Sem orientação adequada, donas de pequenos negócios relatam dificuldades para entender as mudanças na economia e veem sua renda ameaçada
por
Manuela Dias
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28/11/2025 - 12h

A falta de informação qualificada tem se tornado uma das principais barreiras para microempreendedoras brasileiras que dependem de insumos importados ou de produtos cujo preço varia conforme fatores globais. Em meio a mudanças recentes nas taxas, oscilações cambiais e aumento da burocracia para transações internacionais, muitas afirmam que não sabem onde buscar apoio técnico. É o caso de Danielle Nayara, maquiadora e microempreendedora, que iniciou seu negócio após deixar o emprego formal para trabalhar com eventos.

“Eu sempre gostei de maquiagem, mas nunca tinha pensado em maquiar outras pessoas. Só comecei depois de uma sugestão, fiz um curso e acabei me apaixonando pela profissão”, conta. Hoje, ela atende clientes em casa, em eventos e até pernoita em residências para preparar noivas e madrinhas. Mas apesar da agenda cheia, manter o negócio funcionando tem se tornado cada vez mais complexo.

Um desafio diário

Para Danielle, o principal custo do seu trabalho é a compra de materiais: produtos que sofrem variações constantes de preço, muitas delas impactadas por fatores externos. “Um produto que eu comprei por um valor semana passada já está mais caro hoje. Quando isso acontece, eu preciso ajustar meus preços, porque se não aumento, perco margem”, explica.

Ela relata que, muitas vezes, não entende o motivo dessas oscilações nem encontra informação clara sobre o que está influenciando o aumento. Esse descompasso entre preço e explicação não só dificulta o planejamento, como a impede de aproveitar oportunidades.

“A qualidade dos produtos é essencial. Se o material é ruim, não adianta eu ser boa. Só que para comprar produtos bons, eu preciso pesquisar muito. E os preços mudam rápido demais”, diz.

A falta de informação também interfere na profissionalização. Em eventos como a Beauty Fair, Danielle conseguiu adquirir produtos de alta qualidade com preço reduzido, mas admite que depende do acaso: “Eu fico sabendo por redes sociais. Se eu não vejo no Instagram ou no TikTok, eu perco a chance.”

Redes sociais como principal fonte

Como muitas microempreendedoras, Danielle se informa principalmente pelas redes sociais. “É onde está tudo hoje: Instagram, TikTok, WhatsApp. É ali que vejo notícias, promoções e mudanças”, afirma. O problema, segundo especialistas, é que essa dependência de canais informais deixa empreendedoras vulneráveis. Notícias sobre variações cambiais, tarifas, mudanças em importações ou novas regras para comercialização de cosméticos dificilmente chegam a essas mulheres de forma clara e estruturada. Isso faz com que muitas decisões sejam tomadas às cegas.

Economistas e organizações ligadas ao empreendedorismo feminino têm reiterado que a falta de informação clara é hoje um dos maiores riscos para pequenos negócios liderados por mulheres. À medida que insumos sofrem com oscilações globais, e que o comércio exterior se torna mais complexo, milhares de empreendedoras enfrentam um mercado imprevisível sem apoio técnico.

No caso de Danielle, o impacto ainda é administrável, mas ela admite a preocupação: “Eu tento acompanhar tudo, mas é difícil saber o que realmente vai afetar meu trabalho. Às vezes, descubro um aumento só quando chego na loja para comprar”, relata.

Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”.
“Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”. Reprodução: arquivo pessoal 

Força para manter o negócio! 

Apesar dos desafios impostos pela falta de informação, pelos custos instáveis e pelas mudanças constantes no mercado, mulheres como Danielle continuam sustentando seus negócios com esforço diário, intuição e dedicação. A realidade que enfrentam é marcada por incertezas, mas também por uma determinação que atravessa jornadas longas, madrugadas de trabalho e decisões tomadas sem o suporte adequado.

No fim das contas, o que sustenta esses negócios não é apenas acesso a crédito ou políticas públicas: é a força de mulheres que, todos os dias, escolhem continuar. A luta feminina, silenciosa ou coletiva, segue sendo a certeza em meio ao cenário incerto e continua provando que, quando essas mulheres resistem, elas transformam não só suas próprias histórias, mas também o futuro do empreendedorismo no país.

 

Transformando a vida de milhões de pessoas todo ano, merece mais reconhecimento e recursos para manter o Brasil vivo
por
Vítor Nhoatto
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28/11/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

Uma das poucas certezas de todo ser humano, tal qual a morte, é a doença. Sabe aquele resfriado que vem junto ao seco do frio, uma ferida que infecciona depois de cair de bicicleta, até aquelas mais sérias que podem aparecer. Fato é que sem saúde não se vive, sendo um direito constitucional não por acaso. Sendo assim, é preciso que o acesso a essa necessidade tão básica quanto respirar e se alimentar seja universal, e não um bem a se comprar apenas por aqueles que podem.

Para isso então que existe o Sistema Único de Saúde (SUS), tão falado e muito mais presente na vida do que alguns podem sequer imaginar, ou querer. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador dos medicamentos disponíveis no país, de controle alimentar e hídrico, faz parte do SUS. Regulamentado em 1990, é responsável pelas vacinas e desenvolvimento científico ainda, e sabe os planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde (ANS), que os regula, também é integrante do sistema.

Para falar dessa diferença real na vida, antes é preciso até olhar nos papéis para lembrar já a quanto tempo ele é médico, enfermeiro, farmácia. De cabelos curtos hoje, depois de uma repaginada no visual devido ao câncer de pulmão que teve justamente na pandemia de COVID-19, Léia Marisa celebra que há dois anos consegue receber na AME Maria Zélia o micofenolato de Mofetila. Pois é, muitas vezes quando o nome é chique o preço é alto, uns R$500 por caixa, mil reais por mês gastos antes da papelada ficar pronta e ser aceita em 30 de novembro de 2023, já que a doença não espera os trâmites e filas.

A ex-professora, atual dona de casa e empresária a distância do seu restaurante, conta como o período de descoberta e tratamento do câncer, que levou até questões reumatológicas, e ajudou a descobrir uma artrite reumatoide, foi muito difícil. Entre dezenas de idas ao hospital de 2020 até 2023 até chegar ao diagnóstico, foram dias desgastantes, assustadores, e toda ajuda foi essencial, principalmente com os custos de sobreviver à doença. No caso dela, o tratamento do tumor foi feito em rede privada graças ao seu plano de saúde empresarial, que custa salgados R$5 mil reais ao mês. Só aqui são quase quatro salários mínimos, um privilégio muito grande, como ela destaca, olhando para um país em que apenas 7,60% da população ganha entre 5 e 10 salários como o Censo de 2022 do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística revela. 

Se aprofundando mais ainda nos fatos, de acordo com o estudo “Quanto custa o câncer” de 2023 do Observatório de Oncologia, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) e do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, os custos de tratamento da doença quadruplicaram nos últimos três anos. Uma sessão de radioterapia ou quimioterapia custava quase R$800 em 2022, e dezenas são necessárias na maioria das vezes. Acrescentando nessa conta, consultas, tomografias e biópsias, mil reais ali e cinco acolá, o custo chega facilmente ultrapassa dezenas de milhares de reais. Isso é ainda mais preocupante tendo em conta a incidência do câncer na população, que segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) entre 2023 e 2025, 704 mil pessoas terão a doença como Marisa. 

E com isso que o SUS se mostra como algo tão relevante, oferecendo tratamento integral e gratuito contra todos os tipos de cânceres. Claro que muitos problemas existem, como destaca Marisa ao lembrar que quando estava no meio do tratamento enfrentou problemas com o plano de saúde, mas que só o medo de depender da demora do SUS caso fosse preciso, a preocupava muito. A saúde é o bem mais precioso para, o que para todos provavelmente deva ser, e por isso justamente que em 2012 a lei 12.732/12 obriga que o tratamento contra o câncer tem que ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico. 

Mas além disso, com os olhos marejados depois de navegar novamente no mar agitado que foi a jornada até a vida que tem hoje, curada e com o diagnóstico da sua doença crônica, ela volta e lembra que a diferença que não ter que pagar pelo Micofenolato que a mantém respirando faz.  Quando tinha que arcar com as despesas era como um fardo a mais imposto a ela, que considera a saúde hoje como o bem mais valioso. As idas mensais  ao posto são um alívio hoje para ela, destacando que o seu medicamento nunca faltou até então, mas que já presenciou pessoas na situação contrária e que não tinham como arcar pessoalmente com os gastos. Essa é uma realidade infelizmente, segundo fiscalização de 2023 da secretaria de contas do Estado de São Paulo, em quase metade dos postos visitados faltavam algum medicamento.

papéis
A cada seis meses Marisa tem que renovar a receita e toda a papelada para solicitação do seu medicamento junto a AME - Foto: Vítor Nhoatto

Milhões de uns

Mesmo que falte muito, afinal, só 4,16% do orçamento federal foi destinado à saúde em 2024 segundo o Painel do Orçamento Federal, a porcentagem vem aumentando desde 2022, e milhões de brasileiros são atendidos todos os dias. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema universal de saúde, e 213 milhões dependem diretamente do SUS, segundo o Ministério da Saúde, que contabiliza em média 2,8 bilhões de atendimentos por ano, empregando 3,5 milhões de profissionais.

E mais um desses uns é Valdir Sousa, que do alto de seus 63 anos de idade é um típico caso brasieleiro. Com diabetes do tipo II há 20 anos e hipertenso, conta que se não fosse o acesso ao sistema gratuito, sua vida seria muito diferente, obviamente pelo lado financeiro, e muito também pelo bem-estar. O mineiro nascido em São João do Paraíso e que vive em São Paulo há décadas já viu tanto na vida, e com o passar do tempo o que todos querem e merecem é justamente qualidade de vida. Essa no caso, em grande parte possível graças a insulina que busca no posto na Freguesia do Ó e os comprimidos que cuidam do seu coração acelerado.

Justamente essa hipertensão que é a doença mais presente nos peitos animados dos brasileiros, e 52% da população é diagnosticada com alguma DCNTs, como revela a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Além disso, segundo dados de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) como as de Valdir são tecnicamente chamadas, são as mais comuns no mundo e no Brasil, com o diabetes inclusive tendo aumentado 70% entre 2000 e 2019. 

Para contextualização, nos Estados Unidos existe há alguns anos o movimento nas redes sociais insulin4all, criado pela organização sem fins lucrativos T1 International, que denuncia os altos custos da insulina no país, onde um frasco de 10ml gira em torno de U$330. Tal situação vem levando inclusive pessoas a racionarem o medicamento, o que pode levar a complicações e até a morte em casos mais graves. Já no Brasil, o mesmo remédio é disponibilizado pelo SUS, e o preço máximo permitido por lei é de R$125,30. 

Diante desses dados e o envelhecimento da população fica claro como a saúde vai ser cada vez mais necessária, tal qual destaca o jovem de espírito Valdir, que já foi pedreiro e auxiliar de manutenção geral em uma lanchonete, justamente no Hospital das Clínicas. As histórias que já viu na maior referência de saúde pública brasileira enchem a sua mente, e as palavras saem inquietas sobre as melhorias que o SUS precisa e as pessoas merecem. Ele conta em meio a suspiros que quando precisa de exames mais urgentes, ou consultas em meio a crises, tem que recorrer ao plano de saúde da sua esposa, do qual é dependente, já que as unidades de saúde estão sempre cheias e a fila de espera passa de meses algumas vezes. 

Foi nessas passagens obrigadas pela rede privada que ele inclusive descobriu mais um integrante do seu pacote, a doença renal crônica há um ano. Porém, é no SUS que o acompanhamento com nutricionista, nefrologista e endocrinologista foi possível, uma rotina de cuidados essenciais para uma boa qualidade de vida para quem tem a condição. É graças a essa rede de profissionais e a farmácia popular que Valdir vai aproveitando com os dois filhos e a mulher os seus dias, frisando com a voz até meia trêmula, que sem isso não poderia se ter o seu direito de viver com saúde exercido plenamente.

medicamentos
São graças a compostos como esses que tanto Marisa ou Valdir, e os mais de 100 milhões de brasileiros com doenças crônicas podem viver bem tal qual a constituição garante - Foto: Vítor Nhoatto

 

Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
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14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

por
Artur Ferreira
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29/04/2020 - 12h

Por Artur Ferreira

 

Todos os dias, novos casos de Covid-19 são registrados no Brasil. Além disso, o número de mortes cresce diariamente. Segundo o Ministério da Saúde, até o dia 14 de abril, o coronavírus causou mais de 1.500 mortes e contaminou mais de 25 mil brasileiros.

Além dos dados alarmantes, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Brasília (UnB) afirmam que o Brasil possui um número de pessoas infectadas 15 vezes maior que o registrado oficialmente.

A estimativa dos especialistas do portal Covid-19 Brasil, que reúne cientistas das duas instituições, é que o Brasil já havia passado dos 313 mil infectados até 11 de abril. O estudo também foi divulgado no dia 14 deste mês e afirma que a baixa quantidade de testes feitos gera um alto índice de subnotificações de casos.

No Brasil, além dos decretos de quarentena que permanecem vigentes em diversos estados,  a criação de  hospitais de campanha para o combate ao vírus também tem estimulado a contratação de  profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros e farmacêuticos.

Enquanto médicos e enfermeiros dividem o ambiente hospitalar com as pessoas com suspeita ou confirmação do vírus, os profissionais das drogarias estão expostos ao contato constante com dezenas de pessoas diariamente.

Pois, da mesma forma que hospitais e postos de saúde, farmácias e drogarias não podem parar sua operação. Os farmacêuticos, além do estresse gerado pela pandemia, muitas vezes têm trabalhado mais do que o habitual,  devido ao cuidado maior com a higienização das farmácias e a assistência para clientes sobre remédios e substâncias em geral.

Segundo dados de 2018 do Conselho Federal de Farmácia, os farmacêuticos representam 221 mil dos brasileiros. O número de farmácias e drogarias supera 87 mil no setor privado e 11 mil na administração pública.

Carina França de Carvalho faz parte dessa parcela da população, e trabalha em uma rede de drogarias na Zona Sul de São Paulo. A farmacêutica afirma que, mesmo  não tendo havido aumento  da carga horária, a cobrança se intensificou muito.

De acordo com Carina, uma de suas principais tarefas hoje é orientar os clientes em relação a medicamentos. Ela conta que, além do balcão, chega a atender pessoas por WhatsApp.

Além dos clientes, os atendentes da drogaria também precisam seguir uma série de orientações, principalmente  quando se trata de medidas de higiene, explica a profissional.

Segundo Carina, o farmacêutico também tem que “ensinar a eles [a equipe] como lidar com esse paciente que vem do hospital, até mesmo casos confirmados [de coronavírus]”. Ela também cita a importância do apoio psicológico em um momento desses de crise.

“É importante ressaltar que a gente não tenha nenhum preconceito, mesmo com o paciente com caso confirmado”, explica Carina, pois a farmácia deve estar preparada para receber essas pessoas.

Ela completa dizendo que, em casos como esse, o profissional da linha de frente se torna mais alerta com a própria higienização. Mas isso nunca deve se tornar uma forma de preconceito ou um motivo para evitar atender pessoas contaminadas com a Covid-19. “É uma questão de ética”, define.

As orientações vão além das medicações. Os farmacêuticos também podem ser consultados sobre os sintomas causados pelo vírus   na maioria das vezes, para não confundi-los com os de outras doenças –,  a necessidade de ir ou não  ao hospital, entre outros detalhes que podem evitar o contágio desnecessário ou uma automedicação.

A automedicação é um grande risco. Carina deixa bem claro que uma das principais funções de sua profissão é evitar que o paciente se medique por conta própria, o que pode ser fatal.  .

 

Fora do ambiente de trabalho

 

Carina diz que o marido  também trabalha no ramo farmacêutico. O filho do casal também  atua na área, mas  já não mora  com os pais desde que se casou.

Porém, a farmacêutica relata que é a responsável pela sua mãe, que já tem 70 anos, e que realiza todos os cuidados necessários para o mínimo de interação com ela.

Conta que faz as compras  e  deixa no portão da casa da mãe, com o alerta de que   higienize com  com álcool  tudo que recebe. E  liga constantemente para saber se a mãe está bem e se necessita de algum apoio.

“Eu não quero só proteger a minha mãe da Covid, mas impedir que ela entre em uma depressão por se sentir sozinha”, explica Carina. A rotina de orientação e cuidado também é feita com seus sogros, que moram próximo de sua casa, e seu filho.

Desde o início da pandemia,  Carina e o marido seguem uma disciplina rigorosa: assim que chegam em casa, lavam todas as roupas usadas durante o dia e higienizam, um a um, os objetos que manusearam, como chaves e celulares. .

Depois desse processo, os dois sempre tomam um banho para que, aí sim, possam descansar com segurança. A casa também tem sido limpa com mais frequência.

 

O que o sindicato tem feito pelos farmacêuticos?

 

A   presidente do Sindicato dos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sinfar), Renata Gonçalves, explica que a atuação dos farmacêuticos vai além do varejo. Eles também podem estar presentes na indústria, hospitais e pesquisa científica.

A presidente conta que a distribuição variada dos profissionais da categoria acaba por dificultar a atuação do sindicato, já que o trabalhador  que deverá ser auxiliado pode enfrentar os problemas  mais diversos.

E, no momento de crise causada pela Covid-19, Gonçalves explica que a rotina do sindicato foi mudada da noite para o dia. A presidente entende que em crises anteriores na área da saúde, como a do H1N1, o peso para a categoria nunca foi tão grande como agora.

Devido à intensidade que a pandemia adquiriu no Brasil, a equipe do Sinfar tem redobrado sua atenção para as demandas, dúvidas e pedidos de orientações jurídicas dos profissionais da farmácia. “Nenhum profissional está ficando sem atendimento”, garante Gonçalves.

A dirigente explica que, atualmente, todas as ações do Sinfar estão sendo realizadas de forma remota, evitando o contato físico e a exposição de pessoas.

E, mesmo sendo parte da linha de frente, farmacêuticos também não estão imunes a demissões. De acordo com a presidente, as ações do sindicato estão muito voltadas para “que não haja demissões em massa e prejuízo na condição de trabalho do profissional”.

A sindicalista também conta que, em relação aos empregadores, qualquer forma de negociação para redução de salários, devido à crise, necessita de um acordo prévio com o sindicato, para a proteção das condições de trabalho do farmacêutico.

“A gente entende que a negociação direta entre patrão e empregado pode ser muito prejudicial ao trabalhador. Acaba pesando muito mais a pressão do patrão”, diz a presidente.

Entre as diversas ações em favor do profissional, Gonçalves cita a demanda do sindicato sobre a liberação do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) da categoria em caso de calamidade.

Porém, a presidente diz que a Caixa Econômica Federal ainda tem negado esse pedido, já que só liberaria o FGTS em caso de um “desastre natural”, como rompimentos de barragens e enchentes. O Sinfar está aguardando que a Caixa analise a demanda argumentando que uma pandemia como essa nunca poderia estar prevista na lei, e que o benefício precisa ser liberado ao trabalhador.

 Renata Gonçalves conclui que, mesmo antes da crise, mais direitos eram pleiteados pelos farmacêuticos todos os anos, como é o caso do vale-refeição e da classificação de insalubridade para a atividade. E, agora, essa luta só se intensifica devido à importância desse profissional nesse momento de crise da saúde pública.

por
Maria Fernanda Hohlenwerger
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29/04/2020 - 12h

Algo que não era falado e vivenciado antes, hoje faz parte do cotidiano de todo mundo: a quarentena. Devido à disseminação de uma nova doença na sociedade, a Covid-19, a recomendação é que ninguém saia de casa. Com isso, um sentimento pouco percebido se intensificou durante esse período, que é o medo. Ele consiste em um estado afetivo que surge em resposta à consciência diante de uma situação de eventual perigo; é algo que faz parte da nossa defesa e está intrinsecamente ligado ao nosso subconsciente, que nos alerta sobre situações de risco.

Como uma forma de conter a disseminação do vírus, o governo implementou o sistema de isolamento horizontal, que consiste em uma medida mais abrangente de distanciamento social, que pode envolver desde o fechamento de escolas, museus, shoppings, estádios, até o 'lockdown', no qual o governo proíbe completamente o fluxo de pessoas e estabelece multas, ou até prisões, para aqueles que o descumprirem. 

A partir desse novo cenário, as empresas se viram inseridas em uma situação na qual tiveram que tomar medidas que antes não eram cogitadas e hoje já fazem parte da realidade dos empregados. O sistema home office é uma delas. Como uma forma de manter o ambiente de trabalho e seus funcionários saudáveis, todos começam a trabalhar em casa, seja em um esquema 'full-time' ou em um regime de escala, em que se vai ao local de trabalho uma vez por semana, e nos outros dias se trabalha remotamente, por exemplo. 

Além disso, criou-se uma Medida Provisória (MP) que permite a diminuição da jornada de trabalho e do salário em até 70% pelo prazo máximo de 90 dias. O contrato de trabalho também pode ser suspenso completamente de forma temporária. 

Todas essas decisões e medidas foram criadas para diminuir o impacto da crise econômica, porém, ao mesmo tempo, contribuíram para um cenário de medo. Esse sentimento cresce constantemente, está presente no dia a dia dos trabalhadores, e acaba por gerar angústia, a incerteza de não ter um lugar garantido na empresa, não ter mais a renda fixa do mês garantida e o conforto da rotina. 

https://bit.ly/2y2iVp9
Foto: Pixabay. Link: https://bit.ly/2y2iVp9

De acordo com o psicanalista Christian Dunker, em uma entrevista concedida à BBC News Brasil, a pandemia gerou três perfis de comportamento: o tolo, que tende a negar a situação dramática como maneira de enfrentar o medo; o perfil desesperado, que se angustia ainda mais com a situação; e o confuso, que transita entre esses dois polos, sem saber direito como deve agir e pensar. Todos esses perfis derivam do medo, da incerteza e da falta de controle da situação. 

Todos se veem expostos a algo novo, desconhecido, e que pode nos afetar de diferentes maneiras. Uma estagiária, que não quis se identificar, falou com a Agemt sobre o medo de ter seu contrato suspenso. "O estagiário vive sempre na incerteza. Parece que nós somos superdescartáveis e que a qualquer momento não vão mais precisar da gente. Temos que mostrar nosso valor, mostrar que eu consigo, que dou conta do que me pedem."

O estagiário sofre com essa sensação diariamente ao ter que provar seu conhecimento e aprendizado para não perder sua posição na empresa. Porém, no contexto atual, qualquer trabalhador está sujeito a esse medo. É o que mostra uma pesquisa da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ebape), feita pelos pesquisadores Marco Tulio Zanini e Eduardo Andrade.

A pesquisa entrevistou 620 executivos de diversos cargos, como o de CEO (diretor-presidente), diretores-executivos e gerentes. O levantamento mostrou que esses profissionais não se sentem imunes ao desemprego, mesmo ocupando posições de alto escalão. Isso ocorre devido aos impactos econômicos da Covid-19, que tendem a elevar fortemente as demissões. Para 47% dos entrevistados, o desemprego já é motivo de preocupação, embora não acreditem que isso vá acontecer. Já 14,7% acham que é muito provável ou quase certo que serão desligados.

De acordo com a consultora de carreiras Angélica Kuntz, é necessário saber lidar com esse medo. Segundo ela, uma das formas para fazer isso é pensar em perspectivas fora da situação atual. "Eu sempre incentivo que os clientes que eu atendo tenham planos A, B e C. Então, esse é o momento de realmente olhar para dentro, fazer uma lista de coisas ou de produtos que você tem para oferecer ao mercado, e começar a pensar em outras possibilidades que podem interdepender deste trabalho em si. Se a gente tiver a certeza de que estamos fazendo o melhor que a gente pode naquele momento, certamente isso vai trazer um conforto emocional e nos preparar para um momento que talvez seja esse desemprego."

Angélica diz que o trabalhador deve usar o medo a seu favor, pensando se de fato está contente em seu emprego, se tem interesse em permanecer na equipe neste momento de incertezas e, possivelmente, se dispor para uma demissão. É uma situação em que na maioria das vezes é necessário sair da zona de conforto e se permitir novas vivências. 

Na visão da consultora, o desempenho pode ser afetado, porém é necessário manter a calma e estar alinhado com o propósito daquilo que se está fazendo. A crise econômica gera medo, afinal é uma situação da qual não se tem controle, mas é importante ver até que ponto esse ponto é administrável ou não, e procurar ajuda se for preciso. Em tempos de instabilidade, há muito apoio profissional para aprender a lidar com o momento da melhor maneira possível, e evitar, além do colapso econômico, um colapso emocional. 

por
Gabriela Neves
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29/04/2020 - 12h

O auxiliar administrativo Guilherme Moura conta que foi desligado da empresa onde trabalhava no dia 26 de março, dois dias depois da quarentena obrigatória ser decretada no estado de São Paulo. Ele mora na cidade de Barueri (SP), tem dois filhos e sua mulher é representante de vendas. A mulher continua trabalhando de casa, mas o número de clientes diminuiu, afetando seus ganhos. “Já vou atrás de outro emprego, mas por enquanto vou ter que me virar com o dinheiro da rescisão”, afirma Guilherme.

Infelizmente, ele não é o único brasileiro demitido por causa da crise gerada pelo COVID-19. O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre) calcula que a taxa de desemprego, que antes da pandemia era de 11,6%, chegará a  16,1% no segundo trimestre deste ano.  Caso a previsão se confirme, o número  de desempregados saltará de  12,3 milhões  para 17 milhões. Ou seja,  5 milhões de pessoas vão perder seus postos de trabalho.

Quem também está entre essas pessoas é Yasmin Colombo, que estagiava em um  cartório da cidade de Campinas (SP). Antes de a quarentena começar, havia recebido a notícia de que seria efetivada. Mas, no dia 24 de março, soube que seria desligada. Ela tem a esperança de voltar a trabalhar no local depois que a quarentena acabar.

Yasmin mora com sua mãe, Adriana Colombo,  supervisora de atendimento. Adriana poderia estar trabalhando de casa, mas não tem  computador. “Ela está sofrendo uma pressão terrível da empresa, que não fornece para ela ferramentas para  trabalhar”, diz Yasmin.

A faculdade de Yasmin é paga pelo pai, que é empresário. A garota teme os impactos da crise sobre seus estudos, pois as atividades da empresa do pai diminuíram e, diante disso, ela talvez  tenha que trancar o curso.

Assim como Guilherme, Yasmin  afirma que já vai começar a mandar currículos para outros lugares. A coach e mentora de carreiras especialista em recolocação Angélica Kuntz avalia que, para quem perdeu o emprego, o melhor a fazer é atualizar o currículo e adaptá-lo aos novos objetivos de trabalho.

Angélica indica o Linkedin como uma boa ferramenta para se reinserir no mercado de trabalho. Segundo ela, a plataforma é o mecanismo de busca mais utilizado por profissionais de recursos humanos. Seguir as dicas de especialistas em recolocação também pode ser interessante para ter um perfil mais competitivo na busca por emprego.

Angélica reconhece, no entanto, que o momento não é o melhor para abordar RH’s. “Há vagas dispostas no mercado, porém grande parte delas é para fazer banco de currículo, que só será usado quando a empresa voltar a contratar”, afirma .

De acordo com a especialista,  esse momento de quarentena é ideal para fazer cursos online e, com isso, melhorar suas competências. É importante pensar  que cursos se encaixam nas atribuições exigidas em possíveis vagas a que o desempregado pretenda se candidatar no futuro. Várias plataformas  oferecem cursos gratuitos ou de baixo custo.

Para quem está empregado e teme ser demitido, Angélica afirma que uma boa ideia é conversar com o RH e procurar saber se existem, de fato, perspectiva de desligamento. Neste caso, o profissional pode tentar um acordo com a empresa que evite a demissão.

A MP 936 permite que os empregadores reduzam a carga horária e os salários dos funcionários. Também pode haver suspensão temporária do contrato de trabalho. Nos dois casos, o governo vai compensar parte da perda de remuneração do trabalhador. O valor da compensação tomará como base o valor mensal do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito. E vai depender de como foram feitas as alterações no contrato.

Mesmo com essas medidas, o número de desempregados vai crescer e a situação deve demorar para melhorar. Na recessão de 2015 e 2016, por exemplo,  a taxa de desemprego subiu de 7% para 13%, mas só caiu 2,5 pontos percentuais nos últimos três anos.

Para ajudar quem busca emprego

Além das dicas já dadas, a mentora de carreiras especialista em recolocação Angélica faz mais alguns lembretes:

  • No Linkedin não diga que está  busca de recolocação. As empresas  procuram um profissional de determinada área e não alguém em busca de recolocação;
  • Sempre deixe seus contatos (e-mail e telefone) em fácil acesso;
  • Ative suas notificações, acesse e responda seus e-mails;
  • Nunca pague por nenhuma entrevista. Empresas sérias não cobram por recrutamento;
  • Mantenha-se ativo no Linkedin e tenha uma rede de pessoas que podem indicá-lo;
  • Tenha uma estratégia, faça uma lista de empresas que você tem como alvo. Não empresas dos sonhos, mas lugares que podem absorver seu perfil.

Angélica também deixou modelos de currículo, que podem ser baixados aqui.

por
Jennifer Dias Munhoz
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14/11/2019 - 12h

 

 

A origem do narguilé é incerta. Muitos dizem que surgiu entre os indígenas em antigos povos asiáticos, mas há quem aponte o Egito como seu lugar de nascimento. Apesar disso, o produto se tornou conhecido no Brasil recentemente e num modelo mais incrementado em relação a forma original. Além disso, a fumaça inalada hoje resulta não apenas da combustão de plantas, como tabaco e maconha, mas de misturas muito mais sortidas, que incluem melaço, glicerina e essência de fruta, ampliando as possibilidades de gosto e aroma. 

Atualmente o Brasil tem mais de 300 mil fumantes de narguilé. Entre aqueles que declaram fumar diariamente, 63% têm entre 18 e 29 anos e 37% estão entre 30 e 39 anos, o que demonstra que os jovens são os maiores usuários de tabaco, segundo a Pesquisa Especial sobre Tabagismo no ano de 2015,  realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Hoje em dia,  percebe-se um aumento do consumo tanto nas grandes cidades quanto em municípios de menor porte. Em alguns casos, a expansão é atribuída à falta de opções de lazer, como shows, cinemas, teatros ou até mesmo baladas noturnas.  

       Especialistas alertam para os riscos do hábito. O tabaco causa dependência devido à nicotina, podendo tornar os usuários do narguilé fumantes de cigarros tradicionais. Mas, no caso do narguilé, a intoxicação do usuário com monóxido de carbono é ainda maior. 

A Organização Mundial da Saúde afirma que uma sessão de narguilé de 20 a 80 minutos corresponde à exposição de componentes tóxicos presentes na fumaça de cem cigarros. O cigarro é o produto derivado do tabaco mais consumido no Brasil. A produção e o consumo de outros produtos manufaturados a partir do tabaco representam uma parcela pequena do mercado. 

Atualmente, segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer) 14,7% da população é fumante. Consequentemente, quanto maior o consumo de cigarros, maiores são os gastos com cuidados médicos - e, portanto maiores os custos econômicos para a sociedade. Ainda de acordo com Inca, o Brasil gasta anualmente R$ 57 bilhões com tratamento de doenças relacionadas ao tabaco e com despesas indiretas. 

Ou seja, considerando os impactos do tabaco no País a balança é deficitária, pois mesmo com alta arrecadação de impostos não é possível suprir os gastos com cuidados de saúde causados pelo produto. 

O Brasil é referência mundial em políticas antitabagistas e foi o segundo no mundo ao alcançar as medidas de controle estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Neste ano, o país assumiu a coordenação do Órgão Intergovernamental de Negociações da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) da OMS, adotando um papel de liderança no controle do tabaco no cenário internacional, apesar de ser um país em desenvolvimento e um grande produtor de tabaco. 

Curiosamente, o Brasil também é um dos maiores produtores de tabaco, se não o maior A produção se concentra na região Sul, que responde por cerca de 95% da produção nacional. 

De junho de 2018 a maio deste ano, o tabaco e seus produtos geraram uma receita de exportação de US$ 2,1 bilhões. 

O valor bruto da produção (VBP), tomando como indicador de faturamento, é de R$600,9 bilhões. (Gazeta, 2019) 

 

Lucas Escobar morava em São Paulo e há três meses voltou para sua cidade natal, Cuiabá (MT), onde ele abriu sua tabacaria “Muzie Tabacaria e Lounge”.    Diante esse assunto, ele respondeu algumas perguntas: 

Por que decidiu abrir uma tabacaria? 

Primeiro porque hoje em dia é mais fácil ganhar dinheiro com o vício das pessoas, tanto com comida, bebida, tabaco, entre outros.

Em segundo, é pelo gosto da cultura, que não é bem vista por conta de algumas tabacarias.

 

Você tem notado um aumento de consumo?

Com certeza, na minha adolescência eu já fazia consumo mas fumava cigarro, hoje vejo que muitos jovens aderem diretamente ao narguilé tanto pelo gosto quanto pela sociabilidade que ele trás.

 

Por que abrir em Cuiabá? 

Cuiabá é a cidade em que eu cresci e vejo que aqui há público sobrando, então uni o útil ao agradável.

 

Qual a faixa etária de pessoas que vão à tabacaria?

Isso varia muito, apesar de eu e meu sócio não aceitarmos menores de idade, a procura deles é grande, mas os que mais frequentam têm entre 18 e 25 anos.

 

Por que você acha que as pessoas mais novas recorrem ao narguilé?

Por conta do cheiro que fica, narguilé é mais suave que cigarro.

Também o fato do fácil acesso a isso, por mais que seja "ilícito" (proibida venda a menores). Acredito que seja por vontade própria de fumar e se tornar aceito em seus grupos sociais.

 

 Quanto você fatura até o fim do mês? 

Faturamento bruto com a pegada sossegada da minha tabacaria, porque não faço festa, nem vendo bebidas destiladas, é algo em torno dos R$ 20 mil.

 

Quanto você paga de impostos?

A aquisição dos produtos é toda feita dentro do estado, que no caso é isenta, fora alguns casos como carvão e acessórios que compramos de distribuidoras em São Paulo SP e Paraná , aí sim, incidindo ICMS. Mas, como não são compras frequentes, acabam sendo valores irrisórios.

 

Há uma tendência de aumento do tabagismo na faixa etária mais jovem, até 24 anos. Numa pesquisa rápida feita com 30 pessoas pelo Instagram, os gastos com tabaco para cigarro e narguilé são de R$ 150 a R$ 600 ao mês. A idade das pessoas consultadas varia de 19 a 28 anos. 

 

Joyce Botelho, 20 anos, que atualmente também trabalha em tabacaria como atendente, começou a fumar narguilé há seis anos. Ela disse que em outubro gastou exatos R$ 580 com o hábito. 

 

 Por que gastar esse valor em narguilé sabendo que poderia ser gasto em outras coisas?                                                                                                                              

Eu entendo que é um valor alto de se gastar... Porém, é algo que eu gosto.Eu fumo quando não tem nada para fazer, às vezes chego só a raiva do serviço e tudo que eu quero é sentar e fumar. A sensação de pegar o narguilé, lavar e preparar, é como se fosse um calmante. 

E pra mim também virou um trabalho, onde eu experimento sabores para poder falar o que é bom ou não para os clientes. Não tem sensação melhor que um cliente chegar a te esperar atendê-lo porque tem confiança em você.

 Então nem me vem à mente gastar em outras coisas, porque eu gosto de gastar mesmo com isso. 

 

Você tem medo a longo prazo de ter algum problema de saúde? 

Minha crença é que nossa história já está escrita e se tiver que acontecer, vai acontecer.  Claro que posso estar adiando, fazendo acontecer mais rápido, né. Mas medo eu não tenho.                                                                                                

por
Victória Marques
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07/11/2019 - 12h

Com a abrupta redução de 98% do teto de captação da Lei Rouanet, o atual governo praticamente inviabiliza a montagem de títulos internacionais renomados e preocupa os profissionais e admiradores de teatro musical no país. Diante da ameaça iminente, produtores solicitaram à Fundação Getúlio Vargas (FGV) um estudo completo da movimentação financeira gerada pelos espetáculos na cidade de São Paulo, onde há a maior quantidade de peças do circuito.

Calculando os valores que as produções e os espectadores de teatro musical fizeram circular na cidade no ano passado, a conta passa de R$ 1 bilhão, segundo o estudo da FGV. Ou seja, uma indústria extremamente lucrativa para a cidade.

Muito além do que se vê em cena, as grandes montagens envolvem um espectro abrangente de profissionais que extrapolam as atividades artísticas propriamente ditas. Do setor administrativo, que envolve a parte jurídica e contábil, até as camareiras do teatro, quase 13 mil postos de trabalho foram gerados do início ao final de 2018 na capital paulista em decorrência dos espetáculos, o que corresponde a R$ 196 milhões em movimentação financeira.

Fora isso, o gênero também alimenta o turismo da cidade, pois cerca de 38% do público vem de outros estados. A soma de gastos com alimentação, hospedagem, lazer e transporte chega a R$ 813 milhões, o que significa que 80% da movimentação econômica é gerada justamente por despesas extras dos espectadores. Indo mais a fundo nesse ponto, o Estado, por possuir um sistema tributário em que quase metade do que é coletado vem dos impostos sobre bens e serviços, é beneficiado pela indústria. O estudo da FGV aponta que, para cada R$ 1 investido, o retorno em tributos é de R$ 1,92, quase o dobro.

Essa movimentação financeira é o retorno de um investimento também grandioso que há por trás de cada montagem. A Lei Federal de Incentivo à Cultura, inclusive, existe por causa disso. Os títulos que mais atraem público são geralmente os mais custosos. Lucas Melo, que é produtor, explica: "O custo se eleva muito por conta dos direitos autorais, até porque se paga em dólar, e também pela dimensão do espetáculo". Para trazer um musical nos  moldes de "Wicked", por exemplo, existe um contrato que exige cenários e figurinos fiéis aos da Broadway, para que o espetáculo não seja descaracterizado.

A primeira adaptação da Broadway realizada no Brasil foi “My Fair Lady”, na década de 1960, mas o gênero só se estabeleceu de fato quando a empresa Time for Fun (T4F) comprou os direitos de "Os Miseráveis". Em cartaz durante o ano de 2001, o público alcançado na época foi de 300 mil pessoas. No ano seguinte, com a montagem de "A Bela e a Fera", o número de espectadores dobrou e o mercado dos musicais passou por um processo de consolidação que já dura mais de 15 anos. Os profissionais e as empresas produtoras se especializaram e se multiplicaram durante esse período.

Importar peças dessa dimensão só foi possível pois o teto de captação da Lei Rouanet permitia que um projeto arrecadasse até R$ 60 milhões. O atual governo reduziu para  R$ 1 milhão esse valor. Só "O Fantasma da Ópera", que atualmente está em cartaz no Teatro Renault, arrecadou pela Rouanet R$ 24 milhões para realizar essa temporada. Fernando Alterio, dono da T4F, empresa que está à frente da produção, declarou recentemente ter cancelado a negociação do título que pretendia trazer para o próximo ano.

Apesar das dificuldades, profissionais da área não acreditam que o gênero estará extinto devido às mudanças na Lei de Incentivo, pois um dos legados do crescimento do mercado foi justamente a expansão do teatro musical nacional.  Muitas peças de grande valor artístico são produzidas atualmente. Entretanto, do ponto de vista mercadológico, não são espetáculos que costumam atrair público da mesma forma que peças internacionais, logo a lucratividade não será a mesma.

Melo, que trouxe a produção de "Os Últimos Cinco Anos" em 2019, não está muito otimista com o ano que vem. "Para o meu próximo espetáculo, com R$ 1 milhão, 60% do orçamento é só para pagar os direitos. Já tive que reduzir a temporada para um período muito menor e é isso. O que vier de fora, se é que virá algo, vai ser assim, um ou dois meses em cartaz, com ensaios mínimos e as pessoas recebendo quase nada."