Especialistas comentam eficácia e limites da nova atualização
por
Marcelo Barbosa
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06/10/2025 - 12h

No início de outubro, o Banco Central do Brasil divulgou uma nova ferramenta para promover confiança nas transações bancárias. Chamado de “Botão de contestação”, o instrumento faz parte da série de medidas “autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED)”  e poderá ser acionado em casos de fraude, golpe e coerção.

O MED foi criado em 2021 pelo Banco Central. Ele estabelece que a vítima solicite, em até 80 dias da data em que o PIX foi realizado, a devolução do dinheiro ao Banco. Funciona assim: Após receber a reclamação, a instituição avalia o caso. Se o banco entender que o MED se aplica, o golpista pode ter a conta bloqueada. As instituições deverão analisar a denúncia em até sete dias e, se for constatada fraude, a pessoa pode receber o dinheiro de volta em até 96h, caso haja dinheiro na conta do suspeito.

Com a nova funcionalidade, quem precisar fazer o pedido de devolução do dinheiro poderá realizar o processo de forma digital e assim, agilizar o bloqueio de recursos do golpista. Antes, o procedimento era intermediado por uma pessoa que fazia o atendimento.

De acordo com Heluan Santos, especialista em tecnologia da Valios Capital e autor dos livros “Além das Criptomoedas” e “Sempre Alerta” – ambos sobre segurança com dinheiro no ambiente on-line – o botão, apesar de aumentar a segurança e trazer mais confiança, ainda pode ser usado de maneira indevida, assim como ocorre em outras inovações.

Porém, segundo Santos, a expectativa é de que, com filtros e monitoramento, o novo recurso traga muito mais benefícios do que riscos, ainda que a centralização do sistema possa desembocar em decisões unilaterais. “A maior preocupação deve estar voltada para a engenharia social, que hoje é responsável pela maioria dos golpes. Esse tipo de fraude torna o processo de validação mais difícil e continua sendo o grande desafio”, destacou.

O termo "engenharia social" refere-se a uma técnica de manipulação usada por criminosos virtuais para convencer pessoas a revelarem informações pessoais.

Reprodução: Banco Central do Brasil | Imagem oficial do PIX
reprodução: Banco Central do Brasil | Logo oficial do PIX


Renato Cunha, especialista em meios de pagamento e segurança digital e proprietário da 3RMS, empresa de tecnologia para o varejo, lembrou que, mesmo no sistema anterior em que era preciso ligar para o correntista, essas tentativas de contestação fraudulentas já eram praticadas, assim como as tentativas de cancelar compras no cartão diariamente.

Segundo ele, os bancos e operadoras conseguem identificar comportamentos suspeitos e a maior parte dessas contestações sequer chega ao cliente final, pois são barradas antes pelos sistemas antifraude, com exceção de casos em que os criminosos estão dentro dos próprios bancos. "A facilidade na aplicação de golpes [ainda] será explorada. Porém, o número de sucesso nesses golpes é extremamente baixo. Geralmente, ele passa quando tem pessoas mal intencionadas de dentro dos bancos ou operadoras fazendo parte da quadrilha”, afirma Cunha.

Importante destacar que a contestação não poderá ser feita nos casos de desacordos comerciais, erros no envio do PIX ou quando houver arrependimento na transação. De acordo com o Banco Central, o novo botão será exclusivamente para evitar fraudes.
 

A festa que enche o Brasil de cores e os comerciantes de oportunidades
por
Nicole Domingos
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12/09/2025 - 12h

Por Nicole Domingos

 

O Carnaval, que se vende como festa e se compra como tradição, não é apenas desfile de rua, batuque de samba ou fantasia improvisada. É também uma virada de chave para o comércio, que transforma a purpurina em faturamento. Em janeiro de 2024, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), publicou que o ano de 2025 movimentaria mais de R$9 bilhões, reforçando seu posto como uma das datas mais rentáveis do calendário econômico. Na contabilidade da festa, cada rua cheia de foliões é também um corredor de consumo. As farmácias que dobram as prateleiras de protetor solar, os supermercados que multiplicam o estoque de bebidas, as lojas de fantasia que expõem brilhos e lantejoulas como se fossem joias de temporada. Roberto Devidis, representante de vendas para armarinhos e lojas de customização na rua 25 de março,  considera que o carnaval é uma espécie de Natal fora de época.

Nos bastidores da festa, empresários calculam margens, fornecedores disputam espaço nas prateleiras e pequenos comerciantes fazem de cada esquina uma oportunidade. Para Marlene Batista, dona de loja de armarinhos, não existe nenhum período em que cresce as vendas como nesse tempo. Ela diz que antes mesmo da virada do ano já recebe pedidos de escolas de samba, tanto de produtos para a confecção dos carros, quanto para as roupas que serão usadas na avenida. Além disso,  o carnaval cria um ambiente de consumo que vai além da festa. Aumenta o fluxo em bares e restaurantes, multiplica reservas em hotéis e aplicativos de hospedagem, movimenta aplicativos de transporte, gera impacto até nos varejos de eletrodomésticos, com vendas de caixas de som, ventiladores e aparelhos de ar-condicionado. A folia, nesse sentido, extrapola o sambódromo e se infiltra em cada detalhe da vida cotidiana.

O ambulante que vende água, cerveja e todo tipo de bebida no bloco, a costureira que aceita ideias improvisadas de fantasias, o maquiador que tem que sempre ter uma ideia nova e cores vibrantes, todos compõem a cadeia econômica do carnaval. Em uma reportagem postada pelo Ministério da Cultura fica claro como não só os empresários com suas lojas têm a oportunidade de garantir uma boa renda, mas também aqueles que precisam de momentos como esse para sobreviver, como ambulantes que trabalham com eventos sazonais.

Outro ponto relevante é a geração de empregos temporários. Segundo a revista Forbes, a folia deve impulsionar, ainda, o mercado de trabalho, com a criação de 300 mil postos temporários, no interior e no litoral do Estado de São Paulo. O coordenador do Núcleo de Pesquisa da Fhoresp, Luís Carlos Burbano, destaca que esses empregos geram renda imediata para as famílias, contribuindo para a dinamização da economia local. Para muitos trabalhadores, o Carnaval representa a chance de garantir uma renda extra no início do ano. Essa circulação de dinheiro não apenas aquece os centros urbanos, mas sustenta muitas famílias que, durante os quatro dias de festa, encontram mais renda do que em meses inteiros de trabalho formal.

O contraste, no entanto, se mantém: se o brilho é abundante nas grandes cidades turísticas, os municípios sem tradição carnavalesca mal percebem a onda econômica. O comércio local, nesses lugares, vê pouco ou nenhum aumento expressivo nas vendas. Em pesquisas são sempre mostradas locais como o Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Minas Gerais. É como se o Carnaval, enquanto festa, fosse universal, mas enquanto motor econômico fosse seletivo. Ainda assim, mesmo de forma desigual, a festa gera reflexos nacionais, movimentando cadeias de produção que alcançam diferentes regiões.

No fim, a conta é simples: o País veste fantasia, mas o comércio veste números. O carnaval continua sendo um dos maiores espetáculos do mundo, já que a matéria da Forbes explica que lugares com a fama do Rio de Janeiro atraí não só turistas brasileiros como também internacionais para a festa. E de acordo com Enio Miranda, diretor de Planejamento Estratégico do Núcleo de Pesquisa da Federação dos Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp),  o Carnaval está cada vez mais consolidado no calendário de eventos dos turistas estrangeiros.

Na soma final, não se trata apenas de quatro dias de festa, mas de um ciclo econômico que começa semanas, ou até mesmo meses antes, se prolonga depois da Quarta-feira de Cinzas e reafirma a festa como um patrimônio não só cultural, mas também econômico do Brasil.

Indicador registrou crescimento da economia brasileira de 0,3% no segundo trimestre de 2025
por
Marcelo Barbosa
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20/08/2025 - 12h


O Banco Central (BC) divulgou nesta segunda-feira (18) os dados do IBC-BR (Índice de Atividade Econômica do Banco Central do Brasil) referentes ao mês de junho. Os números mostraram uma queda de 0,1% em relação a maio, mas o resultado do segundo trimestre de 2025 se manteve positivo, com um crescimento de 0,3%. O IBC-BR é um dos indicadores oficiais da economia brasileira. Ele faz uma estimativa de crescimento levando em conta três setores: agropecuária, indústria e serviços. O índice foi criado para trazer números frequentes sobre a atividade econômica do Brasil e tem influência sobre as decisões financeiras do país, servindo de auxílio para políticas monetárias, como a taxa de juros (Selic).

Por exemplo, quando a taxa de juros está em patamares elevados, isso reduz a atividade econômica, o que se reflete nos números do indicador. Por isso, atualmente, ele é lido pelo mercado como a "prévia do PIB".

 
 

Fachada do Banco Central do Brasil em Brasília — Foto: Marcello Casal/Agência Brasil
IBC-BR: agropecuária, indústria e serviços tem leve alta no segundo trimestre de 2025 (Marcello Casal Jr./ Agência Brasil)

 

 

Retração da economia

Após quatro meses seguidos de bons resultados, maio registrou a primeira retração do ano, de 0,7% em relação a abril. Em junho, a queda foi de 0,1%. De acordo com o professor de economia Renan Silva, do IBMEC Brasília, "a alta deu-se devido à Selic, que chegou ao patamar de 15%”. Ele explicou que "o que corrobora para essa questão da taxa de juros restritiva é o fato de que os indicadores de inflação vêm arrefecendo. No último relatório Focus, do Banco Central, o IPCA já registra uma inflação, em 2025, de 4,95%, ante os 5,30%, que as projeções vinham indicando”.

 

Os dados oficiais do Banco Central confirmam que a agropecuária foi o principal fator para a retração no trimestre, com uma diminuição de 3,1% no período. Por outro lado, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que o destaque de junho foi o aumento de 0,3% no volume do setor de serviços. A produção industrial teve um recuo de 0,1% no mês, e as vendas no varejo também frustraram as expectativas, recuando 0,1% em comparação a maio. Sob a óptica do professor, o tarifaço de Donald Trump pode trazer efeitos adversos e "provocar uma redução intensa no segundo semestre”.

 

Nos últimos 12 meses, os números ficaram em 3,9%, o que representa uma desaceleração em face ao mesmo período, que marcou uma alta de 4,04%.

 

Para o futuro, Silva acredita que a retração na atividade econômica pode influenciar o COPOM (Comitê de Política Monetária) - órgão responsável por estabelecer as diretrizes da política monetária - a iniciar um novo ciclo na queda dos juros. "Esse ciclo restritivo já teve efeito, o que gerou como resultado a redução na atividade econômica”, conclui. A retração de 0,6% no terceiro trimestre de 2023 havia sido a última queda do indicador antes dos recuos registrados neste ano.

Alimentação e bebidas têm deflação em relação ao mês anterior, enquanto habitação sofreu alta devido ao aumento da conta de luz
por
Marcelo Barbosa P.
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13/08/2025 - 12h

O IBGE divulgou nesta terça-feira (12) o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação do país. Os dados apontam que houve um aumento de 0,26% no mês de julho, uma leve alta em comparação com a taxa de 0,24% registrada em junho. No ano, o IPCA já acumula desaceleração de 3,26% e, nos últimos 12 meses, de 5,23%.

De acordo com o gestor de investimentos e especialista financeiro da WFlow, Guilherme Viveiros, a inflação surpreendeu positivamente. "O índice deste mês veio com o valor de 0,26%, enquanto o mercado via uma elevação de 0,36%". O mês de agosto também deve apresentar queda, com índices negativos o que, segundo Viveiros, "fez com que o mercado começasse a sondar uma possível queda dos juros ainda em 2025".

Entre os setores da economia que apresentaram deflação, ou seja, queda de preços, estão o grupo Alimentação e bebidas (-0,27%), Vestuário (-0,54%) e Comunicação (-0,09%). Em contrapartida, entre os maiores destaques da alta estão os grupos Habitação (0,91%) e Despesas Pessoais (0,76%). A alta do grupo Habitação foi impulsionada pela energia elétrica residencial, com variação de 3,04% - o maior impacto individual no índice do mês. Esse número se deve ao fato de que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) confirmou a bandeira tarifária de agosto, que será a Vermelha patamar 2, a mais cara do sistema. Como consequência disso, haverá um acréscimo de R$ 7,87 para cada 100 kWh consumidos na conta de luz.

O grupo Transportes também teve aceleração, passando de 0,27% em junho para 0,35% em julho, impulsionado pela alta de 19,92% nas passagens aéreas. Por outro lado, os combustíveis tiveram uma queda de 0,64% no mês, com recuos no preço do etanol (-1,68%), do óleo diesel (-0,59%), da gasolina (-0,51%) e do gás veicular (-0,14%).

 Já o grupo Alimentação e bebidas, que tem o maior peso no IPCA, registrou baixa pelo segundo mês consecutivo. A queda em julho foi impulsionada pela alimentação no domicílio, que caiu 0,69% com destaque para redução nos preços da batata-inglesa (-20,27%), da cebola (-13,26%) e do arroz (-2,89%).

 

Reprodução: Tânia Rego/Agência Brasil | Pessoas andando em um mercado
Reprodução: Tânia Rêgo| Pessoas escolhem frutas em um mercado


Rafael Prado, economista e analista de macroeconomia da Go Associados, chama a atenção para o fato de que o valor da inflação deste mês ainda é elevado em relação à meta de 4,5% ao ano. Segundo ele, o resultado deste mês é prova de que a política monetária pode atuar de maneira enfática nos dados. "Quando nós olhamos para os números desagregados do IPCA, vemos que existem grupos, como Habitação que foi impactado pela energia elétrica, que influenciaram para o aumento de julho". Para ele, isso ressalta a importância de "continuar com uma política monetária restritiva, para que a inflação continue caindo e volte ao intervalo de tolerância."

Já o professor de economia João Gabriel Araújo, do Ibmec Brasília, destaca o efeito Trump na economia brasileira. Segundo ele, a guerra tarifária vai ser um dos fatores determinantes para a queda dos preços no Brasil. "Com o anúncio das medidas para o Brasil, especialmente a tarifa de 50% sobre as importações, os produtores nacionais aumentaram os estoques para o mercado interno, reflexo da diminuição das exportações para os Estados Unidos antes da implementação da tarifa e do consequente aumento da oferta de bens no mercado doméstico".

O cálculo do IPCA foi realizado a partir da comparação dos preços coletados entre 1 e 30 de julho de 2025 com os preços vigentes entre 30 de maio e 30 de junho de 2025. O IPCA abrange famílias com rendimento monetário de 1 a 40 salários-mínimos. Já o INPC, que considera famílias com rendimento de 1 a 5 salários-mínimos, teve alta de 0,21% em julho, com acumulado de 3,30% no ano.

A falta de renda fixa, escolaridade e educação financeira empurra jovens para ciclos longos de endividamento.
por
Maria Luiza Pinheiro Reining
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24/06/2025 - 12h

Entre boletos parcelados, cartões de crédito e ofertas de empréstimos rápidos, jovens brasileiros têm se tornado protagonistas de um fenômeno crescente: o superendividamento. Sem renda fixa, sem vínculo formal com instituições financeiras e com pouca ou nenhuma educação financeira, parte expressiva dessa população vê no crédito imediato uma resposta à sobrevivência, ainda que, a longo prazo, isso signifique um acúmulo impagável de dívidas.

A especialista em consumo e pesquisa de mercado, Eduarda Barreto, 27, chama atenção para a complexidade do problema. Para ela, não se trata apenas de comportamento individual, mas de um contexto social e estrutural. “Em 2022, uma pesquisa do Banco Central mostrou que 22% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Isso representa cerca de 11 milhões de jovens sem renda fixa ou escolaridade mínima para acessar melhores oportunidades”, afirma.

Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP
Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP 

Esse grupo, segundo Eduarda, é o mais vulnerável a modalidades de crédito como empréstimos emergenciais ou cartões pré-aprovados. Com pouco conhecimento sobre juros e condições, esses jovens recorrem ao que está disponível mesmo que isso signifique aceitar taxas elevadas e prazos inflexíveis. Ela explica que não se trata de crédito para investir, mas para sobreviver. Muitas vezes, o empréstimo serve para pagar contas básicas como luz, gás e alimentação.

Eduarda destaca que esse ciclo é agravado pela ausência de políticas públicas consistentes de educação financeira desde os primeiros anos escolares. Jovens que não estão inseridos no mercado de trabalho ou na escola muitas vezes não têm qualquer orientação sobre orçamento, crédito ou endividamento. O resultado é um cenário em que decisões são tomadas no impulso da necessidade, sem planejamento ou capacidade de negociação com bancos.

A falta de vínculo estável com instituições financeiras também pesa. Quem não tem um histórico com o banco dificilmente acessa linhas de crédito com melhores condições. Barreto observa que, mesmo com juros altos, muitos jovens aceitam a única oferta disponível, pois não têm tempo nem suporte para tomar uma decisão mais estratégica. Eles precisam do dinheiro de forma imediata.

Embora programas de renegociação de dívidas e feirões "limpa nome" tenham ganhado força nos últimos anos, Eduarda pondera que eles não atacam o problema na raiz. O superendividamento juvenil é reflexo direto de um sistema que oferece crédito sem oferecer estabilidade, informação ou perspectivas.

por
Laura Trindade
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14/05/2020 - 12h

Num país em que 4,4 milhões de pessoas moram no campo e se sustentam da terra, não é novidade que a agricultura familiar é um dos setores econômicos que, notoriamente, sofrem com a ocorrência de uma crise como a atual, causada pela Covid-19.  Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a agricultura familiar é a fonte de renda para 70% dos brasileiros que vivem no meio rural, além de ser a principal responsável pela produção de alimentos no país, respondendo, por exemplo, por cerca de 70% da produção de feijão nacional, 34% da de arroz e 60% da de leite. 

Com a crise e o isolamento social, o consumo de produtos agrícolas sofreu uma queda considerável. Segundo o agrônomo Eduardo Bellucci, a redução mais imediata se deu na compra de frutas e hortaliças, dois dos principais produtos da agricultura familiar. O profissional da área pontua que a paralisação de restaurantes e o menor movimento nas feiras de rua geraram um enorme impacto para o pequeno produtor, que tem esses dois lugares como principais pontos de venda. Eduardo lembra também que, sem carros nas estradas, esses produtores, que costumam vender suas mercadorias em acostamentos de rodovias, tiveram que interromper essa prática. 

Segundo Maria Caze, da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas devido à redução do consumo, agricultores não vão deixar de produzir. Mas, assim como lembra Maria, há outro fator preocupante que precede o consumo: a logística, concentrada em grandes empresas e quase exclusivamente no transporte rodoviário, no caso dos pequenos agricultores. Isso cria um risco de atraso nas entregas, caso haja, por exemplo, uma corrida aos supermercados em meio à crise.

Tendo em vista esse cenário, algumas medidas estão sendo tomadas pelo governo federal para que pequenos e médios produtores rurais continuem suas atividades. De acordo com a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer),  produtores (principalmente os de flores, hortifrútis, leite, aquicultura e pesca) terão um auxílio para assegurar pequenas despesas que incluem desde sua estrutura produtiva a custeio de atividades. Essa assistência envolve também uma linha especial de crédito para agricultores familiares, o Pronaf, na qual, o limite por produtor será de R$ 20 mil. E, da mesma forma, foi também criada uma linha especial de crédito com limite de R$ 40 mil.

Medidas como essa são de extrema importância, afinal, como conclui Eduardo Bellucci, “se, a curto prazo, o efeito da crise já está sendo muito sentido, os efeitos a longo prazo são ainda maiores”. Maria Craze, por sua vez, nota que a Covid-19 surgiu em um cenário já desfavorável para a agricultura familiar.“Não podemos deixar de dizer que a chegada dessa pandemia, no momento em que o Brasil se encontra, período de estagnação econômica fruto do governo e suas ações, traz um prejuízo enorme para o campesinato dar conta da sua missão que é a produção de alimentos."

por
Luísa Eller
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14/05/2020 - 12h

Em meio à crise mundial, os Estados Unidos se tornaram o epicentro do novo coronavírus, com mais de 80 mil vitimas fatais e 1,2 milhão de casos registrados no dia 11 de maio. A potência americana relutou bastante para admitir a gravidade do vírus e tomar as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas acabou adotando a quarentena e o isolamento social. O presidente Donald Trump se desdobra para reduzir o número de contaminados e mortes, além de tentar salvar a economia do país de uma recessão muito forte nos próximos meses.

coronavirus EUA
Trump aprovou um pacote para injetar mais de US$ 2 trilhões na economia. (Tom Brenner/Reuters)

 

Os Estados Unidos já ultrapassaram a China e a Itália e estão vivendo um caos, causado pelo coronavírus. A população de Nova York, principal cidade afetada, relata um cenário apocalíptico, com prateleiras vazias e hospitais lotados. As normas de restrição são severas e devem ser seguidas por todos, já que a nova doença foi a segunda maior causa de mortes no país na segunda semana de abril. O grande fluxo de pessoas na cidade, a alta densidade populacional e a ausência de políticas públicas para controlar os níveis de transmissão da doença, somados à negligência do governo com relação ao vírus, contribuíram para essa situação nos EUA.  Trump demorou  para aceitar que a economia teria que ficar de lado por um tempo e que o isolamento social era imprescindível para conter a doença.

A administração atual tem no liberalismo econômico uma de suas bandeiras, mas, com o surto da doença, começou a intervir na economia. Trump aprovou um pacote de ajuda de mais de US$ 2 trilhões para amortecer os impactos da Covid-19, além de assinar um termo que obriga a General Motors a produzir respiradores para hospitais. Essas ações não são comuns em países neoliberais, com pouca interferência do Estado, e mostram uma preocupação com a pandemia.

O professor de economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Julio Motta avalia que nesse momento os governos devem interferir na economia. “O papel do Estado em um regime capitalista é ser um agente estabilizador do sistema. Momentos como esse precisam de forte ação estatal. Esse deve vir com medidas de distribuição de renda, alívio tributário, facilitação de empréstimos via bancos públicos, entre outras medidas”, afirma.

Outra preocupação que os políticos americanos estão enfrentando são as eleições presidenciais, que ocorrem ainda este ano. Trump se viu preso no embate entre a crise humanitária e econômica e em como conseguir sair dessa situação para consumar seus votos no final do ano. Na visão de Motta, Trump pensou muito nas eleições quando começou a lidar com a crise. “No regime democrático, nada legitima mais um presidenciável do que o bom ambiente econômico. Tendo em vista que as eleições se aproximam, Trump tentou postergar a colheita dos resultados econômicos ruins que viriam a partir do isolamento”, diz.

Um consenso entre economistas é que a crise que virá será avassaladora em todo o mundo. O doutor em economia Paulo Gala prevê que os EUA vão passar por uma recessão imensa. “Vai ser uma crise do tamanho da crise de 29, ou maior, em termos de queda de PIB. Talvez dure menos tempo, porque o governo americano está reagindo.”

A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) é de que o PIB dos EUA caia 5,9% neste ano Ainda assim, Gala observa que não será desta vez que a China assumirá o posto de maior potência econômica do mundo.  “A China vai ultrapassar os EUA, mas não agora, dentro de 30 a 40 anos, porque é uma economia muito maior, tem uma escala muito maior”, analisa. Ou seja, não seria por conta da crise da Covid-19, como apontam algumas teorias, mas por uma  tendência assinalada há bastante tempo.

As atitudes recentes do governo americano não são condizentes com a política econômica liberal do país, que não apoia a intervenção do Estado. Mas, em situações de crise, dificilmente um governo não iria intervir na economia para tentar conter os impactos da recessão. Uma discussão que muitos cientistas políticos e econômicos estão tendo é se o liberalismo é um sistema viável para lidar com crises humanitárias e se existem modelos mais aptos para ajudar uma sociedade nesses momentos. Grande parte dos pensadores econômicos acredita que, independente do modelo de governo, o Estado é necessário em alguns casos, como uma pandemia. Paulo Gala afirma que o liberalismo é um sistema falho ao tratar de crises. “O liberalismo não é um sistema eficiente. O sistema de mercado é muito eficiente para criar riqueza, inovação e produtividade, mas ele é péssimo para distribuir”, complementa.

 

por
Gabriela Reis
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13/05/2020 - 12h

 (IFood/Divulgação)
Plataforma de delivery registrou aumento de pedidos de interessados em atuar na área (iFood/Divulgação)

A crise sanitária causada pelo novo coronavírus suspendeu quase completamente a atividade econômica de milhares de empresas. Lojas, restaurantes, shoppings e bares em todo o país foram fechados para conter o avanço da doença e estimular o isolamento social.

Enquanto uma parte da população está confinada, muitos trabalhadores têm de enfrentar o perigo da contaminação para suprir as demandas da sociedade. Entre médicos, policiais, jornalistas e tantos outros, os entregadores também estão entre os profissionais que se expõem ao máximo para que muita gente possa ficar protegida em casa.

Devido ao aumento da procura, o comércio enxergou as entregas como uma forma de continuar funcionando. "Os mais diferentes serviços, inclusive de diferentes atividades econômicas, fazem hoje a sua atividade por meio da entrega desses produtos", afirma Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Segundo o levantamento feito pela Corebiz, empresa de inteligência para marcas do varejo, as vendas online cresceram 330% em março só no setor alimentício, comparado ao mês anterior.

"As pessoas estão estocando tudo o que podem", afirma Junior Jesus, 31, associado à Rappi. "Perdemos muito tempo em mercado por um valor muito baixo, então temos que ficar mais tempo na rua", completa.

Com o crescimento acelerado de pedidos de produtos por delivery, a categoria enxergou a crise como oportunidade de trabalho. Empresas de entregas por aplicativo, como  iFood e  Rappi, registraram um aumento significativo no número de cadastrados em suas plataformas.

O vice-presidente financeiro e estratégico do iFood, Diego Barreto, informou à Reuters que,  somente no mês de março, a plataforma recebeu cerca de 175 mil inscrições de candidatos interessados em atuar como entregadores, mais que o dobro das solicitações de fevereiro. Já a empresa colombiana Rappi chegou a registrar um crescimento de 300% no número de pedidos para cadastros de entregadores.

Para Clemente Ganz Lúcio, o aumento do número de inscrições se deve ao fato de  muitos destes indivíduos verem as plataformas como uma oportunidade de renda durante a pandemia. "Muitos deles são pessoas que já estavam na situação anterior de desemprego. Outros entraram na situação de desemprego agora com a pandemia e passaram a fazer esse tipo de entrega.” 

Este foi o caso de Paulo Ribeiro, 22, que trabalha há mais de um ano como entregador de aplicativo. "Eu saio para a rua porque infelizmente não tem jeito, eu fui mandado embora do meu trabalho", afirma. 

(In)Visibilidade

Rappi (Carol Smiljan/NurPhoto/Getty Images)
Entregadores trabalham cada vez mais, e ganham cada vez menos (Carol Smiljan/NurPhoto/Getty Images)

As medidas de isolamento social têm impulsionado a categoria que nos últimos dois anos vem ganhando importância nas grandes cidades brasileiras.  

Ainda assim, estes profissionais trabalham sem nenhuma garantia de auxílio de renda em caso de acidentes, sem descanso semanal remunerado e nem férias, e muito menos FGTS ou 13˚salário.

De acordo com uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, um ciclista que trabalha mais de 12 horas por dia ganha mensalmente uma média de R$ 995,30, valor menor que um salário mínimo, que hoje vale R$ 1.045. 

Foi por esse motivo que os entregadores de aplicativo da cidade de São Paulo paralisaram no início de abril um trecho da Avenida Paulista, protestando contra a baixa remuneração, que se tornou ainda menor em tempos de pandemia.

Em um vídeo divulgado no Instagram do portal Napaulista e Região (@napaulista), os entregadores manifestaram suas demandas. “É sobre as taxas, estão pagando muito pouco pra gente”, afirmou um manifestante não identificado. 

“É uma falta de comunicação com a gente, o pessoal bloqueia a gente do nada”, apontou outro entregador, completando: “Queremos mais transparência dos aplicativos”.

As empresas afirmam que os associados são autônomos e que trabalham de acordo com a sua disposição e necessidade, de forma que a plataforma funciona apenas como uma ”ponte”, auxiliando a comunicação entre as partes.

Para o diretor técnico do Dieese, o futuro destes trabalhadores é incerto. “Muito provavelmente esse tipo de atividade continuará tendo uma presença muito forte, talvez muito maior do que vinha tendo até a crise, e esses trabalhadores precisarão ter um tipo de organização”, avalia.

Como alternativa, Ganz Lúcio sugere a criação de sindicatos que teriam a função de garantir direitos dos entregadores. “É necessário evidentemente construir um conjunto de protocolos de regras e de condições para dar proteção a esses trabalhadores.”

Cuidados em tempos de coronavírus

Como outros profissionais de serviços essenciais, os entregadores estão se expondo para que muita gente possa ficar protegida em casa. Para isso, esses trabalhadores precisam tomar cuidado redobrado para garantir a própria saúde e a dos clientes.

Claudia Roberta de Castro Moreno, professora do departamento de saúde, ciclos de vida e sociedade da FSP/USP, explica qual é o protocolo que deve ser seguido na entrega de encomendas: “Antes de cada entrega, a máscara deve ser colocada e o álcool gel utilizado nas mãos ao pegar o pacote e após entregá-lo, considerando que não é possível lavar as mãos na rua”.

“É claro que, idealmente, todos esses trabalhadores deveriam ser testados, mas, dada a complexidade dos testes e também sua escassez, as medidas de proteção devem ser rigorosamente seguidas”, afirma a especialista. 

Os clientes também devem adotar alguns novos hábitos. Além da utilização de máscaras ao receber a mercadoria, também é necessário higienizar a embalagem e lavar as mãos depois de manuseá-la.

O associado à Rappi Junior Jesus diz que as pessoas estão muito assustadas. “Elas veem nós, motoboys, como se estivéssemos expelindo o vírus. O pior é que a maioria não reconhece que estamos nos arriscando para a proteção delas", declara.

por
Beatriz de Oliveira
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12/05/2020 - 12h

A debilitada estrutura do SUS (Sistema Único de Saúde) prejudica o enfrentamento à Covid-19. As deficiências passam pela falta de equipamentos, de profissionais e de testes. Isso devido à condição de subfinanciamento que é imposta a esse sistema desde sua criação. 

Estimativas apontam que haverá falta de leitos nos cenários mais diversos. Se 20% da população for afetada em um período de seis meses, por exemplo, faltarão 100% dos leitos. Se uma parcela muito menor, de 0,1% da população, for afetada, faltarão 44% dos leitos.   

Note-se que 0,1% da população equivale a 210 mil pessoas. Até 13 de abril, o país tinha 20.964 casos confirmados.  Mas é preciso colocar nesta equação a falta de testes e a consequente subnotificação no número de confirmados da doença. E, levando isso em conta, previsões apontam que a infecção de 0,1% já havia chegado até aquela data. Diferentes estimativas previam infecção de 313 mil casos confirmados até o dia 11 de abril e 235 mil casos até o dia 10 de maio. 

Num país em que quase 70% da população depende exclusivamente do SUS, essas e outras previsões são preocupantes.

 

Entenda  
Segundo levantamento do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) 72% das regiões cobertas pelo SUS tem número de leitos abaixo do mínimo recomendado, de dez por 100 mil habitantes. Cento e quarenta e duas regiões não possuem nenhum leito. O estudo aponta ainda que, em um cenário com 20% da população afetada em um período de seis meses, seria necessário o dobro de leitos disponíveis. 
Pesquisadores do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional) apontam que em um cenário com 0,1% da população infectada faltariam leitos em UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) em 44% das regiões cobertas pelo SUS. O percentual da população considerado na simulação (0,1%) equivale a 210 mil pessoas. Até 13 de abril eram 23.430 casos confirmados. 
Estimativa da Covid-19 Brasil - iniciativa que reúne estudantes e cientistas de várias universidades - indica 313 mil casos confirmados até o dia 11 de abril, número 15 vezes maior que os dados oficiais desta data. Já o Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS) - grupo formado por pesquisadores da PUC-Rio, Fiocruz, USP e IDOR - aponta 235 mil casos até o dia 10 de maio, 12 vezes maior do que os dados divulgados no dia. 
Pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) indica que 69,7% dos brasileiros não possuem plano de saúde, seja individual ou empresarial.
 
                                      
                                                               
Hospital de campanha no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Por: Reuters
Hospital de campanha no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Por: Reuters 

 

Expectativa x realidade 

A doutora em Saúde Pública e professora associada da Universidade de São Paulo Laura Camargo Macruz Feuerwerker diz que, se o Brasil tivesse o  “SUS ideal” (com todas as capacidades previstas em sua criação), o cenário seria diferente. Antes de a doença se espalhar, haveria um plano articulado de enfrentamento, considerando as diferentes realidades das regiões brasileiras. O país teria também laboratórios públicos para fabricação de insumos e testes, o que é muito útil quando o mundo todo quer comprar as mesmas coisas. 

O que se observa hoje, no entanto, são ações individuais e demora de respostas. Sobre a coordenação entre estados e municípios, Feuerwerker afirma que, embora haja exceções, “existe muito mais tensão do que trabalho em conjunto”. Ela dá o exemplo da Grande São Paulo, onde há, em sua visão, uma tendência de centralização da secretaria estadual, com pouco diálogo, o que faz com que os municípios atuem por conta própria. Soma-se a isto a lentidão em pedidos de testes e nas compras de equipamentos de proteção individual (EPIs) e respiradores. 

Feuerwerker considera importante a ampliação de leitos que vem sendo implantada, mediante, por exemplo, a criação de hospitais de campanha. Mas qualifica como “tímidas” as ações em territórios mais vulneráveis. As UBSs (Unidades Básicas de Saúde) têm feito trabalho de organização de fluxos dentro de seus espaços, mas há poucas ações fora deles, nas comunidades. Isso permitiria um mapeamento das necessidades dessa parte da população, mas é impossibilitado em grande medida pela falta de estrutura e pessoal. 

A professora chama atenção ainda para as desigualdades presentes ao longo do território brasileiro. Em São Paulo, por exemplo, a capacidade instalada nas regiões mais pobres é menor, e as pessoas terão que ser transferidas para outros pontos da cidade. O Amazonas, que já chegou a até 95% de leitos para Covid-19 ocupados, foi o primeiro estado a entrar em colapso na saúde. 

Entenda 
Pesquisa divulgada em abril pela Rede Nossa São Paulo revela uma distribuição desigual de leitos nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) na capital paulista. De acordo com o estudo, três subprefeituras localizadas em regiões mais ricas concentram 9,3% da população do município e mais de 60% dos leitos públicos de UTI. E em sete subprefeituras localizadas em regiões mais pobres da cidade, que concentram 20% da população, não há nenhum leito. 

O ano de 2020 começou com uma redução de R$ 6 bilhões no orçamento do gasto público em saúde. No mês de março, o governo federal anunciou uma adição de R$ 5 bilhões para o combate ao novo coronavírus. Ou seja, ainda há uma perda de R$ 1 bilhão do orçamento esperado para um ano típico (sem o advento da pandemia). É o que aponta José Alexandre Buso Weiller, doutor na área de economia política da saúde e diretor-geral da Fundação Juquery, entidade pública que desenvolve serviços de saúde e assistência social. 

Ele aponta que o descumprimento da destinação de no mínimo 30% do Orçamento da Seguridade Social (OSS) para o SUS, como previsto na Constituição, é um dos fatores que explicam o atual sucateamento desse sistema. Nota-se também a facilitação aos planos de saúde privados, com a criação da Agência Nacional de Saúde (ANS), o crescimento de subsídios públicos e o não ressarcimento ao SUS pelos serviços públicos prestados aos seus consumidores.  

Todo esse incentivo à saúde privada ajudou a criar a imagem de que o problema do SUS é a gestão e não a falta de recursos. Empresas ganham isenção fiscal ao oferecer planos de saúde privados aos empregados. Em 2018, a União deixou de arrecadar R$ 39 bilhões no setor da saúde devido a gastos tributários. Há ainda a Lei 8.666 de 1993, que prevê normas para licitações e contratos. Na prática, faz com que compras de equipamentos para saúde demorem meses, além da paulatina diminuição de pessoal. Esses e outros embargos tornam a gestão privada mais atrativa e fortalecem o discurso liberal. 

Weiller aponta também a Desvinculação de Receitas da União (DRU) como fator gerador de déficit no OSS. Em 2018, o valor retirado deste orçamento foi de R$ 170 bilhões. Se considerado um gasto de R$ 116 bilhões com o SUS (valor previsto para 2020), o valor retirado equivale a “1,5 SUS”.  A DRU permite que o governo retire parte dos recursos destinados a áreas prioritárias para usar, por exemplo, no pagamento de juros da dívida pública. 

O Brasil é o segundo país do mundo que mais paga juros da dívida pública. A dívida está estimada, neste ano, em R$ 1,6 trilhão, dos quais R$ 415 bilhões relativos a juros. Weiller diz ser necessária uma auditoria cidadã da dívida pública, mobilizando a população na cobrança de transparência. Entre os objetivos, estaria o alongamento dos prazos para pagamento da dívida e seus juros (os quais podem ser definidos pelo Estado) e o maior investimento em áreas  prioritárias, como a saúde. 

Com a Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu o teto dos gastos públicos, o SUS passou do subfinanciamento para o desfinanciamento, afirma Weiller. A emenda prevê o congelamento de gastos sociais por 20 anos (até 2036). O valor das despesas primárias só é reajustado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), sem levar em conta crescimento populacional e inflação, por exemplo. Isso faz com que a saúde pública receba menos recursos  a cada ano. 

Na atual pandemia, a sociedade necessita ainda mais do sistema público de saúde. Como medidas que poderiam ser tomadas de imediato para evitar um colapso e garantir amplo atendimento, Weiller elenca: revogação da Emenda Constitucional 95, extinção da isenção fiscal na área da saúde, supressão da DRU e de despesas inconstitucionais, não privilégio ao pagamento dos juros da dívida pública. Propõe ainda a estatização temporária de leitos de hospitais privados e de fábricas, para produção de EPIs. 
 

por
Liliane de Lima
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12/05/2020 - 12h

Mesmo com o cenário incerto, o setor de tecnologia é tido como um dos possíveis propulsores da recuperação pós-pandemia. O mercado brasileiro deve crescer 4,9% neste ano, segundo estimativa da empresa de pesquisa International Data Corporation, IDC Brasil. O aumento da demanda de softwares durante o período de isolamento social é um dos fatores responsáveis pela projeção.  

O professor de administração da FEA-USP, Cesar Alexandre de Souza, afirma que “a necessidade de isolamento social acabou servindo como impulsionador para adoção em massa de uma série de tecnologias que já vinham se consolidando”. Para ele, as tendências, no pós-coronavírus, “já estarão criadas, os hábitos criados agora vão permanecer e não haverá volta para trás”. Ou seja, este setor deve continuar crescendo e recuperar facilmente as perdas sofridas na pandemia.  

Ainda de acordo com o IDC, o mercado de soluções de software voltadas para analytics (uso de dados para analisar comportamentos de um consumidor) e inteligência artificial deve crescer 11,5% neste ano, movimentando US$ 548 milhões a mais que em 2019.  

Mesmo com bons índices, o setor de tecnologia também está sendo afetado pela crise. O professor da PUC-SP Jefferson de Oliveira, especialista em inteligência artificial, diz que toda a cadeia de suprimentos já sofreu impactos. “Isso atrasou, por exemplo, novos smartphones da Xiaomi, Realme e Vivo, que postergaram os lançamentos dos aparelhos até que a situação seja controlada”, comenta. 

Apesar disso, Oliveira destaca a importância do setor de tecnologia para amortecer o impacto econômico ocasionado pela Covid-19. “Como a pandemia será uma preocupação até que uma vacina seja desenvolvida (se é que será), existe a possibilidade de contarmos com inovações tecnológicas, que podem potencializar os ganhos mesmo mantendo-se variáveis do cenário atual.” 

Pandemia pode facilitar o acesso à tecnologia no mundo 

A demanda por plataformas de softwares explodiu nas últimas semanas. Realização de videochamadas e mensagens, comércio eletrônico, delivery de alimentos e produtos farmacêuticos, ensino à distância para substituir as aulas presenciais, além do trabalho remoto, tornaram-se parte da rotina das pessoas em isolamento social.  

A concentração do avanço tecnológico em grandes empresas, como Google e Amazon, tende a se manter, já que é “uma consequência natural das forças atuantes nas tecnologias digitais, principalmente as externalidades de rede”, segundo Cesar Alexandre de Souza, da FEA-USP. Ele acrescenta que “mesmo que novas empresas, como a Zoom, tenham a oportunidade de surgir, o espaço das grandes continuará amplo”. 

Em relação às pequenas e médias empresas do setor, o período de pandemia pode facilitar a consolidação no mercado e garantir um espaço importante, como no caso da Zoom. 

A possibilidade de consolidação de pequenas empresas, como as startups, ganha mais espaço neste cenário. Oliveira, da PUC-SP, diz que há espaço para todos. “Existem centenas de startups que procuram constantemente maneiras disruptivas para crescer e se tornar grandes. A startup Yellow, empresa de aluguel de bicicletas, que acabou virando Grow, é um exemplo de crescimento num mercado que parecia dominado pela Uber.” 

Tecnologia como importante aliado para o combate à Covid-19 

A tecnologia, além de facilitar a comunicação, tem sido crucial para combater a Covid-19. Umas das principais ferramentas utilizadas é a inteligência artificial.  

“Imagine como seria uma crise sanitária dessa proporção há 20 anos? As pessoas em sua maioria ficariam isoladas em casa, sem a possibilidade de trabalhar e colaborar tão intensamente como hoje. A informação e o conhecimento se disseminariam muito mais lentamente e a ciência teria dificuldade em trabalhar em conjunto para uma resposta”, exemplifica Souza. 

Oliveira, por sua vez, cita empresas de inteligência biomédica que buscam obter informações para o desenvolvimento de medicamentos e vacinas. “A DeepMind está usando dados de genomas para prever a estrutura de proteína de organismos, para iluminar quais fármacos podem funcionar melhor contra a Covid-19”, cita o professor da PUC-SP.  

Ele acrescenta que traços da doença podem ser identificados através da análise de imagens de raio-X, graças a um modelo computacional inspirado no sistema nervoso central, também chamado de rede neural. A ferramenta foi desenvolvida pela DarwinAI e tem auxiliado médicos no diagnóstico e tratamento de pacientes.