maria. Foto: Ricardo Stuckert/PR 

O presidente Lula (PT) desembarcou na cidade de Santa Maria, uma das mais afetadas, na quinta-feira (2), para se encontrar com Leite. 

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O Presidente Lula se encontra com o governador Eduardo Leite em Santa Maria. Foto: Reprodução/ Redes sociais

Junto à ele estavam os ministros Rui Costa (Casa Civil), Jader Filho (Cidades), Renan Filho (Transportes), Waldes Góes (Integração e Desenvolvimento Nacional), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) e Paulo Pimenta (Secretária da Comunicação), além do chefe do gabinete do Comandante da Aeronáutica, Major-Brigadeiro do Ar Antonio Luiz Godoy Soares e do comandante do Exército, general Tomás Paiva. 

“Fiz questão de trazer os ministros aqui porque quero que eles assumam o compromisso em solidariedade ao povo do Rio Grande do Sul, para que a gente possa minimizar o sofrimento que esse evento extremo da natureza está causando no estado”, afirmou Lula. 

Após retornar à Brasília, Lula anunciou a criação de uma sala para conseguir monitorar diariamente a situação do RS. O governo federal, que já reconheceu o estado de calamidade do RS, mobilizou 626 militares na região para salvamento e resgate das vítimas. 

Foram enviadas 45 viaturas, 12 embarcações e botes de resgate, e oito aeronaves pela Marinha e Exército, também para auxiliar no resgate dos afetados.  

O governo federal liberou nesta segunda-feira (6) R$534 milhões em emendas individuais de parlamentares gaúchos, que estavam alocados na área da saúde. Segundo o ministro Paulo Pimenta, até quarta-feira (8), devem ser liberados mais R$80 milhões. 

“A gente não vai permitir que faltem recursos para que a gente possa reparar os danos causados”, disse o presidente da República durante sua visita ao RS.

A Agemt tentou contato com moradores das regiões afetadas, mas não conseguiu resposta devido à falta de internet local. Até o momento, segundo balanço do governo do RS, 740 mil pessoas estão sem acesso a serviços essenciais, como energia elétrica, serviços de telefonia e internet e abastecimento de água.   

“Estamos falando de uma cidade insustentável”: como São Paulo ainda não superou seus problemas climáticos
por
Giovanna Takamatsu
Kimberlly Ramos
Victória Rodrigues
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29/04/2024 - 12h

São Paulo ainda não entrou no debate da adaptação às mudanças climáticas. A maior cidade da América Latina, ainda faz com que seus moradores vivam em condições improcedentes. O meio insustentável em que a capital está inserida, impede a população paulistana de possuir qualidade de vida e existir plenamente. Uma metrópole que sofre com o racismo ambiental, altas taxas de poluição, causando diversos problemas de saúde, e nenhuma indicativa de uma transição energética, acaba vinculada a uma realidade limitada e que dificulta o seu desenvolvimento. Inserir o planeta em um cenário mais sustentável e, consequentemente, mais duradouro e habitável para futuras gerações, é essencial; por isso, torna-se cada vez mais necessário a adoção de medidas que garantam isso.

Na aula inaugural promovida pelo curso de Pós-Graduação em Governanças Global e Formulação de Políticas Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que ocorreu na  quinta-feira, 25 de abril, o pré-candidato à Prefeitura de SP, Guilherme Boulos, dedicou bastante tempo de sua fala a essa discussão. O deputado, que palestrava sobre cidades sustentáveis, afirmou: “O que as cidades precisam fazer? Desenvolver planos de adaptação às mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, cumprir metas de redução das emissões de gás de efeito estufa. Hoje nós não estamos discutindo isso aqui na cidade de São Paulo”. 

São Paulo está entre as 10 cidades brasileiras que mais emitem carbono, o que contribui em massa para as constantes e intensas mudanças climáticas às quais a cidade tem sido submetida. Dos 12 mil ônibus responsáveis pelo translado da população paulistana, apenas 84 são elétricos, além de serem restritos ao centro de São Paulo. A grande problemática desses números, é a emissão de carbono causada pelo diesel. No entanto, o transporte público ainda é a opção mais sustentável, uma vez que os carros utilitários são os maiores agentes na emissão de poluentes

O dióxido de carbono (CO2) é um dos principais Gases de Efeito Estufa (GEE). Dessa maneira, sua emissão faz com que a temperatura da Terra aumente, por impedir que o calor saia da atmosfera. Vários problemas decorrem da emissão de gases e do aquecimento global. “No contexto global, as principais consequências são as mudanças climáticas, com eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos; e a debilitação da saúde pública, devido à exposição a poluentes atmosféricos”, informa Célio Bermann, professor associado do Instituto de Energia e Ambiente da USP. 

A transição energética, ou seja, a substituição do uso de energia fóssil (petróleo e seus produtos) para uma energia limpa e renovável, é uma realidade em outras cidades. Shenzhen, na China, possui 18 milhões de cidadãos - 6 milhões a mais que São Paulo - e foi a cidade pioneira na transição energética urbana. Atualmente, 100% de sua frota de ônibus são elétricos. O que impede que São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, faça também essa mudança?

Para o atual prefeito da cidade, Ricardo Nunes, falta infraestrutura. O político, entretanto, responsabiliza a empresa Enel, e afirma que a instituição não entregou pontos de carregamento elétrico para a compra de mais ônibus de energia limpa. De qualquer maneira, é uma urgência eletrificar os ônibus de São Paulo. Em parte, é necessário cumprir com o Acordo de Paris, que foi assinado em 2015, e visava impedir o aumento da temperatura da terra; em outra parte, a sistematização elétrica permite que os custos com transporte público diminuam a longo prazo. “Eletrificar a frota de ônibus, além de ser um grande caminho para reduzir a emissão de carbono, também é um caminho para democratizar o direito ao transporte público. Porque o ônibus elétrico, pode chegar a ser 50% mais barato do que o ônibus a diesel”, explica Boulos.          

O que são cidades sustentáveis

A definição de cidades sustentáveis se baseia no intuito de cuidar do meio ambiente para garantir um futuro global mais promissor. Por meio de políticas públicas propostas pela administração, tem como pilar principal a  responsabilidade ambiental, vitalidade cultural e o ideal de economia sustentável. Seu conceito está associado a uma visão que preza pelo equilíbrio das atividades socioeconômicas e ambientais de uma população. 

Ao redor do mundo, famosas metrópoles aderiram ao conceito de cidade sustentável e demonstraram melhoria no funcionamento de seus ecossistemas. Essa iniciativa gerou benefícios tanto nos aspectos ambientais como na área da saúde e da economia. Na Dinamarca, a cidade de Copenhague tem se mobilizado cada vez mais para contribuir com essa iniciativa, com a construção de estradas voltadas especificamente para a prática do ciclismo e a venda de bicicletas elétricas a baixo custo. Zurique, na Suíça, é responsável por reciclar mais de 40% de seus resíduos hoje e mais de 80% de seus hotéis possuem certificado de sustentabilidade. Já Tóquio, no Japão, possui um dos sistemas de transporte público que tem a menor emissão de carbono mundial. 

Assim como todas essas cidades, São Paulo necessita que o poder público e os provedores de serviços adotem essa mentalidade sustentável. O professor Célio enfatiza essa necessidade: “O poder público pode e deve dar sua contribuição, com políticas públicas indutoras nessa direção. Entretanto, além do governo e da população, cabe às indústrias, comércio e serviços de transportes (rodoviário, ferroviário, marítimo, aeroviário) darem também sua contribuição, pois são os assim denominados ‘setores produtivos’ os principais responsáveis pelos danos ambientais, que comprometem a existência de todos os seres vivos no nosso planeta.”

O Estado, até então, tem se mantido omisso em relação ao tema e à implementação dessas práticas sustentáveis no país. A ausência de ações de combate à destruição ambiental, acarretam no surgimento, cada vez mais frequente, de desafios a serem enfrentados futuramente.

Guilherme Boulos ministra aula na PUC-SP sobre alternativas para sustentabilidade energética, logística de trabalho e abandono dos centros
por
Giovanna Takamatsu
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29/04/2024 - 12h

Transição energética, redução do tempo de deslocamento espacial e melhoria da segurança pública. Esses foram os três itens trazidos e discutidos pelo deputado federal e pré-candidato à prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL-SP), que podem transformar a capital paulista em uma nova metrópole. O evento, que ocorreu na última quinta-feira (25) na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi uma aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Governanças Globais e Formulação de Políticas Internacionais da Universidade.

boulos
Guilherme Boulos fala das possibilidades para as metrópoles. Foto: Giovanna Takamatsu.
"Esse debate de cidades inovadoras precisa ser uma inspiração para nossa cidade e para poder fazer São Paulo voltar a ser o que ela, historicamente, foi"

As pautas levantadas são problemas urbanos enfrentados diariamente pelos paulistanos e, para Boulos, é necessária a participação pública. “Tem soluções que não precisam de bilhões de dólares. São de vontade pública. São de uma decisão de ver a cidade como um espaço para as pessoas e não só um espaço para valorização do dinheiro”, afirmou o deputado. São Paulo é a maior cidade da América Latina e a mais rica do Brasil.

 Transição energética 

O deputado começou sua fala com o exemplo de Xangai na China e de Santiago no Chile. Ambas as cidades são pioneiras na transição energética urbana. Isso significa que os transportes públicos são, em sua maioria, movidos por energia elétrica, limpa de aditivos químicos e fósseis. 

São Paulo inseriu a circulação de ônibus elétricos para algumas linhas, mas os números são baixíssimos. Apenas 84 veículos de pelo menos 12 mil são de energia limpa. Em comparação, Xangai possui 14.700 ônibus elétricos de uma frota de 15 mil automóveis, o que equivale a 98% de carros sustentáveis. 

Essa solução não impacta apenas na redução da emissão de carbono da cidade, mas também diminui o custo estatal com transportes públicos. “O ônibus elétrico, em média, pode chegar a ser 40% a 50% mais barato do que o ônibus a diesel. A gente ganha no tema ambiental e ganha também no custo do sistema. Isso está acontecendo hoje no mundo. Citei duas cidades que eu tive a oportunidade de conhecer, mas está acontecendo em várias cidades do mundo, mas aqui não”, aponta o pré-candidato à Prefeitura de São Paulo.

Para além dos benefícios econômicos e ambientais, a sistematização elétrica colabora para a diminuição da poluição sonora na metrópole. Os ônibus à diesel tendem a produzir, em média, 76,7 decibeis (dB) – ruídos acima de 60 dB já causam problemas de saúde -, segundo estudo da Proteste em parceria com a Sociedade Brasileira de Otologia, enquanto um veículo elétrico é silencioso. 

Segurança pública e reocupação da cidade 

Boulos declara que o maior problema de segurança em São Paulo é decorrente da desigualdade social. “Nenhum país que tem a desigualdade como nós temos é um país com uma sociedade tranquila, pacificada, que as pessoas saem às ruas e se dão as mãos.”, enfatiza o político. 

A cidade possui muitas falhas básicas de segurança pública. O maior problema é o abandono de propriedades, especialmente no centro, que, por causa da falta de manutenção, aumenta o risco de colapso estrutural e proliferação de doenças.

O abandono também incita violência. De acordo com a Teoria da Janela Quebrada, desenvolvida por Kelling e Wilson, em 1982, o vandalismo atrai o vandalismo. “O centro de São Paulo hoje está marcado pelo abandono. Saiu o IBGE agora, mês passado, um a cada cinco imóveis do centro está abandonado. O espaço que é marcado pelo abandono se torna um espaço perigoso”, afirma Boulos, que se utilizou dos dados do Censo de 2022, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado em março.  

O trabalho longe de casa e os serviços nas regiões periféricas   

O terceiro e último tópico discutido na aula foi o deslocamento dos paulistanos até seus locais de trabalho.

Um estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria revela que 36% dos brasileiros passam mais de uma hora por dia em transportes públicos. Isso ocorre especialmente com aqueles que moram nas periferias das cidades e precisam se deslocar para os centros urbanos, onde se concentram os comércios.

“Aqui do lado, na Barra Funda, nós temos 400 empregos para cada 100 moradores. No extremo leste, Jardim Iguatemi, São Mateus, Cidade de Tiradentes, nós temos oito empregos para cada 100 moradores. De 400 vai para oito. Qual é o resultado disso? Quem é do bairro São Mateus sai todo dia de manhã para vir para cá [zona oeste], com duas horas no trânsito, com ônibus lotado, um monte de automóvel individual, com mais poluição, com piora na qualidade de vida”, explica o deputado sobre a desigualdade de oportunidades de empregos por habitante. 

O político do PSOL exemplificou como Paris, que também é uma metrópole, lidou com a diminuição do tempo de deslocamento com o projeto “Cidade de 15 Minutos”. O governo realizou a reapropriação do centro parisiense, o que impediu a especulação imobiliária, e possibilitou a realocação dos moradores para esses locais. Além disso, estimulou financeiramente empresas públicas e privadas a se expandirem para regiões periféricas. 

Evento de comemoração de 13 anos da Agência Pública traz Ailtron Krenak, Carlos Nobre e Daniela Chiaretti para debatar temas ambientais. 
por
Luísa Ayres
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14/03/2024 - 12h

Na noite de ontem (13) o evento de celebração do 13º aniversário da Agência Pública, fundada por ex-alunas da Universidade Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), apresentou uma mesa fundamental para a compreensão dos impactos da ação humana no meio ambiente. 

A roda de debate contou com a participação de importantes estudiosos, militantes e jornalistas da causa, com destaque para a participação de Ailton Krenak, o nome mais aguardado da noite. 

Recebido com aplausos, o doutor honoris causa pela UFMG e pela UFJF e eleito para a Academia Brasileira de Letras, se preocupou em evidenciar, para além das questões ambientais, as preocupações sociais imprescindíveis ao tema.  

Abordando o racismo estrutural e ambiental, Krenak pontuou como as consequências da crise climática são sentidas de formas diferentes pelas pessoas - e sempre de maneira mais forte pelas camadas pobres da população.  

Além disso, o indigenista chamou a atenção da plateia para o que está além da vida humana: a extinção em massa de diversas espécies animais.  

Segundo o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU deste ano, de 976 espécies avaliadas em diversas regiões do mundo, 47% sofreram extinção de populações locais em anos de temperatura recorde.   

Populismo e os riscos para o clima

O renomado climatologista e criador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN-MCTI), Carlos Nobre, também presente no evento, alertou para como os efeitos do negacionismo têm impactado na destruição do Planeta. 

Em agosto de 2023, um documento redigido pelo Grupo de Inteligência Climática Global (CLINTEL), assinado por mais de 1.600 cientistas oriundos de 60 países, afirmava que “não há emergência climática”. A maior parte deles nativos de países da Europa e América do Norte, com destaque para Itália, Estados Unidos e França. 

Na América do Sul, o Brasil foi o país com maior número de assinaturas: 20. Além disso, vale lembrar que os brasileiros foram os que mais aumentaram a emissão de gases poluentes durante a pandemia do COVID-19 no mundo. 

Para Nobre, estes dados não são um acaso – mas sim uma consequência.  

Infelizmente nos últimos 25 anos, há um grande crescimento das eleições democráticas e populistas. Nós estamos vendo o populismo crescendo no mundo inteiro e essas pessoas todas são eleitas democraticamente. Esse é um enorme desafio. Nos EUA, 65% dos americanos são preocupados com mudanças climáticas e esses americanos elegeram um presidente negacionista que tirou os EUA do Acordo de Paris”, alerta.  

Crise sistemática

A jornalista Daniela Chiaretti, que cobre as Conferências do Clima da ONU desde 2008, concorda - e afirma que percebe a crise climática como “um problema que o próprio sistema (capitalista) criou”.  

Pensando, portanto, na crise climática como uma consequência da ação humana predatória ao longo dos séculos, cientistas, geólogos e outros estudiosos da área tem debatido, há 15 anos, a nomeação de uma nova era geológica: o antropoceno.  

As questões levantadas sobre o tema procuram pensar o tamanho do impacto que a humanidade tem causado ao mundo e às suas biosferas – e se são suficientemente graves a ponto de levar o Planeta a um novo período histórico.  

Segundo Carlos Nobre, o antropoceno teria tido início ainda na década de 40 com o impacto das bombas atômicas em terras como as do Canadá e México, que serviam como base de estudos de geólogos devido seu bom estado de conservação. Após os testes, suas estruturas foram modificadas com novos elementos. 

Hoje, falar de antropoceno pode soar como, praticamente, falar do fim do mundo como o conhecemos.  

Consequências

A Terra, desde seus primórdios, varia em eras de acordo com a órbita em torno do Sol. Em épocas de maior elipse, entramos na Era Glacial, com temperaturas mais amenas em cerca de 5ºC. Já quando em órbitas ligeiramente mais arredondadas, saímos deste período. Este ciclo, como explica Nobre, demora cerca de 100 a 120 mil anos. 

O problema é que o tempo que temos para lidar com as mudanças climáticas e suas consequências atuais é bem menor do que isso.  “Caso mudanças não sejam rapidamente efetivas, em 2100, teremos 4ºC de aumento (...). Nunca a temperatura chegou ao que pode chegar no século 22. Praticamente todo o mundo tropical será inabitável, quando poderão ser atingidas temperaturas em que o nosso corpo não perde mais calor. É o chamado estresse térmico”. 

Sua explicação prossegue alertando para os riscos de tal situação, como o tempo de vida de idosos e crianças - que pode não passar de 20 minutos. A espécie humana precisaria se adaptar para viver no topo dos Andes, no Ártico ou em outras regiões extremamente geladas.  

Além disso, esta época representaria a 6ª maior extinção do Planeta (a quinta ocorreu há cerca de 62 milhões de anos atrás, com os asteroides que mataram os dinossauros).  

Mapa de calor
Medidas mais drásticas para reduzir a emissão de gases-estufa serão necessárias para evitar que o planeta esquente mais de dois graus Celsius até o fim do século, aponta IPCC  – Mapa: Nasa/NOAA 

 

Quando nos perdemos?

Para Ailton Krenak, a humanidade perdeu muito – em tempo e experiência - invalidando os povos originários, que já avistavam estes riscos há muito tempo através do contato diário da natureza. 

O humano achava que a Terra era um lugar sagrado. Ele tinha medo do raio, do trovão, da tempestade. Ele tinha medo da mudança da cor do pôr do sol. Quando todo mundo ficou esperto, dominou a agricultura, pegou o metal, começou a fazer essa farra toda, deixaram de tratar a vida do Planeta como uma experiência sagrada e passaram a acreditar que a Terra é um organismo plástico, que podemos esticar, dobrar, enrolar (...)”.  

O militante da causa acredita, por isso, que o antropoceno é sim real e deveria ser validado. 

“Estamos comendo o corpo da terra feito pestes”, afirma.