Fragmentos dessa vegetação sobrevivem na cidade e carregam a memória de uma paisagem que um dia foi predominante
por
Majoí Costa
Nicole Conchon
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21/11/2024 - 12h

No coração da maior metrópole da América Latina, árvores como ipês, muricis e araçás do campo resistem como testemunhas vivas de um passado em que São Paulo era dominada pelo Cerrado. Muito antes das avenidas e arranha-céus, as várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí formavam um mosaico natural de matas e campos, ocupadas por povos Tupiniquins.

Registros antigos da época da colonização retratam uma São Paulo bem diferente. Em 1585, o padre jesuíta Fernão Cardim descreveu a região como um “lugar de grandes campos… e campinas... que é formosura de ver”. Esse cenário, marcado pela vegetação arbustiva de galhos retorcidos típica do Cerrado, se estendia por boa parte do território paulista.

Quase 500 anos depois, o que restou dessa paisagem na capital está restrito a pequenos redutos. Na zona oeste, dois locais guardam a memória desse Bioma. Na Universidade de São Paulo (USP), próximo a uma caixa d’água, espécies raras, como a língua-de-tucano, um arbusto espinhoso usado pelos colonizadores para fabricar alpargatas, seguem resistindo. Já no bairro do Jaguaré, outro fragmento do Cerrado sobrevive em uma reserva fechada ao público.

A destruição do Cerrado em São Paulo reflete um processo que se intensificou ao longo do século passado. No início do século 20, 18,2% do território paulista era coberto pelo Bioma; hoje, resta menos de 1%. Deste pequeno remanescente, menos de 20% está protegido por unidades de conservação ou reservas legais.

Desmatado e fragmentado, o bioma se tornou associado apenas à região Centro-Oeste, mesmo tendo atravessado boa parte do território paulista até o norte do Paraná. Os poucos fragmentos restantes não só revelam a fragilidade das espécies endêmicas, mas também comprometem o ciclo natural de abastecimento de água. A substituição da vegetação original afeta diretamente o Aquífero Guarani, por exemplo, uma das maiores reservas subterrâneas de água do mundo.

De acordo com Daniel Caballero, fundador do projeto Cerrado Infinito, o cerrado é uma floresta invertida: “O que você vê na superfície são campos com arbustos mas no subsolo tem verdadeiras árvores, que seriam as raízes, de 30 a 40 metros enterradas que são responsáveis por carregar os aquíferos. Sem cerrado, nós ficamos sem água”.

 

Daniel Caballero em viagem ao cerrado
Daniel Caballero em viagem ao cerrado / Foto: Reprodução/Instagram/@caballeroland.art

 

Daniel é artista plástico e resolveu fazer um projeto sobre as casas da cidade. Com isso, ele se deparava com as mais diversas vegetações durante seus passeios pela metrópole. Depois de um estudo, ele descobriu que São Paulo era um grande campo cerrado; isso fez com que ele começasse a colher vegetações remanescentes desse bioma e plantasse em sua casa. 

Com a intenção de fazer crescer ainda mais essa vegetação na cidade, ele começou a plantar essas mudas na Praça da Nascente, na Sumaré. “O nome Sumaré que denomina a avenida e o bairro vem do nome de uma uma orquídea do cerrado”, acrescenta Daniel. 

 

Daniel trabalhando na renovação da Praça da Nascente
Daniel trabalhando na renovação da Praça da Nascente / Foto: Arquivo Pessoal 

 

 Caballero encerra a entrevista com uma indagação a todos nós da cidade: “A área mais urbanizada da cidade foi construída em cima desses campos de cerrado, se não tivesse cerrado, não teria a cidade de São Paulo”. 

Medida visa combater emissões de gases do efeito estufa, com regras que obrigam empresas a compensar poluentes
por
Majoí Costa
Nicole Conchon
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21/11/2024 - 12h

 

Floresta Amazônica
Floresta Amazônica / Foto: Neil Palmer

 

 

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (19), o Projeto de Lei 182/2024, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). O objetivo da proposta é estabelecer um mercado regulado de carbono, com o intuito de controlar e reduzir as emissões de gases que agravam o efeito estufa, oferecendo incentivos para que as empresas adotem práticas mais sustentáveis.

O novo sistema funcionará com a criação de cotas de emissão de gases chamados créditos de carbono. Esses créditos são certificados emitidos a partir de ações que reduzem ou capturam gases de efeito estufa. Cada crédito equivale a uma tonelada de dióxido de carbono evitada ou retirada da atmosfera. Eles podem ser comercializados tanto por estatais quanto por empresas privadas.

As empresas que ultrapassarem seus limites de poluição terão que compensar com a compra de créditos. Em contrapartida, aquelas que conseguirem reduzir suas emissões, poderão vender esses créditos, o que gera uma fonte de receita para as práticas mais ecológicas.

A proposta foi idealizada para tornar o mercado mais eficiente e permitir a redução dos impactos ambientais provocados pelas indústrias. 

O projeto foi discutido e aprovado em uma sessão no plenário da Câmara, e agora segue para sanção presidencial. A proposta foi trabalhada em conjunto com o Senado, que já havia aprovado uma versão anterior. O texto estabelece um marco para a criação de um sistema transparente e confiável de monitoramento e controle das emissões no Brasil.

Além disso, o projeto inclui mecanismos de compensação de emissões para veículos automotores e prevê a criação de fundos para apoiar projetos sustentáveis. O mercado será regulamentado por um órgão especializado, garantindo a transparência e a eficácia das ações.

Preservar as nascentes é essencial para garantir a sustentabilidade e qualidade de vida na cidade.
por
Majoí Costa
Nicole Conchon
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21/11/2024 - 12h

São Paulo, a maior cidade do Brasil, esconde um tesouro natural: as nascentes de água. Essas fontes de água, muitas vezes, são invisíveis aos olhos de quem vive na correria do cotidiano paulistano. Porém, se olharmos mais de perto, podemos perceber que são elas que abastecem os rios que cruzam a cidade e que são parte fundamental de um ciclo ecológico essencial para o funcionamento de toda a metrópole. Conhecer essas fontes de água é o primeiro passo para sua preservação e, assim, para a manutenção de uma São Paulo mais verde, mais saudável e mais sustentável.

De acordo com a Secretaria do Verde e Meio Ambiente da cidade de São Paulo, há 10.403 nascentes só na capital. Essas fontes de água são vitais para o abastecimento hídrico da cidade e para o equilíbrio do ecossistema urbano. Mas o curioso é que a maioria da população desconhece sua importância ou, em alguns casos, tenta ocultá-las por acreditar que elas representam um problema. Esse comportamento leva algumas pessoas a cobrir ou "tapar" essas nascentes, o que compromete não só o abastecimento de água, mas também a biodiversidade local.

De acordo com o arquiteto e fundador da ONG Rios e Ruas, José Bueno: “A população foi ensinada a não gostar dos rios e a tratá-los como um problema urbano, mas na verdade os rios são a solução para uma cidade que enfrenta aquecimento global e mudanças climáticas extremas”. 

José andava de bike pelo Butantã quando percebeu que havia água e planta crescendo em uma linha específica da rua Iquiririm que tinha uma parte coberta por mato. Curioso, ele foi seguindo aquele rastro de vegetação e encontrou uma nascente. 

Essa nascente não tinha nome, então ele a nomeou de rio/riacho Iquiririm. Ela encontra com o rio Pirajussara Mirim, que, por sua vez, encontra com Pirajussara e deságua no rio Pinheiros. 

José Bueno junto com Luiz Campos Jr na nascente do Iquiririm
José Bueno junto com Luiz Campos Jr na nascente do Iquiririm / Foto: Arquivo Pessoal

Depois disso ele fundou, junto com seu amigo Luiz de Campos Jr., a ONG Rios e Ruas e publicou um livro sobre a presença dessas nascentes na cidade e como cuidar delas torna a cidade melhor. A intenção do projeto é mudar o nível de consciência não só da população da capital, mas do país inteiro para que as mudanças causem um impacto visível na sociedade. 

“Os rios estão pela cidade inteira, a maioria foi canalizada, desprezada, esquecida e apagada da memória. A má notícia é que eles estão longe da percepção, mas a boa notícia é que eles estão todos vivos, eles foram enterrados vivos”, acrescenta José. 

A importância dessas nascentes vai além de seu papel no abastecimento de água. Elas são fontes de vida para diversas espécies de fauna e flora e desempenham um papel crucial na manutenção da qualidade do ar e do clima na cidade. No entanto, sua preservação está diretamente ligada à conscientização da população sobre sua relevância. A falta de informação sobre o ciclo da água e sobre como o ecossistema urbano se relaciona com esses recursos naturais contribui para a negligência em relação a esses corpos de água.

José Bueno não é o único que luta pelos rios e nascentes na cidade de São Paulo. Adriano Sampaio largou sua vida na administração para fazer um curso de permacultura e nunca mais voltou atrás. Filho de nordestinos e neto de pescadores, Adriano se denomina como “da roça”. Anos depois de sua chegada em São Paulo, Adriano fundou o coletivo Existe Água em SP. “Eu sempre gostei da natureza, de pescar, mas não tinha espaço pra fazer isso em São Paulo até que eu percebi que existe sim natureza aqui, só é preciso encontrá-la”, afirma Sampaio.  

À direita, Adriano Sampaio em dos seus mutirões
À direita, Adriano Sampaio em dos seus mutirões / Reprodução: Facebook

 

E de tanto buscar, Adriano encontrou a Praça das Nascentes, local em que havia diversos charcos d’agua. Essa praça fica localizada em Sumaré, zona oeste de São Paulo. As águas da praça vêm de nascentes do córrego Água Preta. Esse córrego vai descendo, passa pelo Sesc Pompéia, até chegar no rio Tietê. 

Adriano e sua ONG, junto com o coletivo Ocupe e Abrace, juntaram todas essas nascentes e charcos d’agua e transformaram em um grande lago. 

Lago na Praça das Nascentes/ Foto: Divulgação
Lago na Praça das Nascentes / Foto: Divulgação

Adriano relata que sua vida se transformou quando começou essa luta em defesa dos rios e ainda diz: “Eu vejo os rios como artérias porque o planeta é um sistema vivo”. 

A gestão de áreas verdes e de rios precisa ser reforçada com políticas públicas que envolvam a comunidade, para que as pessoas compreendam a importância de manter essas fontes de água em seu estado natural.

Está em trâmite na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei que visa criar Áreas de Preservação Permanente (APP) perto de cursos d'água naturais. O PL 4/2022,  apresentado pelo vereador Toninho Vespoli (PSOL), tem como justificativa a função de preservar os recursos naturais e garantir a segurança e o bem-estar da população.

Especialistas alertam a ultrapassagem do limite estabelecido pelo Acordo de Paris e destacam a rapidez assustadora
por
Leticia Alcântara
Sophia Razel
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19/11/2024 - 12h

É praticamente certo que 2024 irá bater recordes de temperatura e será o ano mais quente já registrado. Pela primeira vez, o planeta deve terminar o ano com a média de temperatura de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Os dados são do relatório do Observatório Europeu Copernicus, divulgados no início de novembro, antes do início da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29). 

O relatório ainda mostrou que não só na Europa, mas também em regiões como o leste da Antártida, Texas, México, Canadá, nordeste da África, Irã, China, Japão e na Austrália as temperaturas também ficaram acima da média. Parte da América do Sul também enfrentou secas e incêndios florestais, como foi o caso do Brasil.

Bombeiros tentando controlar o fogo
Mudanças climáticas favorecem as queimadas Foto: Marcelo Camargo//Agência Brasil

Durante o primeiro dia da COP29, que acontece entre os dias 11 e 22 de novembro na cidade de Baku, no Azerbaijão, o relatório “Atualização do Estado do Clima 2024”  foi divulgado.

De acordo com análise feita pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), organização da ONU, “as ambições do Acordo de Paris estão em grave perigo” uma vez que a temperatura global foi extremamente alta entre janeiro e setembro de 2024. Isso corrobora as projeções do Observatório Europeu, e destaca que 2024 deve ser o ano mais quente da história, superando 2023 que, até então, possuía o posto. 

Acordo de Paris e mobilização mundial 

O Acordo de Paris, tratado internacional que foi assinado em dezembro de 2015 e passou a valer em novembro de 2016, foi adotado por 195 países e tem como objetivo reforçar a ação global contra as mudanças climáticas. Dentre os propósitos, destacam-se reduzir os gases de efeito estufa, como, por exemplo, o dióxido de carbono - que se origina do uso intenso de combustíveis fósseis -, e manter  o aumento da temperatura global abaixo de 2 °C até o final do século. Isso inclui uma série de esforços para limitar esse aumento a 1,5°C. Diante dos dados apresentados, a meta deve ser quebrada.

A vitória do republicano Donald Trump nas eleições dos EUA coloca em xeque as negociações globais futuras e participação estadunidense do acordo.  Em 2017, durante seu primeiro mandato, Trump retirou o país do acordo; tal atitude causou preocupação mundial, já que se trata do segundo país com maiores níveis de emissão de gases de efeito estufa do mundo, perdendo apenas para a China. No início de 2021 seu então sucessor, Joe Biden, voltou a aderir ao acordo. Com o seu retorno à Casa Branca existe forte especulação de uma nova saída.

Quais são as consequências 

Danos climáticos já passaram a ser observados nos últimos anos. O aumento da temperatura dos oceanos, a elevação do nível do mar, incêndios florestais e o derretimento de geleiras são alguns deles. 

Há pelo menos uma década, cientistas já alertam para os perigos iminentes das constantes mudanças climáticas resultadas pelas ações humanas, que estão causando constante destruição e perdas irreparáveis. Desde as ondas de calor intensas à chuvas torrenciais, os efeitos já estão sendo sentidos e, se não controladas as mudanças, a tendência é piorar. 

A OMM ainda alerta para a necessidade urgente de medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e garantir preparo para lidar com as consequências, especialmente em relação a pessoas em situações de vulnerabilidade.

 

Passando por vendavais repentinos e temperaturas mega variantes, fatores - para além do clima - fazem o tempo parecer imprevisível
por
Gisele Cardoso
Maria Eduarda Anjos
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08/11/2024 - 12h

Outubro foi um mês marcante para São Paulo. Na noite do dia 11, rajadas de vento de até 107,6 km/h surpreenderam a população paulista e deixaram sem energia elétrica mais de 496 mil residências na capital e 3,1 milhões no estado, além de gerar telhados arrancados, árvores derrubadas e um apagão que duraria até 5 dias em determinadas regiões. Ainda impactados com a destruição deixada, paulistanos foram notificados da possibilidade da queda de granizo e ventos a 60 km/h no final de semana seguinte. Na chegada da sexta-feira (18), o clima não poderia estar mais distante do previsto, apenas com uma leve garoa.

 

Esse cenário de inconsistência planta a dúvida: quais são os fatores que causam tamanhas alterações de tempo? Os sistemas de previsão ainda são eficazes para garantir que a população e órgãos públicos estejam preparados para lidar com crises climáticas?

 

Para entender a situação, é necessário compreender as movimentações maiores de clima e território. Por um lado, mudanças repentinas são mais comuns durante a primavera, por outro, seus efeitos em 2024 foram agravados por picos de temperatura inéditos. “As primeiras pancadas de chuva da primavera vêm com intensidade pois é o momento de virada entre o clima seco do inverno para umidade do verão. Tivemos um intenso período de estiagem e altas temperaturas no interior do Brasil, e quanto mais calor na atmosfera, mais energia para formação de nuvens de tempestade quando entra a frente fria" explica a especialista em meteorologia Maria Clara Sassaki.

 

A seca que a especialista menciona ainda afeta o país e compromete 55% do território nacional, segundo estudos feitos pela Universidade Federal de Alagoas. O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais) relatou que, diferente do último recorde de secas em 2015, os impactos da falta de chuva e calor intenso não se restringiram ao norte e nordeste do país, mas se mostraram mais generalizados e intensos em todo território. No interior de São Paulo, as queimadas durante o mês de agosto deixaram a umidade do ar abaixo de 20% e temperatura acima de 35°C. O Monitor do Fogo do MapBiomas estima que a área queimada no Brasil cresceu em 150% em relação ao ano passado, totalizando uma área equivalente ao estado inteiro de Roraima.

 

A intensificação das secas impacta nos ventos extremos em São Paulo. fonte: Cemaden

 

Eventos extremos, como os ventos que passaram por São Paulo, são esperados pela meteorologia, mas o acúmulo de gases estufa na atmosfera, que é liberado pelas queimadas intensas - e por atividades humanas, como o uso de combustíveis fósseis -, agravam o aquecimento global e aumentam a frequência com que esses episódios acontecem. "O aquecimento global e mudanças climáticas tornaram esses eventos extremos mais recorrentes, e para isso, o modelo matemático usado para a previsão não estava preparado, como foi o caso do Rio Grande do Sul. Se o modelo não viveu aquilo antes, é difícil ter precisão nos impactos", comenta Sassaki, “são eventos que raramente acontecem e agora os detectamos com menos de um ano de intervalo entre si".

 

Maria Clara também afirma que os modelos matemáticos são constantemente atualizados para se adaptarem ao ritmo das mudanças temporais, e que ambos os vendavais em São Paulo foram previstos e notificados, mas se perderam em meio as notícias climáticas sobre o furacão Milton que atravessava os Estados Unidos naquela mesma semana. Sendo assim, até mesmo o espaço midiático contribuiu para um contexto de despreparo da população. “As atenções estavam voltadas para esse fenômeno que estava acontecendo com o furacão Milton. Havia um aviso da defesa civil e ele foi circulado entre os grupos, mas acabou se perdendo no meio de tantas notícias do furacão, foi uma falha na comunicação.”

 

Os alertas sobre esses eventos climáticos intensos, são emitidos pela Defesa Civil de acordo com os cenários mais preocupantes previstos, para que a precaução seja feita da forma mais eficiente possível. Por isso, no dia 18 de outubro houve a sinalização de uma segunda tempestade que não ocorreu, mas preparou as cidades caso acontecesse.

 

A analista de marketing, Maria Eduarda Frazzato, mora em Dolcinópolis (interior de São Paulo) e trabalha de forma híbrida para uma empresa localizada na capital. Com o alerta sobre a tempestade, sua empresa preferiu manter os funcionários em casa: “Eu voltaria para São Paulo na quinta, pois sexta seria meu dia presencial. Porém, com o alerta, meu chefe dispensou a equipe e mantemos o home office para evitar problemas na volta para casa”, relata Frazzato.

 

Algumas melhorias podem ser feitas para uma melhor previsão do tempo, como mais investimento para o aprimoramento das inteligências artificiais e modelos meteorológicos utilizados. “O Brasil tem pouquíssimos radares meteorológicos comparado com os Estados Unidos, por exemplo. Então se a gente aumentar essa quantidade, coletamos mais dados iniciais e abastecemos com com mais precisão os modelos que fazem as previsões", explica a especialista.

Óbitos, desaparecimentos e desalojamentos são registrados por todo o estado
por
Giovanna Takamatsu
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06/05/2024 - 12h

As tempestades contínuas que se alastraram pela maioria dos municípios gaúchos fizeram com que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB-RS), decretasse estado de calamidade pública, por 180 dias. Essa decisão, divulgada na última quarta-feira (1) no Diário Oficial do Estado, permite que órgãos e entidades da administração pública prestem apoio à população afetada. 

Até o momento, foram apontados 83 óbitos, 111 desaparecidos e, pelo menos, 129 mil desalojados, de acordo com o boletim mais recente divulgado pelas autoridades gaúchas.  


A situação do RS foi classificada como um desastre nível 3. Segundo a Defesa Civil do Rio Grande do Sul, “os danos causados são importantes e os prejuízos vultosos”. Todo o território está em alerta de risco hidrológico extremo, com níveis dos rios acima da cota de inundação - quando as águas passam a causar danos ao município. 

mapa hidrológico
Mapa de risco de inundação de acordo com o município. Imagem: Defesa Civil do RS

A prefeitura de Porto Alegre iniciou a evacuação de seus moradores na última  sexta-feira (3). O lago Guaíba, que banha a capital, ultrapassou a marca dos 5m acima de seu nível normal - circunstância que deve se manter por, no mínimo, 4 dias. A situação se agravou, especificamente na zona norte da cidade, por causa de um rompimento de uma das comportas do lago - o portão 14. 

centro histórico
Nível da água no Centro Histórico de Porto Alegre. Foto: Evandro Leal/Agência O Globo

Por que as chuvas estão ocorrendo?

Chuvas fortes já são esperadas na região Sul, entre dezembro e março, devido ao El Niño, que provoca o aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico. Entretanto, o Rio Grande do Sul está sendo atingido por níveis pluviais anormais por uma combinação de alguns fenômenos climáticos: 

  • Intensa corrente de ventos que causa instabilidade climática;

  • Onda de calor na região central do Brasil causa um bloqueio atmosférico por estagnação do movimento normal do ar - naturalmente essa é uma região de alta pressão atmosférica;

  • Sucessão de frentes frias e chuvosas proveniente da Argentina, que ficaram estagnadas na região Sul do Brasil por causa do bloqueio causado pela onda de calor;

  • Corredor de umidade proveniente da Amazônia é desviado pelos Andes, e acaba atingindo a região Sul do Brasil. A umidade causa precipitação;

  • La Niña e altas temperaturas no oceano Atlântico geram mais umidade e precipitação.  

Em entrevista à TV Brasil, Marcelo Seluchi, coordenador do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), explica que as chuvas não devem cessar tão prontamente. “Esta situação [as chuvas], infelizmente, deve se manter, com poucas mudanças, pelo menos até sábado com volumes muito elevados ainda, até superiores a 250 milímetros, especialmente na porção centro-norte do estado”, diz Seluchi.

infográfico
Gráfico explicando a causa das chuvas. Foto: Ighor Jesus/ Arte g1

 

O envolvimento do governo federal

lula e leite
Lula e Eduardo Leite em Santa Maria. Foto: Ricardo Stuckert/PR 

O presidente Lula (PT) desembarcou na cidade de Santa Maria, uma das mais afetadas, na quinta-feira (2), para se encontrar com Leite. 

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O Presidente Lula se encontra com o governador Eduardo Leite em Santa Maria. Foto: Reprodução/ Redes sociais

Junto à ele estavam os ministros Rui Costa (Casa Civil), Jader Filho (Cidades), Renan Filho (Transportes), Waldes Góes (Integração e Desenvolvimento Nacional), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) e Paulo Pimenta (Secretária da Comunicação), além do chefe do gabinete do Comandante da Aeronáutica, Major-Brigadeiro do Ar Antonio Luiz Godoy Soares e do comandante do Exército, general Tomás Paiva. 

“Fiz questão de trazer os ministros aqui porque quero que eles assumam o compromisso em solidariedade ao povo do Rio Grande do Sul, para que a gente possa minimizar o sofrimento que esse evento extremo da natureza está causando no estado”, afirmou Lula. 

Após retornar à Brasília, Lula anunciou a criação de uma sala para conseguir monitorar diariamente a situação do RS. O governo federal, que já reconheceu o estado de calamidade do RS, mobilizou 626 militares na região para salvamento e resgate das vítimas. 

Foram enviadas 45 viaturas, 12 embarcações e botes de resgate, e oito aeronaves pela Marinha e Exército, também para auxiliar no resgate dos afetados.  

O governo federal liberou nesta segunda-feira (6) R$534 milhões em emendas individuais de parlamentares gaúchos, que estavam alocados na área da saúde. Segundo o ministro Paulo Pimenta, até quarta-feira (8), devem ser liberados mais R$80 milhões. 

“A gente não vai permitir que faltem recursos para que a gente possa reparar os danos causados”, disse o presidente da República durante sua visita ao RS.

A Agemt tentou contato com moradores das regiões afetadas, mas não conseguiu resposta devido à falta de internet local. Até o momento, segundo balanço do governo do RS, 740 mil pessoas estão sem acesso a serviços essenciais, como energia elétrica, serviços de telefonia e internet e abastecimento de água.   

“Estamos falando de uma cidade insustentável”: como São Paulo ainda não superou seus problemas climáticos
por
Giovanna Takamatsu
Kimberlly Ramos
Victória Rodrigues
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29/04/2024 - 12h

São Paulo ainda não entrou no debate da adaptação às mudanças climáticas. A maior cidade da América Latina, ainda faz com que seus moradores vivam em condições improcedentes. O meio insustentável em que a capital está inserida, impede a população paulistana de possuir qualidade de vida e existir plenamente. Uma metrópole que sofre com o racismo ambiental, altas taxas de poluição, causando diversos problemas de saúde, e nenhuma indicativa de uma transição energética, acaba vinculada a uma realidade limitada e que dificulta o seu desenvolvimento. Inserir o planeta em um cenário mais sustentável e, consequentemente, mais duradouro e habitável para futuras gerações, é essencial; por isso, torna-se cada vez mais necessário a adoção de medidas que garantam isso.

Na aula inaugural promovida pelo curso de Pós-Graduação em Governanças Global e Formulação de Políticas Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que ocorreu na  quinta-feira, 25 de abril, o pré-candidato à Prefeitura de SP, Guilherme Boulos, dedicou bastante tempo de sua fala a essa discussão. O deputado, que palestrava sobre cidades sustentáveis, afirmou: “O que as cidades precisam fazer? Desenvolver planos de adaptação às mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, cumprir metas de redução das emissões de gás de efeito estufa. Hoje nós não estamos discutindo isso aqui na cidade de São Paulo”. 

São Paulo está entre as 10 cidades brasileiras que mais emitem carbono, o que contribui em massa para as constantes e intensas mudanças climáticas às quais a cidade tem sido submetida. Dos 12 mil ônibus responsáveis pelo translado da população paulistana, apenas 84 são elétricos, além de serem restritos ao centro de São Paulo. A grande problemática desses números, é a emissão de carbono causada pelo diesel. No entanto, o transporte público ainda é a opção mais sustentável, uma vez que os carros utilitários são os maiores agentes na emissão de poluentes

O dióxido de carbono (CO2) é um dos principais Gases de Efeito Estufa (GEE). Dessa maneira, sua emissão faz com que a temperatura da Terra aumente, por impedir que o calor saia da atmosfera. Vários problemas decorrem da emissão de gases e do aquecimento global. “No contexto global, as principais consequências são as mudanças climáticas, com eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos; e a debilitação da saúde pública, devido à exposição a poluentes atmosféricos”, informa Célio Bermann, professor associado do Instituto de Energia e Ambiente da USP. 

A transição energética, ou seja, a substituição do uso de energia fóssil (petróleo e seus produtos) para uma energia limpa e renovável, é uma realidade em outras cidades. Shenzhen, na China, possui 18 milhões de cidadãos - 6 milhões a mais que São Paulo - e foi a cidade pioneira na transição energética urbana. Atualmente, 100% de sua frota de ônibus são elétricos. O que impede que São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, faça também essa mudança?

Para o atual prefeito da cidade, Ricardo Nunes, falta infraestrutura. O político, entretanto, responsabiliza a empresa Enel, e afirma que a instituição não entregou pontos de carregamento elétrico para a compra de mais ônibus de energia limpa. De qualquer maneira, é uma urgência eletrificar os ônibus de São Paulo. Em parte, é necessário cumprir com o Acordo de Paris, que foi assinado em 2015, e visava impedir o aumento da temperatura da terra; em outra parte, a sistematização elétrica permite que os custos com transporte público diminuam a longo prazo. “Eletrificar a frota de ônibus, além de ser um grande caminho para reduzir a emissão de carbono, também é um caminho para democratizar o direito ao transporte público. Porque o ônibus elétrico, pode chegar a ser 50% mais barato do que o ônibus a diesel”, explica Boulos.          

O que são cidades sustentáveis

A definição de cidades sustentáveis se baseia no intuito de cuidar do meio ambiente para garantir um futuro global mais promissor. Por meio de políticas públicas propostas pela administração, tem como pilar principal a  responsabilidade ambiental, vitalidade cultural e o ideal de economia sustentável. Seu conceito está associado a uma visão que preza pelo equilíbrio das atividades socioeconômicas e ambientais de uma população. 

Ao redor do mundo, famosas metrópoles aderiram ao conceito de cidade sustentável e demonstraram melhoria no funcionamento de seus ecossistemas. Essa iniciativa gerou benefícios tanto nos aspectos ambientais como na área da saúde e da economia. Na Dinamarca, a cidade de Copenhague tem se mobilizado cada vez mais para contribuir com essa iniciativa, com a construção de estradas voltadas especificamente para a prática do ciclismo e a venda de bicicletas elétricas a baixo custo. Zurique, na Suíça, é responsável por reciclar mais de 40% de seus resíduos hoje e mais de 80% de seus hotéis possuem certificado de sustentabilidade. Já Tóquio, no Japão, possui um dos sistemas de transporte público que tem a menor emissão de carbono mundial. 

Assim como todas essas cidades, São Paulo necessita que o poder público e os provedores de serviços adotem essa mentalidade sustentável. O professor Célio enfatiza essa necessidade: “O poder público pode e deve dar sua contribuição, com políticas públicas indutoras nessa direção. Entretanto, além do governo e da população, cabe às indústrias, comércio e serviços de transportes (rodoviário, ferroviário, marítimo, aeroviário) darem também sua contribuição, pois são os assim denominados ‘setores produtivos’ os principais responsáveis pelos danos ambientais, que comprometem a existência de todos os seres vivos no nosso planeta.”

O Estado, até então, tem se mantido omisso em relação ao tema e à implementação dessas práticas sustentáveis no país. A ausência de ações de combate à destruição ambiental, acarretam no surgimento, cada vez mais frequente, de desafios a serem enfrentados futuramente.

Guilherme Boulos ministra aula na PUC-SP sobre alternativas para sustentabilidade energética, logística de trabalho e abandono dos centros
por
Giovanna Takamatsu
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29/04/2024 - 12h

Transição energética, redução do tempo de deslocamento espacial e melhoria da segurança pública. Esses foram os três itens trazidos e discutidos pelo deputado federal e pré-candidato à prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL-SP), que podem transformar a capital paulista em uma nova metrópole. O evento, que ocorreu na última quinta-feira (25) na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi uma aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Governanças Globais e Formulação de Políticas Internacionais da Universidade.

boulos
Guilherme Boulos fala das possibilidades para as metrópoles. Foto: Giovanna Takamatsu.
"Esse debate de cidades inovadoras precisa ser uma inspiração para nossa cidade e para poder fazer São Paulo voltar a ser o que ela, historicamente, foi"

As pautas levantadas são problemas urbanos enfrentados diariamente pelos paulistanos e, para Boulos, é necessária a participação pública. “Tem soluções que não precisam de bilhões de dólares. São de vontade pública. São de uma decisão de ver a cidade como um espaço para as pessoas e não só um espaço para valorização do dinheiro”, afirmou o deputado. São Paulo é a maior cidade da América Latina e a mais rica do Brasil.

 Transição energética 

O deputado começou sua fala com o exemplo de Xangai na China e de Santiago no Chile. Ambas as cidades são pioneiras na transição energética urbana. Isso significa que os transportes públicos são, em sua maioria, movidos por energia elétrica, limpa de aditivos químicos e fósseis. 

São Paulo inseriu a circulação de ônibus elétricos para algumas linhas, mas os números são baixíssimos. Apenas 84 veículos de pelo menos 12 mil são de energia limpa. Em comparação, Xangai possui 14.700 ônibus elétricos de uma frota de 15 mil automóveis, o que equivale a 98% de carros sustentáveis. 

Essa solução não impacta apenas na redução da emissão de carbono da cidade, mas também diminui o custo estatal com transportes públicos. “O ônibus elétrico, em média, pode chegar a ser 40% a 50% mais barato do que o ônibus a diesel. A gente ganha no tema ambiental e ganha também no custo do sistema. Isso está acontecendo hoje no mundo. Citei duas cidades que eu tive a oportunidade de conhecer, mas está acontecendo em várias cidades do mundo, mas aqui não”, aponta o pré-candidato à Prefeitura de São Paulo.

Para além dos benefícios econômicos e ambientais, a sistematização elétrica colabora para a diminuição da poluição sonora na metrópole. Os ônibus à diesel tendem a produzir, em média, 76,7 decibeis (dB) – ruídos acima de 60 dB já causam problemas de saúde -, segundo estudo da Proteste em parceria com a Sociedade Brasileira de Otologia, enquanto um veículo elétrico é silencioso. 

Segurança pública e reocupação da cidade 

Boulos declara que o maior problema de segurança em São Paulo é decorrente da desigualdade social. “Nenhum país que tem a desigualdade como nós temos é um país com uma sociedade tranquila, pacificada, que as pessoas saem às ruas e se dão as mãos.”, enfatiza o político. 

A cidade possui muitas falhas básicas de segurança pública. O maior problema é o abandono de propriedades, especialmente no centro, que, por causa da falta de manutenção, aumenta o risco de colapso estrutural e proliferação de doenças.

O abandono também incita violência. De acordo com a Teoria da Janela Quebrada, desenvolvida por Kelling e Wilson, em 1982, o vandalismo atrai o vandalismo. “O centro de São Paulo hoje está marcado pelo abandono. Saiu o IBGE agora, mês passado, um a cada cinco imóveis do centro está abandonado. O espaço que é marcado pelo abandono se torna um espaço perigoso”, afirma Boulos, que se utilizou dos dados do Censo de 2022, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado em março.  

O trabalho longe de casa e os serviços nas regiões periféricas   

O terceiro e último tópico discutido na aula foi o deslocamento dos paulistanos até seus locais de trabalho.

Um estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria revela que 36% dos brasileiros passam mais de uma hora por dia em transportes públicos. Isso ocorre especialmente com aqueles que moram nas periferias das cidades e precisam se deslocar para os centros urbanos, onde se concentram os comércios.

“Aqui do lado, na Barra Funda, nós temos 400 empregos para cada 100 moradores. No extremo leste, Jardim Iguatemi, São Mateus, Cidade de Tiradentes, nós temos oito empregos para cada 100 moradores. De 400 vai para oito. Qual é o resultado disso? Quem é do bairro São Mateus sai todo dia de manhã para vir para cá [zona oeste], com duas horas no trânsito, com ônibus lotado, um monte de automóvel individual, com mais poluição, com piora na qualidade de vida”, explica o deputado sobre a desigualdade de oportunidades de empregos por habitante. 

O político do PSOL exemplificou como Paris, que também é uma metrópole, lidou com a diminuição do tempo de deslocamento com o projeto “Cidade de 15 Minutos”. O governo realizou a reapropriação do centro parisiense, o que impediu a especulação imobiliária, e possibilitou a realocação dos moradores para esses locais. Além disso, estimulou financeiramente empresas públicas e privadas a se expandirem para regiões periféricas. 

Evento de comemoração de 13 anos da Agência Pública traz Ailtron Krenak, Carlos Nobre e Daniela Chiaretti para debatar temas ambientais. 
por
Luísa Ayres
|
14/03/2024 - 12h

Na noite de ontem (13) o evento de celebração do 13º aniversário da Agência Pública, fundada por ex-alunas da Universidade Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), apresentou uma mesa fundamental para a compreensão dos impactos da ação humana no meio ambiente. 

A roda de debate contou com a participação de importantes estudiosos, militantes e jornalistas da causa, com destaque para a participação de Ailton Krenak, o nome mais aguardado da noite. 

Recebido com aplausos, o doutor honoris causa pela UFMG e pela UFJF e eleito para a Academia Brasileira de Letras, se preocupou em evidenciar, para além das questões ambientais, as preocupações sociais imprescindíveis ao tema.  

Abordando o racismo estrutural e ambiental, Krenak pontuou como as consequências da crise climática são sentidas de formas diferentes pelas pessoas - e sempre de maneira mais forte pelas camadas pobres da população.  

Além disso, o indigenista chamou a atenção da plateia para o que está além da vida humana: a extinção em massa de diversas espécies animais.  

Segundo o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU deste ano, de 976 espécies avaliadas em diversas regiões do mundo, 47% sofreram extinção de populações locais em anos de temperatura recorde.   

Populismo e os riscos para o clima

O renomado climatologista e criador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN-MCTI), Carlos Nobre, também presente no evento, alertou para como os efeitos do negacionismo têm impactado na destruição do Planeta. 

Em agosto de 2023, um documento redigido pelo Grupo de Inteligência Climática Global (CLINTEL), assinado por mais de 1.600 cientistas oriundos de 60 países, afirmava que “não há emergência climática”. A maior parte deles nativos de países da Europa e América do Norte, com destaque para Itália, Estados Unidos e França. 

Na América do Sul, o Brasil foi o país com maior número de assinaturas: 20. Além disso, vale lembrar que os brasileiros foram os que mais aumentaram a emissão de gases poluentes durante a pandemia do COVID-19 no mundo. 

Para Nobre, estes dados não são um acaso – mas sim uma consequência.  

Infelizmente nos últimos 25 anos, há um grande crescimento das eleições democráticas e populistas. Nós estamos vendo o populismo crescendo no mundo inteiro e essas pessoas todas são eleitas democraticamente. Esse é um enorme desafio. Nos EUA, 65% dos americanos são preocupados com mudanças climáticas e esses americanos elegeram um presidente negacionista que tirou os EUA do Acordo de Paris”, alerta.  

Crise sistemática

A jornalista Daniela Chiaretti, que cobre as Conferências do Clima da ONU desde 2008, concorda - e afirma que percebe a crise climática como “um problema que o próprio sistema (capitalista) criou”.  

Pensando, portanto, na crise climática como uma consequência da ação humana predatória ao longo dos séculos, cientistas, geólogos e outros estudiosos da área tem debatido, há 15 anos, a nomeação de uma nova era geológica: o antropoceno.  

As questões levantadas sobre o tema procuram pensar o tamanho do impacto que a humanidade tem causado ao mundo e às suas biosferas – e se são suficientemente graves a ponto de levar o Planeta a um novo período histórico.  

Segundo Carlos Nobre, o antropoceno teria tido início ainda na década de 40 com o impacto das bombas atômicas em terras como as do Canadá e México, que serviam como base de estudos de geólogos devido seu bom estado de conservação. Após os testes, suas estruturas foram modificadas com novos elementos. 

Hoje, falar de antropoceno pode soar como, praticamente, falar do fim do mundo como o conhecemos.  

Consequências

A Terra, desde seus primórdios, varia em eras de acordo com a órbita em torno do Sol. Em épocas de maior elipse, entramos na Era Glacial, com temperaturas mais amenas em cerca de 5ºC. Já quando em órbitas ligeiramente mais arredondadas, saímos deste período. Este ciclo, como explica Nobre, demora cerca de 100 a 120 mil anos. 

O problema é que o tempo que temos para lidar com as mudanças climáticas e suas consequências atuais é bem menor do que isso.  “Caso mudanças não sejam rapidamente efetivas, em 2100, teremos 4ºC de aumento (...). Nunca a temperatura chegou ao que pode chegar no século 22. Praticamente todo o mundo tropical será inabitável, quando poderão ser atingidas temperaturas em que o nosso corpo não perde mais calor. É o chamado estresse térmico”. 

Sua explicação prossegue alertando para os riscos de tal situação, como o tempo de vida de idosos e crianças - que pode não passar de 20 minutos. A espécie humana precisaria se adaptar para viver no topo dos Andes, no Ártico ou em outras regiões extremamente geladas.  

Além disso, esta época representaria a 6ª maior extinção do Planeta (a quinta ocorreu há cerca de 62 milhões de anos atrás, com os asteroides que mataram os dinossauros).  

Mapa de calor
Medidas mais drásticas para reduzir a emissão de gases-estufa serão necessárias para evitar que o planeta esquente mais de dois graus Celsius até o fim do século, aponta IPCC  – Mapa: Nasa/NOAA 

 

Quando nos perdemos?

Para Ailton Krenak, a humanidade perdeu muito – em tempo e experiência - invalidando os povos originários, que já avistavam estes riscos há muito tempo através do contato diário da natureza. 

O humano achava que a Terra era um lugar sagrado. Ele tinha medo do raio, do trovão, da tempestade. Ele tinha medo da mudança da cor do pôr do sol. Quando todo mundo ficou esperto, dominou a agricultura, pegou o metal, começou a fazer essa farra toda, deixaram de tratar a vida do Planeta como uma experiência sagrada e passaram a acreditar que a Terra é um organismo plástico, que podemos esticar, dobrar, enrolar (...)”.  

O militante da causa acredita, por isso, que o antropoceno é sim real e deveria ser validado. 

“Estamos comendo o corpo da terra feito pestes”, afirma.  

 

A comunidade do Morro do Piolho enfrenta o racismo ambiental com educação e ajuda da ONG Juntos pelo Capão
por
Silvia Monteiro
Lívia Rozada
Maria Elisa Tauil
|
29/11/2023 - 12h

“A gente não precisava ter ficado mais de uma semana sem luz e água. Da ponte pra lá as pessoas receberam um formulário (da Enel) pra falar o que tinha sido estragado, aqui as pessoas nem sabem que podem fazer isso”, relata.

No dia 3 de novembro o Estado de São Paulo foi atingido por fortes chuvas e rajadas de vento de até 100 km/h. O temporal, um dos tantos exemplos da crise climática, não escolheu as suas vítimas, entretanto o racismo ambiental sim. Rose Borges, moradora do Morro do Piolho, periferia localizada no bairro do Capão Redondo, Zona Sul, enfrentou 10 dias sem luz e água.

“Isso é racismo ambiental. Por que quem mora lá pode ir atrás do direito deles e aqui não? Como o Eduardo Lyra fala em Gerando Falcões: a favela tem que sair do museu, reflete Rose.

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Moradores do Morro do Piolho passaram mais de 10 dias sem luz e água. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O racismo ambiental é um termo utilizado para descrever situações de injustiça social, onde grupos minoritários são sistematicamente submetidos às consequências da degradação do ecossistema. Isso fica evidente quando moradores de bairros e territórios periféricos, em sua maioria pessoas pretas, indígenas e famílias de baixa renda, são diretamente afetados com o agravamento das condições climáticas, enquanto os mais privilegiados usufruem de melhores condições de vida.

“JUSTIÇA CLIMÁTICA É JUSTIÇA RACIAL”

O racismo ambiental está presente na sociedade em diferentes formas, como por exemplo, na maior incidência de riscos de inundações, deslizamentos de terra, concentração dos piores índices de poluição do ar e das águas, e até mesmo a falta de saneamento básico em comunidades. Dessa forma, a população está mais exposta aos impactos dos desastres naturais. Um exemplo marcante é o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). A tragédia, que deixou 270 pessoas mortas e derramou milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração na bacia do Rio Paraopeba, teve como sua principal vítima a população negra e de baixa renda, que morava na região. Quatro anos após o ocorrido, a empresa responsável pelo desastre não foi responsabilizada e as famílias afetadas ainda sofrem com as consequências da desigualdade socioambiental.

No lançamento do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”, organizado pelo Instituto de Referência Negra Peregum, os autores debateram sobre a necessidade de trazer à tona as demandas dos movimentos negros e denunciaram o embranquecimento do movimento ambientalista. “A crise ecológica global é, simultaneamente, uma crise de justiça global”, expôs a jornalista Mariana Belmont na coletiva de imprensa.

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Lançamento do livro que ocorreu no Instituto de Referência Negra Peregum em São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Em uma entrevista a Agemt, Andressa Dutra, gestora ambiental, mestranda em Ecoturismo e uma das autoras do livro, conta que a questão racial é a chave para solucionar a crise ambiental. “Entendendo que o Brasil é um país estruturado no racismo, o Silvio Almeida fala que a gente não vai conseguir resolver as grandes questões se a gente não trouxer um foco para questão racial, porque é isso que dá base e faz entender quem vai viver e quem vai morrer”, explica.

“Não adianta mais a gente tentar resolver as mazelas dos problemas ambientais sem pensar na questão racial,” relata a ativista. 

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“Livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”. (Foto: Maria Elisa Tauil)

MORRO DO PIOLHO: UM REFLEXO DO RACISMO AMBIENTAL

Localizado na região do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, o Morro do Piolho, segundo moradores, abriga 300 famílias, sendo uma delas a da líder comunitária e agente transformadora Rose Borges, fundadora da ONG Juntos pelo Capão.  “Tem muita coisa acontecendo do outro lado da ponte do rio Pinheiros, que separa os pobres dos ricos, o lado A do lado B”, relata.

Rose conta que em decorrência da tempestade e rajadas de vento, ela ficou sem luz por quatro dias, enquanto alguns vizinhos ficaram mais de uma semana. Na segunda-feira, três dias após a tempestade, a maior parte do bairro seguia sem energia e sem água; consequentemente, a maior parte das escolas e creches não abriram. Assim como muitas mães e avós, ela precisou ficar em casa para cuidar da sua neta, precisando ligar à sua chefe para avisar que não tinha condições de ir trabalhar. Muitas outras mulheres da comunidade passaram pela mesma situação, mas receberam um tratamento diferente das empresas, com seus salários e benefícios sendo descontados. “Não é culpa delas, mas é visto assim. ‘Se vira’. Como se a gente pudesse se teletransportar”.

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Morro do Piolho, localizado na Zona Sul de São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

A moradora denuncia a situação precária que as mães do bairro, grande parte mulheres negras e mães solo, precisam enfrentar ao ficar sem energia. “A maioria das mães aqui, quando saem, deixam coisas pros filhos comerem, porque elas vão trabalhar e só voltam à noite. Então ela trabalhou lá o dia inteiro, e, quando chegou em casa, não tinha luz nem água pra sobreviver”. Rose relata que, muitas pessoas precisaram se locomover e ficar na casa de amigos que já tinham energia. Ela precisou ir à casa da sogra, que fica em Campo Limpo, 42 km de distância do Morro do Piolho. A fundadora da ONG levou seu celular e os de seus vizinhos para carregar lá, além de trazer os alimentos que havia em sua geladeira.

Dessa forma, a comunidade se viu na necessidade de se mobilizar para enfrentar a falta de água e luz. Um vizinho de Borges, que tinha acesso a um lugar com água, ficou responsável por levar galões de água e trazer água para os moradores. Por ser uma quantidade limitada, as pessoas pegavam garrafas de 2 litros e faziam um banho rápido, e os que tinham filhos, tiveram que usar a mesma água em duas ou três crianças, e o restante foi usado para fazer comida e beber.

Além da falta de energia, a cidade de São Paulo também passou, recentemente, por uma onda de calor e mais uma vez, as comunidades periféricas foram as mais afetadas. Rose conta que, por conta do calor extremo, as pessoas precisaram dormir com as janelas abertas, e muitas precisaram colocar o colchão na parte externa da casa, onde era mais fresco. “Eu tive que colocar o colchão na garagem, sabe quando você não aguenta o calor?”, fala.

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Comunidade do Morro do Piolho enfrenta a onda de calor. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O calor extremo chegou enquanto muitas pessoas ainda estavam sem energia, sendo ainda mais prejudicial às pessoas da comunidade. Sem luz, as geladeiras não funcionavam e as comidas apodreciam. “Minha cunhada perdeu tudo que estava na geladeira. Minha vizinha tinha duas crianças pequenas, e teve que ir pra um lugar no extremo sul porque lá as crianças tinham água e o que comer. Ela preferiu pegar um dinheiro e gastar com a condução do que ficar aqui”.

JUNTOS PELO CAPÃO: UM OLHAR DE ESPERANÇA

Claro, projetos como o de Rose não começam do dia para a noite. Durante a entrevista, ela nos conta que a ideia começou, no final de 2019, quando estava na missa e ouviu um pedido do pároco local, Padre Márcio, que fazia aniversário naquele dia. Como presente, ele queria um panetone porque tinha uma criança que não sabia o sabor do bolo. No seu trabalho, numa escola particular na zona oeste da cidade, ela pediu ajuda às mães dos alunos e conseguiram uma “parede” de panetones para serem doados no Natal, e a partir daí passou a acontecer todos os anos, conta com empolgação.

No início de 2020, com a chegada da pandemia, as escolas fecharam e as crianças moradoras do Morro do Piolho não tinham onde ficar. Para Rose, sua única opção era sair da bolha e se mobilizar, “a gente sempre tem um pouco de social, mas uns desenvolvem outros não”. Com a vontade de mudar a sua comunidade, ela pediu ao Padre Márcio uma sala que estava desocupada e começou ali seu projeto: Juntos pelo Capão.

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Rose Borges, criadora da ONG Juntos pelo Capão. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Atualmente, há 2 projetos no portfólio da ONG: Escritores Mirins, onde, com a intenção de incentivar a literatura e escrita, cada criança participante escreve e publica seu próprio livro e Desenvolvedores Mirins (ou Pacote Office), responsável pela capacitação de jovens em ferramentas digitais. Além disso, a ONG organiza a ação Capão Sem Fome, uma frente permanente de combate à fome no Morro do Piolho, com distribuição de cestas básicas para famílias carentes durante todo o ano.

Quando o Estado não olha para aqueles que são invisíveis na sociedade, existe em contrapartida um cidadão ou cidadã que tem a capacidade de sair de sua bolha para causar um impacto na comunidade, e Rose Borges é uma delas. Através de seu olhar, de sua garra, ela consegue mobilizar toda uma comunidade para juntos se unirem e mudarem seu entorno. “Quando me deu esse despertar de fazer mesmo social como diferença na minha vida, de olhar para os outros, eu me senti uma torneira aberta jorrando água potável”, finaliza.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de jornalismo da PUC-SP.