Sem orientação adequada, donas de pequenos negócios relatam dificuldades para entender as mudanças na economia e veem sua renda ameaçada
por
Manuela Dias
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28/11/2025 - 12h

A falta de informação qualificada tem se tornado uma das principais barreiras para microempreendedoras brasileiras que dependem de insumos importados ou de produtos cujo preço varia conforme fatores globais. Em meio a mudanças recentes nas taxas, oscilações cambiais e aumento da burocracia para transações internacionais, muitas afirmam que não sabem onde buscar apoio técnico. É o caso de Danielle Nayara, maquiadora e microempreendedora, que iniciou seu negócio após deixar o emprego formal para trabalhar com eventos.

“Eu sempre gostei de maquiagem, mas nunca tinha pensado em maquiar outras pessoas. Só comecei depois de uma sugestão, fiz um curso e acabei me apaixonando pela profissão”, conta. Hoje, ela atende clientes em casa, em eventos e até pernoita em residências para preparar noivas e madrinhas. Mas apesar da agenda cheia, manter o negócio funcionando tem se tornado cada vez mais complexo.

Um desafio diário

Para Danielle, o principal custo do seu trabalho é a compra de materiais: produtos que sofrem variações constantes de preço, muitas delas impactadas por fatores externos. “Um produto que eu comprei por um valor semana passada já está mais caro hoje. Quando isso acontece, eu preciso ajustar meus preços, porque se não aumento, perco margem”, explica.

Ela relata que, muitas vezes, não entende o motivo dessas oscilações nem encontra informação clara sobre o que está influenciando o aumento. Esse descompasso entre preço e explicação não só dificulta o planejamento, como a impede de aproveitar oportunidades.

“A qualidade dos produtos é essencial. Se o material é ruim, não adianta eu ser boa. Só que para comprar produtos bons, eu preciso pesquisar muito. E os preços mudam rápido demais”, diz.

A falta de informação também interfere na profissionalização. Em eventos como a Beauty Fair, Danielle conseguiu adquirir produtos de alta qualidade com preço reduzido, mas admite que depende do acaso: “Eu fico sabendo por redes sociais. Se eu não vejo no Instagram ou no TikTok, eu perco a chance.”

Redes sociais como principal fonte

Como muitas microempreendedoras, Danielle se informa principalmente pelas redes sociais. “É onde está tudo hoje: Instagram, TikTok, WhatsApp. É ali que vejo notícias, promoções e mudanças”, afirma. O problema, segundo especialistas, é que essa dependência de canais informais deixa empreendedoras vulneráveis. Notícias sobre variações cambiais, tarifas, mudanças em importações ou novas regras para comercialização de cosméticos dificilmente chegam a essas mulheres de forma clara e estruturada. Isso faz com que muitas decisões sejam tomadas às cegas.

Economistas e organizações ligadas ao empreendedorismo feminino têm reiterado que a falta de informação clara é hoje um dos maiores riscos para pequenos negócios liderados por mulheres. À medida que insumos sofrem com oscilações globais, e que o comércio exterior se torna mais complexo, milhares de empreendedoras enfrentam um mercado imprevisível sem apoio técnico.

No caso de Danielle, o impacto ainda é administrável, mas ela admite a preocupação: “Eu tento acompanhar tudo, mas é difícil saber o que realmente vai afetar meu trabalho. Às vezes, descubro um aumento só quando chego na loja para comprar”, relata.

Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”.
“Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”. Reprodução: arquivo pessoal 

Força para manter o negócio! 

Apesar dos desafios impostos pela falta de informação, pelos custos instáveis e pelas mudanças constantes no mercado, mulheres como Danielle continuam sustentando seus negócios com esforço diário, intuição e dedicação. A realidade que enfrentam é marcada por incertezas, mas também por uma determinação que atravessa jornadas longas, madrugadas de trabalho e decisões tomadas sem o suporte adequado.

No fim das contas, o que sustenta esses negócios não é apenas acesso a crédito ou políticas públicas: é a força de mulheres que, todos os dias, escolhem continuar. A luta feminina, silenciosa ou coletiva, segue sendo a certeza em meio ao cenário incerto e continua provando que, quando essas mulheres resistem, elas transformam não só suas próprias histórias, mas também o futuro do empreendedorismo no país.

 

Transformando a vida de milhões de pessoas todo ano, merece mais reconhecimento e recursos para manter o Brasil vivo
por
Vítor Nhoatto
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28/11/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

Uma das poucas certezas de todo ser humano, tal qual a morte, é a doença. Sabe aquele resfriado que vem junto ao seco do frio, uma ferida que infecciona depois de cair de bicicleta, até aquelas mais sérias que podem aparecer. Fato é que sem saúde não se vive, sendo um direito constitucional não por acaso. Sendo assim, é preciso que o acesso a essa necessidade tão básica quanto respirar e se alimentar seja universal, e não um bem a se comprar apenas por aqueles que podem.

Para isso então que existe o Sistema Único de Saúde (SUS), tão falado e muito mais presente na vida do que alguns podem sequer imaginar, ou querer. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador dos medicamentos disponíveis no país, de controle alimentar e hídrico, faz parte do SUS. Regulamentado em 1990, é responsável pelas vacinas e desenvolvimento científico ainda, e sabe os planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde (ANS), que os regula, também é integrante do sistema.

Para falar dessa diferença real na vida, antes é preciso até olhar nos papéis para lembrar já a quanto tempo ele é médico, enfermeiro, farmácia. De cabelos curtos hoje, depois de uma repaginada no visual devido ao câncer de pulmão que teve justamente na pandemia de COVID-19, Léia Marisa celebra que há dois anos consegue receber na AME Maria Zélia o micofenolato de Mofetila. Pois é, muitas vezes quando o nome é chique o preço é alto, uns R$500 por caixa, mil reais por mês gastos antes da papelada ficar pronta e ser aceita em 30 de novembro de 2023, já que a doença não espera os trâmites e filas.

A ex-professora, atual dona de casa e empresária a distância do seu restaurante, conta como o período de descoberta e tratamento do câncer, que levou até questões reumatológicas, e ajudou a descobrir uma artrite reumatoide, foi muito difícil. Entre dezenas de idas ao hospital de 2020 até 2023 até chegar ao diagnóstico, foram dias desgastantes, assustadores, e toda ajuda foi essencial, principalmente com os custos de sobreviver à doença. No caso dela, o tratamento do tumor foi feito em rede privada graças ao seu plano de saúde empresarial, que custa salgados R$5 mil reais ao mês. Só aqui são quase quatro salários mínimos, um privilégio muito grande, como ela destaca, olhando para um país em que apenas 7,60% da população ganha entre 5 e 10 salários como o Censo de 2022 do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística revela. 

Se aprofundando mais ainda nos fatos, de acordo com o estudo “Quanto custa o câncer” de 2023 do Observatório de Oncologia, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) e do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, os custos de tratamento da doença quadruplicaram nos últimos três anos. Uma sessão de radioterapia ou quimioterapia custava quase R$800 em 2022, e dezenas são necessárias na maioria das vezes. Acrescentando nessa conta, consultas, tomografias e biópsias, mil reais ali e cinco acolá, o custo chega facilmente ultrapassa dezenas de milhares de reais. Isso é ainda mais preocupante tendo em conta a incidência do câncer na população, que segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) entre 2023 e 2025, 704 mil pessoas terão a doença como Marisa. 

E com isso que o SUS se mostra como algo tão relevante, oferecendo tratamento integral e gratuito contra todos os tipos de cânceres. Claro que muitos problemas existem, como destaca Marisa ao lembrar que quando estava no meio do tratamento enfrentou problemas com o plano de saúde, mas que só o medo de depender da demora do SUS caso fosse preciso, a preocupava muito. A saúde é o bem mais precioso para, o que para todos provavelmente deva ser, e por isso justamente que em 2012 a lei 12.732/12 obriga que o tratamento contra o câncer tem que ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico. 

Mas além disso, com os olhos marejados depois de navegar novamente no mar agitado que foi a jornada até a vida que tem hoje, curada e com o diagnóstico da sua doença crônica, ela volta e lembra que a diferença que não ter que pagar pelo Micofenolato que a mantém respirando faz.  Quando tinha que arcar com as despesas era como um fardo a mais imposto a ela, que considera a saúde hoje como o bem mais valioso. As idas mensais  ao posto são um alívio hoje para ela, destacando que o seu medicamento nunca faltou até então, mas que já presenciou pessoas na situação contrária e que não tinham como arcar pessoalmente com os gastos. Essa é uma realidade infelizmente, segundo fiscalização de 2023 da secretaria de contas do Estado de São Paulo, em quase metade dos postos visitados faltavam algum medicamento.

papéis
A cada seis meses Marisa tem que renovar a receita e toda a papelada para solicitação do seu medicamento junto a AME - Foto: Vítor Nhoatto

Milhões de uns

Mesmo que falte muito, afinal, só 4,16% do orçamento federal foi destinado à saúde em 2024 segundo o Painel do Orçamento Federal, a porcentagem vem aumentando desde 2022, e milhões de brasileiros são atendidos todos os dias. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema universal de saúde, e 213 milhões dependem diretamente do SUS, segundo o Ministério da Saúde, que contabiliza em média 2,8 bilhões de atendimentos por ano, empregando 3,5 milhões de profissionais.

E mais um desses uns é Valdir Sousa, que do alto de seus 63 anos de idade é um típico caso brasieleiro. Com diabetes do tipo II há 20 anos e hipertenso, conta que se não fosse o acesso ao sistema gratuito, sua vida seria muito diferente, obviamente pelo lado financeiro, e muito também pelo bem-estar. O mineiro nascido em São João do Paraíso e que vive em São Paulo há décadas já viu tanto na vida, e com o passar do tempo o que todos querem e merecem é justamente qualidade de vida. Essa no caso, em grande parte possível graças a insulina que busca no posto na Freguesia do Ó e os comprimidos que cuidam do seu coração acelerado.

Justamente essa hipertensão que é a doença mais presente nos peitos animados dos brasileiros, e 52% da população é diagnosticada com alguma DCNTs, como revela a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Além disso, segundo dados de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) como as de Valdir são tecnicamente chamadas, são as mais comuns no mundo e no Brasil, com o diabetes inclusive tendo aumentado 70% entre 2000 e 2019. 

Para contextualização, nos Estados Unidos existe há alguns anos o movimento nas redes sociais insulin4all, criado pela organização sem fins lucrativos T1 International, que denuncia os altos custos da insulina no país, onde um frasco de 10ml gira em torno de U$330. Tal situação vem levando inclusive pessoas a racionarem o medicamento, o que pode levar a complicações e até a morte em casos mais graves. Já no Brasil, o mesmo remédio é disponibilizado pelo SUS, e o preço máximo permitido por lei é de R$125,30. 

Diante desses dados e o envelhecimento da população fica claro como a saúde vai ser cada vez mais necessária, tal qual destaca o jovem de espírito Valdir, que já foi pedreiro e auxiliar de manutenção geral em uma lanchonete, justamente no Hospital das Clínicas. As histórias que já viu na maior referência de saúde pública brasileira enchem a sua mente, e as palavras saem inquietas sobre as melhorias que o SUS precisa e as pessoas merecem. Ele conta em meio a suspiros que quando precisa de exames mais urgentes, ou consultas em meio a crises, tem que recorrer ao plano de saúde da sua esposa, do qual é dependente, já que as unidades de saúde estão sempre cheias e a fila de espera passa de meses algumas vezes. 

Foi nessas passagens obrigadas pela rede privada que ele inclusive descobriu mais um integrante do seu pacote, a doença renal crônica há um ano. Porém, é no SUS que o acompanhamento com nutricionista, nefrologista e endocrinologista foi possível, uma rotina de cuidados essenciais para uma boa qualidade de vida para quem tem a condição. É graças a essa rede de profissionais e a farmácia popular que Valdir vai aproveitando com os dois filhos e a mulher os seus dias, frisando com a voz até meia trêmula, que sem isso não poderia se ter o seu direito de viver com saúde exercido plenamente.

medicamentos
São graças a compostos como esses que tanto Marisa ou Valdir, e os mais de 100 milhões de brasileiros com doenças crônicas podem viver bem tal qual a constituição garante - Foto: Vítor Nhoatto

 

Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
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14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

por
Adriano Madruga
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27/05/2020 - 12h

Com o avanço do novo coronavírus, a perspectiva é de que o crescimento do país neste ano seja negativo, culminando em uma recessão sem precedentes. Neste novo cenário, o setor industrial, maior gerador de empregos do país, será duramente afetado. Os analistas do mercado financeiro já preveem uma queda de 6,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2020. Para o Banco Mundial, o recuo será ainda maior: 8%.      

Empresa industrial-Foto da página PXhere
Empresa industrial-Foto da página PXhere

Na indústria, a crise da Covid-19 representa, entre outras coisas, uma brutal queda de expectativas. No fim do ano passado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou a previsão de um aumento de 2,8% no PIB do setor. A taxa seria a maior expansão desde 2011 e confirmaria a recuperação da indústria, após os golpes provocados pela recessão de 2015 e 2016. Com o inicio da pandemia, no entanto, e as medidas de isolamento adotadas para conter a expansão do vírus, a produção industrial caiu 9,1% em março e, em abril, despencou 18,8%.    

Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) mostrou que, no começo de março, 70% das empresas associadas já apresentam problemas com o abastecimento de componentes, que são produzidos majoritariamente na China e em outros países asiáticos.

Em entrevista ao portal G1, o diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo Souza Júnior, afirmou que é difícil prever os impactos que a crise terá na economia brasileira porque não há registros históricos de ocorrências semelhantes, mas disse que a pandemia gera problemas tanto pelo lado da oferta quanto da demanda.

“O choque na oferta ocorre pelos problemas de suprimento de algumas cadeias produtivas, como a da indústria eletrônica. Já pelo lado da demanda é porque os mecanismos usados para a contenção do vírus reduzem a interação humana, e isso tende a refletir no PIB. Para a indústria, existe também a preocupação com a contaminação de empregados. É um setor que utiliza mão de obra de forma intensiva”, analisou Júnior.

O sócio-diretor da produtora de linhas industriais Linhasita, Oscar William Rossi,  diz que a empresa vem apresentando resultados frustrantes há cinco anos. “Viemos em uma velocidade de produção muito grande, mas quando chegou em meados de 2015 a economia parou de repente e caímos em uma recessão muito forte, o que resultou na queda da nossa produção.”

O empresário conta que a produção caiu de 130 toneladas por dia para um volume entre 60 e 70 toneladas. Além disso, por causa da alta do dólar, as importações também caíram, o que prejudicou a empresa, que obtém parte de sua receita com a venda de insumos importados no mercado nacional.

William diz que, para a sua empresa, o ano começou com resultados empolgantes, mas o avanço do coronavírus alterou drasticamente a situação.  

“O faturamento  de janeiro e fevereiro foi surpreendente para nós. Março também vinha andando muito bem, mas então veio a parada repentina por causa da pandemia. Aí foi terrível a situação, porque simplesmente você foi a zero, e não se faturou nada.”

Linhas de uso industrial-Foto da página PXhere
Linhas de uso industrial-Foto da página PXhere

Questionado sobre a possibilidade de fechar o negócio, o empresário afirma: “Nós não chegamos a fechar totalmente as portas, mas, como a cadeia ficou comprometida, tanto a cadeia de fornecedores quanto a de clientes, que não estava trabalhando, nós tivemos um mês em que faturamos de um quarto a um quinto do nosso faturamento, sendo que, em um custo normal, você não paga as contas. Então tivemos que prorrogar muitos pagamentos de clientes e também tivemos que pedir muita prorrogação para fornecedores nossos”.

William demonstra preocupação com as perspectivas de uma retomada. “Eu acredito que seja impossível de ser 100% de novo, talvez 50% do que era, mas vai ser muito complicado porque a gente vê quais serão os novos custos nessa nova realidade e ainda temo que essas paradas ocorram novamente, porque não existe ainda nada que se diga sobre cura do vírus, nenhum remédio efetivo e vacina só a longo prazo. Então a gente pode esperar novas paralisações do mercado com certeza.”

Em relação a demissões e ao futuro da empresa, William afirma que existe uma insegurança muito grande por parte dos empresários, pois não sabem o que fazer diante de qualquer tipo de dívida. Mesmo com o governo apresentando medidas para amenizar o desemprego, ele acredita que logo serão tomadas providências em relação a isso.

“Hoje tenho ativos 280 funcionários, porém tenho clientes meus que têm 10 mil funcionários e que já mandaram 30% embora. A gente provavelmente vai ter que fazer o mesmo antes de tomar qualquer outra medida”, diz o empresário.

 
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Gabriela Coelho
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27/05/2020 - 12h

O novo coronavírus chegou oficialmente no Brasil no final de fevereiro, e sem muitas surpresas se concentrou nas grandes cidades, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro. Entretanto, o vírus não se restringiu apenas às capitais. Cidades menores do interior também estão tendo que lutar contra a Covid-19, e com muito menos recursos e apoio.

Esse é o caso de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais. Localizada a 96 quilômetros de Belo Horizonte, a cidade é a 22ª mais populosa do estado, com uma população estimada de 128.589 habitantes. A cidade já soma, até este momento, 12 casos confirmados, e as medidas para desacelerar esse crescimento foram tomadas com antecedência, já que, como a maioria dos municípios do interior, Conselheiro Lafaiete não possui infraestrutura para lutar contra uma pandemia.

O isolamento social é o único recurso disponível. Por isso, há mais de um mês escolas e creches, assim como clubes e casas de festas, estão fechados e, surpreendendo muitos lafaietenses, o comércio também seguiu essa recomendação. A surpresa é fácil de entender: o comércio é a alma da cidade, o que a move e garante seu funcionamento.

Conselheiro Lafaiete, ao contrário das outras cidades mineiras, não é conhecida por sua beleza histórica, ou suas atrações turísticas, nem mesmo por ser "palco" das grandes mineradoras que imperam no estado. A cidade tem como principal atividade econômica o comércio, tido como referência em toda a região da zona da mata mineira.

Em 2013, o jornal Estado de Minas já dizia: "Conselheiro Lafaiete é ideal para abrigar um centro comercial". Segundo levantamento feito pelo Ibope Inteligência a pedido da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), naquele ano Lafaiete tinha uma demanda de consumo anual estimada em R$1,05 bilhão, considerando os 11 municípios de influência no entorno da cidade. Hoje, com certeza esses números são bem maiores. Por isso, além de surpreender a população, o fechamento dos estabelecimentos comerciais preocupou as entidades responsáveis, que passaram a temer um colapso econômico na cidade.

Na tentativa de superar essas adversidades, muitas soluções criativas têm surgido por parte dos comerciantes do município. Supermercados, com o intuito de conter aglomerações, estão entregando as compras em casa e se juntaram a algumas lanchonetes e restaurantes na divulgação dessa nova forma de serviço. Lojas dos mais variados tipos estão atendendo por delivery; há um número em que você informa o que deseja e seu produto é entregue em casa. E há também os estabelecimentos que estão funcionando como drive-thru; apenas uma "portinha" fica aberta, e através dela são feitos os pedidos e realizadas as entregas das compras. 

Criatividade e reinvenção são as palavras da vez, e é assim que Ivone Albuquerque vai tentando administrar a joalheria e relojoaria no centro da cidade. "Eu tive que me dividir. Estou indo sempre na loja, fotografando os produtos e enviando para os clientes. Normalmente o cliente escolhe pelo WhatsApp ou pelo Instagram a partir das fotos que eu envio. Eu passo o preço e eles fecham comigo. Eu entrego na casa deles ou eles retiram comigo aqui em casa", relata a empresária.

Assim como outros comerciantes da cidade, Ivone colocou todos seus funcionários em férias coletivas: "Não temos intenção de estar fazendo demissão, a gente está tentando fazer de todas as formas para manter a equipe", conta a empresária.

A demissão em larga escala é a grande preocupação do empresário Aloísio Rezende, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Conselheiro Lafaiete (CDL). Segundo ele, muitas empresas já estão demitindo, muitas estão fechando e as que sobreviverem vão enfrentar um grande retrocesso. "Alguns comércios trabalham com delivery, outros que não trabalhavam passaram a utilizar. Vamos trabalhando com delivery e com a divulgação nas redes sociais. Porém não são todos que conseguem. Aqueles que não conseguem estão correndo muito risco, até mesmo de falência, o que gera o desemprego", relata Aloísio.

Mesmo com todas essas tentativas de solução, os resultados estão longe de ser os melhores. Na visão dos comerciantes da cidade, além de o isolamento social impedir a ida dos clientes às lojas, são muitos os que deixam de comprar pois ainda não receberam o salário ou estão com medo de não receber.

"Às vezes eu converso com dez a 20 pessoas ao dia, enviando foto, mandando preço e tudo mais, e consigo concretizar quatro vendas com produtos mais baratos. Muita gente está analisando muito para comprar. Então, isso tudo está sendo uma cadeia, a gente tem que se virar de verdade e tentar suprir nesse momento o que seria o mais importante, que seria a folha de pagamento dos nossos colaboradores", diz Ivone.

Para o presidente da CDL, isso tudo é um ciclo sem fim. "Se você tem desemprego, não tem consumo. Não tendo consumo, as lojas vão vender menos e assim vai, é o ciclo. Se não tem consumo, não tem desenvolvimento. É o capitalismo, a roda tem que girar".

Aloísio prevê que o comércio vai demorar a recuperar o movimento de antes, e a palavra do futuro para os lojistas é reinvenção. "Quem sobreviver vai ter que achar o melhor caminho para poder se reinventar, para poder se manter, porque infelizmente o impacto econômico já está sendo alto e, quanto mais tempo demorar, maior vai ser o número de empresas que vão falir", diz o dirigente.

Diante disso, a melhor coisa a se fazer no momento é o que Ivone e vários outros comerciantes estão fazendo: uma junção entre criatividade e e disposição para se adequar às circunstâncias.

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João Guilherme de Lima
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27/05/2020 - 12h

Um vírus. Sua disseminação pelo mundo. Uma pandemia. Tendo o seu primeiro caso datado entre novembro e dezembro de 2019 na China, a Covid-19, doença causada pelo coronavírus, já atingiu mais de 5,6 milhões de pessoas no mundo, e matou cerca de 352 mil humanos até o momento. No Brasil, são mais de 390 mil casos confirmados e cerca de 24 mil mortes registradas.

Devido a sua velocidade de contágio, a medida mais eficiente contra a propagação do coronavírus é o isolamento horizontal –  onde todos, inclusive os que não pertencem ao grupo de risco, devem permanecer em casa. Contudo, embora efetiva para conter a disseminação do vírus, essa forma de isolamento tem uma contrapartida dolorosa: com a economia virtualmente parada, é quase impossível escapar de uma recessão

De acordo o Relatório Focus, do Banco Central (BC) por exemplo, a expectativa de crescimento do PIB para este ano, que era de 2,1%, caiu para -4,11% por conta da restrição de circulação de pessoas e a consequente paralisação de diversos serviços no país. Além disso, com o fechamento do comércio, muitas pessoas deixarão de trabalhar e, logo, não receberão seus salários.

Frente a isso, medidas como as de disponibilizar um auxílio emergencial, a exemplo do que está sendo feito pelo governo federal, são consideradas fundamentais para dar algum tipo de suporte, mesmo  mínimo, à população mais vulnerável, e para fazer a economia continuar rodando com algum nível de consumo.

O economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp e ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entende, entretanto, que “essas medidas se mostram insuficientes, favorecendo a flexibilização do isolamento social, dado que a população situada na base da pirâmide social brasileira não dispõe de alternativas que não sejam com o seu próprio trabalho em vias públicas e tendo contato com o fluxo de pessoas”.

Esse auxílio, que ainda não tem um nome fixo mas é conhecido como renda básica emergencial ou auxílio emergencial, está sendo pago pela Caixa Econômica Federal a trabalhadores desempregados, autônomos, informais, microempreendedores individuais e beneficiários do programa Bolsa Família. Outros requisitos para receber esse valor por mês é ter uma renda mensal individual de até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou até três salários mínimos na família (R$ 3.135). Serão pagas três parcelas de R$ 600 para cada pessoa que tiver seus dados aprovados.

Bruno Lavieri, economista graduado na PUC-SP e que hoje trabalha na 4E Consultoria, destaca que “dada [a] vulnerabilidade dos autônomos durante o período de isolamento, trata-se de uma medida de enorme importância para que um número grande de famílias possa manter sua subsistência”. Além disso, Bruno  ressalta que essa renda também será importante para movimentar a economia nesse período. “Do lado econômico, impede-se uma interrupção mais brusca do consumo, o que tende a aliviar os impactos negativos sobre parte dos setores mais prejudicados pela paralisação.”

De acordo com a Dataprev, empresa de processamento de dados do governo, até o dia 14 de abril 50 milhões de brasileiros receberam o auxílio emergencial da Caixa, totalizando cerca de R$ 35,5 bilhões de créditos disponibilizados pelo governo. Até o momento, 97 milhões de brasileiros solicitaram os R$ 600. A solicitação deve ser feita através do aplicativo “Caixa / Auxilio Emergencial”.

Desemprego

A Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE, que acompanha a movimentação trimestral e a evolução a curto, médio e longo prazo de dados socioeconômicos no país, reúne informações que ajudam a entender a quantidade de pessoas que talvez precisem da renda emergencial.

Segundo números relativos ao trimestre encerrado em março, a taxa de desocupação (desemprego) é de 12,2%, 1,1 ponto percentual a mais do que no trimestre anterior (outubro - novembro- dezembro 2019), que fechou em 11,0%. Hoje, o Brasil tem 12,9 milhões de pessoas desempregadas.

Em relação aos trabalhadores informais, a última edição da pesquisa revelou que o país tem 36,8 milhões de pessoas na informalidade. Isso corresponde a 39,9% da população. Outro dado que a Pnad levanta diz respeito a quem trabalha por conta própria, os autônomos. A pesquisa do IBGE mostra que, hoje, o Brasil tem 24,5 milhões de pessoas nessa condição.

Um desses trabalhadores autônomos é o corretor de imóveis Dorival de Melo, 62 anos. Ele foi uma das 24 milhões de pessoas que receberam o auxílio do governo. De acordo com ele, os R$ 600 vieram em um bom momento. “Essa renda será essencial para que as contas do mês fechem, ou pelo menos fiquem mais perto de fechar. Principalmente porque, com a quarentena, os negócios simplesmente pararam de acontecer. Faz cerca de um mês e meio que não consigo fechar nada”, destaca o corretor.

Dorival mora com a esposa e um dos filhos em casa. Segundo ele, o filho trabalha como estagiário e continua recebendo integralmente seu salário mínimo, e a esposa, que está de home office, também continua ganhando o salário integral, mas agora sem benefícios como VR (vale-refeição), VA (vale-alimentação) e VT (vale-transporte). O corretor de imóveis diz que a renda emergencial será utilizada para pagar, principalmente, o aluguel do apartamento e a faculdade do seu filho.

Bruno Lavieri,  da 4E Consultoria, comenta que a decisão de como utilizar o dinheiro vai depender muito das necessidades da família. Algumas destinarão o auxílio integralmente às despesas com alimentação. Outras, como a família de Dorival, vão priorizar outros itens. “É provável que a maior parte desse recurso seja despendido em alimentação, mas o fato de o benefício ser oferecido em dinheiro, em oposição a vouchers de fato, garante ao beneficiário a liberdade de gastar como bem entender.”

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Manuela Avanso
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25/05/2020 - 12h

A pandemia de Covid-19 tem prejudicado muitos setores da economia. Um dos  mais atingidos pelo isolamento social e a falta de consumidores é o comércio. As feiras livres, por exemplo, que antes recebiam um grande número de clientes todas as semanas, registraram uma brusca queda do movimento após o início da quarentena. Diante disso, os feirantes tentam achar estratégias para sobreviver à crise sem tantos estragos.

É o caso de Sandro Quintal, de 55 anos, proprietário de uma banca de legumes e verduras Ele conta que, desde o início das medidas de isolamento social, as vendas caíram 40%. Para evitar uma redução maior, apostou suas fichas no serviço de delivery, entregando nos bairros do Itaim Bibi, Liberdade, Higienópolis, Jardim Paulista e Bela Vista. 

“É importante para que os clientes mais debilitados e no grupo de risco não precisem correr o risco de contrair a doença ao sair de suas casas para ir à feira e também é importante para nós, feirantes, para mantermos a clientela e a satisfação deles”, diz Sandro.

O feirante afirma que a banca continua funcionando normalmente, com cuidados adicionais de higienização para a proteção dele, de seus funcionários e dos clientes. Sandro trabalha com suas duas filhas, que também o auxiliam nas entregas.

Sônia Ribeiro, de 54 anos, que faz entregas de hortifrúti nos bairros do Morumbi e Interlagos, afirma que seus produtos sempre foram vendidos em embalagens a vácuo, o que facilita a higienização pelos clientes. Sônia diz que “fica mais fácil para o cliente higienizar quando chegar em casa e evita algum tipo de contaminação”.

Uma pesquisa do Sebrae feita entre os dias 16 e 17 de março de 2020 e obtida com exclusividade pelo jornal SP1, da Rede Globo, mostrou que, dos 1.500 proprietários de empresas de todo o estado de São Paulo, seis em cada dez empreendedores se mostram preocupados com o coronavírus e oito em cada dez acreditam que serão afetados de alguma forma. Ainda segundo a pesquisa, quatro em cada dez empresários afirmam que irão adotar medidas para evitar prejuízos, como aumentar a higienização dos ambientes e informar os funcionários e frequentadores sobre a doença.

Adriano Roberto Mandarini, de 44 anos, dono de uma banca de frutas que realiza entregas em todos os bairros de São Paulo, diz que as vendas caíram consideravelmente, impactando os lucros. Com isso, o trabalho de divulgação e  entrega em domicílio teve de ser redobrado. “Muitos clientes passaram a ficar só em casa e não frequentam mais as feiras, principalmente aqueles com mais de 60 anos, que costumavam ser o maior público. O movimento caiu muito”, conta.

Para se adaptar ao novo modo de vendas, Sandro Quintal faz a divulgação por meio do Facebook e do Instagram, além de grupos de WhatSapp formados por clientes do bairro. Para ele, é uma forma de alavancar as vendas e manter a boa imagem do negócio junto aos consumidores, a fim de não ter perda de clientes após a pandemia. 

As entregas são feitas de carro pela sua filha mais velha, já que alguns pedidos grandes não teriam como ser entregues somente por ele.

Tanto Sandro quanto Sônia e Roberto estão tentando se adaptar às limitações para não deixar de pagar seus funcionários, que estão sendo de fundamental importância para as entregas. Após a pandemia, os três pretendem continuar com o serviço de  delivery, que entendem como  uma boa estratégia para melhorar os lucros e fortalecer a imagem do negócio. 

por
Beatriz Leite
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21/05/2020 - 12h

 

Mesmo gerando uma doença, o surto mundial do coronavírus impôs um cenário que extrapola em muito a discussão médica. Isolamento social, lockdown, paralisação de indústrias, afastamento de funcionários, demissões e suspensão de contratos de trabalho têm convocado a sociedade civil, o Estado e o setor privado para lidar com a sobrevivência no mundo em crise.

A necessidade de adoção de políticas públicas para ajudar até mesmo o setor privado tem levantado a questão: será que a pandemia está mostrando que o neoliberalismo está obsoleto? Até nos Estados Unidos, país com forte política liberal, o governo liberou cerca de US$ 2 trilhões  para conter os impactos da crise. Para o economista e professor da pós-graduação da PUC-SP Ladislau Dowbor, “os governos liberais estão descobrindo que, sem o Estado, as coisas simplesmente não funcionam”.

No Brasil, desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o país vem sendo guiado por medidas de austeridade e viés mais liberal, como  a reforma trabalhista e os cortes em educação, cultura, saúde e outros setores sociais. Agora, para conter os impactos  da crise, o governo federal liberou R$ 147,3 bilhões  para a proteção dos mais vulneráveis e para a manutenção dos empregos.

“Na América Latina, o projeto neoliberal foi muito ferrenho. No Brasil, nos últimos três anos, a política neoliberal avançou em larga medida. O grande teste que a gente está vivendo aqui está acontecendo agora”, diz a doutora em economia política e professora da PUC-SP Camila Kimie Ugino.

O professor de economia  Claudemir Galvani, também da PUC-SP, pondera que o neoliberalismo pode sair dessa crise enfraquecido, mas não derrotado. “Isso quer dizer que, assim que ele tiver uma oportunidade, vai colocar os tentáculos para fora”, avalia. 

Mas o professor acredita também que a sociedade será mais sábia após a crise e que vai depender dela, da imprensa e das lideranças globais aproveitarem o enfraquecimento do sistema e fazer pressão para a adoção de políticas econômicas mais keynesianas, ou seja, com uma participação maior do Estado. “Além só do autointeresse, [é preciso] ter também o respeito à sociedade”, afirma Galvani.

Ele argumenta que distribuição de renda e medidas voltadas para os  mais vulneráveis são algumas das ações que podem ser exigidas. “Na pior das hipóteses, é só esperar o momento adequado e o neoliberalismo volta outra vez ao que a gente conhece”, completa o professor.

Já Ugino é mais pessimista. A economista comenta que o Fed (Banco Central dos Estados Unidos) anunciou que irá imprimir dinheiro infinitamente para conter os danos da crise e emprestar para trabalhadores e empresas. 

“Na crise de 2008, isso funcionou. A dinâmica financeira salvou. Havia espaço para a absorção desses títulos, desse dinheiro. Hoje, o mundo já está inundado disso. Se não houver política econômica que garanta consumo, que garanta empregos, o mundo vira uma panela de pressão. O que adianta dinheiro se eu não tenho que comprar? Esse dinheiro está nas mãos de quem? O ganho financeiro é possível, mas não é pra todos”, afirma. 

De acordo com Ugino, outro ponto a ser considerado é a forma como a sociedade parou de discutir as possibilidades reais de os governos desenvolverem políticas públicas para ajudar pequenas e médias empresas e  manter os empregos. “Isso é impressionante. Nem o risco iminente de que podemos morrer nos leva a discutir esse tipo de coisa.”

A professora acredita também que esta política do Fed poderia sinalizar que o neoliberalismo está em risco, mas ele não é apenas um sistema econômico, é uma ideologia. “Essa ideia de que flexibilizar trabalho é bom, não prestar contas para o meu chefe, não ter horário a ser cumprido... É a lógica da uberização”, afirma.

Camila diz ainda que essa forma de pensar faz com que os indivíduos deixem de se enxergar apenas como trabalhadores e passem a se enxergar como capital, reproduzindo discursos como: “meu sucesso depende exclusivamente de mim”. Por isso, a economista acha que a crise não afetará o sistema econômico, pois ele é mais do que isso:  é um discurso que foi aceito.

Imagem da capa: “Occupy Wall Street” | Talk Radio News Service | Sob a licença CC BY-NC-SA 2.0 - Creative Commons. Link: https://www.flickr.com/photos/10438873@N04/6230946175