A conferência sobre clima reforça a urgência de ações globais, enquanto o Brasil enfrenta a crescente ameaça de desastres ambientais e suas consequências socioeconômicas.
por
Mariana Castilho e Stefany Santos
|
18/03/2025 - 12h

A COP (Conferência das Partes), o maior encontro mundial para a discussão sobre mudanças climáticas, terá sua 30ª edição sediada em Belém do Pará, no Brasil, em novembro de 2025. A Conferência da ONU sobre Clima volta a atenção dos líderes globais e da sociedade civil para um tema que afeta diariamente a população, mas sobre o qual ainda se discutem poucas medidas concretas para minimizar seus impactos e desacelerar a crise.

Em entrevista à AGEMT, Denison Ferreira, natural de São Luís, Maranhão, professor, pedagogo, geógrafo, especialista em sustentabilidade e políticas públicas, e ativista socioambiental, pontuou a importância da escolha do país e da cidade que sediarão o evento. "A realização da COP 30 em Belém tem um significado estratégico tanto para o Brasil, quanto para a agenda climática mundial, reforçando a centralidade da Amazônia no debate sobre mudanças climáticas e sua importância na absorção de carbono e na manutenção do equilíbrio ambiental do planeta”, diz Ferreira

Segundo dados da OIM (Organização Internacional para as Migrações), da ONU, o número de pessoas deslocadas por desastres ambientais no Brasil em 2023 foi de 745 mil, o maior desde 2008, sendo o índice mais alto da América Latina. Esses dados apontam a falta de políticas públicas eficazes para a proteção ao meio ambiente e, principalmente, à população civil, que segue sendo a maior afetada pelos eventos climáticos extremos.

“No Brasil, a política climática oscila entre avanços e retrocessos. O país conta com instrumentos legais importantes, como a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), mas a implementação dessas medidas enfrenta desafios significativos, incluindo a falta de fiscalização e a pressão de setores econômicos ligados ao desmatamento e à exploração de combustíveis fósseis. Recentemente, houve um esforço para retomar compromissos ambientais, com maior participação em fóruns internacionais e ações de combate ao desmatamento na Amazônia", afirma Ferreira. 

As mudanças climáticas são uma ameaça crescente e presente em todo o mundo. No Brasil, podemos observar o impacto das chuvas intensas, que afetam uma grande parte da população, como no caso do Rio Grande do Sul, onde cidades ficaram submersas pelas tempestades. Essas chuvas devastadoras forçaram muitas pessoas a abandonar seus lares, deixando suas histórias em busca de um novo lugar para viver. As pessoas que enfrentaram e ainda enfrentam fenômenos como tempestades, aumento do nível do mar, secas extremas e até incêndios florestais são chamadas de migrantes climáticos, um grupo diretamente afetado por esses eventos naturais.

Segundo Ferreira, os eventos climáticos extremos impactam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis, que, em sua maioria, vivem em áreas de risco, como encostas, margens de rios e regiões costeiras baixas. A falta de infraestrutura adequada e a ausência de políticas públicas eficazes aumentam a exposição dessas comunidades a enchentes e deslizamentos, resultando na destruição de moradias, na perda de meios de subsistência e, em muitos casos, no aumento da mortalidade. "Esse cenário reflete o que chamamos de racismo ambiental, em que as populações negras e economicamente vulneráveis são as mais afetadas pelos desastres naturais", ressalta.

“Secas prolongadas comprometem a segurança alimentar e hídrica, como ocorre nas estiagens severas que atingem o bioma amazônico, afetando estados como Amazonas, Acre e Pará. A elevação do nível do mar também ameaça comunidades litorâneas e populações tradicionais, como pescadores e ribeirinhos, cujas terras são progressivamente inundadas. Esse fenômeno gera deslocamentos involuntários, agravando desafios socioeconômicos, como a dificuldade de acesso a novas moradias e empregos”, afirma o ativista.

Logo, a perspectiva de resultados positivos para o clima durante a COP30 sediada em território amazônico é grande. “As expectativas para a COP 30 são altas, especialmente quanto ao fortalecimento dos compromissos climáticos e à implementação de medidas concretas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas. Espera-se que o evento resulte em acordos mais ambiciosos para a redução de emissões, com metas mais rigorosas para os países signatários do Acordo de Paris”. 





 

Fragmentos dessa vegetação sobrevivem na cidade e carregam a memória de uma paisagem que um dia foi predominante
por
Majoí Costa
Nicole Conchon
|
21/11/2024 - 12h

No coração da maior metrópole da América Latina, árvores como ipês, muricis e araçás do campo resistem como testemunhas vivas de um passado em que São Paulo era dominada pelo Cerrado. Muito antes das avenidas e arranha-céus, as várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí formavam um mosaico natural de matas e campos, ocupadas por povos Tupiniquins.

Registros antigos da época da colonização retratam uma São Paulo bem diferente. Em 1585, o padre jesuíta Fernão Cardim descreveu a região como um “lugar de grandes campos… e campinas... que é formosura de ver”. Esse cenário, marcado pela vegetação arbustiva de galhos retorcidos típica do Cerrado, se estendia por boa parte do território paulista.

Quase 500 anos depois, o que restou dessa paisagem na capital está restrito a pequenos redutos. Na zona oeste, dois locais guardam a memória desse Bioma. Na Universidade de São Paulo (USP), próximo a uma caixa d’água, espécies raras, como a língua-de-tucano, um arbusto espinhoso usado pelos colonizadores para fabricar alpargatas, seguem resistindo. Já no bairro do Jaguaré, outro fragmento do Cerrado sobrevive em uma reserva fechada ao público.

A destruição do Cerrado em São Paulo reflete um processo que se intensificou ao longo do século passado. No início do século 20, 18,2% do território paulista era coberto pelo Bioma; hoje, resta menos de 1%. Deste pequeno remanescente, menos de 20% está protegido por unidades de conservação ou reservas legais.

Desmatado e fragmentado, o bioma se tornou associado apenas à região Centro-Oeste, mesmo tendo atravessado boa parte do território paulista até o norte do Paraná. Os poucos fragmentos restantes não só revelam a fragilidade das espécies endêmicas, mas também comprometem o ciclo natural de abastecimento de água. A substituição da vegetação original afeta diretamente o Aquífero Guarani, por exemplo, uma das maiores reservas subterrâneas de água do mundo.

De acordo com Daniel Caballero, fundador do projeto Cerrado Infinito, o cerrado é uma floresta invertida: “O que você vê na superfície são campos com arbustos mas no subsolo tem verdadeiras árvores, que seriam as raízes, de 30 a 40 metros enterradas que são responsáveis por carregar os aquíferos. Sem cerrado, nós ficamos sem água”.

 

Daniel Caballero em viagem ao cerrado
Daniel Caballero em viagem ao cerrado / Foto: Reprodução/Instagram/@caballeroland.art

 

Daniel é artista plástico e resolveu fazer um projeto sobre as casas da cidade. Com isso, ele se deparava com as mais diversas vegetações durante seus passeios pela metrópole. Depois de um estudo, ele descobriu que São Paulo era um grande campo cerrado; isso fez com que ele começasse a colher vegetações remanescentes desse bioma e plantasse em sua casa. 

Com a intenção de fazer crescer ainda mais essa vegetação na cidade, ele começou a plantar essas mudas na Praça da Nascente, na Sumaré. “O nome Sumaré que denomina a avenida e o bairro vem do nome de uma uma orquídea do cerrado”, acrescenta Daniel. 

 

Daniel trabalhando na renovação da Praça da Nascente
Daniel trabalhando na renovação da Praça da Nascente / Foto: Arquivo Pessoal 

 

 Caballero encerra a entrevista com uma indagação a todos nós da cidade: “A área mais urbanizada da cidade foi construída em cima desses campos de cerrado, se não tivesse cerrado, não teria a cidade de São Paulo”. 

Medida visa combater emissões de gases do efeito estufa, com regras que obrigam empresas a compensar poluentes
por
Majoí Costa
Nicole Conchon
|
21/11/2024 - 12h

 

Floresta Amazônica
Floresta Amazônica / Foto: Neil Palmer

 

 

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (19), o Projeto de Lei 182/2024, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). O objetivo da proposta é estabelecer um mercado regulado de carbono, com o intuito de controlar e reduzir as emissões de gases que agravam o efeito estufa, oferecendo incentivos para que as empresas adotem práticas mais sustentáveis.

O novo sistema funcionará com a criação de cotas de emissão de gases chamados créditos de carbono. Esses créditos são certificados emitidos a partir de ações que reduzem ou capturam gases de efeito estufa. Cada crédito equivale a uma tonelada de dióxido de carbono evitada ou retirada da atmosfera. Eles podem ser comercializados tanto por estatais quanto por empresas privadas.

As empresas que ultrapassarem seus limites de poluição terão que compensar com a compra de créditos. Em contrapartida, aquelas que conseguirem reduzir suas emissões, poderão vender esses créditos, o que gera uma fonte de receita para as práticas mais ecológicas.

A proposta foi idealizada para tornar o mercado mais eficiente e permitir a redução dos impactos ambientais provocados pelas indústrias. 

O projeto foi discutido e aprovado em uma sessão no plenário da Câmara, e agora segue para sanção presidencial. A proposta foi trabalhada em conjunto com o Senado, que já havia aprovado uma versão anterior. O texto estabelece um marco para a criação de um sistema transparente e confiável de monitoramento e controle das emissões no Brasil.

Além disso, o projeto inclui mecanismos de compensação de emissões para veículos automotores e prevê a criação de fundos para apoiar projetos sustentáveis. O mercado será regulamentado por um órgão especializado, garantindo a transparência e a eficácia das ações.

Preservar as nascentes é essencial para garantir a sustentabilidade e qualidade de vida na cidade.
por
Majoí Costa
Nicole Conchon
|
21/11/2024 - 12h

São Paulo, a maior cidade do Brasil, esconde um tesouro natural: as nascentes de água. Essas fontes de água, muitas vezes, são invisíveis aos olhos de quem vive na correria do cotidiano paulistano. Porém, se olharmos mais de perto, podemos perceber que são elas que abastecem os rios que cruzam a cidade e que são parte fundamental de um ciclo ecológico essencial para o funcionamento de toda a metrópole. Conhecer essas fontes de água é o primeiro passo para sua preservação e, assim, para a manutenção de uma São Paulo mais verde, mais saudável e mais sustentável.

De acordo com a Secretaria do Verde e Meio Ambiente da cidade de São Paulo, há 10.403 nascentes só na capital. Essas fontes de água são vitais para o abastecimento hídrico da cidade e para o equilíbrio do ecossistema urbano. Mas o curioso é que a maioria da população desconhece sua importância ou, em alguns casos, tenta ocultá-las por acreditar que elas representam um problema. Esse comportamento leva algumas pessoas a cobrir ou "tapar" essas nascentes, o que compromete não só o abastecimento de água, mas também a biodiversidade local.

De acordo com o arquiteto e fundador da ONG Rios e Ruas, José Bueno: “A população foi ensinada a não gostar dos rios e a tratá-los como um problema urbano, mas na verdade os rios são a solução para uma cidade que enfrenta aquecimento global e mudanças climáticas extremas”. 

José andava de bike pelo Butantã quando percebeu que havia água e planta crescendo em uma linha específica da rua Iquiririm que tinha uma parte coberta por mato. Curioso, ele foi seguindo aquele rastro de vegetação e encontrou uma nascente. 

Essa nascente não tinha nome, então ele a nomeou de rio/riacho Iquiririm. Ela encontra com o rio Pirajussara Mirim, que, por sua vez, encontra com Pirajussara e deságua no rio Pinheiros. 

José Bueno junto com Luiz Campos Jr na nascente do Iquiririm
José Bueno junto com Luiz Campos Jr na nascente do Iquiririm / Foto: Arquivo Pessoal

Depois disso ele fundou, junto com seu amigo Luiz de Campos Jr., a ONG Rios e Ruas e publicou um livro sobre a presença dessas nascentes na cidade e como cuidar delas torna a cidade melhor. A intenção do projeto é mudar o nível de consciência não só da população da capital, mas do país inteiro para que as mudanças causem um impacto visível na sociedade. 

“Os rios estão pela cidade inteira, a maioria foi canalizada, desprezada, esquecida e apagada da memória. A má notícia é que eles estão longe da percepção, mas a boa notícia é que eles estão todos vivos, eles foram enterrados vivos”, acrescenta José. 

A importância dessas nascentes vai além de seu papel no abastecimento de água. Elas são fontes de vida para diversas espécies de fauna e flora e desempenham um papel crucial na manutenção da qualidade do ar e do clima na cidade. No entanto, sua preservação está diretamente ligada à conscientização da população sobre sua relevância. A falta de informação sobre o ciclo da água e sobre como o ecossistema urbano se relaciona com esses recursos naturais contribui para a negligência em relação a esses corpos de água.

José Bueno não é o único que luta pelos rios e nascentes na cidade de São Paulo. Adriano Sampaio largou sua vida na administração para fazer um curso de permacultura e nunca mais voltou atrás. Filho de nordestinos e neto de pescadores, Adriano se denomina como “da roça”. Anos depois de sua chegada em São Paulo, Adriano fundou o coletivo Existe Água em SP. “Eu sempre gostei da natureza, de pescar, mas não tinha espaço pra fazer isso em São Paulo até que eu percebi que existe sim natureza aqui, só é preciso encontrá-la”, afirma Sampaio.  

À direita, Adriano Sampaio em dos seus mutirões
À direita, Adriano Sampaio em dos seus mutirões / Reprodução: Facebook

 

E de tanto buscar, Adriano encontrou a Praça das Nascentes, local em que havia diversos charcos d’agua. Essa praça fica localizada em Sumaré, zona oeste de São Paulo. As águas da praça vêm de nascentes do córrego Água Preta. Esse córrego vai descendo, passa pelo Sesc Pompéia, até chegar no rio Tietê. 

Adriano e sua ONG, junto com o coletivo Ocupe e Abrace, juntaram todas essas nascentes e charcos d’agua e transformaram em um grande lago. 

Lago na Praça das Nascentes/ Foto: Divulgação
Lago na Praça das Nascentes / Foto: Divulgação

Adriano relata que sua vida se transformou quando começou essa luta em defesa dos rios e ainda diz: “Eu vejo os rios como artérias porque o planeta é um sistema vivo”. 

A gestão de áreas verdes e de rios precisa ser reforçada com políticas públicas que envolvam a comunidade, para que as pessoas compreendam a importância de manter essas fontes de água em seu estado natural.

Está em trâmite na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei que visa criar Áreas de Preservação Permanente (APP) perto de cursos d'água naturais. O PL 4/2022,  apresentado pelo vereador Toninho Vespoli (PSOL), tem como justificativa a função de preservar os recursos naturais e garantir a segurança e o bem-estar da população.

Especialistas alertam a ultrapassagem do limite estabelecido pelo Acordo de Paris e destacam a rapidez assustadora
por
Leticia Alcântara
Sophia Razel
|
19/11/2024 - 12h

É praticamente certo que 2024 irá bater recordes de temperatura e será o ano mais quente já registrado. Pela primeira vez, o planeta deve terminar o ano com a média de temperatura de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Os dados são do relatório do Observatório Europeu Copernicus, divulgados no início de novembro, antes do início da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29). 

O relatório ainda mostrou que não só na Europa, mas também em regiões como o leste da Antártida, Texas, México, Canadá, nordeste da África, Irã, China, Japão e na Austrália as temperaturas também ficaram acima da média. Parte da América do Sul também enfrentou secas e incêndios florestais, como foi o caso do Brasil.

Bombeiros tentando controlar o fogo
Mudanças climáticas favorecem as queimadas Foto: Marcelo Camargo//Agência Brasil

Durante o primeiro dia da COP29, que acontece entre os dias 11 e 22 de novembro na cidade de Baku, no Azerbaijão, o relatório “Atualização do Estado do Clima 2024”  foi divulgado.

De acordo com análise feita pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), organização da ONU, “as ambições do Acordo de Paris estão em grave perigo” uma vez que a temperatura global foi extremamente alta entre janeiro e setembro de 2024. Isso corrobora as projeções do Observatório Europeu, e destaca que 2024 deve ser o ano mais quente da história, superando 2023 que, até então, possuía o posto. 

Acordo de Paris e mobilização mundial 

O Acordo de Paris, tratado internacional que foi assinado em dezembro de 2015 e passou a valer em novembro de 2016, foi adotado por 195 países e tem como objetivo reforçar a ação global contra as mudanças climáticas. Dentre os propósitos, destacam-se reduzir os gases de efeito estufa, como, por exemplo, o dióxido de carbono - que se origina do uso intenso de combustíveis fósseis -, e manter  o aumento da temperatura global abaixo de 2 °C até o final do século. Isso inclui uma série de esforços para limitar esse aumento a 1,5°C. Diante dos dados apresentados, a meta deve ser quebrada.

A vitória do republicano Donald Trump nas eleições dos EUA coloca em xeque as negociações globais futuras e participação estadunidense do acordo.  Em 2017, durante seu primeiro mandato, Trump retirou o país do acordo; tal atitude causou preocupação mundial, já que se trata do segundo país com maiores níveis de emissão de gases de efeito estufa do mundo, perdendo apenas para a China. No início de 2021 seu então sucessor, Joe Biden, voltou a aderir ao acordo. Com o seu retorno à Casa Branca existe forte especulação de uma nova saída.

Quais são as consequências 

Danos climáticos já passaram a ser observados nos últimos anos. O aumento da temperatura dos oceanos, a elevação do nível do mar, incêndios florestais e o derretimento de geleiras são alguns deles. 

Há pelo menos uma década, cientistas já alertam para os perigos iminentes das constantes mudanças climáticas resultadas pelas ações humanas, que estão causando constante destruição e perdas irreparáveis. Desde as ondas de calor intensas à chuvas torrenciais, os efeitos já estão sendo sentidos e, se não controladas as mudanças, a tendência é piorar. 

A OMM ainda alerta para a necessidade urgente de medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e garantir preparo para lidar com as consequências, especialmente em relação a pessoas em situações de vulnerabilidade.

 

A comunidade do Morro do Piolho enfrenta o racismo ambiental com educação e ajuda da ONG Juntos pelo Capão
por
Silvia Monteiro
Lívia Rozada
Maria Elisa Tauil
|
29/11/2023 - 12h

“A gente não precisava ter ficado mais de uma semana sem luz e água. Da ponte pra lá as pessoas receberam um formulário (da Enel) pra falar o que tinha sido estragado, aqui as pessoas nem sabem que podem fazer isso”, relata.

No dia 3 de novembro o Estado de São Paulo foi atingido por fortes chuvas e rajadas de vento de até 100 km/h. O temporal, um dos tantos exemplos da crise climática, não escolheu as suas vítimas, entretanto o racismo ambiental sim. Rose Borges, moradora do Morro do Piolho, periferia localizada no bairro do Capão Redondo, Zona Sul, enfrentou 10 dias sem luz e água.

“Isso é racismo ambiental. Por que quem mora lá pode ir atrás do direito deles e aqui não? Como o Eduardo Lyra fala em Gerando Falcões: a favela tem que sair do museu, reflete Rose.

1
Moradores do Morro do Piolho passaram mais de 10 dias sem luz e água. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O racismo ambiental é um termo utilizado para descrever situações de injustiça social, onde grupos minoritários são sistematicamente submetidos às consequências da degradação do ecossistema. Isso fica evidente quando moradores de bairros e territórios periféricos, em sua maioria pessoas pretas, indígenas e famílias de baixa renda, são diretamente afetados com o agravamento das condições climáticas, enquanto os mais privilegiados usufruem de melhores condições de vida.

“JUSTIÇA CLIMÁTICA É JUSTIÇA RACIAL”

O racismo ambiental está presente na sociedade em diferentes formas, como por exemplo, na maior incidência de riscos de inundações, deslizamentos de terra, concentração dos piores índices de poluição do ar e das águas, e até mesmo a falta de saneamento básico em comunidades. Dessa forma, a população está mais exposta aos impactos dos desastres naturais. Um exemplo marcante é o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). A tragédia, que deixou 270 pessoas mortas e derramou milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração na bacia do Rio Paraopeba, teve como sua principal vítima a população negra e de baixa renda, que morava na região. Quatro anos após o ocorrido, a empresa responsável pelo desastre não foi responsabilizada e as famílias afetadas ainda sofrem com as consequências da desigualdade socioambiental.

No lançamento do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”, organizado pelo Instituto de Referência Negra Peregum, os autores debateram sobre a necessidade de trazer à tona as demandas dos movimentos negros e denunciaram o embranquecimento do movimento ambientalista. “A crise ecológica global é, simultaneamente, uma crise de justiça global”, expôs a jornalista Mariana Belmont na coletiva de imprensa.

2
Lançamento do livro que ocorreu no Instituto de Referência Negra Peregum em São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Em uma entrevista a Agemt, Andressa Dutra, gestora ambiental, mestranda em Ecoturismo e uma das autoras do livro, conta que a questão racial é a chave para solucionar a crise ambiental. “Entendendo que o Brasil é um país estruturado no racismo, o Silvio Almeida fala que a gente não vai conseguir resolver as grandes questões se a gente não trouxer um foco para questão racial, porque é isso que dá base e faz entender quem vai viver e quem vai morrer”, explica.

“Não adianta mais a gente tentar resolver as mazelas dos problemas ambientais sem pensar na questão racial,” relata a ativista. 

3
“Livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”. (Foto: Maria Elisa Tauil)

MORRO DO PIOLHO: UM REFLEXO DO RACISMO AMBIENTAL

Localizado na região do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, o Morro do Piolho, segundo moradores, abriga 300 famílias, sendo uma delas a da líder comunitária e agente transformadora Rose Borges, fundadora da ONG Juntos pelo Capão.  “Tem muita coisa acontecendo do outro lado da ponte do rio Pinheiros, que separa os pobres dos ricos, o lado A do lado B”, relata.

Rose conta que em decorrência da tempestade e rajadas de vento, ela ficou sem luz por quatro dias, enquanto alguns vizinhos ficaram mais de uma semana. Na segunda-feira, três dias após a tempestade, a maior parte do bairro seguia sem energia e sem água; consequentemente, a maior parte das escolas e creches não abriram. Assim como muitas mães e avós, ela precisou ficar em casa para cuidar da sua neta, precisando ligar à sua chefe para avisar que não tinha condições de ir trabalhar. Muitas outras mulheres da comunidade passaram pela mesma situação, mas receberam um tratamento diferente das empresas, com seus salários e benefícios sendo descontados. “Não é culpa delas, mas é visto assim. ‘Se vira’. Como se a gente pudesse se teletransportar”.

4
Morro do Piolho, localizado na Zona Sul de São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

A moradora denuncia a situação precária que as mães do bairro, grande parte mulheres negras e mães solo, precisam enfrentar ao ficar sem energia. “A maioria das mães aqui, quando saem, deixam coisas pros filhos comerem, porque elas vão trabalhar e só voltam à noite. Então ela trabalhou lá o dia inteiro, e, quando chegou em casa, não tinha luz nem água pra sobreviver”. Rose relata que, muitas pessoas precisaram se locomover e ficar na casa de amigos que já tinham energia. Ela precisou ir à casa da sogra, que fica em Campo Limpo, 42 km de distância do Morro do Piolho. A fundadora da ONG levou seu celular e os de seus vizinhos para carregar lá, além de trazer os alimentos que havia em sua geladeira.

Dessa forma, a comunidade se viu na necessidade de se mobilizar para enfrentar a falta de água e luz. Um vizinho de Borges, que tinha acesso a um lugar com água, ficou responsável por levar galões de água e trazer água para os moradores. Por ser uma quantidade limitada, as pessoas pegavam garrafas de 2 litros e faziam um banho rápido, e os que tinham filhos, tiveram que usar a mesma água em duas ou três crianças, e o restante foi usado para fazer comida e beber.

Além da falta de energia, a cidade de São Paulo também passou, recentemente, por uma onda de calor e mais uma vez, as comunidades periféricas foram as mais afetadas. Rose conta que, por conta do calor extremo, as pessoas precisaram dormir com as janelas abertas, e muitas precisaram colocar o colchão na parte externa da casa, onde era mais fresco. “Eu tive que colocar o colchão na garagem, sabe quando você não aguenta o calor?”, fala.

5
Comunidade do Morro do Piolho enfrenta a onda de calor. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O calor extremo chegou enquanto muitas pessoas ainda estavam sem energia, sendo ainda mais prejudicial às pessoas da comunidade. Sem luz, as geladeiras não funcionavam e as comidas apodreciam. “Minha cunhada perdeu tudo que estava na geladeira. Minha vizinha tinha duas crianças pequenas, e teve que ir pra um lugar no extremo sul porque lá as crianças tinham água e o que comer. Ela preferiu pegar um dinheiro e gastar com a condução do que ficar aqui”.

JUNTOS PELO CAPÃO: UM OLHAR DE ESPERANÇA

Claro, projetos como o de Rose não começam do dia para a noite. Durante a entrevista, ela nos conta que a ideia começou, no final de 2019, quando estava na missa e ouviu um pedido do pároco local, Padre Márcio, que fazia aniversário naquele dia. Como presente, ele queria um panetone porque tinha uma criança que não sabia o sabor do bolo. No seu trabalho, numa escola particular na zona oeste da cidade, ela pediu ajuda às mães dos alunos e conseguiram uma “parede” de panetones para serem doados no Natal, e a partir daí passou a acontecer todos os anos, conta com empolgação.

No início de 2020, com a chegada da pandemia, as escolas fecharam e as crianças moradoras do Morro do Piolho não tinham onde ficar. Para Rose, sua única opção era sair da bolha e se mobilizar, “a gente sempre tem um pouco de social, mas uns desenvolvem outros não”. Com a vontade de mudar a sua comunidade, ela pediu ao Padre Márcio uma sala que estava desocupada e começou ali seu projeto: Juntos pelo Capão.

5
Rose Borges, criadora da ONG Juntos pelo Capão. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Atualmente, há 2 projetos no portfólio da ONG: Escritores Mirins, onde, com a intenção de incentivar a literatura e escrita, cada criança participante escreve e publica seu próprio livro e Desenvolvedores Mirins (ou Pacote Office), responsável pela capacitação de jovens em ferramentas digitais. Além disso, a ONG organiza a ação Capão Sem Fome, uma frente permanente de combate à fome no Morro do Piolho, com distribuição de cestas básicas para famílias carentes durante todo o ano.

Quando o Estado não olha para aqueles que são invisíveis na sociedade, existe em contrapartida um cidadão ou cidadã que tem a capacidade de sair de sua bolha para causar um impacto na comunidade, e Rose Borges é uma delas. Através de seu olhar, de sua garra, ela consegue mobilizar toda uma comunidade para juntos se unirem e mudarem seu entorno. “Quando me deu esse despertar de fazer mesmo social como diferença na minha vida, de olhar para os outros, eu me senti uma torneira aberta jorrando água potável”, finaliza.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de jornalismo da PUC-SP. 

A Conferência das Partes (COP 28) começou na última quinta-feira, 30, em Dubai, e se encerra no dia 12 de dezembro.
por
Francisco Barreto
|
05/12/2023 - 12h

As lideranças globais anualmente se encontram na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas para debaterem pautas relacionadas com o clima. O objetivo desta edição deve continuar o mesmo: limitar o aumento da temperatura do planeta para no máximo 1,5 °C, consenso firmado a quase quinze anos na França, no que ficou conhecido como "Acordos de Paris".

Cada edição é sediada em um país, neste ano o evento acontece nos Emirados Árabes Unidos, na cidade de Dubai. COP é a abreviação para "Conferência das Partes", as "Partes" são os países que ratificaram em 1992, no Rio de Janeiro, o primeiro acordo climático da ONU.

Controvérsias com o anfitrião  

Com um ano marcado por temperaturas recordes e catástrofes climáticas extremas, a escolha do país sede soou contraditória. Os Emirados Árabes Unidos são membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), além disso, é uma das 10 nações maiores exportadoras de petróleo do mundo, sendo responsável por cerca de 3% da produção mundial.

Para José Carlos Pedreira, engenheiro agrônomo formado pela UNESP Jaboticabal com especialização em Administração Rural pela Fundação Getúlio Vargas, a escolha do país como sede levou em consideração suas ações e histórico no combate a crise climática como o estabelecimento, em 2015, da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), instrumento pelo qual os países assumem compromissos voluntários para as questões climáticas no âmbito do Acordo de Paris.

"Entretanto, na opinião de muitos especialistas tudo isso não passa de lobby político visto que tudo indica que nos próximos anos a produção de combustíveis fósseis nos Emirados Árabes Unidos crescera consideravelmente", complementa Pereira.

Outra polêmica em torno do evento foi a nomeação de Sultan al-Jaber como o líder das negociações da COP 28. Al-Jaber é, atualmente, o presidente da Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (ADNOC), a petrolífera estatal do emirado mais rico do país.

O líder das negociações da COP 28 e  presidente da ADNOC, Sultan al-Jaber. Fonte: Folha de São Paulo
O líder das negociações da COP 28 e  presidente da ADNOC, Sultan al-Jaber. Fonte: Folha de São Paulo

Em 2022, a ADNOC emitiu cerca de 24 milhões de toneladas métricas de gás, entretanto a estatal se comprometeu a eliminar suas emissões de CO, até 2030 e antecipou sua meta de Net Zero para 2045. O Net Zero é uma meta de longo prazo em que compensações somente são permitidas para aquelas pequenas frações de emissões inevitáveis. As promessas foram recebidas com ceticismo pois na última década a ADNOC não apresentou os relatórios de emissões de metano à ONU.

Sede da ADNOC, a petrolífera estatal do Emirado de Abu Dhabi. Fonte: ADNOC
Sede da ADNOC, a petrolífera estatal do Emirado de Abu Dhabi. Fonte: ADNOC 

Os Emirados Árabes Unidos terão uma produção de petróleo e gás estimada em 3.300 mil barris por dia, até o fim deste ano, segundo a Mordor Inteligence, portal focado na pesquisa de mercado.

Em maio do ano passado a estatal anunciou duas grandes descobertas: a primeira foi uma reserva de 650 milhões de barris de petróleo bruto em Abu Dhabi e uma gigantesca reserva de gás, medindo entre 1,5 a 2 trilhões de pés cúbicos de commodities. Tanto o petróleo quanto o gás são combustíveis fósseis responsáveis pelo agravamento das mudanças climáticas.

A ADNOC pretende aumentar, em cinco anos, sua produção de petróleo e gás diária para 4.939,24 mil de barris, a um CARG de 8,40%. O CARG é a taxa de crescimento anual composta é um modo de calcular a taxa média de crescimento de um investimento ao longo de determinado tempo, ajustada para a variação anual. A estatal prometeu, em novembro de 2022, investir uma quantia de US$ 45 bilhões nos próximos 5 anos, para que este aumento de produção seja possível.

A BBC News apontou, segundo documentos vazados, que os Emirados Árabes Unidos possuem interesse em utilizar seu papel de anfitrião na COP 28 para firmar acordos sobre petróleo e gás. Tudo indica que irá usar sua influência de país sede para direcionar o foco da COP de Dubai para o uso do solo, jogando mais responsabilidades e os custos para países em desenvolvimento e produtores de alimentos, com o Brasil, Sudeste Asiático e continente africano.

Pereira acredita que a questão não se traduz necessariamente como "conflito de interesse" e que cada país tenta atribuir as causas e responsabilidades que são seu "foco/prioridade"

"Pesa a favor dos países produtores de petróleo o fato que o mundo ainda depende dos combustíveis fósseis para seu suprimento de energia, cuja restrição vai exigir uma mudança geral muito grande de modelo de produção e consumo {...} Focar nos sistemas agroalimentares, em grande parte presentes nos países tropicais em desenvolvimento, atenua as restrições aos países temperados e desenvolvidos" , afirma.

Passado quase um ano, liderança indígena Yanomami fala sobre atual momento de seu povo, após Ministério da Saúde declarar Estado de Emergência de Saúde Pública na região
por
Artur Maciel
Bianca Abreu
|
23/11/2023 - 12h

 

Em 20 de janeiro deste ano, o território Yanomami foi declarado em Estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pelo Ministério da Saúde brasileiro. Concentrados em uma região Amazônica entre o Brasil e a Venezuela, com cerca de 30,4 mil habitantes, Yanomamis sofrem com a intensa atividade de garimpos ilegais no local. Epidemias - como gripe e malária - insegurança alimentar, morte sistemática de crianças indígenas e destruição do meio ambiente são provenientes das ações dos extrativistas na região.

Em entrevista por telefone ao repórter Artur Maciel, da Agência Maurício Tragtenberg (AGEMT), o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Condisi) e representante do Conselho de Saúde Indigena (SESAI), Júnior Hekurari Yanomami, fala sobre a importância da atuação do poder público no combate ao genocídio provocado pela extração ilegal de minérios.

 

Junior Hekurari Yanomami momentos antes do IV Fórum das Lideranças Yanomami e Ye’kuana. Foto: Fabricio Araújo/ @Socioambiental
Junior Hekurari Yanomami momentos antes do IV Fórum das Lideranças Yanomami e Ye’kuana. Foto: Fabricio Araújo/ @Socioambiental

 

“A ajuda aos Yanomami deu esperança de poder olhar de novo. Olhar o sol brilhante na floresta que estava no escuro”. Júnior Hekurari Yanomami

A fim de combater a desassistência sanitária no território Yanomami, o Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE - Yanomami) - cuja gestão está sob a responsabilidade da SESAI. Segundo a pasta, ao chegar na terra Yanomami, o órgão “se deparou com crianças e idosos em estado grave de saúde, com desnutrição grave, além de muitos casos de malária, infecção respiratória aguda (IRA) e outros agravos”.

“Durante 6 meses, muita gente voluntária. Médicos. Enfermeiros. Farmacêuticos. De São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba”, explica Júnior Hekurari, quando questionado sobre o suporte atual na região após declarada crise sanitária. “A ajuda aos Yanomami deu esperança de poder olhar de novo. Olhar o sol brilhante na floresta que estava no escuro”.

Segundo ele, “antes não tínhamos uma visão, apenas medo. O garimpeiro poluindo nossas terras. Nossas águas. Interrompendo nossos rituais. Culpa do governo ladrão de jóias. As crianças voltaram a brincar e andar depois das ações”. “Eu tinha medo do povo morrer. Sem o Lula, o povo Yanomami ia morrer. Em 2020, 2021, 20 mil garimpeiros destruíram nossas vida” desabafa, citando o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e a atuação do Estado na crise humanitária. Mas pontua com veemência que “ainda tem muita coisa a melhorar”.

Quando perguntado sobre como era tratado o impacto ambiental na região, em relação ao lixo gerado pela atividade garimpeira, o presidente do Condisi declara que “os garimpeiros não respeitam. Desmatam e tiram a terra de nossa vida”. “Durante 4 anos, fomos abandonados pelo governo brasileiro. Por um governo ladrão de jóias. Agora o governo voltou e os profissionais de saúde estão apagando o fogo das emergências pensando em uma restauração”, completa. Ele se refere ao governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), que não raras vezes, ao longo de sua vida pública, legitimou publicamente as atividades ilegais dos garimpos.

 

Doença, fome e violência: genocídio em prática

As doenças, a insegurança alimentar, a violência e a morte passaram a fazer parte do cotidiano dos Yanomami diante da negligência do Estado em frear a extração indevida de minérios na região. De acordo com levantamento do Malária Journal, o aumento do número de casos de malária - causa recorrente de mortes de crianças indígenas - na região Yanomami saltou de 2.559, em 2010, para 18.765, em 2020. Sobre a presença da doença na região, o representante da Sesai afirma que a doença contamina até mesmo quem vai em seu combate. “Muitos dos médicos 'adoeceu'. Pegou malária e voltaram (para casa)”, conta. “Mas o importante é que a maioria 'desse' profissionais viram Roraima. Viram o Brasil!”, completa, demonstrando, em sua voz, um misto de preocupação pela saúde dos profissionais e esperança diante da visibilidade à situação de seu povo.

Outro aspecto da presença dos garimpeiros na região é o acúmulo de lixo nas proximidades das comunidades. Por conta disso, os indígenas locais entram em contato com elementos provenientes de fontes aquém da natureza - produzidos com materiais que não se reintegram àquele território. Pelo contrário, o desequilibram e o prejudicam. “Hoje tem lama em todo lugar, os garimpeiros deixaram lixo em todo lugar. Máquinas, latas e lixo”.

O que nos leva a outro problema que compõe esse efeito dominó no descaso com a saúde Yanomami: a fome. A alimentação indígena é, primordialmente, garantida pela natureza por meio da caça, pesca e consumo de frutas. Diretamente afetada pelo uso de mercúrio no garimpo, a água foi contaminada. Com isso, peixes mortos, impróprios para consumo, perdem-se nos rios onde a atividade garimpeira está. “O garimpo destruiu nossos rios. Nossas vidas. As mulheres não iam pescar. Não tinha peixe nem camarão para comer. Mataram tudo, não tinha alimento”, aponta Junior. E questiona, em seguida: “que dia vamos voltar a comer peixe? Voltar a comer camarão? O povo não tem”.

Além da malária e da fome, os indígenas ainda precisavam se proteger de outro perigo. Júnior Hekurari Yanomami denuncia que os crimes cometidos pelos garimpeiros também se estendem à violência sexual. Deixando, ainda mais evidente, o risco que a presença desse grupo não-indígena e extrativista provoca na população local. “O que aconteceu aqui foi muito traumático. Meninas de 12 anos grávidas. Estupradas por garimpeiros. Estamos agregando trauma de mães com luta dos filhos. Deram tiros nas crianças”, expõe a liderança. “Destruíram meu povo. Tem cicatrizes grandes até hoje e vai demorar para curar. Talvez em 50 anos. Quem sabe se cura”, conclui, reflexivo.

 

*Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.

A tecnologia voltada para o meio ambiente agora mostra o quão é viável progredir enquanto cuidamos do nosso planeta.
por
Nicole Keller Lekitsch
|
22/11/2023 - 12h

As consequências para o meio ambiente devido à industrialização e do progresso tecnológico são evidentes globalmente. Antes o avanço da tecnologia e da indústria parecia contradizer os esforços em prol da sustentabilidade e preservação ambiental. Porém, a tecnologia voltada para o meio ambiente agora mostra o quão é viável progredir enquanto cuidamos do nosso planeta.

A tecnologia ambiental está se tornando um grande aliado na busca por soluções sustentáveis para os desafios enfrentados pelo planeta. Desde a diminuição de resíduos até o incentivo da utilização de energias renováveis, a inovação tecnológica possui é um dos protagonistas na preservação do meio ambiente.

As energias renováveis, solar e eólica, ganharam foco quando o assunto é tecnologia ambiental, investindo para a elaboração de painéis solares mais eficientes, turbinas eólicas de mais tecnológicas e sistemas de armazenamento mais rápidos para fontes de energia limpa e sustentável, para que dessa forma haja uma redução da dependência de combustíveis fósseis.

Com a ascensão de pautas voltadas para a energia sustentável, surgiu o programa REI, lançado pelos CIFs em 2021, buscando ajudar na expansão do uso de energias renováveis por países em desenvolvimento. O financiamento e a assistência técnica oferecidos pelo Programa de Integração de Energia Renovável dos CIFs tem como objetivo apoiar a integração da gestão de riscos climáticos no setor elétrico, reduzindo os efeitos da variabilidade e das mudanças no clima. Além disso, o programa ajuda os consumidores a se envolverem mais na energia, para fazer com que seja mais viável o uso dela quando precisamos.

A maneira como lidamos com resíduos também está sofrendo mudanças, desde a reciclagem avançada até o desenvolvimento de métodos mais eficientes de tratamento de resíduos, como a compostagem de resíduos orgânicos, a tecnologia está ajudando a reduzir o impacto dos resíduos no meio ambiente.

A compostagem, por exemplo, é um processo natural em que materiais orgânicos, como restos de comida e resíduos biodegradáveis são decompostos por microrganismos em condições controladas, transformando esses resíduos em adubo orgânico. Sendo uma alternativa para a diminuição do desperdício e o consumo de agrotóxicos, pois produz um fertilizante natural.

A Internet das Coisas também é um recurso que pode auxiliar no meio ambiente, sendo usado para monitorar, gerenciar recursos da natureza e controlar o uso de agrotóxicos. Através de sensores inteligentes pode rastrear a qualidade do ar, da água e do solo, fornecendo dados em tempo real que ajudam na identificação de áreas com problemas ambientais e facilitam uma resposta mais rápida a eventos como vazamentos de substâncias tóxicas.

A utilização de câmeras IP usadas em análises de imagens também é um recurso útil para a identificação da presença de insetos ou doenças.

Entretanto, apesar de resultados otimistas da implementação desses recursos, há grandes desafios, como o custo e investimento para o desenvolvimento dessas tecnologias e regulamentações governamentais. Não se pode esquecer da necessidade de abordar o tema de maneira holística e colaborativa entre países e setores, convencendo-os a investir na prática.

A tecnologia ambiental é um grande apoio pela sustentabilidade e pela preservação do planeta. Com inovações surgindo constantemente, é essencial encarar os desafios e fazer com que essas tecnologias sejam aplicadas de forma eficaz e acessível, para que dessa forma haja uma mudança e melhora considerável na proteção do meio ambiente.

 

Discussão sobre o controle de destruição do litoral vem a tona pelas temperaturas e aumento de lixo plásticos nos mares
por
Gabriel Ferro
Gabriel Borelli
Pedro Rossetti
|
17/11/2023 - 12h

           Principalmente focado nas questões de aquecimento global, o debate pelas causas ambientais são de grande importância e vêm sendo mais corriqueiras no dia a dia. Questões de clima e lixo excessivo são cruciais, porém, casos como esse podem agravar e se relacionar com outros problemas que vêm sendo enfrentados atualmente, como a preservação da fauna brasileira.

            Por conta disso, a matéria a seguir irá tratar e discutir o que vem sendo feito pela preservação marinha nas costas do país. Sabe bem que o Brasil tem uma grande extensão litoral que é banhado 100% pelo Oceano Atlântico, e com mais de 7000 quilômetros divididos em 17 estados, está entre os 15 países com maior litoral nacional do mundo. A partir desse dado, é nítida a necessidade de um grande número de pessoas voltadas para o cuidado dessa gigantesca beleza natural.

Apresentando jurisdição sobre mais de 3,5 milhões de km² de águas costeiras com extensos estuários, lagoas costeiras, manguezais e mais de 3000 km de recifes de corais, o Brasil tem enfrentado desafios na conservação marinha que estão se tornando significativos. Em torno de 1.173 espécies brasileiras estão listadas como espécies ameaçadas de extinção, com isso, é papel do poder público a criação e organização de um bom Sistema de Unidades de Conservação (UCs). Hoje são 102 unidades de conservação por toda a costa brasileira, de modo que apenas 1,5% de todo o litoral é protegido pelas UCs, o que é muito abaixo da meta definida pela Convenção sobre Diversidade Biológica, que estipulava 10% de regiões protegidas até 2010.

Especialistas reportam que no Brasil, os governos federais, estaduais e municipais não possuem uma estrutura administrativa que priorize a gestão e governança das praias. Isso resulta em uma implementação prática limitada ou ausente das políticas públicas relacionadas a esses ambientes. Além disso, alertam que há também uma falta de cultura de planejamento a longo prazo, compreensão prática do ciclo político envolvido na gestão e governança, bem como diretrizes claras para promover a sustentabilidade nas praias pelos diversos setores econômicos, como turismo, comércio e serviços.

            Em um trabalho publicado pela revista Diversity and Distributions, foi feito um mapeamento sobre a distribuição de ameaça à biodiversidade marinha no Brasil. Foram identificados 286 mil quilômetros quadrados de áreas prioritárias para conservação, tendo em vista as 143 espécies ameaçadas, os 161 habitats marinhos e 24 fatores de impacto humano. Correspondendo a uma área do tamanho do estado do Rio Grande do Sul, a região representa menos de 8% da Zona Econômica Exclusiva do mar brasileiro.

O mapa abaixo apresenta essa região, localizando problemas maiores principalmente na região sudeste, que é marcada pelas ameaças humanas:

Mapas de locais da região costeira com ameaças, prioridades de proteção e prioridades máximas
Mapas de locais da região costeira com ameaças, prioridades de proteção e prioridades máximas

O primeiro indica as ameaças na costa, com foco maior na região Sul, Sudeste e Norte, porém, no segundo é possível identificar as regiões de prioridade que é distribuída por toda a ZEE. Por fim, o terceiro mapa apresenta as prioridades máximas, no sudeste e na região sul da Bahia. Para analisar mais a fundo esses problemas, é preciso voltar-se para as principais ameaças à fauna e flora da costa brasileira.

            Relacionada totalmente a ações humanas, a destruição da costa brasileira se dá pelos seguintes fatores:

     Poluição: com foco nas regiões mais populosas, a população provém de descargas de esgotos, vazamentos de petróleo e ansiosamente os descartes de lixo plásticos e redes marinhas.

     Destruição de habitats: pode ser causada por questões como a pesca predatória, a extração de recursos naturais e obras dentro do oceano.

     Aquecimento global: gera o aumento de temperatura da água, que compromete a sobrevivência marinha

Plástico nos oceanos pode superar os peixes até 2050
Plástico nos oceanos pode superar os peixes até 2050

Casos como esses são determinantes para a destruição da costa, que é um grande atrativo do Brasil, que conta com a maior biodiversidade do mundo, dito isso, o país conta com diversos projetos e observatórios responsáveis pela manutenção e análise do litoral, tudo para garantir a preservação. Ações do cotidiano já podem ser feitas para diminuir a destruição da região, como utilizar materiais reutilizáveis ou biodegradáveis e principalmente, praticar atividades de forma responsável e ecológica, fazendo com que o turismo, que é fonte de renda de grande parcela da população, possa ser feito sem atingir a fauna e flora marinha.

Quando questionada sobre quais as possíveis ações para preservar e trabalhar de forma mais elaborada a conservação de faunas, e em especial a marinha, a bióloga Júlia Dalto relatou: “Para preservar a fauna e flora de qualquer ambiente, existem diversos planejamentos de conservação, como a criação de parques ecológicos, áreas de proteção, como o uso sustentável de áreas protegidas”.

Sobre áreas de fauna aquática, Júlia completou: “Se tratando da fauna marinha, sabe-se que essa pertence a um habitat extremamente atingido pelas ações antrópicas, desde a exploração excessiva das espécies à contaminação da água por diversos fatores, como a falta de tratamento e descarte de efluentes”. A bióloga de 24 anos também descreveu que as mudanças climáticas estão acelerando cada vez mais e, portanto, é necessário um olhar mais crítico da sociedade quanto aos hábitos diante da natureza: “A educação ambiental deve ser mais presente no cotidiano”.

Principais pontos de observação de animais
Principais pontos de observação de animais

Outro fator pertinente que afeta diretamente a integridade dos mares e fauna presente, é o do lixo direcionado a essas regiões. A falta de reciclagem muitas vezes é um dos principais fatores atuantes em ocasiões desse gênero. Segundo Daphine Herrera, bióloga, pesquisadora e pós-doutoranda na UNESP-Bauru, essa falta de reciclagem é um dos pilares da problemática da poluição plástica; “Para se ter uma ideia, em 2019 houve uma produção global de 368 milhões de toneladas de plástico. Os relatórios atuais preveem que, no rumo atual, os oceanos conterão mais plástico do que peixes até 2050 (peso)”. “As questões mais urgentes a serem abordadas agora são sobre como reduzir o volume de fluxos de resíduos plásticos descontrolados ou mal geridos que vão para os oceanos, e como aumentar o nível de reciclagem”. Dos 7 bilhões de toneladas de resíduos plásticos gerados globalmente até agora, menos de 10% foram reciclados.

A respeito do lixo mal direcionado aos mares na fauna presente, a bióloga natural de Lins - São Paulo completou: “É importante ressaltar que as micropartículas, quando introduzidas no ambiente marinho, ficam disponíveis para toda a cadeia alimentar. Pesquisas concluíram que as partículas de tamanho reduzido que entram na cadeia alimentar podem se acumular em predadores de topo - como peixes, aves, mamíferos marinhos e seres humanos - levantando preocupações sobre o potencial de bioacumulação e biomagnificação.”

Quanto aos impactos diretos, reportou que estes variam desde a morte de organismos por emaranhamento em detritos plásticos em forma de corda ou laço. “A ingestão de detritos plásticos é o tipo de interação mais estudado. A absorção de macroplásticos pode resultar em bloqueio ou lesão dos intestinos, levando à redução da ingestão de alimentos ou até mesmo à morte”.

Daphine também relatou que os plásticos ingeridos podem criar uma falsa sensação de saciedade, fazendo com que o animal coma em excesso ou pouco, afetando sua forma física, crescimento e reprodução, além também dos sufocamentos que podem ocorrer, restringindo a movimentação e lesões de diversas espécies marinhas. Por fim, Herrera alertou: “O plástico pode promover a dispersão de espécies para além de suas áreas geográficas normais, contribuindo para a disseminação de espécies invasoras”.

O gráfico abaixo, proveniente do órgão “Recicla Sampa”, ilustra a quantidade de plásticos identificados nos oceanos ao redor do mundo entre 1990 e 2019.

Grafico sobre a quantidade de plástico no oceano de 1990 a 2019
Grafico sobre a quantidade de plástico no oceano de 1990 a 2019

A luta pela preservação marinha é fundamental e deve ser espalhada por todo o país, pela proteção de belezas naturais, faunas, e o oceano como um todo. No Brasil, atualmente, nos 1.173 táxons oficialmente reconhecidos como ameaçados, estão 110 mamíferos; 234 aves; 80 répteis; 41 anfíbios; 353 peixes ósseos (310 de água doce e 43 marinhos); 55 peixes cartilaginosos (54 marinhos e um de água doce); 1 peixe-bruxa e 299 invertebrados.

 

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.