Sem orientação adequada, donas de pequenos negócios relatam dificuldades para entender as mudanças na economia e veem sua renda ameaçada
por
Manuela Dias
|
28/11/2025 - 12h

A falta de informação qualificada tem se tornado uma das principais barreiras para microempreendedoras brasileiras que dependem de insumos importados ou de produtos cujo preço varia conforme fatores globais. Em meio a mudanças recentes nas taxas, oscilações cambiais e aumento da burocracia para transações internacionais, muitas afirmam que não sabem onde buscar apoio técnico. É o caso de Danielle Nayara, maquiadora e microempreendedora, que iniciou seu negócio após deixar o emprego formal para trabalhar com eventos.

“Eu sempre gostei de maquiagem, mas nunca tinha pensado em maquiar outras pessoas. Só comecei depois de uma sugestão, fiz um curso e acabei me apaixonando pela profissão”, conta. Hoje, ela atende clientes em casa, em eventos e até pernoita em residências para preparar noivas e madrinhas. Mas apesar da agenda cheia, manter o negócio funcionando tem se tornado cada vez mais complexo.

Um desafio diário

Para Danielle, o principal custo do seu trabalho é a compra de materiais: produtos que sofrem variações constantes de preço, muitas delas impactadas por fatores externos. “Um produto que eu comprei por um valor semana passada já está mais caro hoje. Quando isso acontece, eu preciso ajustar meus preços, porque se não aumento, perco margem”, explica.

Ela relata que, muitas vezes, não entende o motivo dessas oscilações nem encontra informação clara sobre o que está influenciando o aumento. Esse descompasso entre preço e explicação não só dificulta o planejamento, como a impede de aproveitar oportunidades.

“A qualidade dos produtos é essencial. Se o material é ruim, não adianta eu ser boa. Só que para comprar produtos bons, eu preciso pesquisar muito. E os preços mudam rápido demais”, diz.

A falta de informação também interfere na profissionalização. Em eventos como a Beauty Fair, Danielle conseguiu adquirir produtos de alta qualidade com preço reduzido, mas admite que depende do acaso: “Eu fico sabendo por redes sociais. Se eu não vejo no Instagram ou no TikTok, eu perco a chance.”

Redes sociais como principal fonte

Como muitas microempreendedoras, Danielle se informa principalmente pelas redes sociais. “É onde está tudo hoje: Instagram, TikTok, WhatsApp. É ali que vejo notícias, promoções e mudanças”, afirma. O problema, segundo especialistas, é que essa dependência de canais informais deixa empreendedoras vulneráveis. Notícias sobre variações cambiais, tarifas, mudanças em importações ou novas regras para comercialização de cosméticos dificilmente chegam a essas mulheres de forma clara e estruturada. Isso faz com que muitas decisões sejam tomadas às cegas.

Economistas e organizações ligadas ao empreendedorismo feminino têm reiterado que a falta de informação clara é hoje um dos maiores riscos para pequenos negócios liderados por mulheres. À medida que insumos sofrem com oscilações globais, e que o comércio exterior se torna mais complexo, milhares de empreendedoras enfrentam um mercado imprevisível sem apoio técnico.

No caso de Danielle, o impacto ainda é administrável, mas ela admite a preocupação: “Eu tento acompanhar tudo, mas é difícil saber o que realmente vai afetar meu trabalho. Às vezes, descubro um aumento só quando chego na loja para comprar”, relata.

Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”.
“Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”. Reprodução: arquivo pessoal 

Força para manter o negócio! 

Apesar dos desafios impostos pela falta de informação, pelos custos instáveis e pelas mudanças constantes no mercado, mulheres como Danielle continuam sustentando seus negócios com esforço diário, intuição e dedicação. A realidade que enfrentam é marcada por incertezas, mas também por uma determinação que atravessa jornadas longas, madrugadas de trabalho e decisões tomadas sem o suporte adequado.

No fim das contas, o que sustenta esses negócios não é apenas acesso a crédito ou políticas públicas: é a força de mulheres que, todos os dias, escolhem continuar. A luta feminina, silenciosa ou coletiva, segue sendo a certeza em meio ao cenário incerto e continua provando que, quando essas mulheres resistem, elas transformam não só suas próprias histórias, mas também o futuro do empreendedorismo no país.

 

Transformando a vida de milhões de pessoas todo ano, merece mais reconhecimento e recursos para manter o Brasil vivo
por
Vítor Nhoatto
|
28/11/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

Uma das poucas certezas de todo ser humano, tal qual a morte, é a doença. Sabe aquele resfriado que vem junto ao seco do frio, uma ferida que infecciona depois de cair de bicicleta, até aquelas mais sérias que podem aparecer. Fato é que sem saúde não se vive, sendo um direito constitucional não por acaso. Sendo assim, é preciso que o acesso a essa necessidade tão básica quanto respirar e se alimentar seja universal, e não um bem a se comprar apenas por aqueles que podem.

Para isso então que existe o Sistema Único de Saúde (SUS), tão falado e muito mais presente na vida do que alguns podem sequer imaginar, ou querer. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador dos medicamentos disponíveis no país, de controle alimentar e hídrico, faz parte do SUS. Regulamentado em 1990, é responsável pelas vacinas e desenvolvimento científico ainda, e sabe os planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde (ANS), que os regula, também é integrante do sistema.

Para falar dessa diferença real na vida, antes é preciso até olhar nos papéis para lembrar já a quanto tempo ele é médico, enfermeiro, farmácia. De cabelos curtos hoje, depois de uma repaginada no visual devido ao câncer de pulmão que teve justamente na pandemia de COVID-19, Léia Marisa celebra que há dois anos consegue receber na AME Maria Zélia o micofenolato de Mofetila. Pois é, muitas vezes quando o nome é chique o preço é alto, uns R$500 por caixa, mil reais por mês gastos antes da papelada ficar pronta e ser aceita em 30 de novembro de 2023, já que a doença não espera os trâmites e filas.

A ex-professora, atual dona de casa e empresária a distância do seu restaurante, conta como o período de descoberta e tratamento do câncer, que levou até questões reumatológicas, e ajudou a descobrir uma artrite reumatoide, foi muito difícil. Entre dezenas de idas ao hospital de 2020 até 2023 até chegar ao diagnóstico, foram dias desgastantes, assustadores, e toda ajuda foi essencial, principalmente com os custos de sobreviver à doença. No caso dela, o tratamento do tumor foi feito em rede privada graças ao seu plano de saúde empresarial, que custa salgados R$5 mil reais ao mês. Só aqui são quase quatro salários mínimos, um privilégio muito grande, como ela destaca, olhando para um país em que apenas 7,60% da população ganha entre 5 e 10 salários como o Censo de 2022 do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística revela. 

Se aprofundando mais ainda nos fatos, de acordo com o estudo “Quanto custa o câncer” de 2023 do Observatório de Oncologia, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) e do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, os custos de tratamento da doença quadruplicaram nos últimos três anos. Uma sessão de radioterapia ou quimioterapia custava quase R$800 em 2022, e dezenas são necessárias na maioria das vezes. Acrescentando nessa conta, consultas, tomografias e biópsias, mil reais ali e cinco acolá, o custo chega facilmente ultrapassa dezenas de milhares de reais. Isso é ainda mais preocupante tendo em conta a incidência do câncer na população, que segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) entre 2023 e 2025, 704 mil pessoas terão a doença como Marisa. 

E com isso que o SUS se mostra como algo tão relevante, oferecendo tratamento integral e gratuito contra todos os tipos de cânceres. Claro que muitos problemas existem, como destaca Marisa ao lembrar que quando estava no meio do tratamento enfrentou problemas com o plano de saúde, mas que só o medo de depender da demora do SUS caso fosse preciso, a preocupava muito. A saúde é o bem mais precioso para, o que para todos provavelmente deva ser, e por isso justamente que em 2012 a lei 12.732/12 obriga que o tratamento contra o câncer tem que ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico. 

Mas além disso, com os olhos marejados depois de navegar novamente no mar agitado que foi a jornada até a vida que tem hoje, curada e com o diagnóstico da sua doença crônica, ela volta e lembra que a diferença que não ter que pagar pelo Micofenolato que a mantém respirando faz.  Quando tinha que arcar com as despesas era como um fardo a mais imposto a ela, que considera a saúde hoje como o bem mais valioso. As idas mensais  ao posto são um alívio hoje para ela, destacando que o seu medicamento nunca faltou até então, mas que já presenciou pessoas na situação contrária e que não tinham como arcar pessoalmente com os gastos. Essa é uma realidade infelizmente, segundo fiscalização de 2023 da secretaria de contas do Estado de São Paulo, em quase metade dos postos visitados faltavam algum medicamento.

papéis
A cada seis meses Marisa tem que renovar a receita e toda a papelada para solicitação do seu medicamento junto a AME - Foto: Vítor Nhoatto

Milhões de uns

Mesmo que falte muito, afinal, só 4,16% do orçamento federal foi destinado à saúde em 2024 segundo o Painel do Orçamento Federal, a porcentagem vem aumentando desde 2022, e milhões de brasileiros são atendidos todos os dias. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema universal de saúde, e 213 milhões dependem diretamente do SUS, segundo o Ministério da Saúde, que contabiliza em média 2,8 bilhões de atendimentos por ano, empregando 3,5 milhões de profissionais.

E mais um desses uns é Valdir Sousa, que do alto de seus 63 anos de idade é um típico caso brasieleiro. Com diabetes do tipo II há 20 anos e hipertenso, conta que se não fosse o acesso ao sistema gratuito, sua vida seria muito diferente, obviamente pelo lado financeiro, e muito também pelo bem-estar. O mineiro nascido em São João do Paraíso e que vive em São Paulo há décadas já viu tanto na vida, e com o passar do tempo o que todos querem e merecem é justamente qualidade de vida. Essa no caso, em grande parte possível graças a insulina que busca no posto na Freguesia do Ó e os comprimidos que cuidam do seu coração acelerado.

Justamente essa hipertensão que é a doença mais presente nos peitos animados dos brasileiros, e 52% da população é diagnosticada com alguma DCNTs, como revela a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Além disso, segundo dados de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) como as de Valdir são tecnicamente chamadas, são as mais comuns no mundo e no Brasil, com o diabetes inclusive tendo aumentado 70% entre 2000 e 2019. 

Para contextualização, nos Estados Unidos existe há alguns anos o movimento nas redes sociais insulin4all, criado pela organização sem fins lucrativos T1 International, que denuncia os altos custos da insulina no país, onde um frasco de 10ml gira em torno de U$330. Tal situação vem levando inclusive pessoas a racionarem o medicamento, o que pode levar a complicações e até a morte em casos mais graves. Já no Brasil, o mesmo remédio é disponibilizado pelo SUS, e o preço máximo permitido por lei é de R$125,30. 

Diante desses dados e o envelhecimento da população fica claro como a saúde vai ser cada vez mais necessária, tal qual destaca o jovem de espírito Valdir, que já foi pedreiro e auxiliar de manutenção geral em uma lanchonete, justamente no Hospital das Clínicas. As histórias que já viu na maior referência de saúde pública brasileira enchem a sua mente, e as palavras saem inquietas sobre as melhorias que o SUS precisa e as pessoas merecem. Ele conta em meio a suspiros que quando precisa de exames mais urgentes, ou consultas em meio a crises, tem que recorrer ao plano de saúde da sua esposa, do qual é dependente, já que as unidades de saúde estão sempre cheias e a fila de espera passa de meses algumas vezes. 

Foi nessas passagens obrigadas pela rede privada que ele inclusive descobriu mais um integrante do seu pacote, a doença renal crônica há um ano. Porém, é no SUS que o acompanhamento com nutricionista, nefrologista e endocrinologista foi possível, uma rotina de cuidados essenciais para uma boa qualidade de vida para quem tem a condição. É graças a essa rede de profissionais e a farmácia popular que Valdir vai aproveitando com os dois filhos e a mulher os seus dias, frisando com a voz até meia trêmula, que sem isso não poderia se ter o seu direito de viver com saúde exercido plenamente.

medicamentos
São graças a compostos como esses que tanto Marisa ou Valdir, e os mais de 100 milhões de brasileiros com doenças crônicas podem viver bem tal qual a constituição garante - Foto: Vítor Nhoatto

 

Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
|
14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
|
07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

1
"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

2
Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
|
24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

por
Fernanda Cui
|
18/05/2020 - 12h

Desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil, muitas empresas foram obrigadas a adotar o home office para preservar seus funcionários e dar continuidade às suas atividades. Anteriormente, esse formato de trabalho muitas vezes era considerado inapropriado, mas o que ninguém imaginava é que ele se tornaria tão fundamental para a sobrevivência de muitas empresas e também da população.

Um estudo recente realizado pelo professor André Miceli, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), revelou que as atuais mudanças podem fazer com que o home office cresça 30% após a estabilização dos casos de Covid-19 e o retorno às atividades normais. Além disso, uma pesquisa realizada em 2019 pela SAP Consultoria em Recursos Humanos constatou que, entre 2016 e 2018, o número de empresas que adotam essa política de trabalho cresceu 22%. 

Apesar dos dados, o home office exige atenção em relação à infraestrutura e conforto dos funcionários, além das questões trabalhistas e disciplinares. Uma pesquisa realizada no final de março pela Betania Tanure Associados, uma consultoria de empresas, mostrou que 43% das 359 empresas consultadas haviam adotado o home office por conta da pandemia. Entre as maiores dificuldades relatadas, tiveram destaque a adaptação das atividades presenciais para virtuais (61%), o gerenciamento remoto da equipe (45%) e a infraestrutura tecnológica (43%). 

Para compreender a legislação relativa ao trabalho à distância, é necessário estabelecer, em primeiro lugar, a diferença entre o teletrabalho e o home office. Entende-se por teletrabalho a prestação de serviços executados majoritariamente  fora das dependências do empregador. Já o home office se caracteriza quando o trabalho é realizado à distância de forma pontual. Para o teletrabalho existe uma legislação, para o home office não.

Como conta a advogada trabalhista e professora da PUC-SP Fabíola Marques, antes da reforma trabalhista não existia nenhum tipo de legislação que fizesse distinção entre o trabalho à distância e o realizado nas dependências do empregador. Desde 2017, quando entrou em vigor a Lei nº 13.467/2017, o teletrabalho foi normatizado e recebeu regras específicas para sua realização. Segundo o artigo 75-B, considera-se como teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

A lei também estabelece que o regime de trabalho à distância deverá constar no contrato de trabalho individual do funcionário, e que o comparecimento eventual às dependências do empregador não descaracteriza o regime contratual. Além disso, a lei prevê que, por conta da flexibilidade e autonomia do funcionário, não há direito ao adicional de horas extras e nem ao intervalo durante a jornada. 

Fabíola  explica que, com a chegada do novo coronavírus ao Brasil, foi necessário criar uma medida provisória que facilitasse a adoção do trabalho à distância para as empresas. Assim entrou em vigor a Medida Provisória n° 927, de 22 de março de 2020, que determina algumas alternativas trabalhistas para o enfrentamento do coronavírus. A partir desta medida, os empregadores poderão, durante o estado de calamidade, alterar o regime de trabalho de seus funcionários sem necessidade de alteração prévia no contrato individual, desde que o empregado seja avisado com 48 horas de antecedência.

Além disso, segundo a MP, caso o funcionário não disponha de recursos tecnológicos, é responsabilidade do empregador fornecer os equipamentos necessários sob regime de comodato, ou seja, empréstimo gratuito. Em caso de impossibilidade no oferecimento, as horas não trabalhadas ficarão à disposição do empregador. A MP ainda permite que estagiários e aprendizes também adotem esse regime alternativo de trabalho. 

Segundo dados do IBGE divulgados no final do ano passado, em 2018, 3,8 milhões de brasileiros trabalharam à distância. De acordo com a pesquisa, 5,2% do total de trabalhadores ocupados adotam esse regime de trabalho, uma alta de 44,4% em relação a  2012.

A empresa de análise e monitoramento de redes sociais Elife adota o teletrabalho desde que fundada, em 2004. Segundo o coordenador de projetos, William Ferreira,  entre os maiores temores dos empregadores em relação ao trabalho à distância está a  segurança da informação, assim como  a gestão dos colaboradores. Para ele, no entanto,  o bem-estar gerado para o funcionário acarreta o aumento da produtividade e a satisfação com a empresa. 

William avalia que nem todas as pessoas estão aptas para trabalhar à distância, justamente por questões de adaptação e gosto pessoal. Por isso, ele afirma que é responsabilidade da empresa na hora da contratação buscar entender qual o perfil de determinado candidato. William observa  que os profissionais mais jovens tendem a se adaptar melhor ao sistema por estarem mais habituados às plataformas digitais. 

Na Elife, as equipes adotam algumas ferramentas básicas  que William  considera imprescindíveis na gestão e para manter o contato diário entre os funcionários,  diminuindo a sensação de distância. Uma delas é o Slack, uma espécie de chat que facilita as divisões de equipe e o mapeamento do trabalho. Outras são o Google Suite –  que conta com  diversas funcionalidades, entre elas o Google Drive para armazenamento dos arquivos –, o Google Hangouts, para a realização de videoconferências, e o Facebook Groups, para a divulgação de acontecimentos internos da empresa, alinhamentos de RH e conteúdos específicos.

Por fim, William pontua que a pandemia rompeu com todas as barreiras que a maioria das empresas tinha em relação ao teletrabalho e que este cenário mostrou que os principais argumentos relacionados à produtividade e segurança da informação não se sustentam, visto que o mundo opera sob esse regime há mais de 30 dias e as empresas seguem funcionando sem grandes problemas.

 

Para economistas Paulo Feldmann, professor da USP, e João Almeida, da Metodista, auxílio do governo é insuficiente
por
Victor Henrique Almeida
|
17/05/2020 - 12h

A quarentena determinada pela Covid-19 trouxe à tona uma questão há muito tempo discutida por economistas e formuladores de políticas públicas: a possibilidade de destinar uma renda básica às camadas mais pobres da população, sobretudo em momentos de crise.

Entre as medidas do governo para atenuar os impactos da pandemia, a proposta de renda básica – também chamada de renda mínima – está sendo materializada no auxílio de R$ 600 concedido a trabalhadores informais, mulheres chefes de família e outros segmentos penalizados pela paralisação inédita da atividade econômica. Porém, de acordo com especialistas, embora relevante, essa renda está longe de ser suficiente, considerando que equivale a pouco mais de metade de um salário mínimo.

A Agemt conversou com dois especialistas da área econômica e administrativa, que explicaram o conceito de renda básica e se posicionaram sobre sua aplicabilidade no cenário brasileiro. 

O primeiro entrevistado foi Paulo Feldmann, professor livre-docente do Departamento de Administração da Faculdade de Economia e a Administração (FEA) da USP e doutor em administração pela Fundação Getúlio Vargas. O segundo foi João Almeida Santos, professor de economia da Universidade Metodista de São Paulo e doutor em economia pela PUC-SP.

Os dois destacaram a importância de programas de renda mínima, não apenas no atual contexto de crise, mas também para o futuro. Feldmann observou que alguns países, como a Dinamarca e a Finlândia, já adotaram a medida de forma permanente, buscando amortecer os impactos do desemprego, que, por razões tecnológicas, inevitavelmente irá aumentar no futuro.

Feldmann disse que é inegável que muitas pessoas hoje assumem funções não muito valorizadas pela sociedade, como trabalhos de caráter mais braçal, como delivery, telemarketing, entre outros. Após a precarização por que têm passado nos últimos tempos, esses postos de trabalho caminharão para a automação completa, ou seja, a mão de obra humana será substituída por máquinas com maior capacidade de trabalho e inteligência cada vez mais desenvolvida.

O professor da USP contou que o Japão, considerado uma das maiores potências tecnológicas do mundo, está implantando pela segunda vez a renda básica. Após um primeiro teste, os resultados foram verificados e serviram de base para uma segunda edição aprimorada do programa, aplicado em forma de lei em todo o território japonês.

Segundo Feldmann, esses países concluíram que a renda mínima é a melhor medida para  salvar grande parte da população de uma crise econômica sem precedentes.

Almeida, por sua vez, disse que a precarização do trabalho ressalta a necessidade de programas de renda básica. Ele comentou que os trabalhadores precarizados (por exemplo os motoboys autônomos que trabalham para empresas como Rappi e Ifood) mal conseguem se sustentar com o que  recebem, já que não têm um salário fixo e muito menos direitos trabalhistas.

A precarização está na relação entre empregador e trabalhador e a forma em que o trabalho é realizado. Não existe contrato formal de trabalho (ou, quando existe, ele é como falso empreendedor com registro de MEI – microempreendedor individual), além de outros problemas graves para o trabalhador, como a falta de jornada de trabalho definida, falta de EPI – equipamento de proteção individual –, equipamento inadequado e etc”, comentou Almeida.

Os dois entrevistados concordaram que os recursos não devem vir apenas do governo federal, mas da taxação de grandes riquezas e de impostos sobre os bancos. O principal problema da renda básica é de onde irão sair os recursos, já que o governo não possui uma riqueza infinita. Nos países escandinavos há impostos sobre as grandes riquezas, aqui no Brasil isso seria primordial para angariar recursos e destina-los à população”, disse Feldmann.

Mas, para fazer isso, salientou, seria necessária uma reforma total no sistema tributário do país, que é extremamente desigual: os que têm  menos renda pagam relativamente mais impostos do que os que possuem mais. “O ponto central de uma reforma tributária é sempre o imposto de renda, onde as pessoas muito ricas devem pagar taxas muito mais altas do que as pessoas mais pobres. Com essa mudança, o governo federal destinaria esse recurso para as áreas principais, como educação, saúde, segurança pública e etc., além de poder destinar parte desses ganhos para o projeto de renda mínima”, acrescentou Feldmann.

O professor da USP considera insatisfatório o auxílio de R$ 600 anunciado pelo governo para amortecer os impactos da pandemia. “Os R$ 600 não serão suficientes. Esse valor terá que aumentar muito, não existe outra saída para a economia que não seja a diminuição do neoliberalismo, pois o governo deve intervir na economia. O governo é que precisa salvar e auxiliar a população nesses tempos de crise, priorizando as necessidades da população em detrimento do lucro privado." 

João Almeida concluiu que os programas de renda básica devem ser financiados com dinheiro público. ”A renda básica tem que ser iniciativa do governo. O setor privado não tem interesse em investir nessa medida, embora tenha recursos para isso, pois o lucro das empresas seria menor ”, disse.


 

 

por
Giordana Velluto
|
17/05/2020 - 12h

Ainda lutando para superar a recessão de 2015 e 2016, o Brasil deve experimentar neste ano uma crise econômica sem precedentes devido aos impactos do novo coronavírus. As expectativas para o Produto Interno Bruto (PIB), que antes giravam em torno de 2,5% para cima, pioram a cada semana e agora apontam uma queda de até 9%. Até junho, o número de desempregados deve aumentar em pelo menos 2,2 milhões.

Por conta da estratégia de isolamento social, grande parte do comércio cujas atividades não são consideradas essenciais fechou e muitas pessoas perderam o emprego.

A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que os impactos dessa pandemia já são maiores do que o choques de 2001 e 2008, e que a recuperação será ainda mais difícil para os países em desenvolvimento, onde a retomada começaria, muito lenta, a partir de junho.

A taxa de desemprego, da mesma forma, deve experimentar um forte avanço. Dos 11,6% verificados no trimestre encerrado em fevereiro, o índice deve saltar para 13,5% em junho, segundo estimativas feitas pelo economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, em entrevista ao Valor Econômico. Em números absolutos, isso significaria um acréscimo de 2,2 milhões no número de desempregados, que passaria de 12,3 milhões para 14,5 milhões. Para o fim do ano, porém, Jensen acredita em um pequeno alívio, com o desemprego chegando a 12,9% e o total de desempregados a 13,8 milhões.

Um dos mais afetados pela crise, o setor de bares e restaurantes prevê que até o mês de maio 3 milhões de trabalhadores dos setores não essenciais sejam demitidos. A estudante de administração Isabella Carvalho, de 21 anos, foi uma das pessoas pegas de surpresa quando recebeu a notícia da demissão. Trabalhava há 3 anos em um restaurante perto de sua casa. “Pensei que essa crise fosse demorar para afetar o Brasil, isso se afetasse. Mas agora vi que a situação está bem mais grave do que imaginava”, comenta.

Isabella ajuda a mãe a pagar as contas da casa, onde mora com mais dois irmãos e o sobrinho, em Vargem Grande Paulista, no interior de São Paulo. “Agora não sei o que fazer, me sinto perdida. Não sei por onde recomeçar. Dá até um desespero”, afirma.

A indústria é a próxima a sofrer os reflexos dessa pandemia. As consequências demoram um pouco mais para aparecer, já que as fábricas têm conseguido conter demissões em massa, colocando os trabalhadores em férias coletivas ou diminuindo a jornada de trabalho. Entretanto, o setor tem uma participação cada vez menor no PIB, levando o país a uma desindustrialização precoce e à concentração cada vez maior de commodities em sua pauta de exportações.

O economista e professor da FMU Marcos Henrique do Espirito Santos faz um panorama da situação: ”O coronavírus tende a dar uma virada de jogo em qualquer possibilidade de ‘recuperação’ da economia. A taxa de desemprego vai voltar a subir, tendo um impacto muito forte, especialmente, sobre os trabalhadores informais e até sobre os formais que estão na base da pirâmide, que ganham menos e que têm uma rede de proteção menor”.

Segundo Espírito Santo, a economia do Brasil, estruturalmente falando, sempre foi informal, afinal, tratava-se de uma economia colonial baseada na escravidão. No entanto, nos governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016), algumas políticas de inclusão foram implementadas, como a geração do trabalho formal. No atual governo, no entanto, a informalidade voltou a bater recorde.

Diante desse cenário, o governo anunciou uma série de ações na tentativa de minimizar a deterioração do mercado de trabalho, como o home office, antecipação de férias, férias coletivas e uso do banco de horas. Já para os trabalhadores informais, o Congresso aprovou um auxílio emergencial de R$ 600 por até três meses.

Também foi aprovado um programa de liberação de crédito por intermédio do Banco Central na intenção de corrigir as disfunções do mercado. Inclusive para disponibilizar recursos aos próprios bancos, viabilizando mais empréstimos a pessoas físicas e jurídicas e evitando que passem por uma crise de liquidez que leve à quebra do sistema como um todo.

“Esse momento que estamos prestes a viver, de recuo muito forte do PIB e de toda a atividade econômica, irá ajudar a repensar a forma de existência e organização do sistema capitalista, que já vem encontrando limites há algum tempo e desde a crise de 2008 vem dando possíveis indícios de rompimento”, afirma Espírito Santo.

Além disso, com a ciência e a pesquisas sob os holofotes do mundo, uma importante discussão, principalmente no Brasil, foi levantada. As áreas historicamente rejeitadas no país, que vêm sendo prejudicadas pelo subfinanciamento e têm perdido cada vez mais prestígio, hoje mostram, mais do que nunca, sua relevância.

 

 

 

por
Paula Paolini
|
17/05/2020 - 12h

Com o avanço do coronavírus no Brasil, entre os diversos setores afetados, a indústria cultural foi uma das primeiras a sentir o impacto das medidas de isolamento social tomadas para enfrentar a pandemia. Antes mesmo de sua chegada, os problemas já haviam começado. Artistas estrangeiros com viagem marcada para o Brasil tiveram que cancelar sua vinda, devido à propagação da doença em outras partes do mundo.

Grandes shows, como o da cantora americana Billie Eilish e o da banda inglesa McFly, foram adiados ou cancelados. O festival Lollapalooza, que seria realizado em abril, foi transferido para dezembro e ainda está devendo a confirmação dos diversos artistas que viriam nesse começo de ano. Muitos shows nacionais também foram suspensos ou remarcados, como o de Roberto Carlos e o de Black Alien. 

Os eventos em geral, principalmente os musicais, são uma das atividades econômicas mais importantes do Brasil, representando 13% do PIB e movimentando cerca de R$ 936 bilhões na economia. Além disso, geram cerca de 25 milhões de empregos diretos e indiretos, segundo estimativas fornecidas por Pedro Augusto Guimarães, presidente da Apresenta Rio, em entrevista para a Folha de S. Paulo.

O mercado de música ao vivo, de forma geral, acredita que a crise desencadeada pela pandemia de Covid-19 será a pior já enfrentada pelo setor. Mais vulneráveis que os peixes grandes, estão os pequenos produtores, os músicos independentes e todos que trabalham com eles nos eventos e shows.

Algumas alternativas ganharam destaque no meio desse isolamento social, como as lives. Artistas com grande fama fizeram apresentações ao vivo no YouTube ou no Instagram para entreter os fãs nesses dias desanimados. A cantora Ludmilla levou isso além e continuou pagando sua equipe pelos shows que estariam acontecendo se não fosse a pandemia.

Muitos desses shows online se propõem a divulgar instituições de caridade, projetos sociais ou apenas arrecadar recursos para comunidades em situação precária que precisam de ajuda em meio às dificuldades da pandemia, motivando os que assistem às apresentações a fazerem contribuições. Gusttavo Lima conseguiu mais de R$ 500 mil para doação e a dupla Jorge e Mateus, que superou 3 milhões de visualizações em sua live no YouTube, arrecadou mais de 172 toneladas de alimentos e 10 mil frascos de álcool em gel. Já o rapper Djonga aplicou um QR Code na página da live para quem pudesse doar, ultrapassando R$ 80 mil em arrecadação para uma comunidade carente em Belo Horizonte que está sofrendo os efeitos do vírus.         

Em relação aos pequenos músicos, há outras alternativas. Um fundo de ajuda para compositores e artistas atingidos pela crise do novo coronavírus foi lançado pela União Brasileira dos Compositores (UBC) e pelo Spotify. É necessário ser filiado à UBC para ter acesso ao benefício. A entidade tem 30 mil associados, entre autores, intérpretes, músicos, editoras e gravadoras, que recebem direitos autorais. 

A UBC disponibilizará R$ 500 mil, que se somarão a outros R$ 500 mil doados pela plataforma de música streaming. Esse valor de R$ 1 milhão será compartilhado com todos os associados atingidos pela crise do vírus. O Spotify vai acrescentar US$ 1 para cada US$ 1 doado no site do projeto, chamado Spotify Covid-19 Music Relief, até o fundo atingir um valor próximo ou igual a US$ 10 milhões.

Em diferentes estados, sindicatos e associações de músicos, como a Associação de Compositores, Músicos e Produtores de Mato Grosso (ACMP), a companhia de teatro Os Satyros e o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated SP), também estão fazendo campanhas para ajudar os artistas prejudicados pelas medidas de isolamento social.

Muitos que vivem de shows e produções independentes ainda vão sofrer com esses impactos. Guilherme Bustamante ou GB seu nome artístico –, um estudante de produção musical que já trabalha como produtor independente e participa de um grupo de rap, o DoideraCrew, diz que a falta de shows e batalhas está afetando sua renda e a divulgação de seu trabalho. 

“A abstinência de shows para nós que somos artistas pequenos é uma das piores coisas. É um dos nossos principais meios de divulgação, sempre cantando para novas pessoas que vão conhecendo nosso trabalho e abrindo novas oportunidades de participação em outros eventos”, conta GB.

“A renda dos shows ainda não é suficiente para me manter, porém muitos shows ainda vêm como um bom complemento e ajudam bastante. Agora, sem eles, tudo fica um pouco mais apertado, mas sigo na minha motivação de fazer o que eu amo, muita música”, complementa Guilherme. 

O baterista Paulo Stortini fala sobre o baque que os músicos sentiram com a pandemia. “Muitos shows que estavam agendados há tempos foram totalmente cancelados. Agora, nosso foco é se reinventar, já que todos os artistas estão sem o ganho deles.”

Além de baterista, Stortini diz que tem sorte de trabalhar com outras coisas envolvendo música, como gravação, produção, mixagem e ainda dar aula de bateria. Porém, outras atividades, como transcrições de músicas e produções maiores, em que recebia por ensaio e pelo espetáculo, foram completamente excluídas de sua renda no momento. “Minha impressão é que, quando tudo voltar ao normal, a relação das pessoas com a arte vai ser diferente.”

“Ainda tento fazer algumas gravações online e continuar dando aula, mas o resultado não está sendo bom. Uso as redes sociais para me promover e ver se consigo mais alunos, mas vejo que ninguém está pensando em gastar com aulas de música em tempos tão difíceis. Para ajudar na renda, apelei para os aplicativos de mobilidade urbana, como Uber, Cabify ou 99.”

O baterista conta que alguns alunos que não foram tão afetados pelo coronavírus continuam honrando o pagamento das aulas, mesmo sem tê-las no momento. “Do dia para a noite, minha renda foi praticamente a zero." Agora, Stortini segue rodando com os aplicativos de transporte para sobreviver e tentar olhar toda essa situação com o mínimo de esperança.   

por
Marina Pires
|
16/05/2020 - 12h

Com o avanço do coronavírus no Brasil, a compra no mercado online vem sendo a melhor alternativa para os consumidores que estão em quarentena. Segundo dados divulgados pela FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), a expectativa é que o setor de e-commerce cresça 12% e fature R$ 23,1 bilhões em 2020. Mas, de acordo com especialistas, esses números irão aumentar ainda mais, devido à situação em que o país se encontra.

Através das redes sociais, pequenos negócios online têm investido nessa ferramenta para interagir com seus consumidores, mostrando um outro lado da marca como estratégia para estimular as vendas.

Lançada há um ano, a loja Seja Sapê começou vendendo suas roupas leves e minimalistas através do Instagram. Com o slogan "liberdade de ser", a loja mostra para seus 2.400 seguidores o conceito por trás da roupa: a escolha cuidadosa dos tecidos, a produção artesanal e a união das mulheres na marca. E, nesta quarentena, a estratégia não seria diferente.

Uma das roupas vendidas na loja Seja Sapê / Foto: Instagram.
Uma das roupas vendidas na Seja Sapê. Foto: Instagram da marca.

"Decidimos aumentar ainda mais nossas publicações mostrando o conceito da loja. Visto que as pessoas estão mais virtuais, estamos postando playlist de música, tiragem de tarô, rituais para fazer antes de dormir, exercícios de ioga… que são coisas que têm tudo a ver com a imagem da marca", conta Rafaella Ottaviani, uma das sócias da Seja Sapê. "Além de impulsionar as vendas, isso está criando uma corrente de vínculo com nossas clientes e mostrando que elas podem confiar no nosso trabalho", complementa.

De acordo com Guilherme Dietze, assessor econômico da FecomercioSP, essa é uma estratégia válida, considerando o perfil do consumidor no país. "O brasileiro tem o costume de provar as roupas que vai comprar. A loja online criar um vínculo com esse consumidor vai incentivar a compra, já que o setor de vestuários não é a maior procura neste momento de quarentena.”

Um estudo realizado pelo movimento Compre e Confie mostra que as categorias mais procuradas para compras no mercado online, desde o início da quarentena, foram saúde, beleza e perfumaria. Em comparação com o mesmo período no ano passado, o setor de saúde obteve um aumento de 65% mais vendas e de 111% no faturamento. Já o de beleza e perfumaria registrou um acréscimo de 57% mais vendas e de 83% no faturamento.

O top amarelo é uma das peças mais procuradas na Kaz. Foto: Instagram da marca.
O top amarelo é uma das peças mais procuradas na Kaz. Foto: Instagram da marca.

Mesmo que, segundo os dados, o setor de vestuários não tenha uma forte procura neste momento, no negócio de apenas quatro meses de Karina Ayache, a loja de roupa Kaz, o faturamento chegou a dobrar nessa quarentena. Com a produção parada no Brás, a loja se reinventou, reintroduzindo no catálogo peças da primeira coleção. "Nossa coleção programada teve que ser repensada, já que as produções pararam totalmente. Resolvemos trazer de volta peças que fizeram sucesso, e acabou que nossas visualizações aumentaram e mais pessoas apareceram interessadas nos produtos", conta Karina.