Um dos pacientes que mais estão sofrendo com o novo coronavírus é a economia mundial. Neste começo de ano, quando o isolamento social se impôs como a principal medida de combate à pandemia, vários recordes negativos foram quebrados.
Nos Estados Unidos, maior economia do planeta, o principal índice da Bolsa de Nova York, o Dow Jones, teve o pior desempenho para um primeiro trimestre desde 1896. O desemprego voltou a aumentar depois de dez anos, atingindo 4,4% em março. E a tendência é só piorar.
Especialistas do banco Goldman Sanchs, por exemplo, acreditam que o Produto Interno Bruto (PIB) vai diminuir em 24% no segundo trimestre, terminando o ano com recuo de 3,8%. O desemprego, por sua vez, pode superar 30%, conforme relatório do Federal Reserve (o banco central americano).
As previsões sombrias se estendem para o mundo todo. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB global deve cair 3% neste ano. No Brasil, a retração esperada é de 5,3%, a maior da história. Já a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 195 milhões de empregos vão desaparecer no mundo com a Covid-19.
Em artigo publicado no fim de março, o economista estadunidense Nouriel Roubini observou que os impactos econômicos do novo coronavírus têm sido não apenas mais rápidos, mas também mais graves do que os da crise financeira de 2008 e da Grande Depressão de 1930. O que demorou três anos para acontecer nas crises anteriores, levou menos de um mês na conjuntura atual.
Outra tragédia que a crise econômica de 2020 pode causar é a morte de centenas de milhares de crianças, de acordo com a ONU. Segundo um relatório do secretário-geral, António Guterres, quase 369 milhões de crianças de 143 países dependem das refeições que recebem na escola. Com as medidas de isolamento social, essas crianças correm o risco de não satisfazer suas necessidades nutricionais.
Outra previsão da ONU é que o número de pessoas vivendo na extrema pobreza (R$145 por mês) vai aumentar drasticamente, já que, por causa da recessão, os trabalhadores informais, autônomos e sem contrato assinado ficarão à beira do penhasco financeiro.
Pessoas perdendo o emprego, falta de alimentos para crianças e vários setores econômicos caminhando para a falência. A crise de 2020 é uma avalanche em que a bola de neve não para de crescer. De acordo com o contador Felipe Motta, os setores da economia que mais irão sofrer são o de aviação, importações e varejo.
“Empresas de aviação cancelando voos a todo instante, o medo da população em ir para um lugar novo agora e o dólar custando mais de R$ 5 é o cenário perfeito para uma catástrofe”, diz Motta, referindo-se ao setor aéreo.
Afetadas pelo câmbio, as empresas de importação também começaram a sofrer os danos da crise, já que trazer as peças para as indústrias, por exemplo, ficou extremamente caro e, com a economia parada, as perspectivas de lucro minguaram. Isso porque as pessoas não estão indo às lojas comprar os produtos, e, se o comércio não vende, ele também não vai atrás das peças nas indústrias, gerando portanto um círculo vicioso que causa um prejuízo alto para esse ramo.
“Tudo está conectado. A indústria vai mal se o varejo vai mal e vice-versa. Com as pessoas dentro de casa, como que elas vão a shoppings e lojas? Vai ser outro setor da economia fortemente atingido”, explica o contador.
Nesse cenário caótico, líderes de grandes nações buscam meios de frear um pouco esse caminhão desgovernado que assola o planeta. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sancionou no fim de março um pacote de US$ 2 trilhões para estimular a economia – o maior pacote do gênero já registrado na história do país. Entre as medidas anunciadas, está o envio de cheques de US$ 1.200 para os cidadãos mais necessitados.
Na Europa, o governo do Reino Unido vai garantir US$ 400 bilhões em empréstimos para empresas afetadas pela pandemia. Na França, será feita a entrega imediata de recursos a trabalhadores e empresas. Na Itália, o pagamento de hipotecas será suspenso e o governo dará auxílio financeiro às empresas afetadas e para a população necessitada.
No Brasil, o auxílio emergencial de R$ 600 pode ser solicitado por pessoas de baixa renda. Além disso, o Congresso aprovou o estado de calamidade pública no país, o que permite maiores gastos, e o Ministério da Economia anunciou a injeção de R$147,3 bilhões para se contrapor aos impactos da crise.
“Os governos estão fazendo o necessário para que essa crise não se torne a maior da história. É um processo extremamente trabalhoso e cauteloso”, diz o economista Luis Souza, sublinhando o caráter inédito da situação atual, em que uma crise de saúde se alastra junto com uma crise econômica.
“A paralisação de quase todas as atividades também nunca havia acontecido na história. Nem mesmo nas crises de guerras, quando apenas lojas e restaurantes fechavam. Atualmente fechamos tudo”, acrescenta Souza. Ele acredita que a recuperação será demorada. “Sofreremos os efeitos até, no mínimo, 2023.”
A Covid-19 chegou de surpresa e afetou o mundo inteiro, após o primeiro surto da doença na China, no final do ano passado. Como se não fosse suficiente, junto com o vírus, veio a crise. Em decorrência do isolamento social, trabalhadores ao redor do globo têm de encontrar maneiras de sobreviver. Quem não se prejudica tanto são os trabalhadores de carteira assinada, cujos empregadores em muitos casos estão dando férias antecipadas ou mantendo as atividades em home office. Os artistas, no entanto, não se encaixam nessa parcela da população, permanecendo extremamente vulneráveis.
Embora a demanda por cultura aumente por conta do isolamento social, o músico independente não lucra se sua obra não estiver disponível em plataformas de streaming. E, mesmo se estiver, lucra muito pouco. O rendimento de um artista ao adicionar sua música no Spotify é de aproximadamente US$ 4 a cada mil streams, de acordo com dados revelados pela própria empresa em janeiro de 2019. Por isso, a maioria dos artistas independentes tira sua fonte de renda de apresentações na vida noturna. Fora da crise, o salário médio desses trabalhadores já não é muito alto. Casas de show têm pagado cada vez menos para pequenos artistas se apresentarem.
"As casas de show no Brasil geralmente buscam bandas cover ou trabalham com artistas renomados, porque os dois atraem mais público. Algumas casas nos tratam com descaso e nem ao menos nos respondem", conta Juliana Altoé, vocalista e guitarrista da banda indie paulistana The Zasters.

Segundo Juliana, o valor recebido pelos músicos varia, mas normalmente vem do cachê de shows e merch [propaganda], que consiste em produtos oficiais com a marca do artista, como camisetas, adesivos e canecas.
Jean Forrer, baterista da banda de metal Laboratori, observa, no entanto, que muitas casas não oferecem cachê, somente uma porcentagem da bilheteria, e que já chegou a tocar de graça. “É muito difícil lucrar como músico independente", diz.
Por este motivo, a maioria dos pequenos artistas independentes também exerce outras profissões para que possam fazer os shows aos finais de semana. "Eu não consigo sobreviver financeiramente da música. Ninguém da banda consegue. A gente ganha pouco cachê e temos noção disso. Somos nós, com nossos empregos formais, que mantemos a banda viva financeiramente", conta Laura Lugo, vocalista da banda de rock Luggo.
O trabalho do músico na quarentena
A partir do mês de março, seguindo as indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS) acerca do isolamento social, shows são cancelados e artistas têm de lutar contra a falta total de cachê. "Como nossos números nas plataformas de streaming e YouTube não são significativos para gerar alguma renda, e sem os shows acontecendo, nossa renda agora é praticamente zero”, relata Jean.
Juliana, por sua vez, conta que a The Zasters adiou as gravações do novo álbum, o que atrasa todo o possível retorno financeiro da banda neste ano. "Tenho amigos que já perderam metade da renda mensal devido ao cancelamento de shows", acrescenta.
Para não sucumbir à crise e à falta de shows, muitos artistas estão aderindo às ferramentas adicionais das redes, como as livestreams e os stories. Assim, é possível fazer shows ao vivo e conversar com o público sem sair de casa.
No entanto, Juliana explica que, para isso, é preciso um mínimo de estrutura, como softwares de gravação, interfaces de áudio, microfones e amplificadores. "Lives são uma ótima opção para manter o público engajado, mas ainda não conseguimos achar uma forma legal de fazer", diz.
Para os músicos que também são professores, a adaptação das aulas para o meio virtual é um desafio. “A bateria é muito grande e barulhenta. Muitas pessoas não têm o instrumento em casa e, por isso, acabei perdendo alguns alunos”, diz Jean. Juliana conta que também adaptou suas aulas para o meio online, mas que a aula de prática de banda não funcionou.
Para ajudar a minimizar o prejuízo trazido pela impossibilidade de trabalho presencial, o Itaú Cultural lançou um edital que visa ajudar os artistas a difundir seu trabalho pelas redes sociais. O Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated SP) também se mobilizou para ajudar os artistas, reunindo propostas para superarem a crise.
Já a Prefeitura de SP declarou que vai destinar R$ 103 milhões para diminuir prejuízos de artistas e da população durante a crise. E o Spotify, juntamente com a União Brasileira dos Compositores, criou um fundo de ajuda para os artistas, com o valor inicial de R$ 1 milhão, aceitando também doações.
Juliana explica que, para reverter parte das perdas deste período, existem plataformas digitais que os artistas podem utilizar para fazer shows virtuais e cobrar ingressos. O público também pode ajudar. "Neste momento, o mais importante é consumir os conteúdos que o artista tem para oferecer: suas músicas, seus vídeos e, caso tenham produtos, comprá-los, pois tudo isso volta para o artista em forma de renda, mesmo que pequena no caso dos plays em plataformas de streaming."
Quem tem condições financeiras também pode ajudar diretamente os artistas, enviando recursos e contribuindo com “vaquinhas” online. Jean conta que esse foi o meio que sua banda escolheu para arrecadar dinheiro, destinando-o ao estúdio em que ensaiam e gravam, que também está parado.
“Temos que valorizar a arte. Passar a quarentena sem música, filmes e livros seria imensuravelmente mais complicado. O melhor benefício que eu visualizo seria uma consciência coletiva da importância dos artistas. De uma forma mais palpável, ajudar a divulgar os artistas que você gosta e também comprar os produtos que ele oferece”, diz Jean.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), maior banco de fomento do Brasil, tem aumentado sua presença na economia depois do início da crise causada pela pandemia de Covid-19. Ele lidera algumas das principais medidas de apoio apresentadas pelo governo federal para as empresas, protagonismo que, em certa medida, contrasta com a tendência verificada nos últimos anos.
“Estávamos em um momento de reduzir o tamanho do Estado por meio de refocalização das estatais e privatizações. Agora haverá um debate de até que ponto o Estado deve garantir uma estrutura mínima de segurança para evitar crises”, afirma Sérgio Lazzarini, professor do Insper, que tem entre as suas pesquisas as relações entre empresas privadas e o setor público.
O economista aponta que a atuação do BNDES após a pandemia será diferente da política de ‘campeãs nacionais’ dos governos Lula e Dilma, que consistia em fortalecer grandes empresas para se tornarem globais. “Aqui, o foco será em garantir produtos e serviços essenciais, em cenários de elevado estresse, como estamos passando.”
As medidas do banco estão programadas para o período de quarentena, e são voltadas a micro, pequenas e médias empresas, além do setor de saúde. De acordo com informações disponibilizadas em seu site, o BNDES movimenta R$ 67 bilhões em financiamentos que incluem um Programa Emergencial de Suporte a Empregos, para pagamento da folha de salário de funcionários de empresas, e um Apoio Emergencial ao Combate da Pandemia, para compra de equipamentos e outros produtos de saúde. Além disso, o banco suspendeu em até seis meses o pagamento de parcelas de crédito nas modalidades direta e indireta para empresas afetadas pela crise – medida conhecida no mercado como standstill.
As ações lançadas na pandemia evidenciam a mudança de eixo de grandes empresas para as menores, que possuem uma base financeira menos robusta para lidar com momentos de fortes impactos negativos na economia. As perspectivas de piora da crise após o isolamento social apontam a necessidade de ações que deem suporte às empresas, diminuindo as taxas de desemprego, que, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), devem aumentar principalmente em países emergentes, onde o número de desempregados receberá um acréscimo entre 1,7 milhão e 7,4 milhões de pessoas, segundo as estimativas do órgão.
“Acho que o esforço de reduzir as distorções do passado deve continuar. Por exemplo, evitar que o BNDES empreste para grandes empresas ou setores que podem se capitalizar de outra forma. Havia também a prática de fazer intervenções governamentais nos mercados e compensar os empresários com crédito facilitado”, diz Lazzarini. “Agora falaremos mais na linha de como o BNDES pode estimular empreendedorismo e infraestrutura crítica, que pode ser de menor interesse pelo setor privado. Isso ainda implicará um BNDES menor que no passado, porém muito mais direcionado e provavelmente muito mais efetivo.”
Esta mesma lógica parece conduzir alguns pacotes de providências preparados por instituições importantes para reconstruir a economia brasileira depois do período de quarentena, como o programa que está sendo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ao qual o presidente da instituição, Carlos Von Doellinger, tem se referido como um “Plano Marshall”, em alusão ao plano que reconstruiu a Europa depois da Segunda Guerra Mundial.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, em meados de abril, Von Doellinger disse que todas as diretorias foram mobilizadas e começaram a entregar relatórios no final do mesmo mês, apesar de não dar nenhuma projeção do valor para o plano. O objetivo é que o documento finalizado chegue à mesa do ministro da Economia, Paulo Guedes, no começo de junho.
A proposta do Ipea tem quatro eixos dos quais o terceiro envolve investimentos em infraestrutura mediante esforço do BNDES e indução do setor privado. A ideia até o momento é que envolva a remodelagem de parcerias público-privadas, tornando-as mais atraentes. Entre os setores a serem priorizados, estão o de saneamento básico, habitação e outras áreas de infraestrutura urbana.
O ano de 2020 começou diferente de qualquer outro do século 21. Com a chegada do novo coronavírus, o mundo já começa a sentir os efeitos do que promete ser a maior recessão desde, pelo menos, a Grande Depressão da década de 1930. Para alguns países, é um processo que se inicia agora; para outros, o agravamento de uma crise anterior à pandemia, cuja solução se torna ainda mais complicada. É o caso da Argentina.
A cada ano que passa, a situação do país fica mais difícil. Suas dívidas em empréstimos e títulos passam de US$ 100 bilhões. Já a dívida pública total do país soma US$ 311 bilhões, o que equivale a 90% do Produto Interno Bruto. Após a eclosão da Covid-19, a Argentina declarou default técnico, mais conhecido como "calote", com os credores locais, adiando o pagamento da sua dívida para 2021.
Não bastasse o alto endividamento, nos últimos 40 anos a taxa de pobreza subiu de 4% para 40%. Estimativas do Instituto Nacional de Estatísticas (Indec) indicam que, em 2019, havia 15 milhões de pessoas na pobreza no país. Para piorar, a inflação chega a 50% ao ano. Este cenário, que tende a se agravar com a pandemia, dificulta ainda mais a busca de alternativas factíveis.
Em meio ao surto de Covid-19, gastar recursos com investimentos é considerado secundário. A única saída é levar dinheiro aos mais pobres através de programas sociais. A opinião é do economista e professor da Fundação Getúlio Vargas Rafael Bianchini, que acompanha a situação da Argentina há alguns anos. "Neste momento, o que a Argentina tem a fazer é injetar dinheiro na população e focar nos mais pobres. Tentar preservar a situação mínima de dignidade para a base da pirâmide. Então, é renda básica universal para essas pessoas."
Apesar de ver a "injeção" de dinheiro nos mais pobres como a única medida que deve ser tomada no momento, Bianchini observa que algumas pessoas irão se beneficiar sem precisar. "É bem possível que neste momento não dê para ter critérios muito seletivos, porque você não tem como levar as pessoas para se cadastrar. Não tem como realizar critérios que os governos costumam fazer para selecionar beneficiários de programas sociais: é jogar dinheiro para todo mundo e admitir que alguns vão receber sem precisar. Paciência, é a vida", diz.
Recentemente, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, atendendo às reivindicações das centrais sindicais, contribuiu para que a taxa de desemprego e, consequentemente, os índices de pobreza não aumentassem, ao decretar, no dia primeiro de abril, a proibição de demissões nos 60 dias seguintes, apenas permitindo demissões por justa causa. Mas não há quem se engane. Esta medida é apenas uma das muitas que devem ser tomadas daqui em diante.
Ainda no período da eleição, o atual presidente havia lançado o plano "Argentina contra a fome", inspirado no programa "Fome Zero", criado por Lula em 2003 e responsável por tirar o Brasil do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), contribuindo para que a pobreza extrema diminuísse 75% entre 2001 e 2012, tornando-se referência internacional. O plano de Fernández, que visa erradicar a fome de 15 milhões de pessoas, ainda não saiu do papel.
A pandemia de Covid-19 vem afetando diversos setores da economia em todo o mundo. Um dos que mais têm sentido seus impactos é a indústria têxtil – e, por consequência, o mundo da moda. Hoje, mais do que nunca, os dois precisam encontrar caminhos alternativos para contornar essa situação da maneira mais consciente possível.
No Brasil, a indústria têxtil representa uma grande parcela da economia, tornando-se muito vulnerável em meio à pandemia. De acordo com dados divulgados pela Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) e atualizados em dezembro de 2019, o setor faturou US$ 48,3 bilhões em 2018. Ainda no mesmo ano, foi o segundo maior gerador do primeiro emprego no Brasil, representou quase 17% dos empregos do país e é o quarto maior produtor de denim e malhas do mundo. A moda brasileira também dita sua presença entre as cinco maiores semanas de moda do mundo, responsabilidade carregada pela São Paulo Fashion Week.

A relevância do setor é inegável, mas ainda assim vem enfrentando algumas dificuldades. Desde a crise de 2014 e 2015, quando o PIB brasileiro se retraiu em mais de 7%, a indústria têxtil vem oscilando no que diz respeito a vendas e receitas. Quanto à exportação (um de seus maiores pilares), a balança comercial se encontra desfavorável atualmente. Ainda segundo a Abit, entre janeiro e setembro de 2019, o Brasil registrou US$ 4,133 bilhões em importações, contra US$ 665 milhões em exportações.
Como se já não bastasse a lenta recuperação da economia brasileira, a pandemia do coronavírus impôs a quarentena a fim de diminuir casos e contágios. Em São Paulo, o governador João Doria determinou, entre outras medidas, o fechamento do comércio de bens e serviços considerados não essenciais para evitar aglomerações, o que foi acatado pelos empreendedores, e tem mantido o isolamento social desde 24 de março. De acordo com estimativa feita pela assessoria econômica da FecomercioSP, o consumo de bens chamados duráveis (carros, eletrodomésticos, móveis etc) e semiduráveis (roupas e calçados) tende a diminuir durante esse período.
Com isso, a equipe de economia da Abit realizou uma enquete com os empresários do setor têxtil e confecção para medir as consequências do vírus e as atitudes tomadas frente ao novo problema. Com uma amostra de 183 empresas, a pesquisa, realizada em março, relatou que 97% dos empresários já sentiram o efeito em seu processo produtivo e que 93% dos entrevistados estão tomando medidas preventivas em relação aos seus colaboradores: 62% adotaram férias coletivas, 30% recorreram ao home office, mas sem o consentimento do sindicato da categoria, e 22% apelaram para as demissões.
Algo igualmente inédito no cenário da indústria têxtil brasileira, como a paralisação geral, foi a urgência decretada pelo governo federal na produção de itens da rede têxtil relacionados à área médica, como máscaras, luvas e aventais. A Abit informa que todo o parque manufatureiro do setor está integralmente mobilizado para atender às demandas mais urgentes da Covid-19. O presidente da associação, Fernando Valente Pimentel, em matéria disponibilizada no site da entidade, reforçou: “Nesse sentido, nossa indústria, buscando superar os desafios presentes, está trabalhando, nos locais onde as fábricas podem funcionar, para converter seu processo de fabricação à produção de máscaras, aventais, abrigos e outros produtos, muitos dos quais vinham sendo importados, para atender às necessidades prementes geradas pela pandemia do novo coronavírus”.

Essas mudanças, tanto na rotina da população quanto do mercado da moda, não só afetaram o Brasil, mas o mundo todo. A temporada das semanas de moda, que começou em Nova York em fevereiro deste ano, também sofreu o grande impacto do coronavírus. Para apresentar as novas coleções de luxo outono/inverno de 2021, os estilistas tiveram que se adaptar conforme a pandemia ia se alastrando e o evento acontecia.
O tão esperado desfile de Giorgio Armani na Itália (epicentro do vírus na Europa) aconteceu, porém em um novo formato. De portas fechadas e sem público, as modelos exibiram as novas ideias e tendências Armani nas passarelas por meio de transmissões ao vivo em todas as plataformas digitais da marca. Para a jornalista brasileira e consultora de moda Lilian Pacce, essa é a oportunidade para uma maior reflexão: “Hoje em dia, fazer transmissão ao vivo de desfile é hiperviável. Qual é a real necessidade de você estar dentro daquele recinto, correr o risco de ficar doente? [...] Vamos questionar isso”, apelou em vídeo para o seu canal no YouTube. Outro destino da temporada, Paris, também foi marcado por dificuldades, e a parada final, São Paulo, não teve outro fim senão o cancelamento absoluto. Semanas de moda em Tóquio, Seul, Xangai e Pequim também compartilharam do mesmo desfecho.

Analisando os resultados econômicos da conturbada temporada outono/inverno 2021, o prejuízo foi alto. O coronavírus acabou ocupando os lugares nas primeiras filas dos desfiles principalmente da imprensa e compradores chineses, sempre muito assíduos, já que não embarcaram para ver de perto o inverno europeu. Segundo um estudo da consultoria Bain & Management, 35% de todas as compras de artigos de luxo realizadas em 2019 foram feitas por chineses que viajaram ao exterior, ou aconteceram na própria China. Ou seja, o impacto econômico da Covid-19 é nitidamente observado.
Pensando em como resolver todas essas questões trazidas pelo coronavírus e como proceder a partir desse momento, aqui no Brasil, a assessoria de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem reunindo iniciativas do setor industrial para combater a Covid-19. Seu intuito é contribuir com a divulgação dessas ações, a fim de mostrar como as empresas estão tentando ajudar o país em meio a essa pandemia, e como estão contribuindo na conscientização da população para acatarem as medidas de proteção. A Agência CNI de Notícias é responsável por atualizar diariamente uma página exclusiva que centraliza todas as informações, notícias e posicionamentos das indústrias a respeito da Covid-19.
Uma das heranças deixadas pelo coronavírus, quando se trata do mercado varejista, é o muito provável boom do e-commerce. As compras online aos poucos já estavam ganhando seu espaço na vida dos consumidores brasileiros e estrangeiros, mas com o isolamento social (e até depois disso), esse comportamento só tende a aumentar. Plataformas de compra como o portal Shop2gether devem conquistar novos clientes, antes apreensivos com a nova maneira de aquisição. Em matéria na Vogue Brasil, Ana Isabel Carvalho Pinto, fundadora e diretora do portal, arriscou: “Quem tinha alguma resistência, deve passar a experimentar”.
Os desfiles live e online também fazem parte do legado da Covid-19, assim como uma maior reflexão sobre sustentabilidade (pauta e demanda que já estavam muito presentes na forma de consumir dos millenials e geração Z, antes mesmo da crise do vírus). Para o jornalista e colunista Bruno Astuto, essa nova ordem traz consigo uma onda de mudanças de hábitos e valores, “Não faz mais sentido, sobretudo depois da última e tensa temporada [outono/inverno 2021], viajar oito vezes por ano para Milão, Paris e Nova York. As empresas atacadistas deverão investir em novas tecnologias de realidade aumentada para criar a sensação mais próxima de uma experiência ao vivo”, disse em sua coluna na Vogue Brasil.
Consequências positivas estão por vir. No Brasil, no que diz respeito à indústria têxtil e de confecção, uma aposta na expansão do comércio exterior (e interno também) e seu faturamento se dá com o maior uso das plataformas digitais para compras e vendas online. Outro fator, e com grande potencial para viralizar, é a inovação das grandes marcas na forma de apresentar suas coleções. Diminuir gastos e prezar pela sustentabilidade e bom senso, ao minimizar as idas e vindas em todos os cantos do mundo várias vezes ao ano usufruindo das grandes tecnologias dispostas, também estão se tornando, cada vez mais, tendências muito desejadas.
A indústria brasileira de têxtil e confecção tem muito mais a agregar ao país e ao mundo de forma positiva do que já agrega, e, sabendo estudar as novas possibilidades, as chances de gerar ainda mais empregos, um maior faturamento e se estabilizar são altas. Sobre os contratempos enfrentados pelas semanas de moda na última temporada, há um anseio de mudança nesse mercado tão tradicional e estático (apesar das grandes inovações nas passarelas e vitrines), sem jamais perder sua autenticidade. Para Lilian Pacce, “isso [crise do coronavírus] pode ser muito disruptivo. Sem dúvida, a temporada de outono/inverno 2021 vai entrar para a história”. Uma nova ordem vem por aí.
Foto de capa: Manequins de máscaras em uma vitrine (Suíça, 31 de março) / site swissinfo.ch / Keystone