Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
por
Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Felipe trabalha como motorista de aplicativo e não paga INSS, mas diz que passará a contribuir no futuro
por
Mayara Pereira
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31/10/2025 - 12h

Por Mayara Pereira

 

Felipe Silva é um motorista de aplicativo há 4 anos. Ele conta que após perder o emprego de repositor em um pequeno mercado perto de onde morava, teve que buscar alternativas para sustentar ele e a família, já que é o provedor da casa. Tentou procurar emprego em outros setores, mas sem sucesso. Com suas tentativas frustradas, resolveu virar motorista de aplicativo. Quando começou não tinha um carro que era aceito para fazer as viagens, então com o dinheiro que conseguiu depois de ser demitido, deu de entrada, junto com o seu carro e comprou um melhor para conseguir rodar. Hoje a única fonte de renda de Felipe são as corridas. Ele passa cerca de 10 horas por dia trabalhando, durante 6 dias da semana e as vezes até 7. Mesmo sem os direitos trabalhistas básicos ele diz que gosta de ser “livre” e não ter patrão. Felipe não paga INSS, mas diz que passará a pagar futuramente e segundo ele, possuí uma poupança para custear gastos futuros dele e de sua família.

Os números da economia informal no Brasil são indicadores complicados no mercado de trabalho. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que no primeiro trimestre de 2025 perto de 32 milhões de brasileiros estão trabalhando informalmente. Quase um terço de trabalhadores operam sem carteira assinada, nem CNPJ, muito menos acesso a direitos básicos. No Norte e Nordeste essa taxa supera os 50%, levantando desigualdades históricas e estruturais no país. Motoristas de aplicativo e motoboys surgem como os maiores exemplos de uma informalidade, influenciada por discursos morais e “flexibilidade”, mas na prática percebemos a precarização desses trabalhadores.  

As plataformas digitais mudaram a maneira de trabalhar e gerar renda. O IBGE calculou que, em 2022, cerca de 2 milhões de brasileiros usavam apps para trabalhar e representam 77% autônomos. A maioria atua em serviços de entrega ou transporte, com jornadas extensas, muitas vezes ultrapassando 10 horas de trabalho por dia. Motoboys e entregadores, por exemplo, trabalham em média mais de 45 horas semanais, conforme o instituto, quase cinco horas a mais que trabalhadores de funções similares fora das plataformas. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que mais de 55% destes trabalhadores estão completamente na informalidade, sem nenhum tipo de contribuição para a previdência ou segurança social. 

A ausência de um vínculo formal mostra um dilema presente no mercado de trabalho atual, a autonomia e liberdade prometida se juntam com a instabilidade e falta de direitos. Muitos motoristas e entregadores, dizem gostar desse sistema, já que podem definir horários e ganhos. Apesar disso, essa independência, traz consigo muitos perigos que não são assumidos pelas empresas. Custos com gasolina, consertos do veículo, comida e equipamentos de segurança, são todos por conta do trabalhador. Caso fiquem doentes ou se acidentem, não têm direito a auxílio-doença, FGTS ou seguro-desemprego. A contribuição para o INSS, quando rola, acontece de forma voluntária e as vezes, o que dificulta o acesso a aposentadorias e benefícios. A maioria dessas pessoas simplesmente não contribuem, seja por não saber como, por ter dificuldade em pagar, ou por causa da renda irregular.  

Essa situação mostra que, por um lado, a economia informal é considerada como um motor que mantém o País indo para frente. Por exemplo, na pandemia, os entregadores e motoristas de aplicativo foram muito importantes para garantir os serviços básicos, como a entrega de comida e remédios, quando quase tudo parou, e, por outro, mesmo sendo vistos como essenciais, esses trabalhadores continuam marginalizados pelo Estado e pela sociedade. Existe uma mistura de admiração e estigma: eles são vistos como guerreiros que "não param", mas também como profissionais que fazem "bicos", sem estabilidade ou um futuro garantido. O efeito da informalidade na economia é incerto. Ela absorve milhões de pessoas que, de certa forma, estariam sem emprego, aliviando os números de desocupação e assegurando uma pequena circulação de dinheiro. 

Em áreas remotas e cidades pequenas, o trabalho sem registro é o pilar do comércio e dos serviços locais. No entanto, essa situação traz um preço elevado, diminuindo a receita fiscal e fragilizando a Previdência Social. Esses trabalhadores sofrem mais com as crises, imprevistos e enfermidades, sobrecarregando os sistemas públicos de saúde e ajudas sociais. Além disso, a produtividade é reduzida, visto que a instabilidade financeira dificulta planos. Em 2024, o IBGE apontou que mais de 25% dos trabalhadores do setor privado não possuíam carteira assinada. O Dieese revelou também que os salários de motoboys e entregadores de aplicativos são, em média, 40% abaixo dos de quem trabalha formalmente em funções parecidas. Esses números evidenciam que, mesmo com a tendência nova economia e da "liberdade de empreender", a verdade é que acontece um maior esgotamento desses trabalhadores.  

A ausência de uma regulamentação correta para os trabalhadores de aplicativo é um dos maiores problemas. Em 2024, o governo começou algumas propostas para fazer uma lei, para dar direitos mínimos, como a previdência social e seguro contra acidentes. O projeto pensava em colocar as plataformas para colaborar pagando uma parte do INSS, pelo tempo de trabalho que o sujeito presta serviços a essas empresas. Mas o projeto encontra dificuldades pois as empresas terão menos lucro e vendem a ideia da perda de liberdade. Fora a lei, alguns especialistas falam em criar políticas públicas para ajudar na previdência e dar cursos de capacitação de forma gratuita.  

Simplificar o processo de contribuição ao INSS, ajustar a renda variável e irregular dos trabalhadores autônomos, seria um passo importante para esse problema. Oferecer linhas de crédito acessíveis, juntamente com seguros específicos para motoboys e motoristas, poderia diminuir custos operacionais e reduzir o risco de dívidas. Também é importante investir em infraestrutura urbana, locais de apoio e políticas de saúde ocupacional. Tais medidas poderiam ajudar na redução de acidentes e no melhoramento das condições de trabalho, sobretudo nas grandes metrópoles. 

O entregador de aplicativo, o motorista do Uber, e o vendedor ambulante, são parte significativa da economia brasileira. Eles impulsionam e estimulam o consumo, e sustentam inúmeras famílias. Reconhecer estes profissionais significa admitir que o Brasil de verdade é construído, em grande parte, por gente que vive na informalidade. 

Dessa forma, a economia vai muito além de simples dados estatísticos, é o pilar da subsistência de milhões de brasileiros. Ela expõe as diferenças de uma país em ascensão, que não garante condições decentes para todos. Sem políticas estruturais que envolvam esses trabalhadores sobre os direitos sociais, o País continuará preso em um ciclo de desigualdade e precarização. Formalizar, é bem mais que só um contrato, é garantir que o trabalho, em qualquer área, seja sinônimo de dignidade. 

Prefeito discursou na abertura do GAFFFF 2024, na última quinta-feira (27/6), e recebeu apoio entusiasmado de secretário de Tarcísio de Freitas e de produtores rurais
por
Ester Taragona
Nicolas Damazio
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05/07/2024 - 12h

Buscando se colocar cada vez mais próximo do bolsonarismo e das alas mais à direita dos eleitores paulistanos, o prefeito, e pré-cadidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB) compareceu a cerimonia de abertura do GAFFFF 2024 (Global Agribusiness Forum, Fair, Fun and Food) na manhã da última quinta-feira (27/6) no Allianz Parque, em São Paulo (SP).

 

O evento ocorreu na mesma semana em que Nunes anunciou oficialmente o ex-coronel da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) - batalhão de elite da Polícia Militar, indicado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como o vice em sua chapa.

 

No evento, o prefeito discursou logo após fala do secretário de agricultura e abastecimento do Estado de São Paulo, Guilherme Piai Filizola, que fez um discurso entusiasmado e carregado de tom eleitoral, mencionando, nas palavras dele “o sempre presidente Bolsonaro” e bradando que “São Paulo não têm lugar para invasor de terras”.

 

Após ver a plateia vibrar com a declaração, Filizola seguiu e, dirigindo-se a Nunes complementou: “É, prefeito, pelo jeito a gente não vai perder a cidade de São Paulo para um invasor de terras”, em clara referência ao deputado federal e principal oponente de Nunes na disputa pela prefeitura, Guilherme Boulos (PSOL).

 

Ao receber oficialmente a palavra, o prefeito iniciou seu pronunciamento ostentando um largo sorriso e dizendo que após a fala do secretário “tinha ficado até mais animado do que já estava”.

 

Nunes destacou a importância do agronegócio na economia brasileira e pontuou a existência de produtores rurais no município, além de inciativas de sua gestão para a preservação de áreas verdes na cidade, que inclui a desapropriação de uma área, segundo ele, maior que a da cidade de Paris para preservação ambiental.

 

Além de Nunes, o secretário de turismo do município de São Paulo o Rui Alves de Souza Junior  , celebrou a escolha da cidade para sediar o evento, dizendo que “São Paulo é a verdadeira capital do agro brasileiro”.

 

Ao prestigiar o evento do setor, fortemente identificado com o bolsonarismo, o prefeito parece asfaltar sua caminhada para conquistar o eleitorado mais conservador da cidade. Também presente no evento, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) manteve-se distante de questões eleitorais. Pelo contrário, foi cortejado pelas autoridades presentes que não hesitaram em prestar a ele solidariedade pela tragédia climática que acometeu o Estado após as tempestades do fim de abril e começo de maio. Com isso, Leite teve no evento a oportunidade de voar solo e contar sua história sem que tivesse que se preocupar com questionamentos.

 

 


 

Evento realizado nos dias 27 e 28 de junho reuniu grandes companhias do setor, autoridades, agricultores familiares
por
Ester Taragona
Nicolas Damazio
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05/07/2024 - 12h

Se autointitulando de ‘o maior evento de cultura agro do mundo’ o Global Agribusiness Forum, Festival, Food and Fun (GAFFFF), organizado pela Datagro, tradicional consultoria brasileira voltada ao agronegócio, reuniu em dois dias e em diversos ambientes do Allianz Parque o que poderiam ser eventos separados do setor.

 

De congresso com políticos e autoridades brasileiras e internacionais, à exposição de empresas, feira de pequenos produtores e até mega shows de sertanejo em um palco que dividia espaço com estandes e grelhas de fogo de chão.

 

Um pouco confuso? Provavelmente. O festival se propôs a concentrar propostas distintas, direcionadas para públicos distintos, se fiando no agro como elemento comum para unir todos eles.

 

Em uma plenária, no sétimo andar do complexo, foram realizados os painéis do fórum. A abertura oficial contou com falas do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), além dos diretores da empresa organizadora e de representantes do executivo estadual e federal, como o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Guilherme Piai Filizola, e do secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Roberto Perosa.

 

Único governador a comparecer, Eduardo Leite (PSDB-RS) participou do primeiro painel, mediado pelo ex-ministro Roberto Rodrigues, onde destrinchou as medidas e iniciativas promovidas por seu governo para a reconstrução do Rio Grande do Sul após o desastre climático que assolou o estado no mês de maio, com tempestades que transbordaram rios e devastaram cidades inteiras.

 

Durante sua fala, Leite adiantou, ainda, que no dia seguinte (28/6), o ministro da Secretaria Extraordinária de Apoio a Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, anunciaria um novo repasse de recursos do Governo Federal ao Estado.

 

O governador alegou haver uma insatisfação do agronegócio gaúcho com o que foi oferecido de recursos até o momento. Segundo ele, 50 mil agricultores e 4 mil pecuaristas foram diretamente impactados pelos efeitos da tragédia.

 

Outra presença de destaque foi o comissário de agricultura da União Europeia Janusz Wojciechowski, que veio ao Brasil em meio a polêmicas em relação ao Green Deal, pacote de exigências do bloco para a compra de alimentos de países exportadores, como o Brasil.

Com vigência prevista para 1 de janeiro de 2025, o acordo é visto como draconiano por especialistas por estabelecer regras rígidas demais que, em muitas vezes, podem ser impossíveis de ser atendidas.

 

Em coletiva de imprensa antes do painel que participou, Wojciechowski destacou a importância dos agricultores brasileiros na tarefa de alimentar o mundo. Questionado sobre a possibilidade de uma eventual revisão do inicio do acordo, o comissário ponderou que por conta do recente processo eleitoral na União Europeia, é necessário aguardar alguns meses até que se possam se estabelecer expectativas.

 

Ele reforçou, ainda, que mais do que exigências rigorosas, é preciso que os produtores recebam suporte financeiro para que adotem praticas sustentáveis.

 

Alguns andares abaixo, onde costumam acontecer os jogos de futebol, foram montadas tendas onde diversos pequenos produtores divulgavam e vendiam suas produções. Queijos, embutidos, licores, orgânicos e hortaliças, entre outros produtos exibidos, eram, em grande parte, produzida no Estado de São Paulo. Além dos agricultores familiares e micro agroindustriais, empresas do setor expunham seus produtos em estandes ao redor.

 

Representando o F de Food, também na área do campo aconteceram os workshops de cortes de carne na Arena Fogo. O destaque ficou para uma área de fogo de chão, pratica de assar carnes tradicional na região Sul do Brasil, mas com um requinte tecnológico: ao invés de grelhas verticais e estáticas, as enormes costelas bovinas eram grelhadas em quatro grandes giroscópios que, ao se manter em constante movimento, redirecionavam a gordura da carne para o alimento, além de assá-la uniformemente.

 

Para completar a experiência, um grande palco, também no gramado, recebeu uma apresentação visual que remetia à Festa do Peão de Barretos, maior e mais importante rodeio do Brasil e shows de dupla sertaneja como Chitãozinho e Xororó na primeira noite e Jorge e Mateus na segunda, responsáveis por fechar a maratona de programação deste ‘agropallozza’.

Em decisão unânime, Comitê resiste à pressão do presidente Lula e mantém taxa em 10,50%
por
Sônia Xavier
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20/06/2024 - 12h

 

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decidiu, na última quarta-feira (19), pela manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em 10,50% ao ano. 

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, resistiu à pressão de Lula, que criticou duramente a cadência dada nas reduções, em entrevista  à Rádio CBN na véspera (18). 

De acordo com o presidente, Campos Neto tem lado político e trabalha para prejudicar o Brasil. 

"Temos uma situação que não necessita dessa taxa de juros. Que é uma taxa proibitiva de investimento no setor produtivo. É preciso baixar a taxa de juros compatível com a inflação. A inflação está controlada, vamos trabalhar em cima do real", acrescentou o chefe do Estado. 

O colegiado justificou a manutenção com base na persistência das pressões inflacionárias globais, uma maior resiliência na inflação de serviços, além da desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada.

Analisando esses fatores, somados à elevada incerteza sobre a flexibilização da política monetária nos Estados Unidos, o Comitê concluiu que "o cenário segue exigindo cautela por parte de países emergentes". 

Outro motivo destacado pelo Copom foi a elevação das projeções de inflação. Na semana anterior, a projeção do indicador dada pelo Boletim Focus do BC era de 3,90% para 2024. Na estimativa divulgada pelo Boletim, na última segunda-feira (17), o índice subiu para 3,96%.

 

Lula em entrevista à Rádio Veredinha, em Fortaleza (CE)
O presidente Lula critica decisão do Banco Central em entrevista à Rádio Veredinha de Fortaleza (CE). Foto: Reprodução/ Canal Gov. 

 

 

Depois do resultado, o presidente Lula voltou a se manifestar contra a manutenção da taxa. Em entrevista à Rádio Verdinha, de Fortaleza (CE), ele disse que a decisão só prejudica o povo brasileiro: “Quanto mais a gente pagar em juro, menos dinheiro a gente tem para investir aqui dentro", argumenta.

A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) também se manifestou contrária à decisão do Copom, a qual considerou “inadequada” e “excessivamente conservadora”: “neste momento, a decisão só irá impor restrições adicionais à atividade econômica – com reflexos negativos sobre o emprego e a renda –, sem que o quadro inflacionário exija tamanho sacrifício.” 

O Comitê volta a se reunir em 45 dias para uma nova reunião sobre a taxa básica de juros, mas não sinalizou, no comunicado, se haverá cortes nos próximos encontros.

Entenda como a festa junina movimenta a economia brasileira
por
Annanda Deusdará
Helena Barra
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20/06/2024 - 12h

Antes conhecida como festa joanina, a celebração que tinha referência a São João, teve seu nome alterado e passou a chamar-se festa junina, em referência ao mês de junho, em que ocorre. 

A origem da Festa Junina tem relação direta com as celebrações pagãs realizadas na Europa no solstício de verão, que tinham como objetivo homenagear os deuses da natureza e da fertilidade e afastar os maus espíritos das colheitas. Posteriormente, a festa foi incorporada pelo cristianismo e passou a fazer parte do calendário festivo do catolicismo.

A comemoração chegou ao Brasil com a colonização portuguesa e era realizada em homenagem a santos como São João e Santo Antônio. Atualmente, a Festa Junina possui caráter popular e é comemorada em todas as regiões do país, sendo associada a símbolos típicos de áreas rurais como o chapéu de palha e o vestido de “chita”.

Importância econômica

As festas juninas são responsáveis por impulsionar a economia através do aumento do turismo nacional, das decorações e da alimentação. Com isso, também geram empregos temporários, que atendem a grande demanda da época.

De acordo com dados do Ministério do Turismo as celebrações geraram, em 2023, uma receita de cerca de R$6 bilhões em todo o país, o que representa um aumento de 76% em relação à 2022, quando foram gerados mais de R$ 3,4 bilhões em retorno financeiro.

Neste ano, os dados oficiais do país ainda não foram divulgados, entretanto, alguns estudos como o do Centro de Inteligência da Economia do Turismo, que está ligado à Secretaria de Turismo e Viagens paulista, revelam uma estimativa de movimentação de R$318,8 milhões no período para o estado de São Paulo.

Para João Francisco dos Santos, vendedor de milho que tem como ponto de venda fixo a porta da universidade PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), a celebração ocupa um lugar muito importante na sua vida financeira: “As festas juninas ajudam a gente a ganhar um dinheiro extra para sobreviver durante as férias, quando a faculdade fecha as portas”. 

Além disso, o grande número de eventos para os quais é chamado para participar faz com que mais pessoas tenham uma forma de sustento nesse período. "A gente sozinho não dá conta e acaba contratando até 10 pessoas a mais", comenta o vendedor, que trabalha com apenas mais um parceiro nos dias em que não há celebração.

As celebrações atraem turistas de diversas partes do Brasil, principalmente para cidades do Nordeste, que se destacam por manter tradições como as danças de quadrilhas, o forró e a culinária típica – gerando renda para comerciantes, artesãos e prestadores de serviços. É o que acontece em cidades e estados como Caruaru, Pernambuco,Campina Grande e Paraíba.

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Festa de Caruaru, edição de 2023/Reprodução: Asces- Unita (Centro Universitário Tabosa de Almeida)

Levantamentos feitos pelo Sebrae e pelo Jornal da Paraíba mostram como os governos municipais investiram na festa nos últimos anos. No período compreendido entre 2022 e 2023, a estimativa de injeção econômica das cidades de Caruaru e Campina Grande para o evento variou entre R$ 300 e R$ 400 milhões.

O turismo rodoviário também tem contribuído para essa movimentação econômica. Segundo a Associação Brasileira de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), a movimentação prevista para o ano passado foi de mais de 300 mil passageiros transportados para os principais destinos que abrigam o evento no país.

Com relação ao setor de alimentos, os produtos juninos também sofrem com aumentos consecutivos, seja devido à entressafra (período entre o fim da colheita e início do plantio), à alta do dólar ou à própria inflação. 

Os festejos são impactados pela instabilidade econômica, e essa realidade não é algo recente.Em pesquisa realizada em 2023, pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), os preços dos ingredientes utilizados no preparo dos principais pratos e quitutes tradicionais desse período aumentaram em média 11,41% nos últimos 12 meses. 

No mesmo período de alta dos produtos juninos, o IPCA-15, índice considerado uma prévia da inflação oficial, acumulou um aumento de 4,07%.

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Comidas típicas de Festas Juninas/Reprodução: Abode Stock 

Apesar de ganhar mais no período junino devido ao grande número de vendas, João conta que o milho fica mais caro devido ao aumento da procura, "[O preço] aumenta em média uns 70%. Quando chega junho, tudo que é de festa junina aumenta". 

Ele também comenta como é dividido o lucro, " Nós fazemos a festa e damos 30% para o local e os outros 70% ficam para nós", comenta o vendedor, que participa das comemorações desde 2008.

 

Importância Cultural 

Apesar da capital paulista não ser um dos principais destinos quando o assunto é festa junina, a época não passa despercebida na cidade. O destaque da cidade são as quermesses, que misturam às tradições nordestinas com a influência italiana na região, fazendo com que as mesas dos eventos misturem pinhão, quentão, pizza e focaccia.  

O destaque das celebrações em São Paulo também é percebido por quem trabalha nelas, como destaca João, “Agora está crescendo no Brasil inteiro, principalmente em São Paulo, a festa junina tem muita força”.

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Casal com roupas típicas de festa junina, se prepara para dançar quadrilha – Foto: Fabiano Pedro

 

No Brasil, a prática de soltura de balões, indicam o início das comemorações, com as fogueiras compondo o cenário. A festa conta com danças típicas, como as quadrilhas, que tem origem nas danças de salão na França e consistem basicamente numa bailada de casais caracterizados com as famosas vestimentas de caipira, ao som do forró. Outra característica marcante dessa festividade é a produção de comidas à base de milho e amendoim, também fazem parte da tradição,bebidas como quentão e vinho quente. Já as brincadeiras como a pescaria, tomba lata e saltar a fogueira, trazem a diversão para o evento e pessoas de todas as idades participam. 

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Brincadeira típica da festa junina “Tomba Lata” em escola - Foto: Reprodução/magicstareventos

Além de trazer divertimento a quem participa, as festas juninas também têm a função de preservar tradições, valorizar a cultura local e fortalecer os laços comunitários, socialmente e economicamente. 

A importância das comemorações vão além da economia, trazendo memórias afetivas para as pessoas. “Ela lembra muito a terra da gente, o lugar que a gente nasceu, porque lá rola muita festa junina", conta João, que é baiano de nascença e hoje vive em São Paulo.

Bom desempenho do setor de serviço pessoal e de comércio intensificaram crescimento do indicador
por
Beatriz Alencar
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11/06/2024 - 12h


O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 0,8% no primeiro trimestre de 2024, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) divulgados na última terça-feira (4).  

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PIB cresce 0,8% no primeiro trimestre de 2024 | Foto: Agência Brasil

O PIB é o indicador utilizado para avaliar o crescimento econômico de um país. O aumento do índice, neste trimestre, sugere uma melhora na economia brasileira após dois períodos de estagnação. Segundo o pesquisador e economista Emerson Braz, “ter bons resultados no PIB indica que a economia está melhor e que a qualidade de vida das pessoas está melhorando”.

Colocando em valores, o PIB brasileiro produziu R$ 2,7 trilhões nesses três primeiros meses do ano. Os setores mais determinantes para o crescimento foram comércio e consumo das famílias. 

O setor de consumo impactou nos números porque, de acordo com o economista, “estamos com o mercado de trabalho aquecido e, com mais empregos, maior o nível de consumo das famílias”. 

Em relação ao mesmo período do ano passado, o setor de agropecuária apresentou queda da influência no PIB. Para Braz, um dos principais motivos para este recuo é a crise climática: “[Os desequilíbrios ambientais] impactaram bastante sobre a soja e o milho, commodities significativas para a pauta exportadora do agro”, pontua.

O setor industrial também apresentou queda em relação ao trimestre imediatamente anterior. Porém, “no último mês o estado puxou um bom resultado (+10,6%) [no mercado financeiro] guiado pelo setor da indústria de petróleo e derivados”, o que deverá influenciar nos próximos resultados do PIB, acredita Braz. 

Em 2023, a indústria extrativa cresceu 8,7%, sendo o segundo maior crescimento no ano referido.

Para o próximo trimestre de 2024, a tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul poderá impactar o setor econômico devido a importância da região para a indústria de alimentos. O estado gaúcho é responsável por 70% da produção de grãos do país.

“Os olhos devem estar voltados para o setor de alimentos e seu impacto sobre a inflação, visto sua grande relevância no fornecimento para todo o país”, explicou Emerson.

Apesar disso, “o mercado financeiro tem estado de olho no risco fiscal, visto o receio do aumento das despesas do governo com medidas de recuperação”, acrescenta o pesquisador. 

Braz  ainda ressalta que, nesse momento, priorizar um acompanhamento “na condução da política monetária para um juro real menos danoso aliado ao mercado de trabalho em alta é o que ditará o ritmo do crescimento em 2024”.