Especialistas comentam eficácia e limites da nova atualização
por
Marcelo Barbosa
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06/10/2025 - 12h

No início de outubro, o Banco Central do Brasil divulgou uma nova ferramenta para promover confiança nas transações bancárias. Chamado de “Botão de contestação”, o instrumento faz parte da série de medidas “autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED)”  e poderá ser acionado em casos de fraude, golpe e coerção.

O MED foi criado em 2021 pelo Banco Central. Ele estabelece que a vítima solicite, em até 80 dias da data em que o PIX foi realizado, a devolução do dinheiro ao Banco. Funciona assim: Após receber a reclamação, a instituição avalia o caso. Se o banco entender que o MED se aplica, o golpista pode ter a conta bloqueada. As instituições deverão analisar a denúncia em até sete dias e, se for constatada fraude, a pessoa pode receber o dinheiro de volta em até 96h, caso haja dinheiro na conta do suspeito.

Com a nova funcionalidade, quem precisar fazer o pedido de devolução do dinheiro poderá realizar o processo de forma digital e assim, agilizar o bloqueio de recursos do golpista. Antes, o procedimento era intermediado por uma pessoa que fazia o atendimento.

De acordo com Heluan Santos, especialista em tecnologia da Valios Capital e autor dos livros “Além das Criptomoedas” e “Sempre Alerta” – ambos sobre segurança com dinheiro no ambiente on-line – o botão, apesar de aumentar a segurança e trazer mais confiança, ainda pode ser usado de maneira indevida, assim como ocorre em outras inovações.

Porém, segundo Santos, a expectativa é de que, com filtros e monitoramento, o novo recurso traga muito mais benefícios do que riscos, ainda que a centralização do sistema possa desembocar em decisões unilaterais. “A maior preocupação deve estar voltada para a engenharia social, que hoje é responsável pela maioria dos golpes. Esse tipo de fraude torna o processo de validação mais difícil e continua sendo o grande desafio”, destacou.

O termo "engenharia social" refere-se a uma técnica de manipulação usada por criminosos virtuais para convencer pessoas a revelarem informações pessoais.

Reprodução: Banco Central do Brasil | Imagem oficial do PIX
reprodução: Banco Central do Brasil | Logo oficial do PIX


Renato Cunha, especialista em meios de pagamento e segurança digital e proprietário da 3RMS, empresa de tecnologia para o varejo, lembrou que, mesmo no sistema anterior em que era preciso ligar para o correntista, essas tentativas de contestação fraudulentas já eram praticadas, assim como as tentativas de cancelar compras no cartão diariamente.

Segundo ele, os bancos e operadoras conseguem identificar comportamentos suspeitos e a maior parte dessas contestações sequer chega ao cliente final, pois são barradas antes pelos sistemas antifraude, com exceção de casos em que os criminosos estão dentro dos próprios bancos. "A facilidade na aplicação de golpes [ainda] será explorada. Porém, o número de sucesso nesses golpes é extremamente baixo. Geralmente, ele passa quando tem pessoas mal intencionadas de dentro dos bancos ou operadoras fazendo parte da quadrilha”, afirma Cunha.

Importante destacar que a contestação não poderá ser feita nos casos de desacordos comerciais, erros no envio do PIX ou quando houver arrependimento na transação. De acordo com o Banco Central, o novo botão será exclusivamente para evitar fraudes.
 

A festa que enche o Brasil de cores e os comerciantes de oportunidades
por
Nicole Domingos
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12/09/2025 - 12h

Por Nicole Domingos

 

O Carnaval, que se vende como festa e se compra como tradição, não é apenas desfile de rua, batuque de samba ou fantasia improvisada. É também uma virada de chave para o comércio, que transforma a purpurina em faturamento. Em janeiro de 2024, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), publicou que o ano de 2025 movimentaria mais de R$9 bilhões, reforçando seu posto como uma das datas mais rentáveis do calendário econômico. Na contabilidade da festa, cada rua cheia de foliões é também um corredor de consumo. As farmácias que dobram as prateleiras de protetor solar, os supermercados que multiplicam o estoque de bebidas, as lojas de fantasia que expõem brilhos e lantejoulas como se fossem joias de temporada. Roberto Devidis, representante de vendas para armarinhos e lojas de customização na rua 25 de março,  considera que o carnaval é uma espécie de Natal fora de época.

Nos bastidores da festa, empresários calculam margens, fornecedores disputam espaço nas prateleiras e pequenos comerciantes fazem de cada esquina uma oportunidade. Para Marlene Batista, dona de loja de armarinhos, não existe nenhum período em que cresce as vendas como nesse tempo. Ela diz que antes mesmo da virada do ano já recebe pedidos de escolas de samba, tanto de produtos para a confecção dos carros, quanto para as roupas que serão usadas na avenida. Além disso,  o carnaval cria um ambiente de consumo que vai além da festa. Aumenta o fluxo em bares e restaurantes, multiplica reservas em hotéis e aplicativos de hospedagem, movimenta aplicativos de transporte, gera impacto até nos varejos de eletrodomésticos, com vendas de caixas de som, ventiladores e aparelhos de ar-condicionado. A folia, nesse sentido, extrapola o sambódromo e se infiltra em cada detalhe da vida cotidiana.

O ambulante que vende água, cerveja e todo tipo de bebida no bloco, a costureira que aceita ideias improvisadas de fantasias, o maquiador que tem que sempre ter uma ideia nova e cores vibrantes, todos compõem a cadeia econômica do carnaval. Em uma reportagem postada pelo Ministério da Cultura fica claro como não só os empresários com suas lojas têm a oportunidade de garantir uma boa renda, mas também aqueles que precisam de momentos como esse para sobreviver, como ambulantes que trabalham com eventos sazonais.

Outro ponto relevante é a geração de empregos temporários. Segundo a revista Forbes, a folia deve impulsionar, ainda, o mercado de trabalho, com a criação de 300 mil postos temporários, no interior e no litoral do Estado de São Paulo. O coordenador do Núcleo de Pesquisa da Fhoresp, Luís Carlos Burbano, destaca que esses empregos geram renda imediata para as famílias, contribuindo para a dinamização da economia local. Para muitos trabalhadores, o Carnaval representa a chance de garantir uma renda extra no início do ano. Essa circulação de dinheiro não apenas aquece os centros urbanos, mas sustenta muitas famílias que, durante os quatro dias de festa, encontram mais renda do que em meses inteiros de trabalho formal.

O contraste, no entanto, se mantém: se o brilho é abundante nas grandes cidades turísticas, os municípios sem tradição carnavalesca mal percebem a onda econômica. O comércio local, nesses lugares, vê pouco ou nenhum aumento expressivo nas vendas. Em pesquisas são sempre mostradas locais como o Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Minas Gerais. É como se o Carnaval, enquanto festa, fosse universal, mas enquanto motor econômico fosse seletivo. Ainda assim, mesmo de forma desigual, a festa gera reflexos nacionais, movimentando cadeias de produção que alcançam diferentes regiões.

No fim, a conta é simples: o País veste fantasia, mas o comércio veste números. O carnaval continua sendo um dos maiores espetáculos do mundo, já que a matéria da Forbes explica que lugares com a fama do Rio de Janeiro atraí não só turistas brasileiros como também internacionais para a festa. E de acordo com Enio Miranda, diretor de Planejamento Estratégico do Núcleo de Pesquisa da Federação dos Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp),  o Carnaval está cada vez mais consolidado no calendário de eventos dos turistas estrangeiros.

Na soma final, não se trata apenas de quatro dias de festa, mas de um ciclo econômico que começa semanas, ou até mesmo meses antes, se prolonga depois da Quarta-feira de Cinzas e reafirma a festa como um patrimônio não só cultural, mas também econômico do Brasil.

Indicador registrou crescimento da economia brasileira de 0,3% no segundo trimestre de 2025
por
Marcelo Barbosa
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20/08/2025 - 12h


O Banco Central (BC) divulgou nesta segunda-feira (18) os dados do IBC-BR (Índice de Atividade Econômica do Banco Central do Brasil) referentes ao mês de junho. Os números mostraram uma queda de 0,1% em relação a maio, mas o resultado do segundo trimestre de 2025 se manteve positivo, com um crescimento de 0,3%. O IBC-BR é um dos indicadores oficiais da economia brasileira. Ele faz uma estimativa de crescimento levando em conta três setores: agropecuária, indústria e serviços. O índice foi criado para trazer números frequentes sobre a atividade econômica do Brasil e tem influência sobre as decisões financeiras do país, servindo de auxílio para políticas monetárias, como a taxa de juros (Selic).

Por exemplo, quando a taxa de juros está em patamares elevados, isso reduz a atividade econômica, o que se reflete nos números do indicador. Por isso, atualmente, ele é lido pelo mercado como a "prévia do PIB".

 
 

Fachada do Banco Central do Brasil em Brasília — Foto: Marcello Casal/Agência Brasil
IBC-BR: agropecuária, indústria e serviços tem leve alta no segundo trimestre de 2025 (Marcello Casal Jr./ Agência Brasil)

 

 

Retração da economia

Após quatro meses seguidos de bons resultados, maio registrou a primeira retração do ano, de 0,7% em relação a abril. Em junho, a queda foi de 0,1%. De acordo com o professor de economia Renan Silva, do IBMEC Brasília, "a alta deu-se devido à Selic, que chegou ao patamar de 15%”. Ele explicou que "o que corrobora para essa questão da taxa de juros restritiva é o fato de que os indicadores de inflação vêm arrefecendo. No último relatório Focus, do Banco Central, o IPCA já registra uma inflação, em 2025, de 4,95%, ante os 5,30%, que as projeções vinham indicando”.

 

Os dados oficiais do Banco Central confirmam que a agropecuária foi o principal fator para a retração no trimestre, com uma diminuição de 3,1% no período. Por outro lado, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que o destaque de junho foi o aumento de 0,3% no volume do setor de serviços. A produção industrial teve um recuo de 0,1% no mês, e as vendas no varejo também frustraram as expectativas, recuando 0,1% em comparação a maio. Sob a óptica do professor, o tarifaço de Donald Trump pode trazer efeitos adversos e "provocar uma redução intensa no segundo semestre”.

 

Nos últimos 12 meses, os números ficaram em 3,9%, o que representa uma desaceleração em face ao mesmo período, que marcou uma alta de 4,04%.

 

Para o futuro, Silva acredita que a retração na atividade econômica pode influenciar o COPOM (Comitê de Política Monetária) - órgão responsável por estabelecer as diretrizes da política monetária - a iniciar um novo ciclo na queda dos juros. "Esse ciclo restritivo já teve efeito, o que gerou como resultado a redução na atividade econômica”, conclui. A retração de 0,6% no terceiro trimestre de 2023 havia sido a última queda do indicador antes dos recuos registrados neste ano.

Alimentação e bebidas têm deflação em relação ao mês anterior, enquanto habitação sofreu alta devido ao aumento da conta de luz
por
Marcelo Barbosa P.
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13/08/2025 - 12h

O IBGE divulgou nesta terça-feira (12) o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação do país. Os dados apontam que houve um aumento de 0,26% no mês de julho, uma leve alta em comparação com a taxa de 0,24% registrada em junho. No ano, o IPCA já acumula desaceleração de 3,26% e, nos últimos 12 meses, de 5,23%.

De acordo com o gestor de investimentos e especialista financeiro da WFlow, Guilherme Viveiros, a inflação surpreendeu positivamente. "O índice deste mês veio com o valor de 0,26%, enquanto o mercado via uma elevação de 0,36%". O mês de agosto também deve apresentar queda, com índices negativos o que, segundo Viveiros, "fez com que o mercado começasse a sondar uma possível queda dos juros ainda em 2025".

Entre os setores da economia que apresentaram deflação, ou seja, queda de preços, estão o grupo Alimentação e bebidas (-0,27%), Vestuário (-0,54%) e Comunicação (-0,09%). Em contrapartida, entre os maiores destaques da alta estão os grupos Habitação (0,91%) e Despesas Pessoais (0,76%). A alta do grupo Habitação foi impulsionada pela energia elétrica residencial, com variação de 3,04% - o maior impacto individual no índice do mês. Esse número se deve ao fato de que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) confirmou a bandeira tarifária de agosto, que será a Vermelha patamar 2, a mais cara do sistema. Como consequência disso, haverá um acréscimo de R$ 7,87 para cada 100 kWh consumidos na conta de luz.

O grupo Transportes também teve aceleração, passando de 0,27% em junho para 0,35% em julho, impulsionado pela alta de 19,92% nas passagens aéreas. Por outro lado, os combustíveis tiveram uma queda de 0,64% no mês, com recuos no preço do etanol (-1,68%), do óleo diesel (-0,59%), da gasolina (-0,51%) e do gás veicular (-0,14%).

 Já o grupo Alimentação e bebidas, que tem o maior peso no IPCA, registrou baixa pelo segundo mês consecutivo. A queda em julho foi impulsionada pela alimentação no domicílio, que caiu 0,69% com destaque para redução nos preços da batata-inglesa (-20,27%), da cebola (-13,26%) e do arroz (-2,89%).

 

Reprodução: Tânia Rego/Agência Brasil | Pessoas andando em um mercado
Reprodução: Tânia Rêgo| Pessoas escolhem frutas em um mercado


Rafael Prado, economista e analista de macroeconomia da Go Associados, chama a atenção para o fato de que o valor da inflação deste mês ainda é elevado em relação à meta de 4,5% ao ano. Segundo ele, o resultado deste mês é prova de que a política monetária pode atuar de maneira enfática nos dados. "Quando nós olhamos para os números desagregados do IPCA, vemos que existem grupos, como Habitação que foi impactado pela energia elétrica, que influenciaram para o aumento de julho". Para ele, isso ressalta a importância de "continuar com uma política monetária restritiva, para que a inflação continue caindo e volte ao intervalo de tolerância."

Já o professor de economia João Gabriel Araújo, do Ibmec Brasília, destaca o efeito Trump na economia brasileira. Segundo ele, a guerra tarifária vai ser um dos fatores determinantes para a queda dos preços no Brasil. "Com o anúncio das medidas para o Brasil, especialmente a tarifa de 50% sobre as importações, os produtores nacionais aumentaram os estoques para o mercado interno, reflexo da diminuição das exportações para os Estados Unidos antes da implementação da tarifa e do consequente aumento da oferta de bens no mercado doméstico".

O cálculo do IPCA foi realizado a partir da comparação dos preços coletados entre 1 e 30 de julho de 2025 com os preços vigentes entre 30 de maio e 30 de junho de 2025. O IPCA abrange famílias com rendimento monetário de 1 a 40 salários-mínimos. Já o INPC, que considera famílias com rendimento de 1 a 5 salários-mínimos, teve alta de 0,21% em julho, com acumulado de 3,30% no ano.

A falta de renda fixa, escolaridade e educação financeira empurra jovens para ciclos longos de endividamento.
por
Maria Luiza Pinheiro Reining
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24/06/2025 - 12h

Entre boletos parcelados, cartões de crédito e ofertas de empréstimos rápidos, jovens brasileiros têm se tornado protagonistas de um fenômeno crescente: o superendividamento. Sem renda fixa, sem vínculo formal com instituições financeiras e com pouca ou nenhuma educação financeira, parte expressiva dessa população vê no crédito imediato uma resposta à sobrevivência, ainda que, a longo prazo, isso signifique um acúmulo impagável de dívidas.

A especialista em consumo e pesquisa de mercado, Eduarda Barreto, 27, chama atenção para a complexidade do problema. Para ela, não se trata apenas de comportamento individual, mas de um contexto social e estrutural. “Em 2022, uma pesquisa do Banco Central mostrou que 22% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Isso representa cerca de 11 milhões de jovens sem renda fixa ou escolaridade mínima para acessar melhores oportunidades”, afirma.

Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP
Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP 

Esse grupo, segundo Eduarda, é o mais vulnerável a modalidades de crédito como empréstimos emergenciais ou cartões pré-aprovados. Com pouco conhecimento sobre juros e condições, esses jovens recorrem ao que está disponível mesmo que isso signifique aceitar taxas elevadas e prazos inflexíveis. Ela explica que não se trata de crédito para investir, mas para sobreviver. Muitas vezes, o empréstimo serve para pagar contas básicas como luz, gás e alimentação.

Eduarda destaca que esse ciclo é agravado pela ausência de políticas públicas consistentes de educação financeira desde os primeiros anos escolares. Jovens que não estão inseridos no mercado de trabalho ou na escola muitas vezes não têm qualquer orientação sobre orçamento, crédito ou endividamento. O resultado é um cenário em que decisões são tomadas no impulso da necessidade, sem planejamento ou capacidade de negociação com bancos.

A falta de vínculo estável com instituições financeiras também pesa. Quem não tem um histórico com o banco dificilmente acessa linhas de crédito com melhores condições. Barreto observa que, mesmo com juros altos, muitos jovens aceitam a única oferta disponível, pois não têm tempo nem suporte para tomar uma decisão mais estratégica. Eles precisam do dinheiro de forma imediata.

Embora programas de renegociação de dívidas e feirões "limpa nome" tenham ganhado força nos últimos anos, Eduarda pondera que eles não atacam o problema na raiz. O superendividamento juvenil é reflexo direto de um sistema que oferece crédito sem oferecer estabilidade, informação ou perspectivas.

por
Caio Moraes
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21/04/2020 - 12h

           O coronavírus chegou ao Brasil de forma avassaladora e o país permanece dividido quanto às avaliações do trabalho do presidente, que não acredita na gravidade da situação, além de incitar o caos nas grandes massas. Desde sua eleição, o presidente Jair Bolsonaro já deixava claro que não sabia nada de economia e que iria deixar esse mérito totalmente nas mãos de sua equipe. Neste momento, o presidente tem priorizado a economia, em detrimento das vidas dos próprios brasileiros.

          Com o agravamento do contágio no país, foi decretado estado de emergência e com isso o isolamento social se tornou a saída mais eficaz para evitar um número exorbitante de fatalidades por conta do coronavírus. Os governadores decretaram o fechamento do comércio não essencial para a sobrevivência, o que engloba muitos trabalhadores autônomos, informais e donos de pequenos negócios. A economia inevitavelmente será afetada e o país terá uma forte recessão no ano de 2020.

Para evitar um cenário calamitoso e conter o avanço da crise, o governo lançou algumas medidas econômicas, como o apoio à população vulnerável, o afrouxamento da meta fiscal, o auxílio para trabalhadores autônomos e informais, entre outras. Em relação às potências mundiais tais atitudes foram tomadas com certo atraso, devido à firme crença do presidente Bolsonaro de que o vírus não é tão grave, mas serão extremamente úteis para impedir um cenário muito pior após o pico de contágio passar.

"A recessão virá de qualquer jeito, com ou sem quarentena. Desemprego e inadimplência vão subir. Seja porque já há sinais fortes de recessão –  queda de faturamento em quase todos os setores, exceto supermercados e inflação ao consumidor muito baixa em março –, seja pelo contágio internacional”, afirma o economista Rafael Bianchini, professor da Fundação Getúlio Vargas.

O país se encontra em uma situação na qual o vírus cria um forte atrito entre governo federal e governos estaduais, uma vez que muitos dos governadores são contrários à política flexível e negacionista do presidente. O professor Bianchini diz que o Brasil ficará no pior dos mundos: a calamidade da superlotação dos leitos hospitalares atrelada a uma crise econômica, caso a insistência na reabertura dos comércios por parte do presidente afaste ainda mais os governadores, que são responsáveis por arcar com a superlotação de seus hospitais.

Também entrevistado sobre o assunto, o economista Marcos Henrique do Espírito Santo, professor das Faculdades Metropolitanas Unificadas (FMU), opina que as medidas tomadas pela equipe econômica são necessárias, mas para curto prazo. Nas palavras de Espírito Santo, “ela vai durar pelos próximos três meses; serve para que as pessoas não morram de fome, mas o que a gente precisa pensar agora, do ponto de vista macroeconômico, é como os economistas vão passar a pensar daqui em diante”. O professor avalia que o Brasil possui um programa “austericida” que foi imposto a partir de 2015, ainda sob o comando da ex-presidente Dilma Rousseff, uma vez que a ideia do corte absoluto do lado das despesas vem provocando uma depressão muito grande na economia. “Dar dinheiro na mão das pessoas é incentivá-las a gastar. Como a demanda está muito fraca, pensar que vai necessariamente gerar inflação, nesse caso, é um grande equívoco”, conclui Espírito Santo.

O pacote de medidas lançado pelo governo prevê também a flexibilização das leis trabalhistas para manutenção de empregos – com a possibilidade de redução de jornadas e salários , apoio financeiro a estados e o adiamento do prazo de declaração do imposto de renda. Ambos os economistas entrevistados compartilham a opinião de que o Brasil ainda se encontra muito atrás do resto do mundo quando se trata das propostas econômicas para o combate ao coronavírus. O auxílio de R$ 600 para os trabalhadores, uma das medidas mais comentadas, foi uma contraproposta da oposição na Câmara, indo contra a vontade do ministro Paulo Guedes, uma vez que o governo queria liberar apenas R$ 200 no começo de tudo.

O Brasil "está sempre muito atrás", de acordo com Espírito Santo. "Está agindo corretamente agora com essa contingência, mas não age porque quer, age porque é uma contingência internacional e vem a reboque dos outros países." Bianchini, por sua vez, acredita que o Brasil está pior, uma vez que chegou a essa crise bastante fragilizado e explica que a equipe econômica “demorou a entender a profundidade da crise e, como consequência, as previsões de organismos internacionais apontam para a maior queda do PIB no Brasil.”.

As visões dos professores colocam o Brasil em um patamar baixo no cenário mundial, com pacotes econômicos tímidos, que ainda precisam ser elaborados. Um dos empecilhos para isso é a visão do presidente, que não leva a sério a pandemia e exige reabertura de escolas e comércios. Esse descaso, inclusive, culminou na demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, cujo trabalho vinha sendo elogiado desde que assumiu a responsabilidade de comandar a resposta ao vírus.

Os EUA, por exemplo, atualmente estão injetando US$ 2 trilhões na economia. Para se ter uma noção mais clara do que isso significa, é só pensar que estão injetando um PIB brasileiro em sua própria economia durante esse período. Mesmo sendo um dos países que, de início, menos se preocuparam com o alastramento do coronavírus  também por uma visão negacionista do presidente Donald Trump, que está custando milhares de vidas –, ainda assim consegue ter medidas eficazes.

Está mais que claro que o grande problema no combate ao coronavírus em solo brasileiro está na política do país. Divergências de opinião entre membros do mesmo governo, demissão do ministro da Saúde no meio de uma pandemia, fora as articulações no governo para retirar cada vez mais direitos do cidadão e precarizar a vida do trabalhador. Não é para menos que a diferença dos números em bairros como Morumbi e Brasilândia são tão gritantes. O primeiro, com 297 casos confirmados até o dia 17 de abril, teve apenas sete óbitos; o segundo, com apenas 89 casos confirmados até a mesma data, registrou um total de 54 mortes e, até o momento, é o bairro com maior número de mortes confirmadas ou suspeitas de coronavírus. O grupo de risco desse vírus não são os idosos, são os pobres.

por
Matheus Rodrigues
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11/05/2020 - 12h

A China foi o primeiro país a registrar casos de Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus. O primeiro caso foi registrado oficialmente no dia 31 de dezembro de 2019 pelo governo chinês. Desde então, já foram registrados em todo o mundo quase 3,6 milhões de casos, com aproximadamente 260 mil óbitos.

Suspeita-se que o novo coronavírus tenha origem no consumo de carne de animais silvestres, como o morcego.

Os efeitos do coronavírus na China foram dramáticos. Cerca de 83 mil pessoas foram infectadas, com 4,6 mil mortes. Mas, com o surto controlado, os novos casos de infecção caem dia após dia. O modelo de combate ao vírus pela China foi exemplo para o mundo, que copiou a estratégia.

Esse modelo de combate contou com forte participação estatal na sociedade, mas também na economia, realocando produção e recursos para o combate ao vírus. Esse modelo pode ser a chave para o combate do coronavírus pelo mundo.

Em entrevista, Fernando Ustariz, bacharel em relações internacionais pela PUC-SP e mestrando em economia política mundial pela UFABC, falou sobre como a China conseguiu controlar rapidamente o surto.

“Na China, temos três aspectos-chave. O primeiro é a sensibilidade política. Como houve crises anteriores do coronavírus na China e no Oriente Médio, era sabido pela comunidade científica e o governo chinês que haveria a possibilidade de surgimento de um novo vírus”, disse.

Ustariz falou também sobre a capacidade de intervenção rápida da estrutura médica da China: “A infraestrutura sanitária da China, mesmo não sendo gratuita, tem uma boa capacidade de intervenção. A realocação de profissionais para áreas atingidas, além de colocar a construção civil à disposição da saúde para a construção de hospitais, ajudou no combate rápido ao vírus”.

O terceiro e último fator é a capacidade científica e tecnológica da China em relação aos países não centrais.

“A alta capacidade de tecnologia da China foi essencial para que, ao mesmo tempo que combatia o vírus, conseguisse estudar a engenharia genética, produzir novos testes. Essa é a principal vantagem da China em relação aos outros países (periféricos)”, expôs Ustariz.

Todos esses fatores decorrem de uma política com forte investimento e intervenção estatal, direcionados, por exemplo, para as áreas de educação, saúde, ciência e tecnologia. O modelo do Estado brasileiro, blindado com a emenda constitucional que impôs um teto para os gastos públicos, não consegue concentrar mais recursos nessas áreas, mesmo com a necessidade provocada pela pandemia.

As medidas da China tiveram efeito no Ocidente. Preocupados com a economia e com a pressão popular pela garantia de empregos, a Espanha e os EUA, por exemplo, anunciaram ações com forte intervenção estatal em suas economias.

ESPANHA

Na Espanha, o governo estatizou todo o sistema de saúde privado, colocando-o à disposição do Ministério da Saúde enquanto durar o combate à pandemia.

“Durante o período de epidemia de Covid-19, os cuidados com a saúde da população não podem ser atendidos adequadamente apenas com os recursos materiais e humanos atribuídos a cada comunidade autônoma. Portanto, eles terão à sua disposição centros e estabelecimentos de saúde privados, seus funcionários, e as entidades focadas em acidentes de trabalho”, diz o decreto espanhol.

Além dessa medida, o governo espanhol prometeu uma ajuda de 117 bilhões de euros. O pacote de empréstimos, garantias de crédito e ajuda direta representa cerca de 20% do Produto Interno Bruto do país. As medidas incluem 100 bilhões de euros em garantias de crédito asseguradas pelo Estado e ajuda de liquidez ilimitada para as empresas.

“Nosso objetivo é impedir que uma crise temporária tenha um impacto negativo permanente em nosso mercado de trabalho. Queremos proteger o emprego e queremos que as empresas saibam que o governo as ajudará. Ninguém será deixado para trás”, disse o presidente da Espanha, Pedro Sánchez.

EUA

Os EUA são outro exemplo de intervenção estatal. O presidente Donald Trump lançou mão da Lei de Produção de Defesa (LPD), criada durante a Guerra da Coreia (1950-1953), para obrigar a General Motors (GM) a fabricar respiradores para assistir pacientes com coronavírus.

Além da GM, a chamada reconversão produtiva pode levar empresas têxteis a produzirem máscaras e jalecos médicos, por exemplo.

Antes de aprovar a LPD, Trump chegou a se declarar contrário, quando afirmou: “Não somos um país que nacionaliza suas empresas”. Com a falta de respiradores nos hospitais dos EUA e a dificuldade de compra no exterior, Trump acabou revendo sua posição.

A LPD permite que o presidente obrigue as empresas a aceitarem e priorizarem contratos necessários para a defesa nacional. Também autoriza o governo a requisitar propriedades em caso de necessidade e forçar a indústria a expandir a produção e a oferta de recursos básicos, impondo controles de salários e preços.

Além dessa medida, Trump anunciou o maior pacote econômico da história dos EUA, de mais de US$ 2 trilhões (R$ 10 trilhões), aprovado no Senado e na Câmara de Representantes com o apoio de ambos os partidos.

Sobre os possíveis efeitos colaterais das intervenções estatais no sistema capitalista,Ustariz aponta três tendências internacionais. A primeira é a diminuição dos fluxos de transação comercial. “Globalização não vai se enfraquecer necessariamente, mas haverá uma reconversão produtiva para a área da saúde", projetou. Um exemplo disso é a determinação de Trump em relação à GM.

Outro efeito é o enfraquecimento dos EUA como liderança mundial e o crescimento do nacionalismo. Ustariz afirmou que não existe um protagonismo dos EUA, como havia em 2008 com o então presidente Barack Obama, que reagiu à crise financeira com um esforço de cooperação internacional.“Hoje vemos que as ações não são coordenadas através de uma liderança política internacional. O único país que poderia fazer são os EUA. A China tem feito algumas atitudes pontuais, mas não é vista como referência”, continuou.

Essa falta de cooperação internacional é uma opção política de Trump, segundo Ustariz. O isolacionismo tende a enfraquecer instituições globais como a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a ONU (Organização das Nações Unidas).

A terceira tendência é o aumento da vigilância, da tecnologia e da inteligência artificial. Desde a crise do terrorismo, em 2001, a securitização da sociedade é uma realidade presente nos países capitalistas. “Na Coreia do Sul, por exemplo, você faz um teste, usa um aplicativo e, por geolocalização, todas as pessoas que estavam em um raio de 100 metros que tiveram contato com alguém infectado entram nas listas de suspeitos e devem fazer o teste”, finalizou.

por
Victor Prudencio
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11/05/2020 - 12h

Um dos pacientes que mais estão sofrendo com o novo coronavírus é a economia mundial. Neste começo de ano, quando o isolamento social se impôs como a principal medida de combate à pandemia,  vários recordes negativos foram quebrados.

Nos Estados Unidos, maior economia do planeta, o principal índice da Bolsa de Nova York, o Dow Jones, teve o pior desempenho para um primeiro trimestre desde 1896. O desemprego voltou a aumentar depois de dez anos, atingindo 4,4% em março. E a tendência é só piorar.

Especialistas do banco Goldman Sanchs, por exemplo, acreditam que o Produto Interno Bruto (PIB) vai diminuir em 24% no segundo trimestre, terminando o ano com recuo de 3,8%. O desemprego, por sua vez, pode superar 30%, conforme relatório do Federal Reserve (o banco central americano).

As previsões sombrias se estendem para o mundo todo. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB global deve cair 3% neste ano. No Brasil, a retração esperada é de 5,3%, a maior da história. Já a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 195 milhões de empregos vão desaparecer no mundo com a Covid-19.

Em artigo publicado no fim de março, o economista estadunidense Nouriel Roubini observou que os impactos econômicos do novo coronavírus têm sido não apenas mais rápidos, mas também mais graves do que os da crise financeira de 2008 e da Grande Depressão de 1930. O que demorou três anos para acontecer nas crises anteriores, levou menos de um mês na conjuntura atual.

Outra tragédia que a crise econômica de 2020 pode causar é a morte de centenas de milhares de crianças, de acordo com a ONU. Segundo um relatório do secretário-geral, António Guterres, quase 369 milhões de crianças de 143 países dependem das refeições que recebem na escola. Com as medidas de isolamento social, essas crianças correm o risco de não satisfazer suas necessidades nutricionais.

Outra previsão da ONU é que o número de pessoas vivendo na extrema pobreza (R$145 por mês) vai aumentar drasticamente, já que, por causa da recessão, os trabalhadores informais, autônomos e sem contrato assinado ficarão à beira do penhasco financeiro.

Pessoas perdendo o emprego, falta de alimentos para crianças e vários setores econômicos caminhando para a falência. A crise de 2020 é uma avalanche em que a bola de neve não para de crescer. De acordo com o contador Felipe Motta, os setores da economia que mais irão sofrer são o de aviação, importações e varejo. 

“Empresas de aviação cancelando voos a todo instante, o medo da população em ir para um lugar novo agora e o dólar custando mais de R$ 5 é o cenário perfeito para uma catástrofe”, diz Motta, referindo-se ao setor aéreo.

Afetadas pelo câmbio, as empresas de importação também começaram a sofrer os danos da crise, já que trazer as peças para as indústrias, por exemplo, ficou extremamente caro e, com a economia parada, as perspectivas de lucro minguaram. Isso porque as pessoas não estão indo às lojas comprar os produtos, e, se o comércio não vende, ele também não vai atrás das peças nas indústrias, gerando portanto um círculo vicioso que causa um prejuízo alto para esse ramo.

“Tudo está conectado. A indústria vai mal se o varejo vai mal e vice-versa. Com as pessoas dentro de casa, como que elas vão a shoppings e lojas? Vai ser outro setor da economia fortemente atingido”, explica o contador.

Nesse cenário caótico, líderes de grandes nações buscam meios de frear um pouco esse caminhão desgovernado que assola o planeta. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sancionou no fim de março um pacote de US$ 2 trilhões para estimular a economia – o maior pacote do gênero já registrado na história do país. Entre as medidas anunciadas, está o envio de cheques de US$ 1.200 para os cidadãos mais necessitados.

Na Europa, o governo do Reino Unido vai garantir US$ 400 bilhões em empréstimos para empresas afetadas pela pandemia. Na França, será feita a entrega imediata de recursos a trabalhadores e empresas. Na Itália, o pagamento de hipotecas será suspenso e o governo dará auxílio financeiro às empresas afetadas e para a população necessitada. 

No Brasil, o auxílio emergencial de R$ 600 pode ser solicitado por pessoas de baixa renda. Além disso, o Congresso aprovou o estado de calamidade pública no país, o que permite maiores gastos, e o Ministério da Economia anunciou a injeção de R$147,3 bilhões para se contrapor aos impactos da crise.

“Os governos estão fazendo o necessário para que essa crise não se torne a maior da história. É um processo extremamente trabalhoso e cauteloso”, diz o economista Luis Souza, sublinhando o caráter inédito da situação atual, em que uma crise de saúde se alastra junto com uma crise econômica.

“A paralisação de quase todas as atividades também nunca havia acontecido na história. Nem mesmo nas crises de guerras, quando apenas lojas e restaurantes fechavam. Atualmente fechamos tudo”, acrescenta Souza. Ele acredita que a recuperação será demorada. “Sofreremos os efeitos até, no mínimo, 2023.”

por
Catharina Gaidzinski
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09/05/2020 - 12h

A Covid-19 chegou de surpresa e afetou o mundo inteiro, após o primeiro surto da doença na China, no final do ano passado. Como se não fosse suficiente, junto com o vírus, veio a crise. Em decorrência do isolamento social, trabalhadores ao redor do globo têm de encontrar maneiras de sobreviver. Quem não se prejudica tanto são os trabalhadores de carteira assinada, cujos empregadores em muitos casos estão dando férias antecipadas ou mantendo as atividades em home office. Os artistas, no entanto, não se encaixam nessa parcela da população, permanecendo extremamente vulneráveis.

Embora a demanda por cultura aumente por conta do isolamento social, o músico independente não lucra se sua obra não estiver disponível em plataformas de streaming. E, mesmo se estiver, lucra muito pouco. O rendimento de um artista ao adicionar sua música no Spotify é de aproximadamente US$ 4 a cada mil streams, de acordo com dados revelados pela própria empresa em janeiro de 2019. Por isso, a maioria dos artistas independentes tira sua fonte de renda de apresentações na vida noturna. Fora da crise, o salário médio desses trabalhadores já não é muito alto. Casas de show têm pagado cada vez menos para pequenos artistas se apresentarem.

"As casas de show no Brasil geralmente buscam bandas cover ou trabalham com artistas renomados, porque os dois atraem mais público. Algumas casas nos tratam com descaso e nem ao menos nos respondem", conta Juliana Altoé, vocalista e guitarrista da banda indie paulistana The Zasters.

A banda indie paulistana The Zasters. Foto: divulgação.
A banda indie paulistana The Zasters. Foto: divulgação.

Segundo Juliana, o valor recebido pelos músicos varia, mas normalmente vem do cachê de shows e merch [propaganda], que consiste em produtos oficiais com a marca do artista, como camisetas, adesivos e canecas.

Jean Forrer, baterista da banda de metal Laboratori, observa, no entanto, que muitas casas não oferecem cachê, somente uma porcentagem da bilheteria, e que já chegou a tocar de graça. “É muito difícil lucrar como músico independente", diz.

Por este motivo, a maioria dos pequenos artistas independentes também exerce outras profissões para que possam fazer os shows aos finais de semana. "Eu não consigo sobreviver financeiramente da música. Ninguém da banda consegue. A gente ganha pouco cachê e temos noção disso. Somos nós, com nossos empregos formais, que mantemos a banda viva financeiramente", conta Laura Lugo, vocalista da banda de rock Luggo.

O trabalho do músico na quarentena

A partir do mês de março, seguindo as indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS) acerca do isolamento social, shows são cancelados e artistas têm de lutar contra a falta total de cachê. "Como nossos números nas plataformas de streaming e YouTube não são significativos para gerar alguma renda, e sem os shows acontecendo, nossa renda agora é praticamente zero”, relata Jean.

Juliana, por sua vez, conta que a The Zasters adiou as gravações do novo álbum, o que atrasa todo o possível retorno financeiro da banda neste ano. "Tenho amigos que já perderam metade da renda mensal devido ao cancelamento de shows", acrescenta.

Para não sucumbir à crise e à falta de shows, muitos artistas estão aderindo às ferramentas adicionais das redes, como as livestreams e os stories. Assim, é possível fazer shows ao vivo e conversar com o público sem sair de casa.

No entanto, Juliana explica que, para isso, é preciso um mínimo de estrutura, como softwares de gravação, interfaces de áudio, microfones e amplificadores. "Lives são uma ótima opção para manter o público engajado, mas ainda não conseguimos achar uma forma legal de fazer", diz.

Para os músicos que também são professores, a adaptação das aulas para o meio virtual é um desafio. “A bateria é muito grande e barulhenta. Muitas pessoas não têm o instrumento em casa e, por isso, acabei perdendo alguns alunos”, diz Jean. Juliana conta que também adaptou suas aulas para o meio online, mas que a aula de prática de banda não funcionou.

Para ajudar a minimizar o prejuízo trazido pela impossibilidade de trabalho presencial, o Itaú Cultural lançou um edital que visa ajudar os artistas a difundir seu trabalho pelas redes sociais. O Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated SP) também se mobilizou para ajudar os artistas, reunindo propostas para superarem a crise.

Já a Prefeitura de SP declarou que vai destinar R$ 103 milhões para diminuir prejuízos de artistas e da população durante a crise. E o Spotify, juntamente com a União Brasileira dos Compositores, criou um fundo de ajuda para os artistas, com o valor inicial de R$ 1 milhão, aceitando também doações.

Juliana explica que, para reverter parte das perdas deste período, existem plataformas digitais que os artistas podem utilizar para fazer shows virtuais e cobrar ingressos. O público também pode ajudar. "Neste momento, o mais importante é consumir os conteúdos que o artista tem para oferecer: suas músicas, seus vídeos e, caso tenham produtos, comprá-los, pois tudo isso volta para o artista em forma de renda, mesmo que pequena no caso dos plays em plataformas de streaming."

Quem tem condições financeiras também pode ajudar diretamente os artistas, enviando recursos e contribuindo com “vaquinhas” online. Jean conta que esse foi o meio que sua banda escolheu para arrecadar dinheiro, destinando-o ao estúdio em que ensaiam e gravam, que também está parado.

“Temos que valorizar a arte. Passar a quarentena sem música, filmes e livros seria imensuravelmente mais complicado. O melhor benefício que eu visualizo seria uma consciência coletiva da importância dos artistas. De uma forma mais palpável, ajudar a divulgar os artistas que você gosta e também comprar os produtos que ele oferece”, diz Jean.

por
Natasha Meneguelli
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08/05/2020 - 12h

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), maior banco de fomento do Brasil, tem aumentado sua presença na economia depois do início da crise causada pela pandemia de Covid-19. Ele lidera algumas das principais medidas de apoio apresentadas pelo governo federal para as empresas, protagonismo que, em certa medida, contrasta com a tendência verificada nos últimos anos. 

“Estávamos em um momento de reduzir o tamanho do Estado por meio de refocalização das estatais e privatizações. Agora haverá um debate de até que ponto o Estado deve garantir uma estrutura mínima de segurança para evitar crises”, afirma Sérgio Lazzarini, professor do Insper, que tem entre as suas pesquisas as relações entre empresas privadas e o setor público.

O economista aponta que a atuação do BNDES após a pandemia será diferente da política de ‘campeãs nacionais’ dos governos Lula e Dilma, que consistia em fortalecer grandes empresas para se tornarem globais. “Aqui, o foco será em garantir produtos e serviços essenciais, em cenários de elevado estresse, como estamos passando.”

As medidas do banco estão programadas para o período de quarentena, e são voltadas a micro, pequenas e médias empresas, além do setor de saúde. De acordo com informações disponibilizadas em seu site, o BNDES movimenta R$ 67 bilhões em financiamentos que incluem um Programa Emergencial de Suporte a Empregos, para pagamento da folha de salário de funcionários de empresas, e um Apoio Emergencial ao Combate da Pandemia, para compra de equipamentos e outros produtos de saúde. Além disso, o banco suspendeu em até seis meses o pagamento de parcelas de crédito nas modalidades direta e indireta para empresas afetadas pela crise – medida conhecida no mercado como standstill

As ações lançadas na pandemia evidenciam  a mudança de eixo de grandes empresas para as menores, que possuem uma base financeira menos robusta  para lidar com momentos de fortes impactos negativos na economia. As perspectivas de piora da crise após o isolamento social apontam a necessidade de ações que deem suporte às empresas, diminuindo as taxas de desemprego, que, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), devem aumentar principalmente em países emergentes, onde o número de desempregados receberá um acréscimo entre 1,7 milhão e 7,4 milhões de pessoas, segundo as estimativas do órgão.

“Acho que o esforço de reduzir as distorções do passado deve continuar. Por exemplo, evitar que o BNDES empreste para grandes empresas ou setores que podem se capitalizar de outra forma. Havia também a prática de fazer intervenções governamentais nos mercados e compensar os empresários com crédito facilitado”, diz Lazzarini. “Agora falaremos mais na linha de como o BNDES pode estimular empreendedorismo e infraestrutura crítica, que pode ser de menor interesse pelo setor privado. Isso ainda implicará um BNDES menor que no passado, porém muito mais direcionado e provavelmente muito mais efetivo.”

Esta mesma lógica parece conduzir alguns pacotes de providências preparados por instituições importantes para reconstruir a economia brasileira depois do período de quarentena, como  o programa que está sendo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ao qual o presidente da instituição, Carlos Von Doellinger, tem se referido como um “Plano Marshall”, em alusão  ao plano que reconstruiu a Europa depois da Segunda Guerra Mundial. 

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, em meados de abril, Von Doellinger disse que todas as diretorias foram mobilizadas e começaram a entregar relatórios no final do mesmo mês, apesar de não dar nenhuma projeção do valor para o plano. O objetivo é que o documento finalizado chegue à mesa do ministro da Economia, Paulo Guedes, no começo de junho.

A proposta do Ipea tem quatro eixos dos quais o terceiro envolve investimentos em infraestrutura mediante esforço do BNDES e indução do setor privado. A ideia até o momento é que envolva a remodelagem de parcerias público-privadas, tornando-as mais atraentes. Entre os setores a serem priorizados, estão o de saneamento básico, habitação e outras áreas de infraestrutura urbana.