Em março, Donald Trump completou seu primeiro trimestre de um segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, iniciando uma cruzada regressiva que desmantela conquistas sociais, ambientais e diplomáticas das últimas décadas. Em apenas 30 dias, o republicano já havia assinado dezenas de ordens executivas, promovendo uma agenda nacionalista e corporativa sob o slogan "America First" (América em Primeiro). Suas decisões priorizam os interesses de magnatas e aliados políticos, enquanto ignoram as vozes das minorias, dos trabalhadores e das comunidades mais afetadas pela desigualdade e pela crise climática.
Entre as medidas mais controversas estão as tarifas de 25% impostas a produtos do México, Canadá e China, que economistas progressistas alertam que irão encarecer bens essenciais para os mais pobres, e a retirada dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma decisão vista como um golpe contra a saúde global em tempos de pandemias e desigualdades crescentes. Trump também reverteu compromissos ambientais cruciais e intensificou políticas anti-imigração que violam princípios básicos de direitos humanos, reacendendo debates sobre justiça social, solidariedade internacional e a responsabilidade dos EUA como líder global.
Imigração
A promessa de deportação em massa, um dos pilares de sua campanha populista, começou a ser implementada com uma brutalidade que horrorizou defensores dos direitos humanos e organizações como a Anistia Internacional. O plano inicial de expulsar 11 milhões de imigrantes indocumentados em dois anos enfrentou forte resistência de movimentos de base, com protestos massivos em cidades como Chicago, Los Angeles e Nova York, forçando a Casa Branca a adiar parte das ações para março. Até agora, cerca de 25 mil pessoas — muitas delas mães, trabalhadores essenciais e vítimas de violência em seus países de origem — foram deportadas, com Trump desviando US$ 5 bilhões do orçamento militar para financiar essa máquina repressiva, em vez de investir em áreas essenciais, como a saúde ou a educação.
No dia 21 de janeiro,declarou estado de emergência na fronteira sul, mobilizando a Guarda Nacional e reinstaurando a cruel política "Remain in Mexico", que força requerentes de asilo a aguardarem em campos improvisados no lado mexicano, expostos a violência, fome e doenças. A extinção do "capturar e libertar" e a criação de "centros de triagem" com capacidade para processar 10 mil pessoas por dia transformaram a fronteira em uma zona de guerra contra os mais vulneráveis. "Estamos vedando o acesso a quem infringe as nossas normas", declarou Trump, em um discurso carregado de xenofobia e elitismo. Suas medidas também cortaram benefícios como o Medicaid para imigrantes legais e propuseram um sistema de vistos que privilegia os ricos e fluentes em inglês, aprofundando a exclusão social e o racismo institucional.
Conflitos Internacionais
Nas relações internacionais, Trump anunciou uma pressão por um acordo imediato entre Rússia e Ucrânia, mas sua abordagem autoritária e pró-Rússia gerou alarme entre progressistas e defensores da soberania ucraniana. Em uma reunião tensa com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky no Salão Oval, Trump elevou o tom, repreendendo-o com frases como “Você não está em uma posição boa agora. Você não tem as cartas. Você está jogando com a Terceira Guerra Mundial”. Ele ainda exigiu gratidão pelos US$ 114 bilhões de apoio militar americano desde 2022, ignorando que essa ajuda foi aprovada por uma coalizão bipartidária e que a Ucrânia luta por sua sobrevivência contra a agressão imperialista de Vladimir Putin.

O Professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Rodrigo Amaral, em entrevista à AGEMT, analisou o impacto do segundo mandato de Trump nas alianças tradicionais dos EUA, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Segundo ele, há duas dimensões principais: “Uma primeira é a discursiva, que gira em torno da posição política do Trump desde a sua candidatura, que era um presidente que valorizaria os Estados Unidos em primeiro lugar, por isso que ele usava aquele termo, America First, ou o mais pop, Make America Great Again. Isso, em termos de discurso, impactou muito os aspectos multilaterais que os Estados Unidos faziam parte”.
Amaral destaca que a OTAN, o mais importante corpo multilateral militar do qual os EUA fazem parte, enfrenta incertezas com essa postura: “No âmbito prático, imediatamente o Trump anunciou que pressionaria pelo fim da guerra, um cessar-fogo na Ucrânia. Isso era visto como positivo no âmbito da solução dos conflitos, mas temeroso no âmbito do que vai ser a estratégia desse corpo multilateral, segurança coletiva, mediante uma ordem liberal em crise”.
O professor aprofunda a análise sobre a Ucrânia: “Nós vimos recentemente uma conversa constrangedora do Zelensky na Casa Branca com o Trump, que demonstra como os Estados Unidos podem mandar e desmandar na Ucrânia. Diferentemente de Israel, não é uma relação tradicional que os Estados Unidos têm com a Ucrânia, é uma relação de conveniência. A Ucrânia como um espaço para contenção do aumento da esfera de influência russa no leste europeu”. No entanto, ele critica: “Deu errado, porque a guerra na Ucrânia não só aconteceu como aconteceu de forma imprevisível. A Rússia conseguiu redefinir sua economia em direção a uma economia de guerra e para os contra-hegemônicos, como Irã, Coreia do Norte e China, enquanto a guerra só gerava gasto para a Ucrânia e seus aliados”.
A postura de Trump é vista por analistas como uma traição aos valores democráticos e uma capitulação aos interesses de Moscou. Movimentos pacifistas e organizações como a CodePink criticam sua pressão por um acordo rápido como uma tentativa de apaziguar Putin, sacrificando a autodeterminação ucraniana em nome de uma suposta "estabilidade" que beneficia autocratas. Amaral reforça: “Ainda não há determinantes finais. Essa incerteza é o que toca o que tem acontecido até aqui”. Enquanto isso, a população ucraniana, já devastada por anos de guerra, teme que os EUA, sob Trump, abandonem seu papel de aliado em favor de uma política externa egoísta e transacional, que prioriza acordos com ditadores em vez de apoio aos povos oprimidos.
No conflito entre Israel e Hamas, Trump reivindicou crédito por um cessar-fogo iniciado na gestão Biden, propondo uma "paz pela força" que inclui a possibilidade de intervenção militar direta dos EUA em Gaza. Amaral comenta: “Mesmo antes do início do cessar-fogo em Gaza, Trump havia anunciado que isso era o plano dele. Ele teve representantes que foram até Israel pressionar Netanyahu, e fato é que houve um cessar-fogo. No entanto, semanas depois, ele não perdurou, ainda que houvesse um discurso de reconstrução de Gaza, que seria um plano neoliberal, incluindo empresas privadas multinacionais”. Ele critica essa abordagem: “Isso vem à esteira da expulsão palestina sistemática, que já acontece há, no mínimo, 75 anos, ou mais, se considerarmos o mandato britânico na Palestina”.
Amaral vai além, denunciando a gravidade da situação atual: “Nós vivemos talvez o pior momento da história palestina. Por conta da maneira pela qual o Ocidente autorizou o assassinato em massa de palestinos, a expulsão em massa de palestinos do Oriente Médio, a tal ponto que temos mais de 50 mil mortos, assassinados pelo Estado de Israel desde o início da Guerra de Gaza de 2023”
Meio Ambiente
No âmbito ambiental, Trump declarou uma chamada "emergência energética", uma jogada que ambientalistas e cientistas classificam como um crime contra o planeta e as gerações futuras. Ele autorizou a exploração de petróleo em territórios prístinos do Alasca, destruiu incentivos para veículos elétricos — uma esperança para reduzir emissões — e oficializou, pela segunda vez, a saída dos EUA do Acordo de Paris. Essas ações, vendidas como estímulo econômico, são na verdade um presente às gigantes do petróleo, que lucrarão às custas de ecossistemas frágeis e do agravamento das mudanças climáticas. Ativistas do Greenpeace e do Movimento Sunrise denunciam que tais políticas condenam comunidades vulneráveis, como as populações indígenas e costeiras, a desastres ambientais, enquanto Trump ignora o apelo global por uma transição energética justa e sustentável.
Economia e Governo
Na economia, Trump lançou o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), liderado por bilionários como Elon Musk e Vivek Ramaswamy, com a meta de cortar US$ 2 trilhões do orçamento federal até 2028. Esse plano, disfarçado como "modernização", visa desmantelar programas sociais essenciais, como assistência à saúde, moradia e educação, enquanto demite milhares de servidores públicos que garantem o funcionamento do Estado. A suspensão de contratações baseadas em diversidade e a imposição do trabalho presencial em órgãos federais são vistas por sindicatos e movimentos antirracistas como ataques diretos à equidade e aos direitos trabalhistas.
"Queremos transformar o governo em uma empresa: eficaz, enxuta e focada em resultados", declarou Musk, uma visão que críticos alertam que entrega o bem público nas mãos de uma elite corporativa, aprofundando a desigualdade e enfraquecendo serviços que protegem os mais pobres. Trump prometeu que o DOGE será "o maior impacto na burocracia desde a fundação do país", mas organizações como a AFL-CIO e a National Education Association denunciam que o projeto ameaça o acesso a direitos básicos, beneficiando apenas os ricos e os poderosos enquanto abandona as comunidades marginalizadas.
Após uma eleição com recorde de eleitores desde a unificação do país em 1990, com 83,5% dos votantes aptos, a União Democrata-Cristã (CDU), em aliança com a União Social-Cristã (CSU), liderada por Friedrich Merz, conquistaram 208 cadeiras no Bundestag, parlamento alemão, garantindo 28,52% dos votos. O resultado marca o retorno da legenda conservadora ao poder após 4 anos de domínio do Partido Social-Democrata (SPD), do chanceler Olaf Scholz, que sofreu uma derrota, ficando em terceiro lugar com 120 cadeiras e 16,41% dos votos.

O grande destaque da eleição, no entanto, foi o avanço da extrema-direita. O partido Alternativa para a Alemanha (AfD), liderado por Alice Weidel, que teve apoio do bilionário e aliado de Donald Trump, Elon Musk, atingiu seu melhor resultado desde a fundação, tornando-se a segunda maior força política do país com 152 cadeiras e 20,8% dos votos. O crescimento da ala conservadora confirma a insatisfação de parte do eleitorado com a política tradicional e reforça a tendência de fortalecimento do nacionalismo no país.
O sistema de eleição na Alemanha segue sendo misto, combinando elementos de voto distrital e proporcional. Cada eleitor tem dois votos: o primeiro escolhe um candidato que representará seu distrito no parlamento, enquanto o segundo é destinado a um partido político.

Para a eleição federal no total tem o Bundestag que conta com 630 cadeiras, sendo que 299 são ocupadas por candidatos eleitos diretamente nos distritos, enquanto as demais 331 são distribuídas proporcionalmente entre os partidos que ultrapassam a cláusula de barreira de 5% dos votos nacionais.
Depois que os parlamentares forem definidos, se o partido vencedor não possuir a maioria da câmara, ele terá de fazer coalizões para formar a maioria e então eleger o novo chanceler.
Com o fim das urnas chegou-se à vitória da CDU, porém o Merz enfrenta agora o desafio de formar uma coalizão governamental estável. Seu partido, que não conseguiu maioria para governar, agora está buscando alianças com outros partidos, tais negociações podem demorar meses para serem finalizadas.
Apesar do avanço, a AfD continua isolada politicamente. Os demais partidos mantêm uma política de "cordão sanitário", recusando qualquer aliança com a sigla devido às suas posições controversas. Isso significa que, mesmo sendo a segunda maior bancada do Bundestag, a AfD não deverá integrar o governo.
Outro aspecto curioso desta eleição foi a clara divisão geográfica do país, que ainda reflete os resquícios da Guerra Fria. O mapa eleitoral das eleições parlamentares evidenciou uma separação entre os antigos territórios da Alemanha Ocidental e da Alemanha Oriental, com a AfD tendo um desempenho expressivo no leste do país, enquanto os partidos tradicionais, como CDU e SPD, que acabam perdendo forças nestas regiões
O Professor do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Bruno Huberman, explicou que esta divisão é explicada pela maneira em que foi feita esta reunificação entre as duas alemanhas na época: “Ainda há uma segregação entre a Alemanha Ocidental e a Oriental. Isto acaba provocando um ressentimento importante, pois as elites que continuam governando são da Alemanha Ocidental.”
Com isso e outros fatores sociais como o sentimento de abandono pelo governo alemão, o professor Huberman explica que a população quer uma mudança radical no país, que é vista no discurso da AfD de mudar o sistema.

Essas eleições evidenciam uma reconfiguração no panorama político alemão, com o fortalecimento de forças conservadoras e nacionalistas, desafiando as formações centristas e tradicionais a repensarem suas estratégias e políticas para reconquistar a confiança do eleitorado alemão.
Michel Barnier, primeiro-ministro da França, foi deposto pelo Parlamento, nesta quarta-feira (04). Barnier é o primeiro a ser deposto em mais de 60 anos, tendo o mandato mais curto da história do país, que começou em setembro deste ano.
A crise política acontece no contexto da aprovação do Orçamento de 2025. Os dois blocos de extremos opostos do espectro político decidiram colocar um basta ao governo atual depois que Barnier confirmou suas intenções de usar uma manobra constitucional para passar por cima da Assembleia Nacional.
Barnier foi nomeado pelo presidente Emmanuel Macron há apenas 3 meses. Em junho, os franceses foram às urnas para escolher os que iriam compor o Parlamento. A esquerda foi predominante na disputa, vencendo a Reunião Nacional, de extrema direita. No entanto, isso não foi suficiente para formar a maioria do governo. Macron, então, escolheu um primeiro-ministro de direita. Isso gerou uma onda de protestos no país, em mais de 100 cidades. De acordo com os organizadores em entrevista ao Jornal O Globo , 300 mil pessoas estiveram nas ruas, sendo 160 mil apenas na capital.

Durante uma visita oficial à Arabia Saudita, na última terça-feira (4), o presidente Marcon afirmou que "o interesse do país é mais importante que o interesse dos partidos", apelando para que o Governo não fosse derrubado. Apesar disso, a votação no parlamento uniu esquerda e direita. O governo de Barnier tornou-se o mais curto da Quinta República francesa, que iniciou em 1958.
O principal motivo para a Moção de censura foi a rejeição da proposta de orçamento.Para contornar a dívida pública francesa, o Orçamento propunha reduzir o gasto público e aumentar o imposto para os empresários.
Apesar da queda do governo Barnier, a permanência de Macron, até o momento, não foi afetada. O mandato do presidente vai até 2027. Enquanto a maioria dos franceses atribui a Emmanuel Macron a responsabilidade pela situação atual e sua aprovação despenca, cresce o coro de demandas por sua renúncia como uma solução para a crise. No entanto, na terça-feira (03), o presidente descartou essa possibilidade, classificando-a como uma "ficção política".
A Coreia do Sul vive uma das maiores crises políticas das últimas décadas após o presidente Yoon Suk Yeol decretar lei marcial por algumas horas, uma medida inédita desde o fim dos regimes militares no país nos anos 1980. A decisão, revogada rapidamente devido à forte pressão parlamentar, gerou acusações de tentativa de golpe e abriu caminho para um possível impeachment, que será votado neste sábado (7), às 19h (horário local).

Decreto polêmico e reação parlamentar
Na noite da última terça-feira (3), Yoon anunciou a lei marcial em um discurso televisionado, justificando a medida como uma ação para proteger a "ordem constitucional da democracia livre" contra forças que ele chamou de "antiestatais". O decreto previa a suspensão de atividades políticas, censura à mídia e proibição de protestos. No entanto, a Assembleia Nacional, liderada pela oposição, reagiu prontamente, reunindo 180 parlamentares para derrubar a medida e forçar a retirada das tropas.
A situação ganhou contornos dramáticos quando helicópteros militares cercaram o prédio legislativo, e parlamentares foram impedidos de entrar. Lee Jae-myung, líder do Partido Democrata e principal rival político de Yoon, precisou escalar cercas para acessar o local, transmitindo o ato ao vivo em redes sociais, onde o vídeo rapidamente viralizou.
A lei marcial é uma medida extraordinária em que os militares assumem o controle, suspendendo leis civis e restringindo direitos, como liberdades políticas e de expressão, para lidar com crises graves ou ameaças à ordem pública.
Acusações e consequências
O decreto de Yoon foi amplamente criticado como uma tentativa de golpe, agravando sua já baixa popularidade, que atingiu 19% segundo a última pesquisa da Gallup. O Partido Democrata, que controla 192 das 300 cadeiras do Parlamento, busca apoio suficiente para atingir os dois terços necessários para o impeachment. Se aprovado, o primeiro-ministro Han Duck-soo assumirá interinamente, enquanto a Corte Constitucional decidirá o futuro do presidente.
A tentativa de lei marcial também provocou a renúncia do ministro da Defesa, Kim Yong-hyun, e pedidos de afastamento de outros membros próximos ao governo. Yoon ainda enfrenta acusações que podem levar à prisão perpétua ou até à pena de morte, segundo a legislação sul-coreana.
Histórico de Yoon e desafios políticos
Yoon Suk Yeol, eleito em 2022, iniciou sua trajetória política como promotor e ganhou destaque ao investigar casos de corrupção envolvendo figuras importantes. No entanto, seu governo foi marcado por controvérsias, incluindo inflação, restrições à liberdade de expressão e escândalos envolvendo sua esposa.
A decisão de declarar lei marcial ocorre em um momento de tensão com a oposição e em meio a negociações sobre o orçamento do próximo ano, em que o governo sofreu derrotas significativas no Parlamento.
Implicações regionais e internacionais
A medida alarmou tanto aliados quanto adversários internacionais. Enquanto os Estados Unidos declararam surpresa com a decisão, a Rússia considerou o episódio "preocupante". Internamente, a ação foi vista como um retrocesso democrático, algo impensável após 40 anos de consolidação de liberdades civis no país.
A crise atual não apenas ameaça o mandato de Yoon, mas também coloca em xeque a estabilidade de um dos principais aliados dos Estados Unidos na Ásia, reacendendo debates sobre a força das instituições democráticas sul-coreanas diante de líderes autoritários.
Com o impeachment à vista e a pressão internacional aumentando, o destino de Yoon Suk Yeol será decidido em um ambiente político marcado por incertezas e divisões profundas.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende acabar com a jornada de trabalho 6×1, em que o trabalhador cumpre seis dias de trabalho para ter direito a apenas um dia de folga, está ganhando força no Congresso Nacional.
A PEC, que tem como principal defensora a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), alcançou o número mínimo de 171 assinaturas necessárias para ser protocolada e iniciar sua tramitação na Câmara dos Deputados. O Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), criado por Rick Azevedo, vereador eleito pelo PSOL no Rio de Janeiro, desempenhou um papel crucial ao dar visibilidade à questão, mobilizando apoiadores e aumentando a conscientização sobre a importância da mudança na legislação trabalhista.
De acordo com informações do gabinete da deputada, cerca de 231 assinaturas de deputados federais já foram registradas até a manhã de sexta-feira, 15 de novembro de 2024. Com isso, a proposta segue agora para as próximas etapas legislativas, com previsão de ser discutida e votada no plenário.
O que propõe a PEC?

A proposta busca alterar a Constituição Federal para reduzir a carga horária de trabalho semanal de 44 para 36 horas, com a implementação de uma jornada de quatro dias de trabalho seguidos por três dias de folga.
A justificativa apresentada pela deputada Erika Hilton para a PEC destaca que a alteração proposta à Constituição reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis.
Isso envolve o reconhecimento de que o mercado de trabalho precisa se adaptar às novas demandas sociais, oferecendo uma melhor qualidade de vida para os trabalhadores e suas famílias. Hilton afirma que é essencial uma mudança nas normas de jornada de trabalho para equilibrar a vida profissional com o tempo para lazer e convivência familiar.
A mobilização popular e o Movimento VAT
Um dos pilares que sustentam a proposta da PEC é o apoio da população, especialmente de trabalhadores que reivindicam melhores condições de trabalho. O Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), criado por Rick Azevedo, vereador eleito pelo PSOL no Rio de Janeiro, foi fundamental para dar visibilidade à questão.
Rick, fundou o movimento após se tornar uma figura popular nas redes sociais, especialmente no TikTok, ao compartilhar vídeos sobre a rotina de trabalho exaustiva e os impactos psicológicos que a escala 6×1 tinham em sua vida.

Em seus vídeos, Rick relatava como a jornada de trabalho intensa afetava sua saúde mental, destacando a sobrecarga de responsabilidades para quem trabalha em empregos como auxiliar de serviços gerais, vendedor, frentista, ou balconista de farmácia.
Ele mencionava também as dificuldades que enfrentava por não ter tempo para estudos, familiares ou lazer. Ao ganhar visibilidade, Rick organizou grupos no WhatsApp e Telegram, que posteriormente se expandiram para diversos estados do Brasil, com o objetivo de conscientizar e mobilizar mais pessoas em torno da causa.
A petição online iniciada pelo movimento VAT, intitulada "Por um Brasil que vai além do trabalho: VAT e Ricardo Azevedo na vanguarda da mudança", foi uma das principais ferramentas de mobilização.
A petição solicita que o Congresso Nacional altere a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e revise a escala de trabalho 6×1, propondo alternativas que permitam aos trabalhadores desfrutar de mais tempo para suas vidas pessoais e familiares. Até o momento, a petição já alcançou mais de 2 milhões de assinaturas, o que evidencia o grande apoio popular à iniciativa.
Procuramos a assessoria do Vereador Rick Azevedo e da deputada federal Erika Hilton para maiores esclarecimentos sobre a PEC e sobre o movimento VAT mas não obtivemos retorno até o fechamento desta reportagem..
A PEC no Congresso: desafios e apoios
Com o número de assinaturas alcançado, a PEC agora está pronta para ser protocolada na Câmara dos Deputados. Contudo, o caminho até a aprovação ainda não está garantido, e o processo pode ser longo. A deputada Erika Hilton fez um pronunciamento na tarde de quarta-feira (13) para reforçar os argumentos a favor da mudança na legislação trabalhista.
Minutos antes de uma reunião com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a deputada Erika Hilton, líder do PSOL (SP), exigiu “apoio aberto e declarado” do governo federal para a proposta de emenda constitucional que visa acabar com a escala 6x1 (seis dias de trabalho e um de descanso).
As declarações de Hilton ocorreram logo após ela anunciar que havia obtido as 171 assinaturas necessárias para protocolar a PEC. Ela também confirmou que participaria de uma reunião com Padilha e o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), autor de uma outra PEC sobre o mesmo tema.
“Vou primeiro ouvir o que o ministro Padilha tem a nos dizer”, afirmou Hilton. “O que precisamos é do apoio do governo para fortalecer essa discussão no Congresso Nacional, com mediação do ministro, para que consigamos avançar na tramitação dessa PEC, com o respaldo claro e explícito do governo.”
A PEC 221/19, apresentada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), também propõe a redução da carga horária semanal, mas sem alterar o modelo de quatro dias de trabalho e três dias de folga. Essa PEC está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, dependendo do andamento, pode ser unificada com a proposta de Erika Hilton ou seguir separada. A decisão sobre a tramitação de ambas as PECs caberá a Arthur Lira (PP-AL), Presidente da Câmara dos Deputados.
Visões contrárias e a reação do governo
A proposta tem gerado controvérsias, com diferentes setores da sociedade e do governo expressando suas opiniões. Entre os defensores da PEC, há o argumento de que a jornada de trabalho 6×1 é excessiva e desgastante, e que sua eliminação poderia criar novos postos de trabalho. A redução da jornada, segundo esses defensores, permitiria que os trabalhadores tivessem mais tempo para o lazer, o que também beneficiaria a saúde mental e a qualidade de vida da população.
No entanto, especialistas e setores do empresariado levantam preocupações em relação aos possíveis impactos da medida. Para eles, a redução da jornada de trabalho poderia aumentar os custos das empresas, sem que houvesse um aumento significativo na produtividade, o que pode gerar alta na inflação e no desemprego.
Cristina Helena Pinto de Mello, economista e professora da PUC-SP, diz que uma das possibilidades para manter o equilíbrio entre a manutenção do ritmo de atividade, se adequar às novas regras e manter o nível de produtividade será necessário contratação adicional ou pagamento de horas extras: “Neste caso, veremos um aumento nos custos de produção e elevação dos preços finais”.
Mello diz que, com o passar do tempo, esses custos tendem a se diluir pelo endurecimento das negociações salariais com reajustes menores. “Uma alternativa é otimizar processos com tecnologia. Neste caso, os aumentos de custos podem ser menores e diluídos ou rateados em maior atividade produtiva”.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está dividido em relação à proposta. O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) tem se mostrado favorável à redução da jornada de trabalho, destacando que ela é uma tendência global e que merece ser debatida. Por outro lado, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), se mostrou mais cauteloso, sugerindo que qualquer mudança na jornada de trabalho devesse ser discutida de forma mais detalhada e, preferencialmente, por meio de negociações coletivas entre trabalhadores e empregadores.
Reações no Congresso: preocupação com o impacto para as empresas
No Congresso, a reação também tem sido mista. O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), favorito para assumir a presidência da Câmara em fevereiro, expressou preocupações sobre a PEC. Ele acredita que é necessário ouvir os empresários e considerar os efeitos econômicos da proposta antes de avançar.
Em uma reunião com a Frente Parlamentar pelo Empreendedorismo, Motta afirmou: “O que se criou é um verdadeiro movimento nas redes sociais a favor da PEC, que é um tema que temos e vamos discutir, mas precisamos ouvir ambos os lados.”
T3: A aprovação da PEC pode desestabilizar a economia?
Desde que ganhou visibilidade, a proposta passou a ser motivo de críticas. No Congresso Nacional, a grande maioria que votou a favor da PEC eram de partidos da base aliada ao Governo Lula. A oposição de direita contestou a proposta, mas, mesmo assim, obteve um voto a favor do deputado federal Fernando Rodolfo (PL). Alguns parlamentares conservadores, como Nikolas Ferreira (PL-MG) e José Medeiros (PL-MT), e empresários são contra as mudanças propostas na lei.

No vídeo divulgado nas redes sociais, Nikolas classificou a votação como "ataque coordenado" e disse que não vai ceder às pressões. Ele alegou que a proposta pode gerar mais inflação no país e que nenhum outro político foi pressionado a tomar posição no tema. Apesar do que foi dito pelo deputado, a pressão nas redes sociais afetou diferentes políticos, incluindo parlamentares do PT.
Procuramos a assessoria do Deputado Nikolas Ferreira, mas não obtivemos retorno.
Países do mundo inteiro estão testando ou já efetivaram um modelo de redução na jornada de trabalho. Através de uma parceria entre a organização 4 day week e a construtora Reconnect Happiness, esse caminho foi experimentado em países como Espanha, Estados Unidos e Austrália.
Um relatório publicado pelo Think Tank Autonomy, juntamente de acadêmicos da Universidade de Cambridge, mostrou resultados positivos. Mais de 90% das empresas que participaram do teste decidiram continuar com a semana de quatro dias, já que o esgotamento dos funcionários diminuiu 71% e as empresas ficaram satisfeitas com a produtividade dos empregados. Além disso, nações de grande relevância econômica possuem jornadas de trabalho com menos de 40 horas. A Holanda possui, em média, 29,2h; A Dinamarca, 32,4h; A Alemanha, 34,4h; A Suíça, 34,4h e a Irlanda com 34,9h semanais.
Entretanto , a professora Cristina Helena ressalta que o cenário brasileiro é diferente do internacional, onde a mudança foi implementada com o aumento da produtividade ou por conta do investimento em tecnologias: “Faremos em um contexto de desindustrialização, forte mercado informal de trabalho, pressões inflacionárias e economia aquecida”, argumenta.













