Especialistas comentam eficácia e limites da nova atualização
por
Marcelo Barbosa
|
06/10/2025 - 12h

No início de outubro, o Banco Central do Brasil divulgou uma nova ferramenta para promover confiança nas transações bancárias. Chamado de “Botão de contestação”, o instrumento faz parte da série de medidas “autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED)”  e poderá ser acionado em casos de fraude, golpe e coerção.

O MED foi criado em 2021 pelo Banco Central. Ele estabelece que a vítima solicite, em até 80 dias da data em que o PIX foi realizado, a devolução do dinheiro ao Banco. Funciona assim: Após receber a reclamação, a instituição avalia o caso. Se o banco entender que o MED se aplica, o golpista pode ter a conta bloqueada. As instituições deverão analisar a denúncia em até sete dias e, se for constatada fraude, a pessoa pode receber o dinheiro de volta em até 96h, caso haja dinheiro na conta do suspeito.

Com a nova funcionalidade, quem precisar fazer o pedido de devolução do dinheiro poderá realizar o processo de forma digital e assim, agilizar o bloqueio de recursos do golpista. Antes, o procedimento era intermediado por uma pessoa que fazia o atendimento.

De acordo com Heluan Santos, especialista em tecnologia da Valios Capital e autor dos livros “Além das Criptomoedas” e “Sempre Alerta” – ambos sobre segurança com dinheiro no ambiente on-line – o botão, apesar de aumentar a segurança e trazer mais confiança, ainda pode ser usado de maneira indevida, assim como ocorre em outras inovações.

Porém, segundo Santos, a expectativa é de que, com filtros e monitoramento, o novo recurso traga muito mais benefícios do que riscos, ainda que a centralização do sistema possa desembocar em decisões unilaterais. “A maior preocupação deve estar voltada para a engenharia social, que hoje é responsável pela maioria dos golpes. Esse tipo de fraude torna o processo de validação mais difícil e continua sendo o grande desafio”, destacou.

O termo "engenharia social" refere-se a uma técnica de manipulação usada por criminosos virtuais para convencer pessoas a revelarem informações pessoais.

Reprodução: Banco Central do Brasil | Imagem oficial do PIX
reprodução: Banco Central do Brasil | Logo oficial do PIX


Renato Cunha, especialista em meios de pagamento e segurança digital e proprietário da 3RMS, empresa de tecnologia para o varejo, lembrou que, mesmo no sistema anterior em que era preciso ligar para o correntista, essas tentativas de contestação fraudulentas já eram praticadas, assim como as tentativas de cancelar compras no cartão diariamente.

Segundo ele, os bancos e operadoras conseguem identificar comportamentos suspeitos e a maior parte dessas contestações sequer chega ao cliente final, pois são barradas antes pelos sistemas antifraude, com exceção de casos em que os criminosos estão dentro dos próprios bancos. "A facilidade na aplicação de golpes [ainda] será explorada. Porém, o número de sucesso nesses golpes é extremamente baixo. Geralmente, ele passa quando tem pessoas mal intencionadas de dentro dos bancos ou operadoras fazendo parte da quadrilha”, afirma Cunha.

Importante destacar que a contestação não poderá ser feita nos casos de desacordos comerciais, erros no envio do PIX ou quando houver arrependimento na transação. De acordo com o Banco Central, o novo botão será exclusivamente para evitar fraudes.
 

A festa que enche o Brasil de cores e os comerciantes de oportunidades
por
Nicole Domingos
|
12/09/2025 - 12h

Por Nicole Domingos

 

O Carnaval, que se vende como festa e se compra como tradição, não é apenas desfile de rua, batuque de samba ou fantasia improvisada. É também uma virada de chave para o comércio, que transforma a purpurina em faturamento. Em janeiro de 2024, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), publicou que o ano de 2025 movimentaria mais de R$9 bilhões, reforçando seu posto como uma das datas mais rentáveis do calendário econômico. Na contabilidade da festa, cada rua cheia de foliões é também um corredor de consumo. As farmácias que dobram as prateleiras de protetor solar, os supermercados que multiplicam o estoque de bebidas, as lojas de fantasia que expõem brilhos e lantejoulas como se fossem joias de temporada. Roberto Devidis, representante de vendas para armarinhos e lojas de customização na rua 25 de março,  considera que o carnaval é uma espécie de Natal fora de época.

Nos bastidores da festa, empresários calculam margens, fornecedores disputam espaço nas prateleiras e pequenos comerciantes fazem de cada esquina uma oportunidade. Para Marlene Batista, dona de loja de armarinhos, não existe nenhum período em que cresce as vendas como nesse tempo. Ela diz que antes mesmo da virada do ano já recebe pedidos de escolas de samba, tanto de produtos para a confecção dos carros, quanto para as roupas que serão usadas na avenida. Além disso,  o carnaval cria um ambiente de consumo que vai além da festa. Aumenta o fluxo em bares e restaurantes, multiplica reservas em hotéis e aplicativos de hospedagem, movimenta aplicativos de transporte, gera impacto até nos varejos de eletrodomésticos, com vendas de caixas de som, ventiladores e aparelhos de ar-condicionado. A folia, nesse sentido, extrapola o sambódromo e se infiltra em cada detalhe da vida cotidiana.

O ambulante que vende água, cerveja e todo tipo de bebida no bloco, a costureira que aceita ideias improvisadas de fantasias, o maquiador que tem que sempre ter uma ideia nova e cores vibrantes, todos compõem a cadeia econômica do carnaval. Em uma reportagem postada pelo Ministério da Cultura fica claro como não só os empresários com suas lojas têm a oportunidade de garantir uma boa renda, mas também aqueles que precisam de momentos como esse para sobreviver, como ambulantes que trabalham com eventos sazonais.

Outro ponto relevante é a geração de empregos temporários. Segundo a revista Forbes, a folia deve impulsionar, ainda, o mercado de trabalho, com a criação de 300 mil postos temporários, no interior e no litoral do Estado de São Paulo. O coordenador do Núcleo de Pesquisa da Fhoresp, Luís Carlos Burbano, destaca que esses empregos geram renda imediata para as famílias, contribuindo para a dinamização da economia local. Para muitos trabalhadores, o Carnaval representa a chance de garantir uma renda extra no início do ano. Essa circulação de dinheiro não apenas aquece os centros urbanos, mas sustenta muitas famílias que, durante os quatro dias de festa, encontram mais renda do que em meses inteiros de trabalho formal.

O contraste, no entanto, se mantém: se o brilho é abundante nas grandes cidades turísticas, os municípios sem tradição carnavalesca mal percebem a onda econômica. O comércio local, nesses lugares, vê pouco ou nenhum aumento expressivo nas vendas. Em pesquisas são sempre mostradas locais como o Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Minas Gerais. É como se o Carnaval, enquanto festa, fosse universal, mas enquanto motor econômico fosse seletivo. Ainda assim, mesmo de forma desigual, a festa gera reflexos nacionais, movimentando cadeias de produção que alcançam diferentes regiões.

No fim, a conta é simples: o País veste fantasia, mas o comércio veste números. O carnaval continua sendo um dos maiores espetáculos do mundo, já que a matéria da Forbes explica que lugares com a fama do Rio de Janeiro atraí não só turistas brasileiros como também internacionais para a festa. E de acordo com Enio Miranda, diretor de Planejamento Estratégico do Núcleo de Pesquisa da Federação dos Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp),  o Carnaval está cada vez mais consolidado no calendário de eventos dos turistas estrangeiros.

Na soma final, não se trata apenas de quatro dias de festa, mas de um ciclo econômico que começa semanas, ou até mesmo meses antes, se prolonga depois da Quarta-feira de Cinzas e reafirma a festa como um patrimônio não só cultural, mas também econômico do Brasil.

Indicador registrou crescimento da economia brasileira de 0,3% no segundo trimestre de 2025
por
Marcelo Barbosa
|
20/08/2025 - 12h


O Banco Central (BC) divulgou nesta segunda-feira (18) os dados do IBC-BR (Índice de Atividade Econômica do Banco Central do Brasil) referentes ao mês de junho. Os números mostraram uma queda de 0,1% em relação a maio, mas o resultado do segundo trimestre de 2025 se manteve positivo, com um crescimento de 0,3%. O IBC-BR é um dos indicadores oficiais da economia brasileira. Ele faz uma estimativa de crescimento levando em conta três setores: agropecuária, indústria e serviços. O índice foi criado para trazer números frequentes sobre a atividade econômica do Brasil e tem influência sobre as decisões financeiras do país, servindo de auxílio para políticas monetárias, como a taxa de juros (Selic).

Por exemplo, quando a taxa de juros está em patamares elevados, isso reduz a atividade econômica, o que se reflete nos números do indicador. Por isso, atualmente, ele é lido pelo mercado como a "prévia do PIB".

 
 

Fachada do Banco Central do Brasil em Brasília — Foto: Marcello Casal/Agência Brasil
IBC-BR: agropecuária, indústria e serviços tem leve alta no segundo trimestre de 2025 (Marcello Casal Jr./ Agência Brasil)

 

 

Retração da economia

Após quatro meses seguidos de bons resultados, maio registrou a primeira retração do ano, de 0,7% em relação a abril. Em junho, a queda foi de 0,1%. De acordo com o professor de economia Renan Silva, do IBMEC Brasília, "a alta deu-se devido à Selic, que chegou ao patamar de 15%”. Ele explicou que "o que corrobora para essa questão da taxa de juros restritiva é o fato de que os indicadores de inflação vêm arrefecendo. No último relatório Focus, do Banco Central, o IPCA já registra uma inflação, em 2025, de 4,95%, ante os 5,30%, que as projeções vinham indicando”.

 

Os dados oficiais do Banco Central confirmam que a agropecuária foi o principal fator para a retração no trimestre, com uma diminuição de 3,1% no período. Por outro lado, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que o destaque de junho foi o aumento de 0,3% no volume do setor de serviços. A produção industrial teve um recuo de 0,1% no mês, e as vendas no varejo também frustraram as expectativas, recuando 0,1% em comparação a maio. Sob a óptica do professor, o tarifaço de Donald Trump pode trazer efeitos adversos e "provocar uma redução intensa no segundo semestre”.

 

Nos últimos 12 meses, os números ficaram em 3,9%, o que representa uma desaceleração em face ao mesmo período, que marcou uma alta de 4,04%.

 

Para o futuro, Silva acredita que a retração na atividade econômica pode influenciar o COPOM (Comitê de Política Monetária) - órgão responsável por estabelecer as diretrizes da política monetária - a iniciar um novo ciclo na queda dos juros. "Esse ciclo restritivo já teve efeito, o que gerou como resultado a redução na atividade econômica”, conclui. A retração de 0,6% no terceiro trimestre de 2023 havia sido a última queda do indicador antes dos recuos registrados neste ano.

Alimentação e bebidas têm deflação em relação ao mês anterior, enquanto habitação sofreu alta devido ao aumento da conta de luz
por
Marcelo Barbosa P.
|
13/08/2025 - 12h

O IBGE divulgou nesta terça-feira (12) o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação do país. Os dados apontam que houve um aumento de 0,26% no mês de julho, uma leve alta em comparação com a taxa de 0,24% registrada em junho. No ano, o IPCA já acumula desaceleração de 3,26% e, nos últimos 12 meses, de 5,23%.

De acordo com o gestor de investimentos e especialista financeiro da WFlow, Guilherme Viveiros, a inflação surpreendeu positivamente. "O índice deste mês veio com o valor de 0,26%, enquanto o mercado via uma elevação de 0,36%". O mês de agosto também deve apresentar queda, com índices negativos o que, segundo Viveiros, "fez com que o mercado começasse a sondar uma possível queda dos juros ainda em 2025".

Entre os setores da economia que apresentaram deflação, ou seja, queda de preços, estão o grupo Alimentação e bebidas (-0,27%), Vestuário (-0,54%) e Comunicação (-0,09%). Em contrapartida, entre os maiores destaques da alta estão os grupos Habitação (0,91%) e Despesas Pessoais (0,76%). A alta do grupo Habitação foi impulsionada pela energia elétrica residencial, com variação de 3,04% - o maior impacto individual no índice do mês. Esse número se deve ao fato de que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) confirmou a bandeira tarifária de agosto, que será a Vermelha patamar 2, a mais cara do sistema. Como consequência disso, haverá um acréscimo de R$ 7,87 para cada 100 kWh consumidos na conta de luz.

O grupo Transportes também teve aceleração, passando de 0,27% em junho para 0,35% em julho, impulsionado pela alta de 19,92% nas passagens aéreas. Por outro lado, os combustíveis tiveram uma queda de 0,64% no mês, com recuos no preço do etanol (-1,68%), do óleo diesel (-0,59%), da gasolina (-0,51%) e do gás veicular (-0,14%).

 Já o grupo Alimentação e bebidas, que tem o maior peso no IPCA, registrou baixa pelo segundo mês consecutivo. A queda em julho foi impulsionada pela alimentação no domicílio, que caiu 0,69% com destaque para redução nos preços da batata-inglesa (-20,27%), da cebola (-13,26%) e do arroz (-2,89%).

 

Reprodução: Tânia Rego/Agência Brasil | Pessoas andando em um mercado
Reprodução: Tânia Rêgo| Pessoas escolhem frutas em um mercado


Rafael Prado, economista e analista de macroeconomia da Go Associados, chama a atenção para o fato de que o valor da inflação deste mês ainda é elevado em relação à meta de 4,5% ao ano. Segundo ele, o resultado deste mês é prova de que a política monetária pode atuar de maneira enfática nos dados. "Quando nós olhamos para os números desagregados do IPCA, vemos que existem grupos, como Habitação que foi impactado pela energia elétrica, que influenciaram para o aumento de julho". Para ele, isso ressalta a importância de "continuar com uma política monetária restritiva, para que a inflação continue caindo e volte ao intervalo de tolerância."

Já o professor de economia João Gabriel Araújo, do Ibmec Brasília, destaca o efeito Trump na economia brasileira. Segundo ele, a guerra tarifária vai ser um dos fatores determinantes para a queda dos preços no Brasil. "Com o anúncio das medidas para o Brasil, especialmente a tarifa de 50% sobre as importações, os produtores nacionais aumentaram os estoques para o mercado interno, reflexo da diminuição das exportações para os Estados Unidos antes da implementação da tarifa e do consequente aumento da oferta de bens no mercado doméstico".

O cálculo do IPCA foi realizado a partir da comparação dos preços coletados entre 1 e 30 de julho de 2025 com os preços vigentes entre 30 de maio e 30 de junho de 2025. O IPCA abrange famílias com rendimento monetário de 1 a 40 salários-mínimos. Já o INPC, que considera famílias com rendimento de 1 a 5 salários-mínimos, teve alta de 0,21% em julho, com acumulado de 3,30% no ano.

A falta de renda fixa, escolaridade e educação financeira empurra jovens para ciclos longos de endividamento.
por
Maria Luiza Pinheiro Reining
|
24/06/2025 - 12h

Entre boletos parcelados, cartões de crédito e ofertas de empréstimos rápidos, jovens brasileiros têm se tornado protagonistas de um fenômeno crescente: o superendividamento. Sem renda fixa, sem vínculo formal com instituições financeiras e com pouca ou nenhuma educação financeira, parte expressiva dessa população vê no crédito imediato uma resposta à sobrevivência, ainda que, a longo prazo, isso signifique um acúmulo impagável de dívidas.

A especialista em consumo e pesquisa de mercado, Eduarda Barreto, 27, chama atenção para a complexidade do problema. Para ela, não se trata apenas de comportamento individual, mas de um contexto social e estrutural. “Em 2022, uma pesquisa do Banco Central mostrou que 22% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Isso representa cerca de 11 milhões de jovens sem renda fixa ou escolaridade mínima para acessar melhores oportunidades”, afirma.

Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP
Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP 

Esse grupo, segundo Eduarda, é o mais vulnerável a modalidades de crédito como empréstimos emergenciais ou cartões pré-aprovados. Com pouco conhecimento sobre juros e condições, esses jovens recorrem ao que está disponível mesmo que isso signifique aceitar taxas elevadas e prazos inflexíveis. Ela explica que não se trata de crédito para investir, mas para sobreviver. Muitas vezes, o empréstimo serve para pagar contas básicas como luz, gás e alimentação.

Eduarda destaca que esse ciclo é agravado pela ausência de políticas públicas consistentes de educação financeira desde os primeiros anos escolares. Jovens que não estão inseridos no mercado de trabalho ou na escola muitas vezes não têm qualquer orientação sobre orçamento, crédito ou endividamento. O resultado é um cenário em que decisões são tomadas no impulso da necessidade, sem planejamento ou capacidade de negociação com bancos.

A falta de vínculo estável com instituições financeiras também pesa. Quem não tem um histórico com o banco dificilmente acessa linhas de crédito com melhores condições. Barreto observa que, mesmo com juros altos, muitos jovens aceitam a única oferta disponível, pois não têm tempo nem suporte para tomar uma decisão mais estratégica. Eles precisam do dinheiro de forma imediata.

Embora programas de renegociação de dívidas e feirões "limpa nome" tenham ganhado força nos últimos anos, Eduarda pondera que eles não atacam o problema na raiz. O superendividamento juvenil é reflexo direto de um sistema que oferece crédito sem oferecer estabilidade, informação ou perspectivas.

por
Maria Fernanda Hohlenwerger
|
29/04/2020 - 12h

Algo que não era falado e vivenciado antes, hoje faz parte do cotidiano de todo mundo: a quarentena. Devido à disseminação de uma nova doença na sociedade, a Covid-19, a recomendação é que ninguém saia de casa. Com isso, um sentimento pouco percebido se intensificou durante esse período, que é o medo. Ele consiste em um estado afetivo que surge em resposta à consciência diante de uma situação de eventual perigo; é algo que faz parte da nossa defesa e está intrinsecamente ligado ao nosso subconsciente, que nos alerta sobre situações de risco.

Como uma forma de conter a disseminação do vírus, o governo implementou o sistema de isolamento horizontal, que consiste em uma medida mais abrangente de distanciamento social, que pode envolver desde o fechamento de escolas, museus, shoppings, estádios, até o 'lockdown', no qual o governo proíbe completamente o fluxo de pessoas e estabelece multas, ou até prisões, para aqueles que o descumprirem. 

A partir desse novo cenário, as empresas se viram inseridas em uma situação na qual tiveram que tomar medidas que antes não eram cogitadas e hoje já fazem parte da realidade dos empregados. O sistema home office é uma delas. Como uma forma de manter o ambiente de trabalho e seus funcionários saudáveis, todos começam a trabalhar em casa, seja em um esquema 'full-time' ou em um regime de escala, em que se vai ao local de trabalho uma vez por semana, e nos outros dias se trabalha remotamente, por exemplo. 

Além disso, criou-se uma Medida Provisória (MP) que permite a diminuição da jornada de trabalho e do salário em até 70% pelo prazo máximo de 90 dias. O contrato de trabalho também pode ser suspenso completamente de forma temporária. 

Todas essas decisões e medidas foram criadas para diminuir o impacto da crise econômica, porém, ao mesmo tempo, contribuíram para um cenário de medo. Esse sentimento cresce constantemente, está presente no dia a dia dos trabalhadores, e acaba por gerar angústia, a incerteza de não ter um lugar garantido na empresa, não ter mais a renda fixa do mês garantida e o conforto da rotina. 

https://bit.ly/2y2iVp9
Foto: Pixabay. Link: https://bit.ly/2y2iVp9

De acordo com o psicanalista Christian Dunker, em uma entrevista concedida à BBC News Brasil, a pandemia gerou três perfis de comportamento: o tolo, que tende a negar a situação dramática como maneira de enfrentar o medo; o perfil desesperado, que se angustia ainda mais com a situação; e o confuso, que transita entre esses dois polos, sem saber direito como deve agir e pensar. Todos esses perfis derivam do medo, da incerteza e da falta de controle da situação. 

Todos se veem expostos a algo novo, desconhecido, e que pode nos afetar de diferentes maneiras. Uma estagiária, que não quis se identificar, falou com a Agemt sobre o medo de ter seu contrato suspenso. "O estagiário vive sempre na incerteza. Parece que nós somos superdescartáveis e que a qualquer momento não vão mais precisar da gente. Temos que mostrar nosso valor, mostrar que eu consigo, que dou conta do que me pedem."

O estagiário sofre com essa sensação diariamente ao ter que provar seu conhecimento e aprendizado para não perder sua posição na empresa. Porém, no contexto atual, qualquer trabalhador está sujeito a esse medo. É o que mostra uma pesquisa da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ebape), feita pelos pesquisadores Marco Tulio Zanini e Eduardo Andrade.

A pesquisa entrevistou 620 executivos de diversos cargos, como o de CEO (diretor-presidente), diretores-executivos e gerentes. O levantamento mostrou que esses profissionais não se sentem imunes ao desemprego, mesmo ocupando posições de alto escalão. Isso ocorre devido aos impactos econômicos da Covid-19, que tendem a elevar fortemente as demissões. Para 47% dos entrevistados, o desemprego já é motivo de preocupação, embora não acreditem que isso vá acontecer. Já 14,7% acham que é muito provável ou quase certo que serão desligados.

De acordo com a consultora de carreiras Angélica Kuntz, é necessário saber lidar com esse medo. Segundo ela, uma das formas para fazer isso é pensar em perspectivas fora da situação atual. "Eu sempre incentivo que os clientes que eu atendo tenham planos A, B e C. Então, esse é o momento de realmente olhar para dentro, fazer uma lista de coisas ou de produtos que você tem para oferecer ao mercado, e começar a pensar em outras possibilidades que podem interdepender deste trabalho em si. Se a gente tiver a certeza de que estamos fazendo o melhor que a gente pode naquele momento, certamente isso vai trazer um conforto emocional e nos preparar para um momento que talvez seja esse desemprego."

Angélica diz que o trabalhador deve usar o medo a seu favor, pensando se de fato está contente em seu emprego, se tem interesse em permanecer na equipe neste momento de incertezas e, possivelmente, se dispor para uma demissão. É uma situação em que na maioria das vezes é necessário sair da zona de conforto e se permitir novas vivências. 

Na visão da consultora, o desempenho pode ser afetado, porém é necessário manter a calma e estar alinhado com o propósito daquilo que se está fazendo. A crise econômica gera medo, afinal é uma situação da qual não se tem controle, mas é importante ver até que ponto esse ponto é administrável ou não, e procurar ajuda se for preciso. Em tempos de instabilidade, há muito apoio profissional para aprender a lidar com o momento da melhor maneira possível, e evitar, além do colapso econômico, um colapso emocional. 

por
Gabriela Neves
|
29/04/2020 - 12h

O auxiliar administrativo Guilherme Moura conta que foi desligado da empresa onde trabalhava no dia 26 de março, dois dias depois da quarentena obrigatória ser decretada no estado de São Paulo. Ele mora na cidade de Barueri (SP), tem dois filhos e sua mulher é representante de vendas. A mulher continua trabalhando de casa, mas o número de clientes diminuiu, afetando seus ganhos. “Já vou atrás de outro emprego, mas por enquanto vou ter que me virar com o dinheiro da rescisão”, afirma Guilherme.

Infelizmente, ele não é o único brasileiro demitido por causa da crise gerada pelo COVID-19. O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre) calcula que a taxa de desemprego, que antes da pandemia era de 11,6%, chegará a  16,1% no segundo trimestre deste ano.  Caso a previsão se confirme, o número  de desempregados saltará de  12,3 milhões  para 17 milhões. Ou seja,  5 milhões de pessoas vão perder seus postos de trabalho.

Quem também está entre essas pessoas é Yasmin Colombo, que estagiava em um  cartório da cidade de Campinas (SP). Antes de a quarentena começar, havia recebido a notícia de que seria efetivada. Mas, no dia 24 de março, soube que seria desligada. Ela tem a esperança de voltar a trabalhar no local depois que a quarentena acabar.

Yasmin mora com sua mãe, Adriana Colombo,  supervisora de atendimento. Adriana poderia estar trabalhando de casa, mas não tem  computador. “Ela está sofrendo uma pressão terrível da empresa, que não fornece para ela ferramentas para  trabalhar”, diz Yasmin.

A faculdade de Yasmin é paga pelo pai, que é empresário. A garota teme os impactos da crise sobre seus estudos, pois as atividades da empresa do pai diminuíram e, diante disso, ela talvez  tenha que trancar o curso.

Assim como Guilherme, Yasmin  afirma que já vai começar a mandar currículos para outros lugares. A coach e mentora de carreiras especialista em recolocação Angélica Kuntz avalia que, para quem perdeu o emprego, o melhor a fazer é atualizar o currículo e adaptá-lo aos novos objetivos de trabalho.

Angélica indica o Linkedin como uma boa ferramenta para se reinserir no mercado de trabalho. Segundo ela, a plataforma é o mecanismo de busca mais utilizado por profissionais de recursos humanos. Seguir as dicas de especialistas em recolocação também pode ser interessante para ter um perfil mais competitivo na busca por emprego.

Angélica reconhece, no entanto, que o momento não é o melhor para abordar RH’s. “Há vagas dispostas no mercado, porém grande parte delas é para fazer banco de currículo, que só será usado quando a empresa voltar a contratar”, afirma .

De acordo com a especialista,  esse momento de quarentena é ideal para fazer cursos online e, com isso, melhorar suas competências. É importante pensar  que cursos se encaixam nas atribuições exigidas em possíveis vagas a que o desempregado pretenda se candidatar no futuro. Várias plataformas  oferecem cursos gratuitos ou de baixo custo.

Para quem está empregado e teme ser demitido, Angélica afirma que uma boa ideia é conversar com o RH e procurar saber se existem, de fato, perspectiva de desligamento. Neste caso, o profissional pode tentar um acordo com a empresa que evite a demissão.

A MP 936 permite que os empregadores reduzam a carga horária e os salários dos funcionários. Também pode haver suspensão temporária do contrato de trabalho. Nos dois casos, o governo vai compensar parte da perda de remuneração do trabalhador. O valor da compensação tomará como base o valor mensal do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito. E vai depender de como foram feitas as alterações no contrato.

Mesmo com essas medidas, o número de desempregados vai crescer e a situação deve demorar para melhorar. Na recessão de 2015 e 2016, por exemplo,  a taxa de desemprego subiu de 7% para 13%, mas só caiu 2,5 pontos percentuais nos últimos três anos.

Para ajudar quem busca emprego

Além das dicas já dadas, a mentora de carreiras especialista em recolocação Angélica faz mais alguns lembretes:

  • No Linkedin não diga que está  busca de recolocação. As empresas  procuram um profissional de determinada área e não alguém em busca de recolocação;
  • Sempre deixe seus contatos (e-mail e telefone) em fácil acesso;
  • Ative suas notificações, acesse e responda seus e-mails;
  • Nunca pague por nenhuma entrevista. Empresas sérias não cobram por recrutamento;
  • Mantenha-se ativo no Linkedin e tenha uma rede de pessoas que podem indicá-lo;
  • Tenha uma estratégia, faça uma lista de empresas que você tem como alvo. Não empresas dos sonhos, mas lugares que podem absorver seu perfil.

Angélica também deixou modelos de currículo, que podem ser baixados aqui.

por
Jennifer Dias Munhoz
|
14/11/2019 - 12h

 

 

A origem do narguilé é incerta. Muitos dizem que surgiu entre os indígenas em antigos povos asiáticos, mas há quem aponte o Egito como seu lugar de nascimento. Apesar disso, o produto se tornou conhecido no Brasil recentemente e num modelo mais incrementado em relação a forma original. Além disso, a fumaça inalada hoje resulta não apenas da combustão de plantas, como tabaco e maconha, mas de misturas muito mais sortidas, que incluem melaço, glicerina e essência de fruta, ampliando as possibilidades de gosto e aroma. 

Atualmente o Brasil tem mais de 300 mil fumantes de narguilé. Entre aqueles que declaram fumar diariamente, 63% têm entre 18 e 29 anos e 37% estão entre 30 e 39 anos, o que demonstra que os jovens são os maiores usuários de tabaco, segundo a Pesquisa Especial sobre Tabagismo no ano de 2015,  realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Hoje em dia,  percebe-se um aumento do consumo tanto nas grandes cidades quanto em municípios de menor porte. Em alguns casos, a expansão é atribuída à falta de opções de lazer, como shows, cinemas, teatros ou até mesmo baladas noturnas.  

       Especialistas alertam para os riscos do hábito. O tabaco causa dependência devido à nicotina, podendo tornar os usuários do narguilé fumantes de cigarros tradicionais. Mas, no caso do narguilé, a intoxicação do usuário com monóxido de carbono é ainda maior. 

A Organização Mundial da Saúde afirma que uma sessão de narguilé de 20 a 80 minutos corresponde à exposição de componentes tóxicos presentes na fumaça de cem cigarros. O cigarro é o produto derivado do tabaco mais consumido no Brasil. A produção e o consumo de outros produtos manufaturados a partir do tabaco representam uma parcela pequena do mercado. 

Atualmente, segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer) 14,7% da população é fumante. Consequentemente, quanto maior o consumo de cigarros, maiores são os gastos com cuidados médicos - e, portanto maiores os custos econômicos para a sociedade. Ainda de acordo com Inca, o Brasil gasta anualmente R$ 57 bilhões com tratamento de doenças relacionadas ao tabaco e com despesas indiretas. 

Ou seja, considerando os impactos do tabaco no País a balança é deficitária, pois mesmo com alta arrecadação de impostos não é possível suprir os gastos com cuidados de saúde causados pelo produto. 

O Brasil é referência mundial em políticas antitabagistas e foi o segundo no mundo ao alcançar as medidas de controle estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Neste ano, o país assumiu a coordenação do Órgão Intergovernamental de Negociações da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) da OMS, adotando um papel de liderança no controle do tabaco no cenário internacional, apesar de ser um país em desenvolvimento e um grande produtor de tabaco. 

Curiosamente, o Brasil também é um dos maiores produtores de tabaco, se não o maior A produção se concentra na região Sul, que responde por cerca de 95% da produção nacional. 

De junho de 2018 a maio deste ano, o tabaco e seus produtos geraram uma receita de exportação de US$ 2,1 bilhões. 

O valor bruto da produção (VBP), tomando como indicador de faturamento, é de R$600,9 bilhões. (Gazeta, 2019) 

 

Lucas Escobar morava em São Paulo e há três meses voltou para sua cidade natal, Cuiabá (MT), onde ele abriu sua tabacaria “Muzie Tabacaria e Lounge”.    Diante esse assunto, ele respondeu algumas perguntas: 

Por que decidiu abrir uma tabacaria? 

Primeiro porque hoje em dia é mais fácil ganhar dinheiro com o vício das pessoas, tanto com comida, bebida, tabaco, entre outros.

Em segundo, é pelo gosto da cultura, que não é bem vista por conta de algumas tabacarias.

 

Você tem notado um aumento de consumo?

Com certeza, na minha adolescência eu já fazia consumo mas fumava cigarro, hoje vejo que muitos jovens aderem diretamente ao narguilé tanto pelo gosto quanto pela sociabilidade que ele trás.

 

Por que abrir em Cuiabá? 

Cuiabá é a cidade em que eu cresci e vejo que aqui há público sobrando, então uni o útil ao agradável.

 

Qual a faixa etária de pessoas que vão à tabacaria?

Isso varia muito, apesar de eu e meu sócio não aceitarmos menores de idade, a procura deles é grande, mas os que mais frequentam têm entre 18 e 25 anos.

 

Por que você acha que as pessoas mais novas recorrem ao narguilé?

Por conta do cheiro que fica, narguilé é mais suave que cigarro.

Também o fato do fácil acesso a isso, por mais que seja "ilícito" (proibida venda a menores). Acredito que seja por vontade própria de fumar e se tornar aceito em seus grupos sociais.

 

 Quanto você fatura até o fim do mês? 

Faturamento bruto com a pegada sossegada da minha tabacaria, porque não faço festa, nem vendo bebidas destiladas, é algo em torno dos R$ 20 mil.

 

Quanto você paga de impostos?

A aquisição dos produtos é toda feita dentro do estado, que no caso é isenta, fora alguns casos como carvão e acessórios que compramos de distribuidoras em São Paulo SP e Paraná , aí sim, incidindo ICMS. Mas, como não são compras frequentes, acabam sendo valores irrisórios.

 

Há uma tendência de aumento do tabagismo na faixa etária mais jovem, até 24 anos. Numa pesquisa rápida feita com 30 pessoas pelo Instagram, os gastos com tabaco para cigarro e narguilé são de R$ 150 a R$ 600 ao mês. A idade das pessoas consultadas varia de 19 a 28 anos. 

 

Joyce Botelho, 20 anos, que atualmente também trabalha em tabacaria como atendente, começou a fumar narguilé há seis anos. Ela disse que em outubro gastou exatos R$ 580 com o hábito. 

 

 Por que gastar esse valor em narguilé sabendo que poderia ser gasto em outras coisas?                                                                                                                              

Eu entendo que é um valor alto de se gastar... Porém, é algo que eu gosto.Eu fumo quando não tem nada para fazer, às vezes chego só a raiva do serviço e tudo que eu quero é sentar e fumar. A sensação de pegar o narguilé, lavar e preparar, é como se fosse um calmante. 

E pra mim também virou um trabalho, onde eu experimento sabores para poder falar o que é bom ou não para os clientes. Não tem sensação melhor que um cliente chegar a te esperar atendê-lo porque tem confiança em você.

 Então nem me vem à mente gastar em outras coisas, porque eu gosto de gastar mesmo com isso. 

 

Você tem medo a longo prazo de ter algum problema de saúde? 

Minha crença é que nossa história já está escrita e se tiver que acontecer, vai acontecer.  Claro que posso estar adiando, fazendo acontecer mais rápido, né. Mas medo eu não tenho.                                                                                                

por
Victória Marques
|
07/11/2019 - 12h

Com a abrupta redução de 98% do teto de captação da Lei Rouanet, o atual governo praticamente inviabiliza a montagem de títulos internacionais renomados e preocupa os profissionais e admiradores de teatro musical no país. Diante da ameaça iminente, produtores solicitaram à Fundação Getúlio Vargas (FGV) um estudo completo da movimentação financeira gerada pelos espetáculos na cidade de São Paulo, onde há a maior quantidade de peças do circuito.

Calculando os valores que as produções e os espectadores de teatro musical fizeram circular na cidade no ano passado, a conta passa de R$ 1 bilhão, segundo o estudo da FGV. Ou seja, uma indústria extremamente lucrativa para a cidade.

Muito além do que se vê em cena, as grandes montagens envolvem um espectro abrangente de profissionais que extrapolam as atividades artísticas propriamente ditas. Do setor administrativo, que envolve a parte jurídica e contábil, até as camareiras do teatro, quase 13 mil postos de trabalho foram gerados do início ao final de 2018 na capital paulista em decorrência dos espetáculos, o que corresponde a R$ 196 milhões em movimentação financeira.

Fora isso, o gênero também alimenta o turismo da cidade, pois cerca de 38% do público vem de outros estados. A soma de gastos com alimentação, hospedagem, lazer e transporte chega a R$ 813 milhões, o que significa que 80% da movimentação econômica é gerada justamente por despesas extras dos espectadores. Indo mais a fundo nesse ponto, o Estado, por possuir um sistema tributário em que quase metade do que é coletado vem dos impostos sobre bens e serviços, é beneficiado pela indústria. O estudo da FGV aponta que, para cada R$ 1 investido, o retorno em tributos é de R$ 1,92, quase o dobro.

Essa movimentação financeira é o retorno de um investimento também grandioso que há por trás de cada montagem. A Lei Federal de Incentivo à Cultura, inclusive, existe por causa disso. Os títulos que mais atraem público são geralmente os mais custosos. Lucas Melo, que é produtor, explica: "O custo se eleva muito por conta dos direitos autorais, até porque se paga em dólar, e também pela dimensão do espetáculo". Para trazer um musical nos  moldes de "Wicked", por exemplo, existe um contrato que exige cenários e figurinos fiéis aos da Broadway, para que o espetáculo não seja descaracterizado.

A primeira adaptação da Broadway realizada no Brasil foi “My Fair Lady”, na década de 1960, mas o gênero só se estabeleceu de fato quando a empresa Time for Fun (T4F) comprou os direitos de "Os Miseráveis". Em cartaz durante o ano de 2001, o público alcançado na época foi de 300 mil pessoas. No ano seguinte, com a montagem de "A Bela e a Fera", o número de espectadores dobrou e o mercado dos musicais passou por um processo de consolidação que já dura mais de 15 anos. Os profissionais e as empresas produtoras se especializaram e se multiplicaram durante esse período.

Importar peças dessa dimensão só foi possível pois o teto de captação da Lei Rouanet permitia que um projeto arrecadasse até R$ 60 milhões. O atual governo reduziu para  R$ 1 milhão esse valor. Só "O Fantasma da Ópera", que atualmente está em cartaz no Teatro Renault, arrecadou pela Rouanet R$ 24 milhões para realizar essa temporada. Fernando Alterio, dono da T4F, empresa que está à frente da produção, declarou recentemente ter cancelado a negociação do título que pretendia trazer para o próximo ano.

Apesar das dificuldades, profissionais da área não acreditam que o gênero estará extinto devido às mudanças na Lei de Incentivo, pois um dos legados do crescimento do mercado foi justamente a expansão do teatro musical nacional.  Muitas peças de grande valor artístico são produzidas atualmente. Entretanto, do ponto de vista mercadológico, não são espetáculos que costumam atrair público da mesma forma que peças internacionais, logo a lucratividade não será a mesma.

Melo, que trouxe a produção de "Os Últimos Cinco Anos" em 2019, não está muito otimista com o ano que vem. "Para o meu próximo espetáculo, com R$ 1 milhão, 60% do orçamento é só para pagar os direitos. Já tive que reduzir a temporada para um período muito menor e é isso. O que vier de fora, se é que virá algo, vai ser assim, um ou dois meses em cartaz, com ensaios mínimos e as pessoas recebendo quase nada."

 

por
Mariana Bocaiuva Ribas
|
06/11/2019 - 12h

O mundo dos investimentos é, comprovadamente, dominado pelos homens. No Brasil, menos de 30% dos investidores são mulheres - mesmo que elas representem 51% da população. Mas estudos recentes mostram que os números estão mudando, ainda que lentamente.

De acordo com uma pesquisa da bolsa brasileira, B3, em 2014 havia 137 mil mulheres investindo em ações. Em julho deste ano, elas já somavam 270 mil. Estatisticamente, cresceram 97%, ou seja, quase dobraram em apenas cinco anos.

Tatiane Lima, 31 anos, enfrentava insegurança com sua mudança de emprego: CLT para prestação de serviço. Com a renda maior, ela decidiu estudar sobre o assunto e há dez meses começou a investir na bolsa. O plano da gerente comercial é ter independência financeira no futuro. A jovem está dentro do grupo de mulheres que começaram a investir entre 2014 e 2019.

“Há cinco anos, eu tinha comprado algumas quitinetes para alugar. Vendi em maio deste ano. Era uma ideia de investimento. Meu trabalha com isso e eu me inspirava muito nele para ter uma independência financeira através do aluguel. Mas só tive dor de cabeça e prejuízo, então eu resolvi vender essas quitinetes e aplicar tudo em bolsa, que foi uma das decisões mais certeiras que eu tomei. Hoje, meu investimento está todo na bolsa de valores”, conta Lima.

A jovem buscou estudar o mercado de investimentos. Começou com vídeos e canais de finanças, até chegar nos livros. “Comecei a estudar finanças com o canal do YouTube ‘Me poupe’, da Nathalia Arcuri, e a partir dela eu conheci ‘O Primo Rico’, que fala mais sobre o mercado financeiro. Depois parti para o Tiago Reis. Também estudei nos livros, como o ‘Investidor Inteligente’, de Benjamin Graham, e ‘Guia Suno Dividendos’, do Tiago Reis [e Jean Tosetto]”.

Em 2019, as mulheres representam apenas 21,75% das pessoas físicas que compram ações, de acordo com a B3. Já no Tesouro Direto, programa do Tesouro Nacional em parceria com a B3, que vende títulos públicos federais para pessoas físicas, as mulheres são 30,3%.

É o caso da médica Ana Carolina Leghi, 31 anos, que notava a perda de dinheiro sem motivos e, após quitar seu carro e zerar seus cartões de crédito, decidiu investir no Tesouro Direto há mais ou menos um ano. “Não invisto na bolsa, ainda, porque requer estudo. Sou uma investidora mais conservadora. Não quero riscos, pelo menos por enquanto. Se ainda não sei como fazer bem correto, prefiro não fazer”, diz Leghi, que, assim como Tatiana, começou a investir  vendo canais do YouTube, como o de Nathalia Arcuri.

Finanças para mulheres

Carol Sandler, fundadora do site "Finanças Femininas"
Carolina Sandler, fundadora do site "Finanças Femininas"

Apesar do número crescente de mulheres que investem em renda variável, no Brasil, o aumento de investidores do sexo masculino é ainda maior, de 123% entre 2014 e 2019. Neste contexto, surge um novo modelo de conteúdo online de finanças para mulheres, que influencia no aumento do interesse feminino na área.

Formada em jornalismo e relações internacionais, Carolina Sandler, 35 anos, estudou economia, microeconomia e comércio exterior. Após notar a dificuldade que as mulheres têm em se inserir nesse mercado e a inexistência de projetos brasileiros pensados para a mulher na área de finanças, decidiu criar o site  “Finanças Femininas”, onde compartilha conhecimento do mercado financeiro direcionado, especialmente, para as mulheres.

“Eu decidi montar o “Finanças Femininas” no momento em que percebi que o conteúdo para mulher na internet era moda, beleza, casamento e maternidade. Me apaixonei pela causa, e abracei esse papel de ser uma tradutora, em entender o mercado financeiro e explicar para quem não conhece”, afirma Sandler.

A especialista explica o motivo pelo qual o mundo do investimento é predominantemente masculino, e a dificuldade da mulher em se inserir nesse mercado. “O homem teve historicamente o papel de provedor, então ele ganhava o dinheiro e tem a responsabilidade de cuidar dele. Temos que parar para pensar que a mulher teve direito a ter um CPF e uma conta bancária individual, sem precisar da autorização do pai ou marido, no final dos anos 60.”

“Tudo começa no momento em que as mulheres crescem no mercado de trabalho, [começam] a ganhar o seu próprio dinheiro e ter a responsabilidade de cuidar dele, faz pouco tempo em termos históricos. Até então, os clientes e funcionários de todas as corretoras eram homens, as mulheres eram no máximo secretárias”, pontua Sandler.

A estudiosa também comenta sobre o peso que a construção social tem sobre isso. “Estudos mostram que as meninas começam a achar que são piores em matemática do que os meninos a partir dos cinco anos. Então você tem meninas que gostam de matemática, e de repente deixam de gostar por achar que aquilo é algo de menino. Essa construção social que precisa ser desmontada.”

“As mulheres não se sentem confiantes para lidar com seus próprios investimentos, é o que eu mais ouço: ‘eu tenho medo’, ‘eu não entendo nada’, ‘eu sou ruim de dinheiro’. Aí aquele momento em que a mulher pesquisa, ela tem a percepção de que ela tem que ter o controle das suas próprias contas, de que isso não pode ser responsabilidade de outra pessoa”, finaliza Sandler.