Sem orientação adequada, donas de pequenos negócios relatam dificuldades para entender as mudanças na economia e veem sua renda ameaçada
por
Manuela Dias
|
28/11/2025 - 12h

A falta de informação qualificada tem se tornado uma das principais barreiras para microempreendedoras brasileiras que dependem de insumos importados ou de produtos cujo preço varia conforme fatores globais. Em meio a mudanças recentes nas taxas, oscilações cambiais e aumento da burocracia para transações internacionais, muitas afirmam que não sabem onde buscar apoio técnico. É o caso de Danielle Nayara, maquiadora e microempreendedora, que iniciou seu negócio após deixar o emprego formal para trabalhar com eventos.

“Eu sempre gostei de maquiagem, mas nunca tinha pensado em maquiar outras pessoas. Só comecei depois de uma sugestão, fiz um curso e acabei me apaixonando pela profissão”, conta. Hoje, ela atende clientes em casa, em eventos e até pernoita em residências para preparar noivas e madrinhas. Mas apesar da agenda cheia, manter o negócio funcionando tem se tornado cada vez mais complexo.

Um desafio diário

Para Danielle, o principal custo do seu trabalho é a compra de materiais: produtos que sofrem variações constantes de preço, muitas delas impactadas por fatores externos. “Um produto que eu comprei por um valor semana passada já está mais caro hoje. Quando isso acontece, eu preciso ajustar meus preços, porque se não aumento, perco margem”, explica.

Ela relata que, muitas vezes, não entende o motivo dessas oscilações nem encontra informação clara sobre o que está influenciando o aumento. Esse descompasso entre preço e explicação não só dificulta o planejamento, como a impede de aproveitar oportunidades.

“A qualidade dos produtos é essencial. Se o material é ruim, não adianta eu ser boa. Só que para comprar produtos bons, eu preciso pesquisar muito. E os preços mudam rápido demais”, diz.

A falta de informação também interfere na profissionalização. Em eventos como a Beauty Fair, Danielle conseguiu adquirir produtos de alta qualidade com preço reduzido, mas admite que depende do acaso: “Eu fico sabendo por redes sociais. Se eu não vejo no Instagram ou no TikTok, eu perco a chance.”

Redes sociais como principal fonte

Como muitas microempreendedoras, Danielle se informa principalmente pelas redes sociais. “É onde está tudo hoje: Instagram, TikTok, WhatsApp. É ali que vejo notícias, promoções e mudanças”, afirma. O problema, segundo especialistas, é que essa dependência de canais informais deixa empreendedoras vulneráveis. Notícias sobre variações cambiais, tarifas, mudanças em importações ou novas regras para comercialização de cosméticos dificilmente chegam a essas mulheres de forma clara e estruturada. Isso faz com que muitas decisões sejam tomadas às cegas.

Economistas e organizações ligadas ao empreendedorismo feminino têm reiterado que a falta de informação clara é hoje um dos maiores riscos para pequenos negócios liderados por mulheres. À medida que insumos sofrem com oscilações globais, e que o comércio exterior se torna mais complexo, milhares de empreendedoras enfrentam um mercado imprevisível sem apoio técnico.

No caso de Danielle, o impacto ainda é administrável, mas ela admite a preocupação: “Eu tento acompanhar tudo, mas é difícil saber o que realmente vai afetar meu trabalho. Às vezes, descubro um aumento só quando chego na loja para comprar”, relata.

Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”.
“Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”. Reprodução: arquivo pessoal 

Força para manter o negócio! 

Apesar dos desafios impostos pela falta de informação, pelos custos instáveis e pelas mudanças constantes no mercado, mulheres como Danielle continuam sustentando seus negócios com esforço diário, intuição e dedicação. A realidade que enfrentam é marcada por incertezas, mas também por uma determinação que atravessa jornadas longas, madrugadas de trabalho e decisões tomadas sem o suporte adequado.

No fim das contas, o que sustenta esses negócios não é apenas acesso a crédito ou políticas públicas: é a força de mulheres que, todos os dias, escolhem continuar. A luta feminina, silenciosa ou coletiva, segue sendo a certeza em meio ao cenário incerto e continua provando que, quando essas mulheres resistem, elas transformam não só suas próprias histórias, mas também o futuro do empreendedorismo no país.

 

Transformando a vida de milhões de pessoas todo ano, merece mais reconhecimento e recursos para manter o Brasil vivo
por
Vítor Nhoatto
|
28/11/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

Uma das poucas certezas de todo ser humano, tal qual a morte, é a doença. Sabe aquele resfriado que vem junto ao seco do frio, uma ferida que infecciona depois de cair de bicicleta, até aquelas mais sérias que podem aparecer. Fato é que sem saúde não se vive, sendo um direito constitucional não por acaso. Sendo assim, é preciso que o acesso a essa necessidade tão básica quanto respirar e se alimentar seja universal, e não um bem a se comprar apenas por aqueles que podem.

Para isso então que existe o Sistema Único de Saúde (SUS), tão falado e muito mais presente na vida do que alguns podem sequer imaginar, ou querer. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador dos medicamentos disponíveis no país, de controle alimentar e hídrico, faz parte do SUS. Regulamentado em 1990, é responsável pelas vacinas e desenvolvimento científico ainda, e sabe os planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde (ANS), que os regula, também é integrante do sistema.

Para falar dessa diferença real na vida, antes é preciso até olhar nos papéis para lembrar já a quanto tempo ele é médico, enfermeiro, farmácia. De cabelos curtos hoje, depois de uma repaginada no visual devido ao câncer de pulmão que teve justamente na pandemia de COVID-19, Léia Marisa celebra que há dois anos consegue receber na AME Maria Zélia o micofenolato de Mofetila. Pois é, muitas vezes quando o nome é chique o preço é alto, uns R$500 por caixa, mil reais por mês gastos antes da papelada ficar pronta e ser aceita em 30 de novembro de 2023, já que a doença não espera os trâmites e filas.

A ex-professora, atual dona de casa e empresária a distância do seu restaurante, conta como o período de descoberta e tratamento do câncer, que levou até questões reumatológicas, e ajudou a descobrir uma artrite reumatoide, foi muito difícil. Entre dezenas de idas ao hospital de 2020 até 2023 até chegar ao diagnóstico, foram dias desgastantes, assustadores, e toda ajuda foi essencial, principalmente com os custos de sobreviver à doença. No caso dela, o tratamento do tumor foi feito em rede privada graças ao seu plano de saúde empresarial, que custa salgados R$5 mil reais ao mês. Só aqui são quase quatro salários mínimos, um privilégio muito grande, como ela destaca, olhando para um país em que apenas 7,60% da população ganha entre 5 e 10 salários como o Censo de 2022 do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística revela. 

Se aprofundando mais ainda nos fatos, de acordo com o estudo “Quanto custa o câncer” de 2023 do Observatório de Oncologia, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) e do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, os custos de tratamento da doença quadruplicaram nos últimos três anos. Uma sessão de radioterapia ou quimioterapia custava quase R$800 em 2022, e dezenas são necessárias na maioria das vezes. Acrescentando nessa conta, consultas, tomografias e biópsias, mil reais ali e cinco acolá, o custo chega facilmente ultrapassa dezenas de milhares de reais. Isso é ainda mais preocupante tendo em conta a incidência do câncer na população, que segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) entre 2023 e 2025, 704 mil pessoas terão a doença como Marisa. 

E com isso que o SUS se mostra como algo tão relevante, oferecendo tratamento integral e gratuito contra todos os tipos de cânceres. Claro que muitos problemas existem, como destaca Marisa ao lembrar que quando estava no meio do tratamento enfrentou problemas com o plano de saúde, mas que só o medo de depender da demora do SUS caso fosse preciso, a preocupava muito. A saúde é o bem mais precioso para, o que para todos provavelmente deva ser, e por isso justamente que em 2012 a lei 12.732/12 obriga que o tratamento contra o câncer tem que ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico. 

Mas além disso, com os olhos marejados depois de navegar novamente no mar agitado que foi a jornada até a vida que tem hoje, curada e com o diagnóstico da sua doença crônica, ela volta e lembra que a diferença que não ter que pagar pelo Micofenolato que a mantém respirando faz.  Quando tinha que arcar com as despesas era como um fardo a mais imposto a ela, que considera a saúde hoje como o bem mais valioso. As idas mensais  ao posto são um alívio hoje para ela, destacando que o seu medicamento nunca faltou até então, mas que já presenciou pessoas na situação contrária e que não tinham como arcar pessoalmente com os gastos. Essa é uma realidade infelizmente, segundo fiscalização de 2023 da secretaria de contas do Estado de São Paulo, em quase metade dos postos visitados faltavam algum medicamento.

papéis
A cada seis meses Marisa tem que renovar a receita e toda a papelada para solicitação do seu medicamento junto a AME - Foto: Vítor Nhoatto

Milhões de uns

Mesmo que falte muito, afinal, só 4,16% do orçamento federal foi destinado à saúde em 2024 segundo o Painel do Orçamento Federal, a porcentagem vem aumentando desde 2022, e milhões de brasileiros são atendidos todos os dias. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema universal de saúde, e 213 milhões dependem diretamente do SUS, segundo o Ministério da Saúde, que contabiliza em média 2,8 bilhões de atendimentos por ano, empregando 3,5 milhões de profissionais.

E mais um desses uns é Valdir Sousa, que do alto de seus 63 anos de idade é um típico caso brasieleiro. Com diabetes do tipo II há 20 anos e hipertenso, conta que se não fosse o acesso ao sistema gratuito, sua vida seria muito diferente, obviamente pelo lado financeiro, e muito também pelo bem-estar. O mineiro nascido em São João do Paraíso e que vive em São Paulo há décadas já viu tanto na vida, e com o passar do tempo o que todos querem e merecem é justamente qualidade de vida. Essa no caso, em grande parte possível graças a insulina que busca no posto na Freguesia do Ó e os comprimidos que cuidam do seu coração acelerado.

Justamente essa hipertensão que é a doença mais presente nos peitos animados dos brasileiros, e 52% da população é diagnosticada com alguma DCNTs, como revela a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Além disso, segundo dados de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) como as de Valdir são tecnicamente chamadas, são as mais comuns no mundo e no Brasil, com o diabetes inclusive tendo aumentado 70% entre 2000 e 2019. 

Para contextualização, nos Estados Unidos existe há alguns anos o movimento nas redes sociais insulin4all, criado pela organização sem fins lucrativos T1 International, que denuncia os altos custos da insulina no país, onde um frasco de 10ml gira em torno de U$330. Tal situação vem levando inclusive pessoas a racionarem o medicamento, o que pode levar a complicações e até a morte em casos mais graves. Já no Brasil, o mesmo remédio é disponibilizado pelo SUS, e o preço máximo permitido por lei é de R$125,30. 

Diante desses dados e o envelhecimento da população fica claro como a saúde vai ser cada vez mais necessária, tal qual destaca o jovem de espírito Valdir, que já foi pedreiro e auxiliar de manutenção geral em uma lanchonete, justamente no Hospital das Clínicas. As histórias que já viu na maior referência de saúde pública brasileira enchem a sua mente, e as palavras saem inquietas sobre as melhorias que o SUS precisa e as pessoas merecem. Ele conta em meio a suspiros que quando precisa de exames mais urgentes, ou consultas em meio a crises, tem que recorrer ao plano de saúde da sua esposa, do qual é dependente, já que as unidades de saúde estão sempre cheias e a fila de espera passa de meses algumas vezes. 

Foi nessas passagens obrigadas pela rede privada que ele inclusive descobriu mais um integrante do seu pacote, a doença renal crônica há um ano. Porém, é no SUS que o acompanhamento com nutricionista, nefrologista e endocrinologista foi possível, uma rotina de cuidados essenciais para uma boa qualidade de vida para quem tem a condição. É graças a essa rede de profissionais e a farmácia popular que Valdir vai aproveitando com os dois filhos e a mulher os seus dias, frisando com a voz até meia trêmula, que sem isso não poderia se ter o seu direito de viver com saúde exercido plenamente.

medicamentos
São graças a compostos como esses que tanto Marisa ou Valdir, e os mais de 100 milhões de brasileiros com doenças crônicas podem viver bem tal qual a constituição garante - Foto: Vítor Nhoatto

 

Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
|
14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
|
07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

1
"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

2
Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
|
24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

por
Fabrício Indrigo
|
15/05/2020 - 12h

A segunda maior economia do planeta está enfrentando uma situação que ameaça todos: a desaceleração econômica, cujo principal agente causador é a pandemia da Covid-19. O surto da doença não atinge apenas o setor econômico, como também o social.

Em território chinês, estima-se que até o dia 20 de abril houve um total de 84.237 contaminados, 77.084 curados e 4.642 mortes. Diversas províncias foram bloqueadas, como Habei, cuja capital, Wuhan, foi o epicentro da doença e supostamente o local onde se originou o corona. Devido ao fechamento dessas províncias, muitas empresas e indústrias acabaram por demitir funcionários. É necessário lembrar que a China ainda é considerada um país em desenvolvimento, com mais de 5,5 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza extrema (estabelecida pelo governo em 2.300 iuanes, cerca de US$ 330 por ano). Além do aumento do desemprego, houve cortes de salários após o surto do coronavírus.

Pessoas aguardando transporte em Wuhan (Foto:OlharDigital)
Pessoas aguardando transporte em Wuhan (Foto: OlharDigital)

Com isso, o Partido Comunista da China provavelmente não conseguirá cumprir a promessa de transformar o país em uma “sociedade de classe média” até o fim deste ano e deve enfrentar uma instabilidade social jamais vista nas últimas quatro décadas. Entre dezembro e fevereiro, os dados oficiais do governo indicam um acréscimo de 5 milhões de pessoas no contingente de desempregados. 

O banco Nomura, conhecido por sua visão pessimista dos fatos, estima perda de 18 milhões de vagas de emprego no setor de exportação chinês, que representa um terço da mão de obra. Essa possível explosão do desemprego afeta não somente o governo chinês, como os governos mundiais, visto que a China é grande parceira comercial de inúmeros países, como é o caso do Brasil.

Todas essas perspectivas trazem um fato: o PIB da China contraiu-se em 6,8% no primeiro trimestre deste ano, segundo dados do Gabinete Nacional de Estatística. É o primeiro recuo desde 1976, ano da  morte de Mao Tsé-Tung e de seu primeiro ministro Zhou Enlai, além de ao menos  250.000 pessoas, devido a um terremoto na região de Tangshan. Nessa ocasião o PIB encolheu 1,6%. O PIB registrado neste trimestre também representa a menor marca desde 1961, quando a economia chinesa despencou 27,3%, devido, segundo historiadores, a políticas equivocadas do líder da revolução.

Desde então, a economia do país tem passado ilesa e com índices extremamente positivos perante as últimas crises mundiais: “torres gêmeas em 2001” (+ 8%), “crise de 2008” (+ 9%) e a recente “guerra comercial com os EUA” (+ 6,7%). O declínio do primeiro trimestre, apesar de esperado, pode prenunciar uma crise sem precedentes. 

Os setores que levaram a esse resultado no primeiro trimestre foram a indústria (que abrange atividades de manufatura, mineração e serviços públicos), com recuo de 13,5%, as vendas no varejo (-20,5%) e  os investimentos em ativos fixos (despesas com itens que incluem infraestrutura, propriedades, máquinas e equipamentos), com queda de 24,5%. Esses números catastróficos, somados à desaceleração da economia em virtude da guerra comercial com os EUA, ligaram o alerta em Pequim.

Apesar dos dados ruins, o governo mantém um discurso otimista em relação à recuperação. As autoridades afirmam que as consequências da crise econômica são “de curto prazo e controláveis”. 

O economista-chefe da China International Capital Corporation, Liang Huang, afirma que, se a situação se mantiver estável, o país conseguirá um crescimento na casa dos 6%. No entanto, agências internacionais calculam uma expansão de “apenas” 4,8%, o que seria o menor índice anual das últimas três décadas “Precisamos nos preparar para uma crise longa”, disse o conceituado economista Andy Xie, em entrevista ao Valor Econômico, alertando que a recuperação total da economia deverá demorar cerca de uma década.  

O governo chinês também deverá se preocupar com o boicote de economias importantes, como Japão e EUA, que planejam remanejar empresas que hoje operam na China. O Japão inclusive já destinou cerca de US$ 2,2 bilhões do pacote recorde de US$ 1 trilhão em estímulos à economia após o baque causado pela pandemia do coronavírus.      

Esses US$ 2,2 bilhões são divididos da seguinte maneira, US$ 2 bilhões serão destinados para empresas que desejem retornar ao Japão, e os outros US$ 200 milhões para empresas que desejem se mudar e se instalar em outros países. A situação dos americanos é parecida: no mesmo dia em que o Japão anunciou o pacote, o diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, Larry Kudlow, afirmou que os EUA devem pagar custos de mudança de qualquer empresa americana que decida sair da China.

A Covid-19 assombra o mundo: mortes, desemprego, prejuízos ao bem-estar (como saúde mental) estão sendo geradas pela pandemia. O momento é de reflexão e união. A China é acusada de ocultar dados sobre essa doença e enfrentará grande oposição dos líderes mundiais nos próximos meses. A pergunta que fica é: o que o futuro nos reserva? Ficaremos todos bem?  

por
Laura Trindade
|
14/05/2020 - 12h

Num país em que 4,4 milhões de pessoas moram no campo e se sustentam da terra, não é novidade que a agricultura familiar é um dos setores econômicos que, notoriamente, sofrem com a ocorrência de uma crise como a atual, causada pela Covid-19.  Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a agricultura familiar é a fonte de renda para 70% dos brasileiros que vivem no meio rural, além de ser a principal responsável pela produção de alimentos no país, respondendo, por exemplo, por cerca de 70% da produção de feijão nacional, 34% da de arroz e 60% da de leite. 

Com a crise e o isolamento social, o consumo de produtos agrícolas sofreu uma queda considerável. Segundo o agrônomo Eduardo Bellucci, a redução mais imediata se deu na compra de frutas e hortaliças, dois dos principais produtos da agricultura familiar. O profissional da área pontua que a paralisação de restaurantes e o menor movimento nas feiras de rua geraram um enorme impacto para o pequeno produtor, que tem esses dois lugares como principais pontos de venda. Eduardo lembra também que, sem carros nas estradas, esses produtores, que costumam vender suas mercadorias em acostamentos de rodovias, tiveram que interromper essa prática. 

Segundo Maria Caze, da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas devido à redução do consumo, agricultores não vão deixar de produzir. Mas, assim como lembra Maria, há outro fator preocupante que precede o consumo: a logística, concentrada em grandes empresas e quase exclusivamente no transporte rodoviário, no caso dos pequenos agricultores. Isso cria um risco de atraso nas entregas, caso haja, por exemplo, uma corrida aos supermercados em meio à crise.

Tendo em vista esse cenário, algumas medidas estão sendo tomadas pelo governo federal para que pequenos e médios produtores rurais continuem suas atividades. De acordo com a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer),  produtores (principalmente os de flores, hortifrútis, leite, aquicultura e pesca) terão um auxílio para assegurar pequenas despesas que incluem desde sua estrutura produtiva a custeio de atividades. Essa assistência envolve também uma linha especial de crédito para agricultores familiares, o Pronaf, na qual, o limite por produtor será de R$ 20 mil. E, da mesma forma, foi também criada uma linha especial de crédito com limite de R$ 40 mil.

Medidas como essa são de extrema importância, afinal, como conclui Eduardo Bellucci, “se, a curto prazo, o efeito da crise já está sendo muito sentido, os efeitos a longo prazo são ainda maiores”. Maria Craze, por sua vez, nota que a Covid-19 surgiu em um cenário já desfavorável para a agricultura familiar.“Não podemos deixar de dizer que a chegada dessa pandemia, no momento em que o Brasil se encontra, período de estagnação econômica fruto do governo e suas ações, traz um prejuízo enorme para o campesinato dar conta da sua missão que é a produção de alimentos."

por
Luísa Eller
|
14/05/2020 - 12h

Em meio à crise mundial, os Estados Unidos se tornaram o epicentro do novo coronavírus, com mais de 80 mil vitimas fatais e 1,2 milhão de casos registrados no dia 11 de maio. A potência americana relutou bastante para admitir a gravidade do vírus e tomar as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas acabou adotando a quarentena e o isolamento social. O presidente Donald Trump se desdobra para reduzir o número de contaminados e mortes, além de tentar salvar a economia do país de uma recessão muito forte nos próximos meses.

coronavirus EUA
Trump aprovou um pacote para injetar mais de US$ 2 trilhões na economia. (Tom Brenner/Reuters)

 

Os Estados Unidos já ultrapassaram a China e a Itália e estão vivendo um caos, causado pelo coronavírus. A população de Nova York, principal cidade afetada, relata um cenário apocalíptico, com prateleiras vazias e hospitais lotados. As normas de restrição são severas e devem ser seguidas por todos, já que a nova doença foi a segunda maior causa de mortes no país na segunda semana de abril. O grande fluxo de pessoas na cidade, a alta densidade populacional e a ausência de políticas públicas para controlar os níveis de transmissão da doença, somados à negligência do governo com relação ao vírus, contribuíram para essa situação nos EUA.  Trump demorou  para aceitar que a economia teria que ficar de lado por um tempo e que o isolamento social era imprescindível para conter a doença.

A administração atual tem no liberalismo econômico uma de suas bandeiras, mas, com o surto da doença, começou a intervir na economia. Trump aprovou um pacote de ajuda de mais de US$ 2 trilhões para amortecer os impactos da Covid-19, além de assinar um termo que obriga a General Motors a produzir respiradores para hospitais. Essas ações não são comuns em países neoliberais, com pouca interferência do Estado, e mostram uma preocupação com a pandemia.

O professor de economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Julio Motta avalia que nesse momento os governos devem interferir na economia. “O papel do Estado em um regime capitalista é ser um agente estabilizador do sistema. Momentos como esse precisam de forte ação estatal. Esse deve vir com medidas de distribuição de renda, alívio tributário, facilitação de empréstimos via bancos públicos, entre outras medidas”, afirma.

Outra preocupação que os políticos americanos estão enfrentando são as eleições presidenciais, que ocorrem ainda este ano. Trump se viu preso no embate entre a crise humanitária e econômica e em como conseguir sair dessa situação para consumar seus votos no final do ano. Na visão de Motta, Trump pensou muito nas eleições quando começou a lidar com a crise. “No regime democrático, nada legitima mais um presidenciável do que o bom ambiente econômico. Tendo em vista que as eleições se aproximam, Trump tentou postergar a colheita dos resultados econômicos ruins que viriam a partir do isolamento”, diz.

Um consenso entre economistas é que a crise que virá será avassaladora em todo o mundo. O doutor em economia Paulo Gala prevê que os EUA vão passar por uma recessão imensa. “Vai ser uma crise do tamanho da crise de 29, ou maior, em termos de queda de PIB. Talvez dure menos tempo, porque o governo americano está reagindo.”

A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) é de que o PIB dos EUA caia 5,9% neste ano Ainda assim, Gala observa que não será desta vez que a China assumirá o posto de maior potência econômica do mundo.  “A China vai ultrapassar os EUA, mas não agora, dentro de 30 a 40 anos, porque é uma economia muito maior, tem uma escala muito maior”, analisa. Ou seja, não seria por conta da crise da Covid-19, como apontam algumas teorias, mas por uma  tendência assinalada há bastante tempo.

As atitudes recentes do governo americano não são condizentes com a política econômica liberal do país, que não apoia a intervenção do Estado. Mas, em situações de crise, dificilmente um governo não iria intervir na economia para tentar conter os impactos da recessão. Uma discussão que muitos cientistas políticos e econômicos estão tendo é se o liberalismo é um sistema viável para lidar com crises humanitárias e se existem modelos mais aptos para ajudar uma sociedade nesses momentos. Grande parte dos pensadores econômicos acredita que, independente do modelo de governo, o Estado é necessário em alguns casos, como uma pandemia. Paulo Gala afirma que o liberalismo é um sistema falho ao tratar de crises. “O liberalismo não é um sistema eficiente. O sistema de mercado é muito eficiente para criar riqueza, inovação e produtividade, mas ele é péssimo para distribuir”, complementa.

 

por
Gabriela Reis
|
13/05/2020 - 12h

 (IFood/Divulgação)
Plataforma de delivery registrou aumento de pedidos de interessados em atuar na área (iFood/Divulgação)

A crise sanitária causada pelo novo coronavírus suspendeu quase completamente a atividade econômica de milhares de empresas. Lojas, restaurantes, shoppings e bares em todo o país foram fechados para conter o avanço da doença e estimular o isolamento social.

Enquanto uma parte da população está confinada, muitos trabalhadores têm de enfrentar o perigo da contaminação para suprir as demandas da sociedade. Entre médicos, policiais, jornalistas e tantos outros, os entregadores também estão entre os profissionais que se expõem ao máximo para que muita gente possa ficar protegida em casa.

Devido ao aumento da procura, o comércio enxergou as entregas como uma forma de continuar funcionando. "Os mais diferentes serviços, inclusive de diferentes atividades econômicas, fazem hoje a sua atividade por meio da entrega desses produtos", afirma Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Segundo o levantamento feito pela Corebiz, empresa de inteligência para marcas do varejo, as vendas online cresceram 330% em março só no setor alimentício, comparado ao mês anterior.

"As pessoas estão estocando tudo o que podem", afirma Junior Jesus, 31, associado à Rappi. "Perdemos muito tempo em mercado por um valor muito baixo, então temos que ficar mais tempo na rua", completa.

Com o crescimento acelerado de pedidos de produtos por delivery, a categoria enxergou a crise como oportunidade de trabalho. Empresas de entregas por aplicativo, como  iFood e  Rappi, registraram um aumento significativo no número de cadastrados em suas plataformas.

O vice-presidente financeiro e estratégico do iFood, Diego Barreto, informou à Reuters que,  somente no mês de março, a plataforma recebeu cerca de 175 mil inscrições de candidatos interessados em atuar como entregadores, mais que o dobro das solicitações de fevereiro. Já a empresa colombiana Rappi chegou a registrar um crescimento de 300% no número de pedidos para cadastros de entregadores.

Para Clemente Ganz Lúcio, o aumento do número de inscrições se deve ao fato de  muitos destes indivíduos verem as plataformas como uma oportunidade de renda durante a pandemia. "Muitos deles são pessoas que já estavam na situação anterior de desemprego. Outros entraram na situação de desemprego agora com a pandemia e passaram a fazer esse tipo de entrega.” 

Este foi o caso de Paulo Ribeiro, 22, que trabalha há mais de um ano como entregador de aplicativo. "Eu saio para a rua porque infelizmente não tem jeito, eu fui mandado embora do meu trabalho", afirma. 

(In)Visibilidade

Rappi (Carol Smiljan/NurPhoto/Getty Images)
Entregadores trabalham cada vez mais, e ganham cada vez menos (Carol Smiljan/NurPhoto/Getty Images)

As medidas de isolamento social têm impulsionado a categoria que nos últimos dois anos vem ganhando importância nas grandes cidades brasileiras.  

Ainda assim, estes profissionais trabalham sem nenhuma garantia de auxílio de renda em caso de acidentes, sem descanso semanal remunerado e nem férias, e muito menos FGTS ou 13˚salário.

De acordo com uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, um ciclista que trabalha mais de 12 horas por dia ganha mensalmente uma média de R$ 995,30, valor menor que um salário mínimo, que hoje vale R$ 1.045. 

Foi por esse motivo que os entregadores de aplicativo da cidade de São Paulo paralisaram no início de abril um trecho da Avenida Paulista, protestando contra a baixa remuneração, que se tornou ainda menor em tempos de pandemia.

Em um vídeo divulgado no Instagram do portal Napaulista e Região (@napaulista), os entregadores manifestaram suas demandas. “É sobre as taxas, estão pagando muito pouco pra gente”, afirmou um manifestante não identificado. 

“É uma falta de comunicação com a gente, o pessoal bloqueia a gente do nada”, apontou outro entregador, completando: “Queremos mais transparência dos aplicativos”.

As empresas afirmam que os associados são autônomos e que trabalham de acordo com a sua disposição e necessidade, de forma que a plataforma funciona apenas como uma ”ponte”, auxiliando a comunicação entre as partes.

Para o diretor técnico do Dieese, o futuro destes trabalhadores é incerto. “Muito provavelmente esse tipo de atividade continuará tendo uma presença muito forte, talvez muito maior do que vinha tendo até a crise, e esses trabalhadores precisarão ter um tipo de organização”, avalia.

Como alternativa, Ganz Lúcio sugere a criação de sindicatos que teriam a função de garantir direitos dos entregadores. “É necessário evidentemente construir um conjunto de protocolos de regras e de condições para dar proteção a esses trabalhadores.”

Cuidados em tempos de coronavírus

Como outros profissionais de serviços essenciais, os entregadores estão se expondo para que muita gente possa ficar protegida em casa. Para isso, esses trabalhadores precisam tomar cuidado redobrado para garantir a própria saúde e a dos clientes.

Claudia Roberta de Castro Moreno, professora do departamento de saúde, ciclos de vida e sociedade da FSP/USP, explica qual é o protocolo que deve ser seguido na entrega de encomendas: “Antes de cada entrega, a máscara deve ser colocada e o álcool gel utilizado nas mãos ao pegar o pacote e após entregá-lo, considerando que não é possível lavar as mãos na rua”.

“É claro que, idealmente, todos esses trabalhadores deveriam ser testados, mas, dada a complexidade dos testes e também sua escassez, as medidas de proteção devem ser rigorosamente seguidas”, afirma a especialista. 

Os clientes também devem adotar alguns novos hábitos. Além da utilização de máscaras ao receber a mercadoria, também é necessário higienizar a embalagem e lavar as mãos depois de manuseá-la.

O associado à Rappi Junior Jesus diz que as pessoas estão muito assustadas. “Elas veem nós, motoboys, como se estivéssemos expelindo o vírus. O pior é que a maioria não reconhece que estamos nos arriscando para a proteção delas", declara.

por
Beatriz de Oliveira
|
12/05/2020 - 12h

A debilitada estrutura do SUS (Sistema Único de Saúde) prejudica o enfrentamento à Covid-19. As deficiências passam pela falta de equipamentos, de profissionais e de testes. Isso devido à condição de subfinanciamento que é imposta a esse sistema desde sua criação. 

Estimativas apontam que haverá falta de leitos nos cenários mais diversos. Se 20% da população for afetada em um período de seis meses, por exemplo, faltarão 100% dos leitos. Se uma parcela muito menor, de 0,1% da população, for afetada, faltarão 44% dos leitos.   

Note-se que 0,1% da população equivale a 210 mil pessoas. Até 13 de abril, o país tinha 20.964 casos confirmados.  Mas é preciso colocar nesta equação a falta de testes e a consequente subnotificação no número de confirmados da doença. E, levando isso em conta, previsões apontam que a infecção de 0,1% já havia chegado até aquela data. Diferentes estimativas previam infecção de 313 mil casos confirmados até o dia 11 de abril e 235 mil casos até o dia 10 de maio. 

Num país em que quase 70% da população depende exclusivamente do SUS, essas e outras previsões são preocupantes.

 

Entenda  
Segundo levantamento do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) 72% das regiões cobertas pelo SUS tem número de leitos abaixo do mínimo recomendado, de dez por 100 mil habitantes. Cento e quarenta e duas regiões não possuem nenhum leito. O estudo aponta ainda que, em um cenário com 20% da população afetada em um período de seis meses, seria necessário o dobro de leitos disponíveis. 
Pesquisadores do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional) apontam que em um cenário com 0,1% da população infectada faltariam leitos em UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) em 44% das regiões cobertas pelo SUS. O percentual da população considerado na simulação (0,1%) equivale a 210 mil pessoas. Até 13 de abril eram 23.430 casos confirmados. 
Estimativa da Covid-19 Brasil - iniciativa que reúne estudantes e cientistas de várias universidades - indica 313 mil casos confirmados até o dia 11 de abril, número 15 vezes maior que os dados oficiais desta data. Já o Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS) - grupo formado por pesquisadores da PUC-Rio, Fiocruz, USP e IDOR - aponta 235 mil casos até o dia 10 de maio, 12 vezes maior do que os dados divulgados no dia. 
Pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) indica que 69,7% dos brasileiros não possuem plano de saúde, seja individual ou empresarial.
 
                                      
                                                               
Hospital de campanha no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Por: Reuters
Hospital de campanha no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Por: Reuters 

 

Expectativa x realidade 

A doutora em Saúde Pública e professora associada da Universidade de São Paulo Laura Camargo Macruz Feuerwerker diz que, se o Brasil tivesse o  “SUS ideal” (com todas as capacidades previstas em sua criação), o cenário seria diferente. Antes de a doença se espalhar, haveria um plano articulado de enfrentamento, considerando as diferentes realidades das regiões brasileiras. O país teria também laboratórios públicos para fabricação de insumos e testes, o que é muito útil quando o mundo todo quer comprar as mesmas coisas. 

O que se observa hoje, no entanto, são ações individuais e demora de respostas. Sobre a coordenação entre estados e municípios, Feuerwerker afirma que, embora haja exceções, “existe muito mais tensão do que trabalho em conjunto”. Ela dá o exemplo da Grande São Paulo, onde há, em sua visão, uma tendência de centralização da secretaria estadual, com pouco diálogo, o que faz com que os municípios atuem por conta própria. Soma-se a isto a lentidão em pedidos de testes e nas compras de equipamentos de proteção individual (EPIs) e respiradores. 

Feuerwerker considera importante a ampliação de leitos que vem sendo implantada, mediante, por exemplo, a criação de hospitais de campanha. Mas qualifica como “tímidas” as ações em territórios mais vulneráveis. As UBSs (Unidades Básicas de Saúde) têm feito trabalho de organização de fluxos dentro de seus espaços, mas há poucas ações fora deles, nas comunidades. Isso permitiria um mapeamento das necessidades dessa parte da população, mas é impossibilitado em grande medida pela falta de estrutura e pessoal. 

A professora chama atenção ainda para as desigualdades presentes ao longo do território brasileiro. Em São Paulo, por exemplo, a capacidade instalada nas regiões mais pobres é menor, e as pessoas terão que ser transferidas para outros pontos da cidade. O Amazonas, que já chegou a até 95% de leitos para Covid-19 ocupados, foi o primeiro estado a entrar em colapso na saúde. 

Entenda 
Pesquisa divulgada em abril pela Rede Nossa São Paulo revela uma distribuição desigual de leitos nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) na capital paulista. De acordo com o estudo, três subprefeituras localizadas em regiões mais ricas concentram 9,3% da população do município e mais de 60% dos leitos públicos de UTI. E em sete subprefeituras localizadas em regiões mais pobres da cidade, que concentram 20% da população, não há nenhum leito. 

O ano de 2020 começou com uma redução de R$ 6 bilhões no orçamento do gasto público em saúde. No mês de março, o governo federal anunciou uma adição de R$ 5 bilhões para o combate ao novo coronavírus. Ou seja, ainda há uma perda de R$ 1 bilhão do orçamento esperado para um ano típico (sem o advento da pandemia). É o que aponta José Alexandre Buso Weiller, doutor na área de economia política da saúde e diretor-geral da Fundação Juquery, entidade pública que desenvolve serviços de saúde e assistência social. 

Ele aponta que o descumprimento da destinação de no mínimo 30% do Orçamento da Seguridade Social (OSS) para o SUS, como previsto na Constituição, é um dos fatores que explicam o atual sucateamento desse sistema. Nota-se também a facilitação aos planos de saúde privados, com a criação da Agência Nacional de Saúde (ANS), o crescimento de subsídios públicos e o não ressarcimento ao SUS pelos serviços públicos prestados aos seus consumidores.  

Todo esse incentivo à saúde privada ajudou a criar a imagem de que o problema do SUS é a gestão e não a falta de recursos. Empresas ganham isenção fiscal ao oferecer planos de saúde privados aos empregados. Em 2018, a União deixou de arrecadar R$ 39 bilhões no setor da saúde devido a gastos tributários. Há ainda a Lei 8.666 de 1993, que prevê normas para licitações e contratos. Na prática, faz com que compras de equipamentos para saúde demorem meses, além da paulatina diminuição de pessoal. Esses e outros embargos tornam a gestão privada mais atrativa e fortalecem o discurso liberal. 

Weiller aponta também a Desvinculação de Receitas da União (DRU) como fator gerador de déficit no OSS. Em 2018, o valor retirado deste orçamento foi de R$ 170 bilhões. Se considerado um gasto de R$ 116 bilhões com o SUS (valor previsto para 2020), o valor retirado equivale a “1,5 SUS”.  A DRU permite que o governo retire parte dos recursos destinados a áreas prioritárias para usar, por exemplo, no pagamento de juros da dívida pública. 

O Brasil é o segundo país do mundo que mais paga juros da dívida pública. A dívida está estimada, neste ano, em R$ 1,6 trilhão, dos quais R$ 415 bilhões relativos a juros. Weiller diz ser necessária uma auditoria cidadã da dívida pública, mobilizando a população na cobrança de transparência. Entre os objetivos, estaria o alongamento dos prazos para pagamento da dívida e seus juros (os quais podem ser definidos pelo Estado) e o maior investimento em áreas  prioritárias, como a saúde. 

Com a Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu o teto dos gastos públicos, o SUS passou do subfinanciamento para o desfinanciamento, afirma Weiller. A emenda prevê o congelamento de gastos sociais por 20 anos (até 2036). O valor das despesas primárias só é reajustado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), sem levar em conta crescimento populacional e inflação, por exemplo. Isso faz com que a saúde pública receba menos recursos  a cada ano. 

Na atual pandemia, a sociedade necessita ainda mais do sistema público de saúde. Como medidas que poderiam ser tomadas de imediato para evitar um colapso e garantir amplo atendimento, Weiller elenca: revogação da Emenda Constitucional 95, extinção da isenção fiscal na área da saúde, supressão da DRU e de despesas inconstitucionais, não privilégio ao pagamento dos juros da dívida pública. Propõe ainda a estatização temporária de leitos de hospitais privados e de fábricas, para produção de EPIs.