Especialistas comentam eficácia e limites da nova atualização
por
Marcelo Barbosa
|
06/10/2025 - 12h

No início de outubro, o Banco Central do Brasil divulgou uma nova ferramenta para promover confiança nas transações bancárias. Chamado de “Botão de contestação”, o instrumento faz parte da série de medidas “autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED)”  e poderá ser acionado em casos de fraude, golpe e coerção.

O MED foi criado em 2021 pelo Banco Central. Ele estabelece que a vítima solicite, em até 80 dias da data em que o PIX foi realizado, a devolução do dinheiro ao Banco. Funciona assim: Após receber a reclamação, a instituição avalia o caso. Se o banco entender que o MED se aplica, o golpista pode ter a conta bloqueada. As instituições deverão analisar a denúncia em até sete dias e, se for constatada fraude, a pessoa pode receber o dinheiro de volta em até 96h, caso haja dinheiro na conta do suspeito.

Com a nova funcionalidade, quem precisar fazer o pedido de devolução do dinheiro poderá realizar o processo de forma digital e assim, agilizar o bloqueio de recursos do golpista. Antes, o procedimento era intermediado por uma pessoa que fazia o atendimento.

De acordo com Heluan Santos, especialista em tecnologia da Valios Capital e autor dos livros “Além das Criptomoedas” e “Sempre Alerta” – ambos sobre segurança com dinheiro no ambiente on-line – o botão, apesar de aumentar a segurança e trazer mais confiança, ainda pode ser usado de maneira indevida, assim como ocorre em outras inovações.

Porém, segundo Santos, a expectativa é de que, com filtros e monitoramento, o novo recurso traga muito mais benefícios do que riscos, ainda que a centralização do sistema possa desembocar em decisões unilaterais. “A maior preocupação deve estar voltada para a engenharia social, que hoje é responsável pela maioria dos golpes. Esse tipo de fraude torna o processo de validação mais difícil e continua sendo o grande desafio”, destacou.

O termo "engenharia social" refere-se a uma técnica de manipulação usada por criminosos virtuais para convencer pessoas a revelarem informações pessoais.

Reprodução: Banco Central do Brasil | Imagem oficial do PIX
reprodução: Banco Central do Brasil | Logo oficial do PIX


Renato Cunha, especialista em meios de pagamento e segurança digital e proprietário da 3RMS, empresa de tecnologia para o varejo, lembrou que, mesmo no sistema anterior em que era preciso ligar para o correntista, essas tentativas de contestação fraudulentas já eram praticadas, assim como as tentativas de cancelar compras no cartão diariamente.

Segundo ele, os bancos e operadoras conseguem identificar comportamentos suspeitos e a maior parte dessas contestações sequer chega ao cliente final, pois são barradas antes pelos sistemas antifraude, com exceção de casos em que os criminosos estão dentro dos próprios bancos. "A facilidade na aplicação de golpes [ainda] será explorada. Porém, o número de sucesso nesses golpes é extremamente baixo. Geralmente, ele passa quando tem pessoas mal intencionadas de dentro dos bancos ou operadoras fazendo parte da quadrilha”, afirma Cunha.

Importante destacar que a contestação não poderá ser feita nos casos de desacordos comerciais, erros no envio do PIX ou quando houver arrependimento na transação. De acordo com o Banco Central, o novo botão será exclusivamente para evitar fraudes.
 

A festa que enche o Brasil de cores e os comerciantes de oportunidades
por
Nicole Domingos
|
12/09/2025 - 12h

Por Nicole Domingos

 

O Carnaval, que se vende como festa e se compra como tradição, não é apenas desfile de rua, batuque de samba ou fantasia improvisada. É também uma virada de chave para o comércio, que transforma a purpurina em faturamento. Em janeiro de 2024, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), publicou que o ano de 2025 movimentaria mais de R$9 bilhões, reforçando seu posto como uma das datas mais rentáveis do calendário econômico. Na contabilidade da festa, cada rua cheia de foliões é também um corredor de consumo. As farmácias que dobram as prateleiras de protetor solar, os supermercados que multiplicam o estoque de bebidas, as lojas de fantasia que expõem brilhos e lantejoulas como se fossem joias de temporada. Roberto Devidis, representante de vendas para armarinhos e lojas de customização na rua 25 de março,  considera que o carnaval é uma espécie de Natal fora de época.

Nos bastidores da festa, empresários calculam margens, fornecedores disputam espaço nas prateleiras e pequenos comerciantes fazem de cada esquina uma oportunidade. Para Marlene Batista, dona de loja de armarinhos, não existe nenhum período em que cresce as vendas como nesse tempo. Ela diz que antes mesmo da virada do ano já recebe pedidos de escolas de samba, tanto de produtos para a confecção dos carros, quanto para as roupas que serão usadas na avenida. Além disso,  o carnaval cria um ambiente de consumo que vai além da festa. Aumenta o fluxo em bares e restaurantes, multiplica reservas em hotéis e aplicativos de hospedagem, movimenta aplicativos de transporte, gera impacto até nos varejos de eletrodomésticos, com vendas de caixas de som, ventiladores e aparelhos de ar-condicionado. A folia, nesse sentido, extrapola o sambódromo e se infiltra em cada detalhe da vida cotidiana.

O ambulante que vende água, cerveja e todo tipo de bebida no bloco, a costureira que aceita ideias improvisadas de fantasias, o maquiador que tem que sempre ter uma ideia nova e cores vibrantes, todos compõem a cadeia econômica do carnaval. Em uma reportagem postada pelo Ministério da Cultura fica claro como não só os empresários com suas lojas têm a oportunidade de garantir uma boa renda, mas também aqueles que precisam de momentos como esse para sobreviver, como ambulantes que trabalham com eventos sazonais.

Outro ponto relevante é a geração de empregos temporários. Segundo a revista Forbes, a folia deve impulsionar, ainda, o mercado de trabalho, com a criação de 300 mil postos temporários, no interior e no litoral do Estado de São Paulo. O coordenador do Núcleo de Pesquisa da Fhoresp, Luís Carlos Burbano, destaca que esses empregos geram renda imediata para as famílias, contribuindo para a dinamização da economia local. Para muitos trabalhadores, o Carnaval representa a chance de garantir uma renda extra no início do ano. Essa circulação de dinheiro não apenas aquece os centros urbanos, mas sustenta muitas famílias que, durante os quatro dias de festa, encontram mais renda do que em meses inteiros de trabalho formal.

O contraste, no entanto, se mantém: se o brilho é abundante nas grandes cidades turísticas, os municípios sem tradição carnavalesca mal percebem a onda econômica. O comércio local, nesses lugares, vê pouco ou nenhum aumento expressivo nas vendas. Em pesquisas são sempre mostradas locais como o Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Minas Gerais. É como se o Carnaval, enquanto festa, fosse universal, mas enquanto motor econômico fosse seletivo. Ainda assim, mesmo de forma desigual, a festa gera reflexos nacionais, movimentando cadeias de produção que alcançam diferentes regiões.

No fim, a conta é simples: o País veste fantasia, mas o comércio veste números. O carnaval continua sendo um dos maiores espetáculos do mundo, já que a matéria da Forbes explica que lugares com a fama do Rio de Janeiro atraí não só turistas brasileiros como também internacionais para a festa. E de acordo com Enio Miranda, diretor de Planejamento Estratégico do Núcleo de Pesquisa da Federação dos Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp),  o Carnaval está cada vez mais consolidado no calendário de eventos dos turistas estrangeiros.

Na soma final, não se trata apenas de quatro dias de festa, mas de um ciclo econômico que começa semanas, ou até mesmo meses antes, se prolonga depois da Quarta-feira de Cinzas e reafirma a festa como um patrimônio não só cultural, mas também econômico do Brasil.

Indicador registrou crescimento da economia brasileira de 0,3% no segundo trimestre de 2025
por
Marcelo Barbosa
|
20/08/2025 - 12h


O Banco Central (BC) divulgou nesta segunda-feira (18) os dados do IBC-BR (Índice de Atividade Econômica do Banco Central do Brasil) referentes ao mês de junho. Os números mostraram uma queda de 0,1% em relação a maio, mas o resultado do segundo trimestre de 2025 se manteve positivo, com um crescimento de 0,3%. O IBC-BR é um dos indicadores oficiais da economia brasileira. Ele faz uma estimativa de crescimento levando em conta três setores: agropecuária, indústria e serviços. O índice foi criado para trazer números frequentes sobre a atividade econômica do Brasil e tem influência sobre as decisões financeiras do país, servindo de auxílio para políticas monetárias, como a taxa de juros (Selic).

Por exemplo, quando a taxa de juros está em patamares elevados, isso reduz a atividade econômica, o que se reflete nos números do indicador. Por isso, atualmente, ele é lido pelo mercado como a "prévia do PIB".

 
 

Fachada do Banco Central do Brasil em Brasília — Foto: Marcello Casal/Agência Brasil
IBC-BR: agropecuária, indústria e serviços tem leve alta no segundo trimestre de 2025 (Marcello Casal Jr./ Agência Brasil)

 

 

Retração da economia

Após quatro meses seguidos de bons resultados, maio registrou a primeira retração do ano, de 0,7% em relação a abril. Em junho, a queda foi de 0,1%. De acordo com o professor de economia Renan Silva, do IBMEC Brasília, "a alta deu-se devido à Selic, que chegou ao patamar de 15%”. Ele explicou que "o que corrobora para essa questão da taxa de juros restritiva é o fato de que os indicadores de inflação vêm arrefecendo. No último relatório Focus, do Banco Central, o IPCA já registra uma inflação, em 2025, de 4,95%, ante os 5,30%, que as projeções vinham indicando”.

 

Os dados oficiais do Banco Central confirmam que a agropecuária foi o principal fator para a retração no trimestre, com uma diminuição de 3,1% no período. Por outro lado, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que o destaque de junho foi o aumento de 0,3% no volume do setor de serviços. A produção industrial teve um recuo de 0,1% no mês, e as vendas no varejo também frustraram as expectativas, recuando 0,1% em comparação a maio. Sob a óptica do professor, o tarifaço de Donald Trump pode trazer efeitos adversos e "provocar uma redução intensa no segundo semestre”.

 

Nos últimos 12 meses, os números ficaram em 3,9%, o que representa uma desaceleração em face ao mesmo período, que marcou uma alta de 4,04%.

 

Para o futuro, Silva acredita que a retração na atividade econômica pode influenciar o COPOM (Comitê de Política Monetária) - órgão responsável por estabelecer as diretrizes da política monetária - a iniciar um novo ciclo na queda dos juros. "Esse ciclo restritivo já teve efeito, o que gerou como resultado a redução na atividade econômica”, conclui. A retração de 0,6% no terceiro trimestre de 2023 havia sido a última queda do indicador antes dos recuos registrados neste ano.

Alimentação e bebidas têm deflação em relação ao mês anterior, enquanto habitação sofreu alta devido ao aumento da conta de luz
por
Marcelo Barbosa P.
|
13/08/2025 - 12h

O IBGE divulgou nesta terça-feira (12) o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação do país. Os dados apontam que houve um aumento de 0,26% no mês de julho, uma leve alta em comparação com a taxa de 0,24% registrada em junho. No ano, o IPCA já acumula desaceleração de 3,26% e, nos últimos 12 meses, de 5,23%.

De acordo com o gestor de investimentos e especialista financeiro da WFlow, Guilherme Viveiros, a inflação surpreendeu positivamente. "O índice deste mês veio com o valor de 0,26%, enquanto o mercado via uma elevação de 0,36%". O mês de agosto também deve apresentar queda, com índices negativos o que, segundo Viveiros, "fez com que o mercado começasse a sondar uma possível queda dos juros ainda em 2025".

Entre os setores da economia que apresentaram deflação, ou seja, queda de preços, estão o grupo Alimentação e bebidas (-0,27%), Vestuário (-0,54%) e Comunicação (-0,09%). Em contrapartida, entre os maiores destaques da alta estão os grupos Habitação (0,91%) e Despesas Pessoais (0,76%). A alta do grupo Habitação foi impulsionada pela energia elétrica residencial, com variação de 3,04% - o maior impacto individual no índice do mês. Esse número se deve ao fato de que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) confirmou a bandeira tarifária de agosto, que será a Vermelha patamar 2, a mais cara do sistema. Como consequência disso, haverá um acréscimo de R$ 7,87 para cada 100 kWh consumidos na conta de luz.

O grupo Transportes também teve aceleração, passando de 0,27% em junho para 0,35% em julho, impulsionado pela alta de 19,92% nas passagens aéreas. Por outro lado, os combustíveis tiveram uma queda de 0,64% no mês, com recuos no preço do etanol (-1,68%), do óleo diesel (-0,59%), da gasolina (-0,51%) e do gás veicular (-0,14%).

 Já o grupo Alimentação e bebidas, que tem o maior peso no IPCA, registrou baixa pelo segundo mês consecutivo. A queda em julho foi impulsionada pela alimentação no domicílio, que caiu 0,69% com destaque para redução nos preços da batata-inglesa (-20,27%), da cebola (-13,26%) e do arroz (-2,89%).

 

Reprodução: Tânia Rego/Agência Brasil | Pessoas andando em um mercado
Reprodução: Tânia Rêgo| Pessoas escolhem frutas em um mercado


Rafael Prado, economista e analista de macroeconomia da Go Associados, chama a atenção para o fato de que o valor da inflação deste mês ainda é elevado em relação à meta de 4,5% ao ano. Segundo ele, o resultado deste mês é prova de que a política monetária pode atuar de maneira enfática nos dados. "Quando nós olhamos para os números desagregados do IPCA, vemos que existem grupos, como Habitação que foi impactado pela energia elétrica, que influenciaram para o aumento de julho". Para ele, isso ressalta a importância de "continuar com uma política monetária restritiva, para que a inflação continue caindo e volte ao intervalo de tolerância."

Já o professor de economia João Gabriel Araújo, do Ibmec Brasília, destaca o efeito Trump na economia brasileira. Segundo ele, a guerra tarifária vai ser um dos fatores determinantes para a queda dos preços no Brasil. "Com o anúncio das medidas para o Brasil, especialmente a tarifa de 50% sobre as importações, os produtores nacionais aumentaram os estoques para o mercado interno, reflexo da diminuição das exportações para os Estados Unidos antes da implementação da tarifa e do consequente aumento da oferta de bens no mercado doméstico".

O cálculo do IPCA foi realizado a partir da comparação dos preços coletados entre 1 e 30 de julho de 2025 com os preços vigentes entre 30 de maio e 30 de junho de 2025. O IPCA abrange famílias com rendimento monetário de 1 a 40 salários-mínimos. Já o INPC, que considera famílias com rendimento de 1 a 5 salários-mínimos, teve alta de 0,21% em julho, com acumulado de 3,30% no ano.

A falta de renda fixa, escolaridade e educação financeira empurra jovens para ciclos longos de endividamento.
por
Maria Luiza Pinheiro Reining
|
24/06/2025 - 12h

Entre boletos parcelados, cartões de crédito e ofertas de empréstimos rápidos, jovens brasileiros têm se tornado protagonistas de um fenômeno crescente: o superendividamento. Sem renda fixa, sem vínculo formal com instituições financeiras e com pouca ou nenhuma educação financeira, parte expressiva dessa população vê no crédito imediato uma resposta à sobrevivência, ainda que, a longo prazo, isso signifique um acúmulo impagável de dívidas.

A especialista em consumo e pesquisa de mercado, Eduarda Barreto, 27, chama atenção para a complexidade do problema. Para ela, não se trata apenas de comportamento individual, mas de um contexto social e estrutural. “Em 2022, uma pesquisa do Banco Central mostrou que 22% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Isso representa cerca de 11 milhões de jovens sem renda fixa ou escolaridade mínima para acessar melhores oportunidades”, afirma.

Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP
Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP 

Esse grupo, segundo Eduarda, é o mais vulnerável a modalidades de crédito como empréstimos emergenciais ou cartões pré-aprovados. Com pouco conhecimento sobre juros e condições, esses jovens recorrem ao que está disponível mesmo que isso signifique aceitar taxas elevadas e prazos inflexíveis. Ela explica que não se trata de crédito para investir, mas para sobreviver. Muitas vezes, o empréstimo serve para pagar contas básicas como luz, gás e alimentação.

Eduarda destaca que esse ciclo é agravado pela ausência de políticas públicas consistentes de educação financeira desde os primeiros anos escolares. Jovens que não estão inseridos no mercado de trabalho ou na escola muitas vezes não têm qualquer orientação sobre orçamento, crédito ou endividamento. O resultado é um cenário em que decisões são tomadas no impulso da necessidade, sem planejamento ou capacidade de negociação com bancos.

A falta de vínculo estável com instituições financeiras também pesa. Quem não tem um histórico com o banco dificilmente acessa linhas de crédito com melhores condições. Barreto observa que, mesmo com juros altos, muitos jovens aceitam a única oferta disponível, pois não têm tempo nem suporte para tomar uma decisão mais estratégica. Eles precisam do dinheiro de forma imediata.

Embora programas de renegociação de dívidas e feirões "limpa nome" tenham ganhado força nos últimos anos, Eduarda pondera que eles não atacam o problema na raiz. O superendividamento juvenil é reflexo direto de um sistema que oferece crédito sem oferecer estabilidade, informação ou perspectivas.

por
Júlia Pestana
|
04/05/2020 - 12h

Em meio à discussão de medidas que possam atenuar os impactos do novo coronavírus, o secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, fez uma proposta que dividiu os economistas. Em entrevista à BBC News Brasil, Meirelles sugeriu que o Banco Central (BC) “imprima dinheiro” para combater as consequências econômicas da pandemia.

Presidente do BC durante os dois mandatos de Lula (2003-2010) e ministro da Fazenda no governo Temer (2016-2019), Meirelles defendeu sua proposta com veemência, argumentando que a retração da economia será tão brutal que não haverá risco de inflação. Entretanto, a opinião está longe de ter unanimidade. Para alguns economistas entrevistados, a proposta pode ser uma solução viável; para outros, está fora de cogitação diante do risco de inflação e por existirem alternativas mais indicadas para o contexto brasileiro.

Dinheiro que dá em árvore

A ideia de “imprimir dinheiro” frequentemente é interpretada de forma errônea, uma vez que não é baseada apenas no aumento da quantidade de papel-moeda, e sim em um conjunto de fatores que promovem uma expansão na base monetária. Entre eles está a compra e a valorização de títulos pelo BC, que gera dinheiro para o mercado e o redireciona para investimentos e empréstimos.

Com a economia estimulada, a taxa básica de juros (no Brasil, a taxa Selic) diminui e a demanda é aquecida novamente. Porém, outros fatores podem influenciar os resultados da medida, entre eles a inflação.

“Para dar certo precisaria ser bem pensado”

Para o professor da GVLaw Rafael Bianchini, existe a possibilidade de adotar a ideia da emissão de moeda, mas “não pode ser uma medida perene, tem que ser muito pontual para essa crise que estamos vivendo”.

De acordo com o economista, o que está subjacente ao conceito de imprimir dinheiro é o Banco Central financiar o Tesouro, mas hoje isso é vedado pela Constituição Federal (artigo 164, parágrafo primeiro). “Ou seja, demandaria uma emenda constitucional ou no mínimo um outro entendimento da Constituição." 

E um dos maiores temores diante da adoção da medida é a inflação. Porém, segundo Bianchini, com o isolamento social, a demanda está caindo muito mais do que a produção. O professor menciona os dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) do mês de março, que mostram  uma inflação muito elevada nos preços de alimentos (mais de 1%), mas no restante dos itens uma variação considerada baixa para o mês (de 0,7%). Além disso, o mercado já prevê uma deflação nos próximos dois meses. “Então esse risco de inflação, nesse tipo de contexto de uma crise tão forte como a da Covid, é muito pequeno”, diz o economista.

Para Bianchini, caso se decidisse adotar a proposta de Meirelles, seria necessário criar uma emenda constitucional bem desenhada, “porque voltando a normalidade não faria sentido o Banco Central continuar financiando o Tesouro Nacional, até para não ser uma violação a nossa Constituição”.

Professor da PUC prefere a venda de reservas

Já para o professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Claudemir Galvani, a emissão de dinheiro não seria a melhor ideia, e sim o endividamento, “porque a dívida você tem um prazo maior para pagar e a inflação é um negócio muito mais difícil de controlar”.

Galvani diz que na crise de 2008 – quando as Bolsas de Valores despencaram, fazendo com que os governos de vários países anunciassem planos de socorro à economia – a dívida interna no Brasil estava próxima a 45% do PIB e a emissão de moeda foi adotada como uma saída.

“Pode ser uma boa possibilidade apenas quando a dívida está muito alta ou quando o mercado não está mais aceitando comprar títulos do governo”, avalia o professor da PUC-SP. “Nós temos US$ 340 bilhões de reservas, o que é muito grande, então daria para vender quase um terço disso e continuar com uma brutal segurança", acrescenta.

“Não serve para um país como o Brasil”

Para Zeina Latif, doutora em economia e ex-economista-chefe da XP Investimentos,  a medida defendida por Meirelles não é a melhor prescrição de política econômica para o Brasil, pois reeditaria, segundo ela,  um erro cometido pelo país até meados da década de 1980, quando  o BC injetava liquidez de maneira direta ou indireta e o resultado era uma hiperinflação, debelada apenas com o Plano Real, em 1994.

A proposta seria viável, de acordo com a economista, se adotada em países que têm marcos institucionais mais sólidos e que não possuem problemas de inflação. “A nossa inflação agora está baixa, mas vamos lembrar que até outro dia a gente estava falando de uma inflação que ameaçava sair do controle no governo Dilma. Então não temos ainda um BC com regimes de metas tão solido assim”, afirma.

Segundo Zeina, a emissão de moedas colocaria em risco o cumprimento das metas de inflação, viabilizado normalmente pela fixação adequada da taxa básica de juros. “Nesse desenho você não teria como deixar a taxa de juros positiva. Iriamos ter fuga de capitais do país, porque ninguém iria comprar dívida pública com juro zero”, explica a economista.

“Na hora da crise, o Estado precisa intervir e logo”

Para Marcos Henrique do Espirito Santo, professor de economia do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), “a emissão monetária é necessária, porque ela não necessariamente causa inflação”. Segundo ele, “é importante lembrar que na caixa de ferramenta dos economistas nada é estático”.

Espírito Santo cita o caso do governo dos Estados Unidos, que vai gastar aproximadamente US$ 2 trilhões. Ou seja, o país irá investir em sua economia mais do que o próprio PIB do Brasil. “Todo mundo vai expandir dívida e todo mundo vai ter que expandir a quantidade de moeda, e isso é da lógica de funcionamento do capitalismo”, afirma o professor da FMU.

 

por
Maria Clara Milano Pizzo
|
04/05/2020 - 12h

O bairro da Liberdade, em São Paulo, é atualmente o maior reduto da comunidade asiática na América Latina, com restaurantes, lojas e festivais que representam a cultura oriental. O local se tornou um ponto turístico da cidade e conta com diversos estabelecimentos comerciais que estão sofrendo devido à Covid-19, que levou ao fechamento de lojas e ao isolamento social.

De restaurantes a lojas de cosméticos, tudo na Liberdade é conhecido pelo toque oriental, apesar de não ter sido sempre assim. Os primeiros japoneses chegaram em 1912, atraídos pelos aluguéis mais baratos. Pouco tempo depois, já existiam os estabelecimentos familiares que tornaram o bairro o que ele é hoje. Muitas famílias orientais não moram mais no local, porém mantêm seus comércios e fontes de renda.

O fechamento de lojas e serviços não essenciais foi decretado pelo governador de São Paulo, João Doria, e começou a valer a partir de 24 de março. Porém, antes disso, muitos comerciantes já haviam fechado seus estabelecimentos por medo da doença respiratória.

É o caso de Aríana Spataro, proprietária da loja de incensos e artigos esotéricos Ita Brazil, que funciona há 21 anos na galeria SoGo Plaza. Aríana e a sócia, Elaine, têm apenas uma funcionária, de 51 anos. A lojista afirma que prefere dar emprego a pessoas dessa faixa etária, que costumam ter dificuldade para encontrar trabalho.

As três estão em isolamento social desde o dia 19 de março, tendo saído somente para ir ao supermercado e à farmácia. A mãe de Elaine é idosa e, portanto, do grupo de risco, o que causa preocupação às sócias, que estão se ajudando nas tarefas cotidianas.

Aríana conta que a situação financeira está muito difícil, já que a loja é a única fonte de renda delas. Na real, não sabemos até quando nós iremos aguentar, porque está muito difícil, principalmente para nós que vivemos desse comércio, diz.

Devido às características de seus produtos e do público consumidor, a Ita Brazil não consegue realizar vendas online. Com foco principal em incensos, a loja também vende mandalas, estátuas, incensários e cristais, artigos que a maioria das pessoas prefere adquirir presencialmente, seja por conta dos aromas ou até mesmo pela carga espiritual que vinculam às peças. A lojista relata que já tentou vender pela internet, mas que realmente não funciona. “Por isso que é dessa forma que a gente trabalha, com a porta aberta.”

Além da dificuldade em vender os artigos online, a maioria das mercadorias é importada da Indonésia, chegando na loja por meio de distribuidoras, que também estão enfrentando problemas por conta do coronavírus. Assim, a loja não está vendendo e nem recebendo os produtos, deixando a proprietária aflita sobre quando a situação vai se normalizar.

Apesar da situação complicada e do aperto financeiro, Aríana diz ter fé e esperança de que tudo isso vai passar.

Em contrapartida, a Omohna Store, uma loja de acessórios voltados ao pop coreano, conhecido como Kpop, está se preparando para migrar para as vendas online. A proprietária, Natália Pak, de 33 anos, disse que ela e seus dois funcionários ainda estão catalogando os produtos para disponibilizá-los no site.

Omohna Store (foto retirada do instagram da loja)
Omohna Store (foto retirada do Instagram da loja)

Ela também relata que teve bastante procura pelos produtos após o começo das medidas de isolamento social, principalmente pelas máscaras de proteção coreanas, que já eram vendidas pela loja há alguns anos.

A Omohna Store funciona há cinco anos, e atualmente, assim como outros estabelecimentos, está remanejando gastos para economizar por conta da crise.

Não está sendo diferente para nós, estamos economizando ao máximo nas compras de mantimentos e juntamos tudo o que tínhamos para pagar as contas, que não param. O máximo que conseguimos fazer é negociar os aluguéis, como o da loja e o da residência. Assim não precisamos reduzir os salários dos funcionários e nem deixar de pagar as contas da loja, diz Natália.

Assim como Aríane e Elaine, da Ita Brazil, Natália  tem enfrentado dificuldades em relação aos fornecedores. Todas as mercadorias da Omohna Store são importadas da Coreia e atualmente, por conta da pandemia, nada está saindo do país. Natália afirma que os fornecedores coreanos também estão passando por uma crise.

Já o mercado de produtos nacionais e importados Empório Azuki está atendendo por WhatsApp. Inaugurada em 2012, a loja tem 30 funcionários e começou recentemente a realizar vendas online, disponibilizando o catálogo nas redes sociais e via WhatsApp. Apesar de ter se adaptado rapidamente ao comércio virtual, a loja relata que a queda nas vendas físicas foi assustadora, impossibilitando, por isso, um reajuste de preços apesar da disparada do dólar. O estabelecimento ressalta que, como a Liberdade é um lugar turístico, muitos clientes são de fora do bairro. Por último, diz que está mantendo um bom relacionamento com os fornecedores e que considera a parceria fundamental.

Lojas:

Ita Brazil - Incensos indianos e artigos esotéricos. Rua Galvão Bueno, 40, 44, Liberdade, São Paulo/SP. Contato: (11) 95380-3501.

Ohmona Store - Loja de K-Pop e produtos coreanos originais. Rua Galvão Bueno, 200, lojas 23 a 28. São Paulo/SP. Instagram e Facebook: @ohmonastore.

Empório Azuki - Mercado de produtos nacionais e importados. Rua Galvão Bueno, 16, Liberdade - São Paulo/SP. Instagram e Facebook: @emporioazuki 

  

 

 

 

Empório Azuki com movimento antes do isolamento social (foto retirada do Facebook da loja)
Empório Azuki com movimento antes do isolamento social (foto retirada do Facebook da loja)
por
Laura Pancini
|
04/05/2020 - 12h

por Laura Pancini

Imagem do filme “Histórias Cruzadas”, que conta vida de domésticas negras nos anos 60. (Foto: Carta Capital)
Imagem do filme “Histórias Cruzadas”, que conta vida de domésticas negras nos anos 60. (Foto: Carta Capital)

 

Cento e vinte quilômetros. Era essa a distância que uma empregada doméstica de 63 anos tinha que percorrer até o seu trabalho semanalmente. Apesar da idade e de ter diabetes e hipertensão, sua condição financeira a obrigava a continuar trabalhando na casa de uma família no Alto Leblon. Isso até o dia 17 de março. A mulher, que não teve seu nome divulgado, teve a primeira morte por coronavírus no Rio de Janeiro. Os primeiros sintomas surgiram no dia anterior e a trabalhadora foi levada ao hospital, mas não resistiu à falta de ar. Seu contato com o vírus se deu por meio de sua patroa, que havia acabado de voltar da Itália.

Esse caso de transmissão local (quando alguém contaminado no exterior passa o vírus adiante) mostrou um risco gigantesco para quem é empregado doméstico no Brasil. Segundo o IBGE, trabalhadores domésticos representam 6,3 milhões de empregados no país. Desse número, 2,5 milhões são diaristas e só 1,5 milhão trabalham com carteira assinada. A estimativa é que de 15% a 20% sejam maiores de 60 anos: ou seja, um quinto da categoria está inserido no grupo de risco da Covid-19.

O Ministério da Economia anunciou acesso ao seguro-desemprego para quem teve redução de jornada e salário ou contrato suspenso, mas essa medida se limita a trabalhadores com carteira assinada. Apesar de o titular da pasta, Paulo Guedes, ter afirmado, em entrevista para o jornal O Globo, que “ninguém será deixado para trás”, sua medida protege apenas 28,4% dos 6,3 milhões de domésticos no Brasil — os outros 71,6% não são formalizados e dependem do próprio empregador para saber o futuro da sua renda.

Essa é a realidade da diarista Fernanda Moraes, 33, que está com a renda estagnada por conta da crise do coronavírus. Ela trabalha em duas casas e foi liberada por ambas. Uma de suas patroas a auxiliou com um total de R$ 300 nas primeiras três semanas da quarentena, mas logo depois interrompeu o contato e os pagamentos. A outra empregadora, uma senhora de 80 anos, não disse nada depois de dispensá-la.

Com o aluguel e as contas atrasadas, Fernanda está à espera do auxílio emergencial do governo, que oferece R$ 600 para pessoas que se encontram em situações como a dela, mas o tempo é crítico em momentos como esse. “Por aqui onde eu moro, em Itapecerica da Serra, não está tendo nenhum tipo de doação”, ela conta. “Tento ir ao mercado uma vez por semana, mas os itens da cesta básica estão cada dia mais caros.”

Fernanda ainda tenta ajudar sua mãe e seus três filhos que moram com o pai, mas, sem um trabalho fixo, ela não está conseguindo acudir a família. “Como sou diarista, não sou registrada. A crise me fez perceber o quanto isso faz falta”, ela comenta. Agora, ela tenta se manter com alguns “bicos” feitos pelo marido e a ajuda de amigos. Acima de tudo, tenta se manter positiva: “Mesmo com dificuldades, estamos dando um jeito”.

O Ministério Público do Trabalho (MPT), em uma nota técnica, orientou a dispensa dos domésticos e diaristas, com a continuidade do pagamento dos salários, e sugeriu que a negociação fosse feita entre o trabalhador e o patrão. Tal dinâmica soa simples no papel, mas acaba sendo injusta para o empregado. Em sua nota, o MPT comenta: “As trabalhadoras domésticas estão entre as pessoas mais expostas aos riscos de contaminação da Covid-19; pois dependem de transportes públicos para ir ao trabalho, estão em contato direto com pessoas (crianças, idosos, pessoas doentes ou portadoras de deficiências) e não têm a opção de não trabalhar ou de trabalhar de casa, principalmente no caso das diaristas”.

Apesar da recomendação do Ministério, mulheres como Eliane Mota, 41 anos, não sentem que têm outra opção. Ela trabalha desde 2012 na casa da mesma família e, além desse emprego, tem orgulho de ser conhecida como uma faz-tudo. “Cozinho, faço doces e salgados e também faço cabelo e unha. O que aparecer, eu sei fazer.” Atualmente, Eliane é a única doméstica indo trabalhar todos os dias em um prédio de 48 apartamentos na zona sul de São Paulo.

Por conta da crise do coronavírus, Eliane se tornou a única fonte de renda em sua casa. “Meu filho e meu marido trabalhavam em restaurantes e perderam seus empregos. Eles estão em análise para o auxílio emergencial e eu, como sou registrada, não vou consegui-lo”, comenta. “Meu salário é de R$ 1.300 e meu aluguel é R$ 1.200. Tive que pagar metade do aluguel e usar o restante para comprar comida. Conseguimos nos manter, mas não é mais a mesma coisa.”

Para pegar seus ônibus diários, Eliane usa luvas e máscara. Para ela, é preocupante a falta de limpeza dos ônibus e o descuido das pessoas que pegam o transporte público. Como sua filha tem bronquite, ela toma todos os cuidados necessários para não se contaminar. “Eu tiro os sapatos antes de entrar na casa em que trabalho, descarto as luvas, troco de roupa e lavo as mãos e os braços.”

No começo da quarentena, sua patroa ofereceu 15 dias de folga, mas logo depois pediu para Eliane voltar. “Ela disse: ’E se eu te der mais folga e você ficar doente depois? Como é que eu faço?’. Acabei voltando, mas logo depois fiquei gripada e me ausentei de novo. Não tive sintomas de coronavírus, mas não tinha condições de sair de casa.”

No final, se automedicou com alguns remédios e voltou para o trabalho alguns dias depois. “Minha patroa não queria ficar sozinha e já tinha avisado que, se eu não fosse trabalhar, ela ia achar outra pessoa para entrar no meu lugar. Aí tive que ir, né? Como iríamos pagar o aluguel?”, conta Eliane, que se encontrou em uma encruzilhada. “Ou fico desempregada, ou trabalho. Como estou sem opção, fui trabalhar.”

Histórias como as de Eliane Mota e Fernanda Moraes são apenas um recorte de um problema muito maior no Brasil. O auxílio do governo exclui uma parcela gigantesca de famílias com histórias complexas demais para preencherem os requisitos. Quem sofre no final são os milhares de domésticos, em sua maioria mulheres negras, idosas e periféricas, que arriscam a vida todos os dias para manter a renda.

por
Maria Fernanda Favoretto
|
04/05/2020 - 12h

Por Maria Fernanda Favoretto

Elas são maioria entre os trabalhadores informais e desempregados, as mais prejudicadas pelas disparidades salariais e vivem sobrecarregadas pelos cuidados domésticos. Historicamente, esta é a realidade enfrentada pelas mulheres. Com a pandemia da Covid-19, no entanto, a vulnerabilidade feminina ficou ainda maior.

Em nota divulgada no dia 24 de março, a ONU Mulheres confirmou esse quadro desfavorável. “A maioria das mulheres trabalha na economia informal, onde o seguro de saúde provavelmente não existe ou é inadequado e a renda não é segura. Como elas não são contempladas por ajuda financeira, acabam não tendo suporte”, disse no comunicado a sul-africana Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva do órgão.

Mlambo-Ngcuka disse também que a maioria dos profissionais de saúde são mulheres, o que as coloca em maior risco. “Muitas delas também são mães e cuidadoras de familiares. Elas continuam carregando a carga de cuidados, que já é desproporcionalmente alta em tempos normais”, comentou.

No Brasil, segundo informações da ONU Mulheres, 85% dos profissionais da enfermagem, 45,6% dos médicos e 85% dos cuidadores de idosos pertencem ao sexo feminino. Ou seja, não são elas apenas as mais afetadas social e economicamente, mas as mais vulneráveis ao contágio do coronavírus.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou no mês de fevereiro dados sobre a taxa de desemprego do quarto trimestre de 2019. O número, que faz parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad), mostra que a atual taxa de desocupação gira em torno de 11,9%. O mesmo índice sobre as mulheres brasileiras foi calculado em 13,1%, superior à taxa masculina, de 9,2%. Entre a população desempregada, mulheres também somam a maioria: 53,8%.

Em matéria publicada no dia 27 de março no portal Valor Investe, o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, projetou que os primeiros e mais afetados pela falta de emprego serão os trabalhadores informais, ou seja, aqueles que não têm suas atividades regulamentadas pelo Estado, e que representam 40,7% da força de trabalho ocupada no país, ainda conforme a Pnad referente ao quarto trimestre de 2019.

Segundo a "Síntese de Indicadores Sociais 2019 - Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira", divulgada em março pelo IBGE, a proporção de mulheres em ocupações informais no Brasil é de 41,6%, tendo principalmente maior atuação no trabalho auxiliar familiar e no trabalho doméstico sem carteira assinada.

Em âmbito domiciliar, dados publicados pela Agência IBGE Notícias em setembro do ano passado mostram que a taxa de realização de afazeres domésticos em domicílio é de 92,2% para as mulheres e 78,2% para os homens. Ou seja, as mulheres dedicam, em média, 21,3 horas por semana a esse conjunto de atividades, enquanto os homens, apenas 10,9 horas. Ou seja, frente à pandemia do coronavírus e à alta esperada no desemprego, as poucas privilegiadas que não serão demitidas e poderão trabalhar em home office terão que alinhar o serviço a uma rotina de cuidados com a casa e a família.

Para muitas mulheres, infelizmente, o vírus e os problemas econômicos não são os únicos desafios. Como consequência do processo, a taxa de violência doméstica também aumentou. No Brasil, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou que a quarentena gerou uma alta de quase 9% no número de ligações para o Ligue 180, canal que recebe denúncias de violência contra a mulher. Enquanto a média diária entre os dias 1° e 16 de março foi de 3.045 ligações e 829 denúncias, entre os dias 17 e 25 de março foram 3.303 ligações e 978 denúncias. Só na cidade de São Paulo, os registros de violência contra a mulher aumentaram 30% no mesmo mês.

No dia 9 de abril, o governo começou a distribuir um auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais, microempreendedores individuais, autônomos e desempregados, formados em sua maioria pelas mulheres. Mulheres que são chefes de família também podem solicitar o auxílio. 

Debora Adão Alves da Silva, 30, moradora do bairro da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, é uma das que estão recebendo o benefício . Mãe solteira e desempregada desde agosto de 2019, conta que sua principal fonte de renda para cuidar da filha de apenas um ano é a pensão mensal de R$ 300.

“Esta pandemia, não só para mim, mas para todos de baixa renda, vem causando um grande transtorno. No meu caso, não tem como eu trabalhar para sustentar minha filha, pois ela tem bronquite e está no grupo de risco. Tem dias que não tenho sequer R$ 1 para comprar pão”, conta Debora.

A moça ainda comenta: “Minha filha estava em fase de adaptação na creche, justamente para que eu pudesse voltar a procurar uma nova oportunidade de emprego”.

Com o valor disponibilizado pelo governo em mãos, Debora fala sobre a aplicação da verba: “Pretendo usar esse dinheiro enchendo os armários e comprando as coisas da bebê. As contas ficarão para depois”.

por
Artur Ferreira
|
29/04/2020 - 12h

Por Artur Ferreira

 

Todos os dias, novos casos de Covid-19 são registrados no Brasil. Além disso, o número de mortes cresce diariamente. Segundo o Ministério da Saúde, até o dia 14 de abril, o coronavírus causou mais de 1.500 mortes e contaminou mais de 25 mil brasileiros.

Além dos dados alarmantes, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Brasília (UnB) afirmam que o Brasil possui um número de pessoas infectadas 15 vezes maior que o registrado oficialmente.

A estimativa dos especialistas do portal Covid-19 Brasil, que reúne cientistas das duas instituições, é que o Brasil já havia passado dos 313 mil infectados até 11 de abril. O estudo também foi divulgado no dia 14 deste mês e afirma que a baixa quantidade de testes feitos gera um alto índice de subnotificações de casos.

No Brasil, além dos decretos de quarentena que permanecem vigentes em diversos estados,  a criação de  hospitais de campanha para o combate ao vírus também tem estimulado a contratação de  profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros e farmacêuticos.

Enquanto médicos e enfermeiros dividem o ambiente hospitalar com as pessoas com suspeita ou confirmação do vírus, os profissionais das drogarias estão expostos ao contato constante com dezenas de pessoas diariamente.

Pois, da mesma forma que hospitais e postos de saúde, farmácias e drogarias não podem parar sua operação. Os farmacêuticos, além do estresse gerado pela pandemia, muitas vezes têm trabalhado mais do que o habitual,  devido ao cuidado maior com a higienização das farmácias e a assistência para clientes sobre remédios e substâncias em geral.

Segundo dados de 2018 do Conselho Federal de Farmácia, os farmacêuticos representam 221 mil dos brasileiros. O número de farmácias e drogarias supera 87 mil no setor privado e 11 mil na administração pública.

Carina França de Carvalho faz parte dessa parcela da população, e trabalha em uma rede de drogarias na Zona Sul de São Paulo. A farmacêutica afirma que, mesmo  não tendo havido aumento  da carga horária, a cobrança se intensificou muito.

De acordo com Carina, uma de suas principais tarefas hoje é orientar os clientes em relação a medicamentos. Ela conta que, além do balcão, chega a atender pessoas por WhatsApp.

Além dos clientes, os atendentes da drogaria também precisam seguir uma série de orientações, principalmente  quando se trata de medidas de higiene, explica a profissional.

Segundo Carina, o farmacêutico também tem que “ensinar a eles [a equipe] como lidar com esse paciente que vem do hospital, até mesmo casos confirmados [de coronavírus]”. Ela também cita a importância do apoio psicológico em um momento desses de crise.

“É importante ressaltar que a gente não tenha nenhum preconceito, mesmo com o paciente com caso confirmado”, explica Carina, pois a farmácia deve estar preparada para receber essas pessoas.

Ela completa dizendo que, em casos como esse, o profissional da linha de frente se torna mais alerta com a própria higienização. Mas isso nunca deve se tornar uma forma de preconceito ou um motivo para evitar atender pessoas contaminadas com a Covid-19. “É uma questão de ética”, define.

As orientações vão além das medicações. Os farmacêuticos também podem ser consultados sobre os sintomas causados pelo vírus   na maioria das vezes, para não confundi-los com os de outras doenças –,  a necessidade de ir ou não  ao hospital, entre outros detalhes que podem evitar o contágio desnecessário ou uma automedicação.

A automedicação é um grande risco. Carina deixa bem claro que uma das principais funções de sua profissão é evitar que o paciente se medique por conta própria, o que pode ser fatal.  .

 

Fora do ambiente de trabalho

 

Carina diz que o marido  também trabalha no ramo farmacêutico. O filho do casal também  atua na área, mas  já não mora  com os pais desde que se casou.

Porém, a farmacêutica relata que é a responsável pela sua mãe, que já tem 70 anos, e que realiza todos os cuidados necessários para o mínimo de interação com ela.

Conta que faz as compras  e  deixa no portão da casa da mãe, com o alerta de que   higienize com  com álcool  tudo que recebe. E  liga constantemente para saber se a mãe está bem e se necessita de algum apoio.

“Eu não quero só proteger a minha mãe da Covid, mas impedir que ela entre em uma depressão por se sentir sozinha”, explica Carina. A rotina de orientação e cuidado também é feita com seus sogros, que moram próximo de sua casa, e seu filho.

Desde o início da pandemia,  Carina e o marido seguem uma disciplina rigorosa: assim que chegam em casa, lavam todas as roupas usadas durante o dia e higienizam, um a um, os objetos que manusearam, como chaves e celulares. .

Depois desse processo, os dois sempre tomam um banho para que, aí sim, possam descansar com segurança. A casa também tem sido limpa com mais frequência.

 

O que o sindicato tem feito pelos farmacêuticos?

 

A   presidente do Sindicato dos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sinfar), Renata Gonçalves, explica que a atuação dos farmacêuticos vai além do varejo. Eles também podem estar presentes na indústria, hospitais e pesquisa científica.

A presidente conta que a distribuição variada dos profissionais da categoria acaba por dificultar a atuação do sindicato, já que o trabalhador  que deverá ser auxiliado pode enfrentar os problemas  mais diversos.

E, no momento de crise causada pela Covid-19, Gonçalves explica que a rotina do sindicato foi mudada da noite para o dia. A presidente entende que em crises anteriores na área da saúde, como a do H1N1, o peso para a categoria nunca foi tão grande como agora.

Devido à intensidade que a pandemia adquiriu no Brasil, a equipe do Sinfar tem redobrado sua atenção para as demandas, dúvidas e pedidos de orientações jurídicas dos profissionais da farmácia. “Nenhum profissional está ficando sem atendimento”, garante Gonçalves.

A dirigente explica que, atualmente, todas as ações do Sinfar estão sendo realizadas de forma remota, evitando o contato físico e a exposição de pessoas.

E, mesmo sendo parte da linha de frente, farmacêuticos também não estão imunes a demissões. De acordo com a presidente, as ações do sindicato estão muito voltadas para “que não haja demissões em massa e prejuízo na condição de trabalho do profissional”.

A sindicalista também conta que, em relação aos empregadores, qualquer forma de negociação para redução de salários, devido à crise, necessita de um acordo prévio com o sindicato, para a proteção das condições de trabalho do farmacêutico.

“A gente entende que a negociação direta entre patrão e empregado pode ser muito prejudicial ao trabalhador. Acaba pesando muito mais a pressão do patrão”, diz a presidente.

Entre as diversas ações em favor do profissional, Gonçalves cita a demanda do sindicato sobre a liberação do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) da categoria em caso de calamidade.

Porém, a presidente diz que a Caixa Econômica Federal ainda tem negado esse pedido, já que só liberaria o FGTS em caso de um “desastre natural”, como rompimentos de barragens e enchentes. O Sinfar está aguardando que a Caixa analise a demanda argumentando que uma pandemia como essa nunca poderia estar prevista na lei, e que o benefício precisa ser liberado ao trabalhador.

 Renata Gonçalves conclui que, mesmo antes da crise, mais direitos eram pleiteados pelos farmacêuticos todos os anos, como é o caso do vale-refeição e da classificação de insalubridade para a atividade. E, agora, essa luta só se intensifica devido à importância desse profissional nesse momento de crise da saúde pública.