Especialistas comentam eficácia e limites da nova atualização
por
Marcelo Barbosa
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06/10/2025 - 12h

No início de outubro, o Banco Central do Brasil divulgou uma nova ferramenta para promover confiança nas transações bancárias. Chamado de “Botão de contestação”, o instrumento faz parte da série de medidas “autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED)”  e poderá ser acionado em casos de fraude, golpe e coerção.

O MED foi criado em 2021 pelo Banco Central. Ele estabelece que a vítima solicite, em até 80 dias da data em que o PIX foi realizado, a devolução do dinheiro ao Banco. Funciona assim: Após receber a reclamação, a instituição avalia o caso. Se o banco entender que o MED se aplica, o golpista pode ter a conta bloqueada. As instituições deverão analisar a denúncia em até sete dias e, se for constatada fraude, a pessoa pode receber o dinheiro de volta em até 96h, caso haja dinheiro na conta do suspeito.

Com a nova funcionalidade, quem precisar fazer o pedido de devolução do dinheiro poderá realizar o processo de forma digital e assim, agilizar o bloqueio de recursos do golpista. Antes, o procedimento era intermediado por uma pessoa que fazia o atendimento.

De acordo com Heluan Santos, especialista em tecnologia da Valios Capital e autor dos livros “Além das Criptomoedas” e “Sempre Alerta” – ambos sobre segurança com dinheiro no ambiente on-line – o botão, apesar de aumentar a segurança e trazer mais confiança, ainda pode ser usado de maneira indevida, assim como ocorre em outras inovações.

Porém, segundo Santos, a expectativa é de que, com filtros e monitoramento, o novo recurso traga muito mais benefícios do que riscos, ainda que a centralização do sistema possa desembocar em decisões unilaterais. “A maior preocupação deve estar voltada para a engenharia social, que hoje é responsável pela maioria dos golpes. Esse tipo de fraude torna o processo de validação mais difícil e continua sendo o grande desafio”, destacou.

O termo "engenharia social" refere-se a uma técnica de manipulação usada por criminosos virtuais para convencer pessoas a revelarem informações pessoais.

Reprodução: Banco Central do Brasil | Imagem oficial do PIX
reprodução: Banco Central do Brasil | Logo oficial do PIX


Renato Cunha, especialista em meios de pagamento e segurança digital e proprietário da 3RMS, empresa de tecnologia para o varejo, lembrou que, mesmo no sistema anterior em que era preciso ligar para o correntista, essas tentativas de contestação fraudulentas já eram praticadas, assim como as tentativas de cancelar compras no cartão diariamente.

Segundo ele, os bancos e operadoras conseguem identificar comportamentos suspeitos e a maior parte dessas contestações sequer chega ao cliente final, pois são barradas antes pelos sistemas antifraude, com exceção de casos em que os criminosos estão dentro dos próprios bancos. "A facilidade na aplicação de golpes [ainda] será explorada. Porém, o número de sucesso nesses golpes é extremamente baixo. Geralmente, ele passa quando tem pessoas mal intencionadas de dentro dos bancos ou operadoras fazendo parte da quadrilha”, afirma Cunha.

Importante destacar que a contestação não poderá ser feita nos casos de desacordos comerciais, erros no envio do PIX ou quando houver arrependimento na transação. De acordo com o Banco Central, o novo botão será exclusivamente para evitar fraudes.
 

A festa que enche o Brasil de cores e os comerciantes de oportunidades
por
Nicole Domingos
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12/09/2025 - 12h

Por Nicole Domingos

 

O Carnaval, que se vende como festa e se compra como tradição, não é apenas desfile de rua, batuque de samba ou fantasia improvisada. É também uma virada de chave para o comércio, que transforma a purpurina em faturamento. Em janeiro de 2024, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), publicou que o ano de 2025 movimentaria mais de R$9 bilhões, reforçando seu posto como uma das datas mais rentáveis do calendário econômico. Na contabilidade da festa, cada rua cheia de foliões é também um corredor de consumo. As farmácias que dobram as prateleiras de protetor solar, os supermercados que multiplicam o estoque de bebidas, as lojas de fantasia que expõem brilhos e lantejoulas como se fossem joias de temporada. Roberto Devidis, representante de vendas para armarinhos e lojas de customização na rua 25 de março,  considera que o carnaval é uma espécie de Natal fora de época.

Nos bastidores da festa, empresários calculam margens, fornecedores disputam espaço nas prateleiras e pequenos comerciantes fazem de cada esquina uma oportunidade. Para Marlene Batista, dona de loja de armarinhos, não existe nenhum período em que cresce as vendas como nesse tempo. Ela diz que antes mesmo da virada do ano já recebe pedidos de escolas de samba, tanto de produtos para a confecção dos carros, quanto para as roupas que serão usadas na avenida. Além disso,  o carnaval cria um ambiente de consumo que vai além da festa. Aumenta o fluxo em bares e restaurantes, multiplica reservas em hotéis e aplicativos de hospedagem, movimenta aplicativos de transporte, gera impacto até nos varejos de eletrodomésticos, com vendas de caixas de som, ventiladores e aparelhos de ar-condicionado. A folia, nesse sentido, extrapola o sambódromo e se infiltra em cada detalhe da vida cotidiana.

O ambulante que vende água, cerveja e todo tipo de bebida no bloco, a costureira que aceita ideias improvisadas de fantasias, o maquiador que tem que sempre ter uma ideia nova e cores vibrantes, todos compõem a cadeia econômica do carnaval. Em uma reportagem postada pelo Ministério da Cultura fica claro como não só os empresários com suas lojas têm a oportunidade de garantir uma boa renda, mas também aqueles que precisam de momentos como esse para sobreviver, como ambulantes que trabalham com eventos sazonais.

Outro ponto relevante é a geração de empregos temporários. Segundo a revista Forbes, a folia deve impulsionar, ainda, o mercado de trabalho, com a criação de 300 mil postos temporários, no interior e no litoral do Estado de São Paulo. O coordenador do Núcleo de Pesquisa da Fhoresp, Luís Carlos Burbano, destaca que esses empregos geram renda imediata para as famílias, contribuindo para a dinamização da economia local. Para muitos trabalhadores, o Carnaval representa a chance de garantir uma renda extra no início do ano. Essa circulação de dinheiro não apenas aquece os centros urbanos, mas sustenta muitas famílias que, durante os quatro dias de festa, encontram mais renda do que em meses inteiros de trabalho formal.

O contraste, no entanto, se mantém: se o brilho é abundante nas grandes cidades turísticas, os municípios sem tradição carnavalesca mal percebem a onda econômica. O comércio local, nesses lugares, vê pouco ou nenhum aumento expressivo nas vendas. Em pesquisas são sempre mostradas locais como o Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Minas Gerais. É como se o Carnaval, enquanto festa, fosse universal, mas enquanto motor econômico fosse seletivo. Ainda assim, mesmo de forma desigual, a festa gera reflexos nacionais, movimentando cadeias de produção que alcançam diferentes regiões.

No fim, a conta é simples: o País veste fantasia, mas o comércio veste números. O carnaval continua sendo um dos maiores espetáculos do mundo, já que a matéria da Forbes explica que lugares com a fama do Rio de Janeiro atraí não só turistas brasileiros como também internacionais para a festa. E de acordo com Enio Miranda, diretor de Planejamento Estratégico do Núcleo de Pesquisa da Federação dos Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp),  o Carnaval está cada vez mais consolidado no calendário de eventos dos turistas estrangeiros.

Na soma final, não se trata apenas de quatro dias de festa, mas de um ciclo econômico que começa semanas, ou até mesmo meses antes, se prolonga depois da Quarta-feira de Cinzas e reafirma a festa como um patrimônio não só cultural, mas também econômico do Brasil.

Indicador registrou crescimento da economia brasileira de 0,3% no segundo trimestre de 2025
por
Marcelo Barbosa
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20/08/2025 - 12h


O Banco Central (BC) divulgou nesta segunda-feira (18) os dados do IBC-BR (Índice de Atividade Econômica do Banco Central do Brasil) referentes ao mês de junho. Os números mostraram uma queda de 0,1% em relação a maio, mas o resultado do segundo trimestre de 2025 se manteve positivo, com um crescimento de 0,3%. O IBC-BR é um dos indicadores oficiais da economia brasileira. Ele faz uma estimativa de crescimento levando em conta três setores: agropecuária, indústria e serviços. O índice foi criado para trazer números frequentes sobre a atividade econômica do Brasil e tem influência sobre as decisões financeiras do país, servindo de auxílio para políticas monetárias, como a taxa de juros (Selic).

Por exemplo, quando a taxa de juros está em patamares elevados, isso reduz a atividade econômica, o que se reflete nos números do indicador. Por isso, atualmente, ele é lido pelo mercado como a "prévia do PIB".

 
 

Fachada do Banco Central do Brasil em Brasília — Foto: Marcello Casal/Agência Brasil
IBC-BR: agropecuária, indústria e serviços tem leve alta no segundo trimestre de 2025 (Marcello Casal Jr./ Agência Brasil)

 

 

Retração da economia

Após quatro meses seguidos de bons resultados, maio registrou a primeira retração do ano, de 0,7% em relação a abril. Em junho, a queda foi de 0,1%. De acordo com o professor de economia Renan Silva, do IBMEC Brasília, "a alta deu-se devido à Selic, que chegou ao patamar de 15%”. Ele explicou que "o que corrobora para essa questão da taxa de juros restritiva é o fato de que os indicadores de inflação vêm arrefecendo. No último relatório Focus, do Banco Central, o IPCA já registra uma inflação, em 2025, de 4,95%, ante os 5,30%, que as projeções vinham indicando”.

 

Os dados oficiais do Banco Central confirmam que a agropecuária foi o principal fator para a retração no trimestre, com uma diminuição de 3,1% no período. Por outro lado, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que o destaque de junho foi o aumento de 0,3% no volume do setor de serviços. A produção industrial teve um recuo de 0,1% no mês, e as vendas no varejo também frustraram as expectativas, recuando 0,1% em comparação a maio. Sob a óptica do professor, o tarifaço de Donald Trump pode trazer efeitos adversos e "provocar uma redução intensa no segundo semestre”.

 

Nos últimos 12 meses, os números ficaram em 3,9%, o que representa uma desaceleração em face ao mesmo período, que marcou uma alta de 4,04%.

 

Para o futuro, Silva acredita que a retração na atividade econômica pode influenciar o COPOM (Comitê de Política Monetária) - órgão responsável por estabelecer as diretrizes da política monetária - a iniciar um novo ciclo na queda dos juros. "Esse ciclo restritivo já teve efeito, o que gerou como resultado a redução na atividade econômica”, conclui. A retração de 0,6% no terceiro trimestre de 2023 havia sido a última queda do indicador antes dos recuos registrados neste ano.

Alimentação e bebidas têm deflação em relação ao mês anterior, enquanto habitação sofreu alta devido ao aumento da conta de luz
por
Marcelo Barbosa P.
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13/08/2025 - 12h

O IBGE divulgou nesta terça-feira (12) o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação do país. Os dados apontam que houve um aumento de 0,26% no mês de julho, uma leve alta em comparação com a taxa de 0,24% registrada em junho. No ano, o IPCA já acumula desaceleração de 3,26% e, nos últimos 12 meses, de 5,23%.

De acordo com o gestor de investimentos e especialista financeiro da WFlow, Guilherme Viveiros, a inflação surpreendeu positivamente. "O índice deste mês veio com o valor de 0,26%, enquanto o mercado via uma elevação de 0,36%". O mês de agosto também deve apresentar queda, com índices negativos o que, segundo Viveiros, "fez com que o mercado começasse a sondar uma possível queda dos juros ainda em 2025".

Entre os setores da economia que apresentaram deflação, ou seja, queda de preços, estão o grupo Alimentação e bebidas (-0,27%), Vestuário (-0,54%) e Comunicação (-0,09%). Em contrapartida, entre os maiores destaques da alta estão os grupos Habitação (0,91%) e Despesas Pessoais (0,76%). A alta do grupo Habitação foi impulsionada pela energia elétrica residencial, com variação de 3,04% - o maior impacto individual no índice do mês. Esse número se deve ao fato de que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) confirmou a bandeira tarifária de agosto, que será a Vermelha patamar 2, a mais cara do sistema. Como consequência disso, haverá um acréscimo de R$ 7,87 para cada 100 kWh consumidos na conta de luz.

O grupo Transportes também teve aceleração, passando de 0,27% em junho para 0,35% em julho, impulsionado pela alta de 19,92% nas passagens aéreas. Por outro lado, os combustíveis tiveram uma queda de 0,64% no mês, com recuos no preço do etanol (-1,68%), do óleo diesel (-0,59%), da gasolina (-0,51%) e do gás veicular (-0,14%).

 Já o grupo Alimentação e bebidas, que tem o maior peso no IPCA, registrou baixa pelo segundo mês consecutivo. A queda em julho foi impulsionada pela alimentação no domicílio, que caiu 0,69% com destaque para redução nos preços da batata-inglesa (-20,27%), da cebola (-13,26%) e do arroz (-2,89%).

 

Reprodução: Tânia Rego/Agência Brasil | Pessoas andando em um mercado
Reprodução: Tânia Rêgo| Pessoas escolhem frutas em um mercado


Rafael Prado, economista e analista de macroeconomia da Go Associados, chama a atenção para o fato de que o valor da inflação deste mês ainda é elevado em relação à meta de 4,5% ao ano. Segundo ele, o resultado deste mês é prova de que a política monetária pode atuar de maneira enfática nos dados. "Quando nós olhamos para os números desagregados do IPCA, vemos que existem grupos, como Habitação que foi impactado pela energia elétrica, que influenciaram para o aumento de julho". Para ele, isso ressalta a importância de "continuar com uma política monetária restritiva, para que a inflação continue caindo e volte ao intervalo de tolerância."

Já o professor de economia João Gabriel Araújo, do Ibmec Brasília, destaca o efeito Trump na economia brasileira. Segundo ele, a guerra tarifária vai ser um dos fatores determinantes para a queda dos preços no Brasil. "Com o anúncio das medidas para o Brasil, especialmente a tarifa de 50% sobre as importações, os produtores nacionais aumentaram os estoques para o mercado interno, reflexo da diminuição das exportações para os Estados Unidos antes da implementação da tarifa e do consequente aumento da oferta de bens no mercado doméstico".

O cálculo do IPCA foi realizado a partir da comparação dos preços coletados entre 1 e 30 de julho de 2025 com os preços vigentes entre 30 de maio e 30 de junho de 2025. O IPCA abrange famílias com rendimento monetário de 1 a 40 salários-mínimos. Já o INPC, que considera famílias com rendimento de 1 a 5 salários-mínimos, teve alta de 0,21% em julho, com acumulado de 3,30% no ano.

A falta de renda fixa, escolaridade e educação financeira empurra jovens para ciclos longos de endividamento.
por
Maria Luiza Pinheiro Reining
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24/06/2025 - 12h

Entre boletos parcelados, cartões de crédito e ofertas de empréstimos rápidos, jovens brasileiros têm se tornado protagonistas de um fenômeno crescente: o superendividamento. Sem renda fixa, sem vínculo formal com instituições financeiras e com pouca ou nenhuma educação financeira, parte expressiva dessa população vê no crédito imediato uma resposta à sobrevivência, ainda que, a longo prazo, isso signifique um acúmulo impagável de dívidas.

A especialista em consumo e pesquisa de mercado, Eduarda Barreto, 27, chama atenção para a complexidade do problema. Para ela, não se trata apenas de comportamento individual, mas de um contexto social e estrutural. “Em 2022, uma pesquisa do Banco Central mostrou que 22% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Isso representa cerca de 11 milhões de jovens sem renda fixa ou escolaridade mínima para acessar melhores oportunidades”, afirma.

Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP
Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP 

Esse grupo, segundo Eduarda, é o mais vulnerável a modalidades de crédito como empréstimos emergenciais ou cartões pré-aprovados. Com pouco conhecimento sobre juros e condições, esses jovens recorrem ao que está disponível mesmo que isso signifique aceitar taxas elevadas e prazos inflexíveis. Ela explica que não se trata de crédito para investir, mas para sobreviver. Muitas vezes, o empréstimo serve para pagar contas básicas como luz, gás e alimentação.

Eduarda destaca que esse ciclo é agravado pela ausência de políticas públicas consistentes de educação financeira desde os primeiros anos escolares. Jovens que não estão inseridos no mercado de trabalho ou na escola muitas vezes não têm qualquer orientação sobre orçamento, crédito ou endividamento. O resultado é um cenário em que decisões são tomadas no impulso da necessidade, sem planejamento ou capacidade de negociação com bancos.

A falta de vínculo estável com instituições financeiras também pesa. Quem não tem um histórico com o banco dificilmente acessa linhas de crédito com melhores condições. Barreto observa que, mesmo com juros altos, muitos jovens aceitam a única oferta disponível, pois não têm tempo nem suporte para tomar uma decisão mais estratégica. Eles precisam do dinheiro de forma imediata.

Embora programas de renegociação de dívidas e feirões "limpa nome" tenham ganhado força nos últimos anos, Eduarda pondera que eles não atacam o problema na raiz. O superendividamento juvenil é reflexo direto de um sistema que oferece crédito sem oferecer estabilidade, informação ou perspectivas.

Para Rafael Bianchini, o desemprego e a pobreza, que já se encontravam em situação delicada, irão aumentar com a pandemia de Covid-19
por
Lincoln Oliveira de Castro
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06/05/2020 - 12h

O ano de 2020 começou diferente de qualquer outro do século 21. Com a chegada do novo coronavírus, o mundo já começa a sentir os efeitos do que promete ser a maior recessão desde, pelo menos, a Grande Depressão da década de 1930. Para alguns países, é um processo que se inicia agora; para outros, o agravamento de uma crise anterior à pandemia, cuja solução se torna ainda mais complicada. É o caso da Argentina.

A cada ano que passa, a situação do país fica mais difícil. Suas dívidas em empréstimos e títulos passam de US$ 100 bilhões. Já a dívida pública total do país soma US$ 311 bilhões, o que equivale a 90% do Produto Interno Bruto. Após a eclosão da Covid-19, a Argentina declarou default técnico, mais conhecido como "calote", com os credores locais, adiando o pagamento da sua dívida para 2021. 

Não bastasse o alto endividamento, nos últimos 40 anos a taxa de pobreza subiu de 4% para 40%. Estimativas do Instituto Nacional de Estatísticas (Indec) indicam que, em 2019, havia 15 milhões de pessoas na pobreza no país. Para piorar, a inflação chega a 50% ao ano. Este cenário, que tende a se agravar com a pandemia, dificulta ainda mais a busca de alternativas factíveis.

Em meio ao surto de Covid-19, gastar recursos com investimentos é considerado secundário. A única saída é levar dinheiro aos mais pobres através de programas sociais. A opinião é do economista e professor da Fundação Getúlio Vargas Rafael Bianchini, que acompanha a situação da Argentina há alguns anos.  "Neste momento, o que a Argentina tem a fazer é injetar dinheiro na população e focar nos mais pobres. Tentar preservar a situação mínima de dignidade para a base da pirâmide. Então, é renda básica universal para essas pessoas."

Apesar de ver a "injeção" de dinheiro nos mais pobres como a única medida que deve ser tomada no momento, Bianchini observa que algumas pessoas irão se beneficiar sem precisar. "É bem possível que neste momento não dê para ter critérios muito seletivos, porque você não tem como levar as pessoas para se cadastrar. Não tem como realizar critérios que os governos costumam fazer para selecionar beneficiários de programas sociais: é jogar dinheiro para todo mundo e admitir que alguns vão receber sem precisar. Paciência, é a vida", diz.

Recentemente, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, atendendo às reivindicações das centrais sindicais, contribuiu para que a taxa de desemprego e, consequentemente, os índices de pobreza não aumentassem, ao decretar, no dia primeiro de abril, a proibição de demissões nos 60 dias seguintes, apenas permitindo demissões por justa causa. Mas não há quem se engane. Esta medida é apenas uma das muitas que devem ser tomadas daqui em diante.

Ainda no período da eleição, o atual presidente havia lançado o plano "Argentina contra a fome", inspirado no programa "Fome Zero", criado por Lula em 2003 e responsável por tirar o Brasil do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), contribuindo para que a pobreza extrema diminuísse 75% entre 2001 e 2012, tornando-se referência internacional. O plano de Fernández, que visa erradicar a fome de 15 milhões de pessoas, ainda não saiu do papel. 

 

por
Virginia Mencarini
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06/05/2020 - 12h

A pandemia de Covid-19 vem afetando diversos setores da economia em todo o mundo. Um dos que mais têm sentido seus impactos é a indústria têxtil – e, por consequência, o mundo da moda. Hoje, mais do que nunca, os dois precisam encontrar caminhos alternativos para contornar essa situação da maneira mais consciente possível.

No Brasil, a indústria têxtil representa uma grande parcela da economia, tornando-se muito vulnerável em meio à pandemia. De acordo com dados divulgados pela Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) e atualizados em dezembro de 2019, o setor faturou US$ 48,3 bilhões em 2018. Ainda no mesmo ano, foi o segundo maior gerador do primeiro emprego no Brasil, representou quase 17% dos empregos do país e é o quarto maior produtor de denim e malhas do mundo. A moda brasileira também dita sua presença entre as cinco maiores semanas de moda do mundo, responsabilidade carregada pela São Paulo Fashion Week.

Máquina de Tecelagem
Foto: site Mercado & Consumo

A relevância do setor é inegável, mas ainda assim vem enfrentando algumas dificuldades. Desde a crise de 2014 e 2015, quando o PIB brasileiro se retraiu em mais de 7%, a indústria têxtil vem oscilando no que diz respeito a vendas e receitas. Quanto à exportação (um de seus maiores pilares), a balança comercial se encontra desfavorável atualmente. Ainda segundo a Abit, entre janeiro e setembro de 2019, o Brasil registrou US$ 4,133 bilhões em importações, contra US$ 665 milhões em exportações.

Como se já não bastasse a lenta recuperação da economia brasileira, a pandemia do coronavírus impôs a quarentena a fim de diminuir casos e contágios. Em São Paulo, o governador João Doria determinou, entre outras medidas, o fechamento do comércio de bens e serviços considerados não essenciais para evitar aglomerações, o que foi acatado pelos empreendedores, e tem mantido o isolamento social desde 24 de março. De acordo com estimativa feita pela assessoria econômica da FecomercioSP, o consumo de bens chamados duráveis (carros, eletrodomésticos, móveis etc) e semiduráveis (roupas e calçados) tende a diminuir durante esse período.

Com isso, a equipe de economia da Abit realizou uma enquete com os empresários do setor têxtil e confecção para medir as consequências do vírus e as atitudes tomadas frente ao novo problema. Com uma amostra de 183 empresas, a pesquisa, realizada em março, relatou que 97% dos empresários já sentiram o efeito em seu processo produtivo e que 93% dos entrevistados estão tomando medidas preventivas em relação aos seus colaboradores: 62% adotaram férias coletivas, 30% recorreram ao home office, mas sem o consentimento do sindicato da categoria, e 22% apelaram para as demissões.

Algo igualmente inédito no cenário da indústria têxtil brasileira, como a paralisação geral, foi a urgência decretada pelo governo federal na produção de itens da rede têxtil relacionados à área médica, como máscaras, luvas e aventais. A Abit informa que todo o parque manufatureiro do setor está integralmente mobilizado para atender às demandas mais urgentes da Covid-19. O presidente da associação, Fernando Valente Pimentel, em matéria disponibilizada no site da entidade, reforçou: “Nesse sentido, nossa indústria, buscando superar os desafios presentes, está trabalhando, nos locais onde as fábricas podem funcionar, para converter seu processo de fabricação à produção de máscaras, aventais, abrigos e outros produtos, muitos dos quais vinham sendo importados, para atender às necessidades prementes geradas pela pandemia do novo coronavírus”.

 

Produção de máscara
Produção de máscaras pelo Grupo Lunelli / Foto: site Guia JeansWear

Essas mudanças, tanto na rotina da população quanto do mercado da moda, não só afetaram o Brasil, mas o mundo todo. A temporada das semanas de moda, que começou em Nova York em fevereiro deste ano, também sofreu o grande impacto do coronavírus. Para apresentar as novas coleções de luxo outono/inverno de 2021, os estilistas tiveram que se adaptar conforme a pandemia ia se alastrando e o evento acontecia.

           O tão esperado desfile de Giorgio Armani na Itália (epicentro do vírus na Europa) aconteceu, porém em um novo formato. De portas fechadas e sem público, as modelos exibiram as novas ideias e tendências Armani nas passarelas por meio de transmissões ao vivo em todas as plataformas digitais da marca. Para a jornalista brasileira e consultora de moda Lilian Pacce, essa é a oportunidade para uma maior reflexão: “Hoje em dia, fazer transmissão ao vivo de desfile é hiperviável. Qual é a real necessidade de você estar dentro daquele recinto, correr o risco de ficar doente? [...] Vamos questionar isso”, apelou em vídeo para o seu canal no YouTube. Outro destino da temporada, Paris, também foi marcado por dificuldades, e a parada final, São Paulo, não teve outro fim senão o cancelamento absoluto. Semanas de moda em Tóquio, Seul, Xangai e Pequim também compartilharam do mesmo desfecho.

Estilista Giorgio Armani e suas modelos em desfile fechado para público
Estilista Giorgio Armani e modelos em seu desfile fechado para o público / Foto: Stefano Guindani

Analisando os resultados econômicos da conturbada temporada outono/inverno 2021, o prejuízo foi alto. O coronavírus acabou ocupando os lugares nas primeiras filas dos desfiles principalmente da imprensa e compradores chineses, sempre muito assíduos, já que não embarcaram para ver de perto o inverno europeu. Segundo um estudo da consultoria Bain & Management, 35% de todas as compras de artigos de luxo realizadas em 2019 foram feitas por chineses que viajaram ao exterior, ou aconteceram na própria China. Ou seja, o impacto econômico da Covid-19 é nitidamente observado.

Pensando em como resolver todas essas questões trazidas pelo coronavírus e como proceder a partir desse momento, aqui no Brasil, a assessoria de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem reunindo iniciativas do setor industrial para combater a Covid-19. Seu intuito é contribuir com a divulgação dessas ações, a fim de mostrar como as empresas estão tentando ajudar o país em meio a essa pandemia, e como estão contribuindo na conscientização da população para acatarem as medidas de proteção. A Agência CNI de Notícias é responsável por atualizar diariamente uma página exclusiva que centraliza todas as informações, notícias e posicionamentos das indústrias a respeito da Covid-19.

Uma das heranças deixadas pelo coronavírus, quando se trata do mercado varejista, é o muito provável boom do e-commerce. As compras online aos poucos já estavam ganhando seu espaço na vida dos consumidores brasileiros e estrangeiros, mas com o isolamento social (e até depois disso), esse comportamento só tende a aumentar. Plataformas de compra como o portal Shop2gether devem conquistar novos clientes, antes apreensivos com a nova maneira de aquisição. Em matéria na Vogue Brasil, Ana Isabel Carvalho Pinto, fundadora e diretora do portal, arriscou: “Quem tinha alguma resistência, deve passar a experimentar”.

Os desfiles live e online também fazem parte do legado da Covid-19, assim como uma maior reflexão sobre sustentabilidade (pauta e demanda que já estavam muito presentes na forma de consumir dos millenials e geração Z, antes mesmo da crise do vírus). Para o jornalista e colunista Bruno Astuto, essa nova ordem traz consigo uma onda de mudanças de hábitos e valores, “Não faz mais sentido, sobretudo depois da última e tensa temporada [outono/inverno 2021], viajar oito vezes por ano para Milão, Paris e Nova York. As empresas atacadistas deverão investir em novas tecnologias de realidade aumentada para criar a sensação mais próxima de uma experiência ao vivo”, disse em sua coluna na Vogue Brasil.

Consequências positivas estão por vir. No Brasil, no que diz respeito à indústria têxtil e de confecção, uma aposta na expansão do comércio exterior (e interno também) e seu faturamento se dá com o maior uso das plataformas digitais para compras e vendas online. Outro fator, e com grande potencial para viralizar, é a inovação das grandes marcas na forma de apresentar suas coleções. Diminuir gastos e prezar pela sustentabilidade e bom senso, ao minimizar as idas e vindas em todos os cantos do mundo várias vezes ao ano usufruindo das grandes tecnologias dispostas, também estão se tornando, cada vez mais, tendências muito desejadas.

A indústria brasileira de têxtil e confecção tem muito mais a agregar ao país e ao mundo de forma positiva do que já agrega, e, sabendo estudar as novas possibilidades, as chances de gerar ainda mais empregos, um maior faturamento e se estabilizar são altas. Sobre os contratempos enfrentados pelas semanas de moda na última temporada, há um anseio de mudança nesse mercado tão tradicional e estático (apesar das grandes inovações nas passarelas e vitrines), sem jamais perder sua autenticidade. Para Lilian Pacce, “isso [crise do coronavírus] pode ser muito disruptivo. Sem dúvida, a temporada de outono/inverno 2021 vai entrar para a história”. Uma nova ordem vem por aí.

 

Foto de capa: Manequins de máscaras em uma vitrine (Suíça, 31 de março) / site swissinfo.ch / Keystone

por
Rafaela Soares
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05/05/2020 - 12h

Em meio à quarentena e à recessão  provocadas pela rápida proliferação do coronavírus, o mercado floricultor do país já deixou de faturar R$ 297,7 milhões apenas entre os dias 14 e 28 de março, quando as medidas de isolamento social começaram a ser implantadas. Segundo o  Ibraflor (Instituto Brasileiro de Floricultura), o setor movimenta R$ 8,67 bilhões em toda a cadeia e gera mais de 1 milhão de empregos, sendo 210 mil diretos e 800 mil indiretos.

Após um bem-sucedido Dia Internacional da Mulher (8 de março), as previsões para o Dia das Mães (10 de maio) eram muito boas: “A situação mudou de uma hora para outra e o setor da floricultura foi atingido de maneira drástica”, comentou Kees Schoenmaker, presidente do Ibraflor, para o jornal Holambrense.

De acordo com o instituto, os prejuízos previstos para o mês de abril devem somar mais de R$ 669,8 milhões e a perda estimada para o Dia das Mães é de R$ 396,9 milhões.

Lucimeire Barbosa, uma das donas da Floricultura Marajoara,  no cemitério de Congonhas, conta que as vendas caíram cerca de 90% desde o início da quarentena. “Como o tempo dos enterros diminuiu, nem coroa de flores a gente tá vendendo direito”, diz Lucimeire. Ela acrescenta que não conhece nenhuma outra floricultura que tenha mantido as atividades neste período.

Em relação ao Dia das Mães, Lucimeire não tem expectativas de venda. “O Dia das Mães costuma ser muito bom, tanto pra quem vem ao cemitério presentear, como pra quem compra e vai pra casa. Se a quarentena continuar, do jeito que tá acho que a gente não vende nada. Ninguém vai querer sair”, afirma.

Em uma live feita no perfil do Canal Terraviva no Instagram, o diretor de marketing do Ibraflor, Renato Opitz, comentou sobre a maior apreensão do setor em relação ao Dia das Mães. "O volume da produção no Dia das Mães é muito grande, então ele dependia de toda uma cadeia logística de distribuição funcionando perfeitamente para poder escoar. A nossa principal preocupação agora é que essa cadeia funcione, ou seja, não adianta o próprio consumidor, próximo do Dia das Mães, querer o produto e não ter", disse.

Em 2019, o Dia das Mães deu um lucro de quase R$ 10 bilhões ao comércio, sendo a segunda data comemorativa  mais lucrativa para o setor. Diante disso, neste ano,  comparando os resultados da Páscoa com os do ano passado, muitos comerciantes chegaram a propor a mudança do Dia das Mães para o segundo domingo do mês de julho. O governador de São Paulo, João Doria, sugeriu que a data fosse celebrada em agosto.

A respeito de um possível adiamento, Opitz afirmou: "Da nossa parte, do setor de flores ornamentais, a gente é totalmente contra essa mudança por vários motivos, sendo o principal o fato de as flores já estarem plantadas para essa data, então os produtores não teriam onde escoar essa produção e depois, em julho, não teria flor, ou seja, agora vai sobrar e depois vai faltar".

O Ibraflor, junto a cooperativas de Holambra (SP), conhecida como a “cidade das flores”, formou um comitê de crise para monitorar os impactos causados pelo novo coronavírus e analisar o mercado para minimizar os prejuízos em meio às medidas do isolamento social, que fizeram com que festas e eventos fossem cancelados.

Além da criação do comitê, o instituto e as cooperativas lançaram no dia 17 de março uma campanha nas redes sociais intitulada “O poder das flores e das plantas – A flor é o alimento para a alma”, que tem por objetivo incentivar o consumo ao associar flores e plantas com o bem-estar e a geração de emoções, e não só como um artefato para embelezar um cômodo.

No portal Nação Agro, uma iniciativa do Canal Rural, o produtor rural e representante da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo na Ceagesp, Valdemar Koga, deu uma entrevista exclusiva e comentou: "O mercado realmente está com 60 a 70% de perdas, se não mais".

Sobre a situação dos produtores, Koga disse: "A produção será menor, então é possível que futuramente falte mercadoria. Aqueles que não têm condições de continuar com a produção vão parar, já que não têm reserva no caixa. Os médios e os grandes até têm uma reserva, mas não por muito tempo. E outra, se os pequenos produtores pegarem uma linha de crédito, um empréstimo pessoal, os juros seriam muito grandes".

Segundo o Canal Rural, no dia 9 de abril o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou um plano de ajuda econômica a produtores rurais afetados pelo coronavírus e pela seca. A ajuda inclui prorrogações de pagamentos de dívidas e novas linhas de crédito.

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Adriane Garotti
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05/05/2020 - 12h

Diante de crises econômicas, como a que o Brasil está enfrentando em decorrência da pandemia do novo coronavírus, a tendência é  que a desigualdade social fique ainda mais evidente. O principal ponto afetado pela disparidade econômica acaba sendo a área da saúde, principalmente a vida das pessoas que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). 

Em situações emergenciais, o papel do Estado é garantir que tanto os ricos quanto os pobres consigam se prevenir da forma mais justa possível. Entretanto, acaba se tornando impossível exigir adesão à quarentena de pessoas que vivem em condições precárias de saneamento básico, não têm possibilidade de fazer home office e moram em habitações apertadas e com aglomeração. 

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), prorrogou, no dia 17 de abril, a quarentena no estado. “Aqui nós não brigamos com a ciência, nós respeitamos a ciência”, disse Doria em pronunciamento. O estado já está em isolamento social desde 22 de março. 

A diretora-executiva da Oxfam Brasil, Katia Drager Maia, reforça que nem  todos os brasileiros podem seguir as orientações de isolamento feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Milhões de pessoas não têm a opção do chamado home office, tanto no que se refere ao tipo de trabalho quanto às condições logísticas residenciais. O necessário e importante isolamento social é totalmente diferente para quem tem condições de moradia adequadas e para quem não tem”, afirma.

Katia Drager Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. (Reprodução: Jornal GGN)
Katia Drager Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. (Reprodução: Jornal GGN)

 

A desigualdade social acaba se tornando algo comum aos olhos dos brasileiros e até mesmo sendo banalizada. É nos momentos de crises sanitárias, como esta pandemia mundial, que os menos favorecidos sofrem mais, e o principal motivo disso é a falta de direitos básicos de higiene e saúde. 

Segundo o DataSUS, sistema de informação do Sistema Único de Saúde,  houve uma queda de 2,5% no número de leitos disponíveis no estado de São Paulo nos últimos quatro anos. Em 2015, a média era de 109,5 mil leitos. Já em 2019 esse número caiu para 106,8 mil. Esses dados se referem aos leitos básicos e às Unidades de Terapia Intensiva (UTI), nos hospitais públicos e privados do estado. 

Com o crescimento acelerado dos casos de coronavírus, os hospitais acabam não suportando a demanda de atendimentos e, consequentemente, o sistema de saúde fica sobrecarregado. Dados da Rede Nossa São Paulo (RNSP) mostram que atualmente, em São Paulo, a proporção  é de 2,5 leitos para cada mil habitantes, o que é pouco, ainda mais no enfrentamento de uma pandemia.

Uma das soluções encontradas foi a construção dos hospitais de campanha. São dois na capital paulista, que têm por finalidade atender os pacientes infectados com baixa ou média complexidade. Um deles foi montado no Estádio do Pacaembu, disponibilizando 200 leitos. O outro foi erguido no Anhembi, com 887 leitos, dos quais 64 de Unidade de Terapia Intensiva.

Os números divulgados pela Prefeitura de São Paulo mostram que, até o dia 17 de abril, o bairro com mais mortes na capital paulista era a Brasilândia. O portal de notícias G1 divulgou que o bairro tinha então 89 casos confirmados de Covid-19 e 54 mortes. Já no Morumbi, bairro considerado de classe média alta, eram 297 casos confirmados e sete mortes.

Em meio a uma pandemia, cuja prevenção depende exclusivamente do isolamento social, os trabalhadores informais sentem ainda mais de perto os efeitos da crise econômica. Nesses momentos, os empregos mais vulneráveis e que pagam menos acabam demitindo seus funcionários, o que contribui para o agravamento da desigualdade social. Trabalhadores com carteira assinada também sofrem nessa crise, porém têm uma segurança econômica maior.

Diante da pressão da sociedade civil, economistas e parlamentares, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou o projeto de lei que visa ajudar os mais vulneráveis nesse momento de crise. A concessão de uma renda básica emergencial de R$ 600 durante a pandemia é uma das ações do governo com intuito de ajudar os mais afetados. 

“É fundamental que o governo priorize o atendimento econômico e social à população que está em situação de vulnerabilidade ou que pode vir a ficar, como consequência da crise provocada pelo coronavírus. A renda básica emergencial é um programa fundamental que precisa ser implementado com maior eficiência e por um período bem maior do que os três meses iniciais previstos”, afirma Katia Drager Maia.

Os efeitos econômicos da pandemia do coronavírus ainda vão ser vistos ao longo dos próximos anos. Maia prevê um aumento significativo nos índices de desigualdade no país nos próximos relatórios da Oxfam Brasil. “O Brasil já apresentava cerca de 40 milhões de pessoas no trabalho informal e esse número deverá aumentar. Os indicadores de renda também devem apresentar uma redução na renda da população, particularmente da base da pirâmide. Já existem análises que indicam que o país pode ter mais de 2 milhões de novos desempregados.”

Um caso muito comentado nas redes sociais foi o post da blogueira fitness Gabriela Pugliesi, cujo teste de Covid-19 apontou resultado positivo no início de março. Em uma postagem na rede social Instagram, ela escreveu: “Bastaram meia dúzia de dias para que o universo estabelecesse a igualdade social, que se dizia ser impossível novamente. O medo invadiu todos. Que isto sirva para nos darmos conta da vulnerabilidade do ser humano. Não se esqueçam, bastou meia dúzia de dias”, escreveu Pugliesi. O assunto teve uma repercussão negativa e a influenciadora apagou o post. 

A visão equivocada de que um vírus possa trazer à tona uma igualdade biológica humana é muito discutida nos dias de hoje, em meio ao enfrentamento da pandemia. Viver num país em desenvolvimento como o Brasil é uma experiência diária que permite enxergar como o mundo ainda sofre com a desigualdade total e não apenas no âmbito da saúde.

Imagem da capa: Casas de Paraisópolis e prédio no Morumbi, em São Paulo. (Reprodução: BBC Brasil)

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Maria Fernanda Schwartsman
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05/05/2020 - 12h

Segunda-feira, 16 de março de 2020. Após uma alta de 4,55%, o valor do dólar supera os R$ 5 pela primeira vez na história. Desde então,  a moeda americana passa por altos e baixos em relação ao real, mas quase sempre se mantendo acima dos R$ 5. No dia 24 de abril, após o anúncio do ex-ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) de que estava deixando o governo, o dólar bateu um novo recorde e fechou a R$ 5,65. A alta acumulada ano chegou aos 35%, com a moeda fechando o mês de abril em R$ 5,43, sem previsão de queda para maio.

Embora influenciada pela instabilidade política, a disparada da moeda americana tem como razão principal a crise econômica provocada pela pandemia de Covid-19. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) do planeta deve ter uma contração de 3% neste ano, a maior desde a Grande Depressão da década de 1930. Para o Brasil, o FMI espera uma queda de 5,3%, um recuo sem precedentes. A recessão será acompanhada de um aumento de quase três pontos percentuais na taxa de desemprego.    

Neste cenário negativo e repleto de incertezas, a alta do dólar tem a ver com o regime de câmbio flutuante que o país adota desde 1999. Por esse sistema, o valor das moedas é determinado pela oferta e pela demanda do mercado.  Neste momento, um movimento de fuga de capitais, no qual  muitos investidores liquidaram suas aplicações em busca de opções que consideram mais seguras, está fazendo o preço do dólar subir, como explica o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central. 

Reprodução/Twitter
Reprodução/Twitter

Ou seja, muitas pessoas acabam por trocar investimentos menos seguros em solo brasileiro (retirando dinheiro da economia local) por outros no exterior que apresentam menor risco de perda. "É muita gente vendendo em reais e comprando dólares para poder aplicar lá fora, levando a uma alta significativa", afirma Schwartsman.

A retirada de dinheiro do mercado brasileiro também tem afetado a Bolsa de Valores, que tem  sofrido constantes quedas nos últimos tempos. O Ibovespa, principal indicador da Bolsa brasileira, costuma se comportar de maneira inversamente proporcional à cotação do dólar: enquanto um sobe, a tendência do outro é descer.

Enquanto isso, mesmo sendo um dos principais afetados pela Covid-19, os Estados Unidos vivem um movimento contrário. Enquanto o Brasil vê o capital sendo tirado de sua economia, os norte-americanos veem dinheiro sendo injetado, com muitas pessoas, de todo o mundo, comprando títulos de seu governo e sua moeda local.

Um dos principais receios quando o dólar sobe são os impactos na inflação, uma vez que os valores de produtos importados e exportados costumam ser ligados à  moeda americana. De acordo com Schwartsman, no entanto, esta não é uma preocupação muito importante no contexto atual. Isso porque, segundo ele, não parece estar havendo um grande repasse no preço destes produtos, o que deve, em alguma medida, ajudar na recuperação do atual cenário de crise.

Segundo o ex-diretor do Banco Central, com a atual cotação do dólar, o Brasil consegue exportar mais facilmente tudo o que é produzido localmente, mas tem dificuldade em importar, o que caracteriza um câmbio desalinhado. Considerando que tudo que é produzido na Brasil acaba ficando mais barato, a exportação deve ser facilitada, o que, para muitos economistas, pode levar à diminuição da concorrência de outros exportadores em relação aos produtos brasileiros.

Além disso, como a importação é dificultada devido ao câmbio, o mercado interno tem que adquirir produtos nacionais. Com isso, quando o ritmo de compras no país voltar ao normal, uma preferência maior deve ser dada aos produtos locais, de acordo com Schwartsman.

Com a velocidade com que o dólar está subindo, o grande medo  é de que a moeda americana atinja níveis estratosféricos  – ainda maiores do que já atingiu  – e nem mesmo os economistas chegam a um consenso sobre o que será do futuro. Alguns acreditam que a moeda possa atingir R$ 6 e outros creem que ficará abaixo de  R$ 5. Alexandre Schwartsman é um dos que acreditam na baixa: "Minha impressão  – é difícil fazer previsões neste momento  – é que me parece um pouco esticado o valor do dólar, na casa do R$ 5,20, R$ 5,30. É mais provável que ele caia do que suba". Segundo a edição de 4 de maio do Relatório Focus do Banco Central – que considera as estimativas de mais de 100 instituições do mercado financeiro – , o ponto médio das previsões para o dólar no fim do ano está em R$ 5.  

Schwartsman avalia que os movimentos do mercado  têm sido muito mais ditados pelo pânico do que por um raciocínio mais elaborado. Ou seja, com o retorno à situação normal, o patamar buscado pelo dólar deve ser inferior ao de hoje, inclusive abaixo de R$ 5. "Eu não ficaria espantado", diz.

Por ora, não há nada no âmbito econômico que o governo brasileiro possa fazer para reverter o atual quadro de instabilidade, no entendimento de Schwartsman, uma vez que as principais forças do que está acontecendo não vêm de dentro, mas sim de um movimento mundial causado pela pandemia. 

"As ações estão muito mais do lado de medidas de saúde pública, que podem mostrar um impacto menor da epidemia no Brasil", diz. 

Na visão do economista, o que deve ser feito, mas nem tanto para tentar uma valorização do real e consequente baixa do dólar, mas sim porque é "o absolutamente correto", é mostrar que o país tem estratégias para lidar com o vírus, algo que  o governo não tem mostrado, inclusive o presidente Jair Bolsonaro. 

Para Schwartsman, o quanto antes o Brasil tiver condições de abandonar a quarentena e o isolamento social, melhor vai ser para a  economia local.