Sem orientação adequada, donas de pequenos negócios relatam dificuldades para entender as mudanças na economia e veem sua renda ameaçada
por
Manuela Dias
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28/11/2025 - 12h

A falta de informação qualificada tem se tornado uma das principais barreiras para microempreendedoras brasileiras que dependem de insumos importados ou de produtos cujo preço varia conforme fatores globais. Em meio a mudanças recentes nas taxas, oscilações cambiais e aumento da burocracia para transações internacionais, muitas afirmam que não sabem onde buscar apoio técnico. É o caso de Danielle Nayara, maquiadora e microempreendedora, que iniciou seu negócio após deixar o emprego formal para trabalhar com eventos.

“Eu sempre gostei de maquiagem, mas nunca tinha pensado em maquiar outras pessoas. Só comecei depois de uma sugestão, fiz um curso e acabei me apaixonando pela profissão”, conta. Hoje, ela atende clientes em casa, em eventos e até pernoita em residências para preparar noivas e madrinhas. Mas apesar da agenda cheia, manter o negócio funcionando tem se tornado cada vez mais complexo.

Um desafio diário

Para Danielle, o principal custo do seu trabalho é a compra de materiais: produtos que sofrem variações constantes de preço, muitas delas impactadas por fatores externos. “Um produto que eu comprei por um valor semana passada já está mais caro hoje. Quando isso acontece, eu preciso ajustar meus preços, porque se não aumento, perco margem”, explica.

Ela relata que, muitas vezes, não entende o motivo dessas oscilações nem encontra informação clara sobre o que está influenciando o aumento. Esse descompasso entre preço e explicação não só dificulta o planejamento, como a impede de aproveitar oportunidades.

“A qualidade dos produtos é essencial. Se o material é ruim, não adianta eu ser boa. Só que para comprar produtos bons, eu preciso pesquisar muito. E os preços mudam rápido demais”, diz.

A falta de informação também interfere na profissionalização. Em eventos como a Beauty Fair, Danielle conseguiu adquirir produtos de alta qualidade com preço reduzido, mas admite que depende do acaso: “Eu fico sabendo por redes sociais. Se eu não vejo no Instagram ou no TikTok, eu perco a chance.”

Redes sociais como principal fonte

Como muitas microempreendedoras, Danielle se informa principalmente pelas redes sociais. “É onde está tudo hoje: Instagram, TikTok, WhatsApp. É ali que vejo notícias, promoções e mudanças”, afirma. O problema, segundo especialistas, é que essa dependência de canais informais deixa empreendedoras vulneráveis. Notícias sobre variações cambiais, tarifas, mudanças em importações ou novas regras para comercialização de cosméticos dificilmente chegam a essas mulheres de forma clara e estruturada. Isso faz com que muitas decisões sejam tomadas às cegas.

Economistas e organizações ligadas ao empreendedorismo feminino têm reiterado que a falta de informação clara é hoje um dos maiores riscos para pequenos negócios liderados por mulheres. À medida que insumos sofrem com oscilações globais, e que o comércio exterior se torna mais complexo, milhares de empreendedoras enfrentam um mercado imprevisível sem apoio técnico.

No caso de Danielle, o impacto ainda é administrável, mas ela admite a preocupação: “Eu tento acompanhar tudo, mas é difícil saber o que realmente vai afetar meu trabalho. Às vezes, descubro um aumento só quando chego na loja para comprar”, relata.

Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”.
“Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”. Reprodução: arquivo pessoal 

Força para manter o negócio! 

Apesar dos desafios impostos pela falta de informação, pelos custos instáveis e pelas mudanças constantes no mercado, mulheres como Danielle continuam sustentando seus negócios com esforço diário, intuição e dedicação. A realidade que enfrentam é marcada por incertezas, mas também por uma determinação que atravessa jornadas longas, madrugadas de trabalho e decisões tomadas sem o suporte adequado.

No fim das contas, o que sustenta esses negócios não é apenas acesso a crédito ou políticas públicas: é a força de mulheres que, todos os dias, escolhem continuar. A luta feminina, silenciosa ou coletiva, segue sendo a certeza em meio ao cenário incerto e continua provando que, quando essas mulheres resistem, elas transformam não só suas próprias histórias, mas também o futuro do empreendedorismo no país.

 

Transformando a vida de milhões de pessoas todo ano, merece mais reconhecimento e recursos para manter o Brasil vivo
por
Vítor Nhoatto
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28/11/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

Uma das poucas certezas de todo ser humano, tal qual a morte, é a doença. Sabe aquele resfriado que vem junto ao seco do frio, uma ferida que infecciona depois de cair de bicicleta, até aquelas mais sérias que podem aparecer. Fato é que sem saúde não se vive, sendo um direito constitucional não por acaso. Sendo assim, é preciso que o acesso a essa necessidade tão básica quanto respirar e se alimentar seja universal, e não um bem a se comprar apenas por aqueles que podem.

Para isso então que existe o Sistema Único de Saúde (SUS), tão falado e muito mais presente na vida do que alguns podem sequer imaginar, ou querer. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador dos medicamentos disponíveis no país, de controle alimentar e hídrico, faz parte do SUS. Regulamentado em 1990, é responsável pelas vacinas e desenvolvimento científico ainda, e sabe os planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde (ANS), que os regula, também é integrante do sistema.

Para falar dessa diferença real na vida, antes é preciso até olhar nos papéis para lembrar já a quanto tempo ele é médico, enfermeiro, farmácia. De cabelos curtos hoje, depois de uma repaginada no visual devido ao câncer de pulmão que teve justamente na pandemia de COVID-19, Léia Marisa celebra que há dois anos consegue receber na AME Maria Zélia o micofenolato de Mofetila. Pois é, muitas vezes quando o nome é chique o preço é alto, uns R$500 por caixa, mil reais por mês gastos antes da papelada ficar pronta e ser aceita em 30 de novembro de 2023, já que a doença não espera os trâmites e filas.

A ex-professora, atual dona de casa e empresária a distância do seu restaurante, conta como o período de descoberta e tratamento do câncer, que levou até questões reumatológicas, e ajudou a descobrir uma artrite reumatoide, foi muito difícil. Entre dezenas de idas ao hospital de 2020 até 2023 até chegar ao diagnóstico, foram dias desgastantes, assustadores, e toda ajuda foi essencial, principalmente com os custos de sobreviver à doença. No caso dela, o tratamento do tumor foi feito em rede privada graças ao seu plano de saúde empresarial, que custa salgados R$5 mil reais ao mês. Só aqui são quase quatro salários mínimos, um privilégio muito grande, como ela destaca, olhando para um país em que apenas 7,60% da população ganha entre 5 e 10 salários como o Censo de 2022 do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística revela. 

Se aprofundando mais ainda nos fatos, de acordo com o estudo “Quanto custa o câncer” de 2023 do Observatório de Oncologia, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) e do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, os custos de tratamento da doença quadruplicaram nos últimos três anos. Uma sessão de radioterapia ou quimioterapia custava quase R$800 em 2022, e dezenas são necessárias na maioria das vezes. Acrescentando nessa conta, consultas, tomografias e biópsias, mil reais ali e cinco acolá, o custo chega facilmente ultrapassa dezenas de milhares de reais. Isso é ainda mais preocupante tendo em conta a incidência do câncer na população, que segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) entre 2023 e 2025, 704 mil pessoas terão a doença como Marisa. 

E com isso que o SUS se mostra como algo tão relevante, oferecendo tratamento integral e gratuito contra todos os tipos de cânceres. Claro que muitos problemas existem, como destaca Marisa ao lembrar que quando estava no meio do tratamento enfrentou problemas com o plano de saúde, mas que só o medo de depender da demora do SUS caso fosse preciso, a preocupava muito. A saúde é o bem mais precioso para, o que para todos provavelmente deva ser, e por isso justamente que em 2012 a lei 12.732/12 obriga que o tratamento contra o câncer tem que ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico. 

Mas além disso, com os olhos marejados depois de navegar novamente no mar agitado que foi a jornada até a vida que tem hoje, curada e com o diagnóstico da sua doença crônica, ela volta e lembra que a diferença que não ter que pagar pelo Micofenolato que a mantém respirando faz.  Quando tinha que arcar com as despesas era como um fardo a mais imposto a ela, que considera a saúde hoje como o bem mais valioso. As idas mensais  ao posto são um alívio hoje para ela, destacando que o seu medicamento nunca faltou até então, mas que já presenciou pessoas na situação contrária e que não tinham como arcar pessoalmente com os gastos. Essa é uma realidade infelizmente, segundo fiscalização de 2023 da secretaria de contas do Estado de São Paulo, em quase metade dos postos visitados faltavam algum medicamento.

papéis
A cada seis meses Marisa tem que renovar a receita e toda a papelada para solicitação do seu medicamento junto a AME - Foto: Vítor Nhoatto

Milhões de uns

Mesmo que falte muito, afinal, só 4,16% do orçamento federal foi destinado à saúde em 2024 segundo o Painel do Orçamento Federal, a porcentagem vem aumentando desde 2022, e milhões de brasileiros são atendidos todos os dias. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema universal de saúde, e 213 milhões dependem diretamente do SUS, segundo o Ministério da Saúde, que contabiliza em média 2,8 bilhões de atendimentos por ano, empregando 3,5 milhões de profissionais.

E mais um desses uns é Valdir Sousa, que do alto de seus 63 anos de idade é um típico caso brasieleiro. Com diabetes do tipo II há 20 anos e hipertenso, conta que se não fosse o acesso ao sistema gratuito, sua vida seria muito diferente, obviamente pelo lado financeiro, e muito também pelo bem-estar. O mineiro nascido em São João do Paraíso e que vive em São Paulo há décadas já viu tanto na vida, e com o passar do tempo o que todos querem e merecem é justamente qualidade de vida. Essa no caso, em grande parte possível graças a insulina que busca no posto na Freguesia do Ó e os comprimidos que cuidam do seu coração acelerado.

Justamente essa hipertensão que é a doença mais presente nos peitos animados dos brasileiros, e 52% da população é diagnosticada com alguma DCNTs, como revela a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Além disso, segundo dados de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) como as de Valdir são tecnicamente chamadas, são as mais comuns no mundo e no Brasil, com o diabetes inclusive tendo aumentado 70% entre 2000 e 2019. 

Para contextualização, nos Estados Unidos existe há alguns anos o movimento nas redes sociais insulin4all, criado pela organização sem fins lucrativos T1 International, que denuncia os altos custos da insulina no país, onde um frasco de 10ml gira em torno de U$330. Tal situação vem levando inclusive pessoas a racionarem o medicamento, o que pode levar a complicações e até a morte em casos mais graves. Já no Brasil, o mesmo remédio é disponibilizado pelo SUS, e o preço máximo permitido por lei é de R$125,30. 

Diante desses dados e o envelhecimento da população fica claro como a saúde vai ser cada vez mais necessária, tal qual destaca o jovem de espírito Valdir, que já foi pedreiro e auxiliar de manutenção geral em uma lanchonete, justamente no Hospital das Clínicas. As histórias que já viu na maior referência de saúde pública brasileira enchem a sua mente, e as palavras saem inquietas sobre as melhorias que o SUS precisa e as pessoas merecem. Ele conta em meio a suspiros que quando precisa de exames mais urgentes, ou consultas em meio a crises, tem que recorrer ao plano de saúde da sua esposa, do qual é dependente, já que as unidades de saúde estão sempre cheias e a fila de espera passa de meses algumas vezes. 

Foi nessas passagens obrigadas pela rede privada que ele inclusive descobriu mais um integrante do seu pacote, a doença renal crônica há um ano. Porém, é no SUS que o acompanhamento com nutricionista, nefrologista e endocrinologista foi possível, uma rotina de cuidados essenciais para uma boa qualidade de vida para quem tem a condição. É graças a essa rede de profissionais e a farmácia popular que Valdir vai aproveitando com os dois filhos e a mulher os seus dias, frisando com a voz até meia trêmula, que sem isso não poderia se ter o seu direito de viver com saúde exercido plenamente.

medicamentos
São graças a compostos como esses que tanto Marisa ou Valdir, e os mais de 100 milhões de brasileiros com doenças crônicas podem viver bem tal qual a constituição garante - Foto: Vítor Nhoatto

 

Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
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14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Para alguns, processo traria mais instabilidade e agravaria recessão; para outros, afastamento seria positivo para a economia
por
Laura Pancini
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22/06/2020 - 12h

por Laura Pancini

Presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Wikimedia Commons)

Presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Wikimedia Commons)

 

Momentos de instabilidade econômica se refletem diretamente na popularidade do presidente. Em dezembro de 2019, a expectativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, era que o crescimento do PIB dobrasse em 2020, saltando de 1,2% para 2,4%. Agora, em junho, sabemos que isso está longe de se tornar realidade: o Banco Mundial, por exemplo, já estima uma queda de 8% no PIB brasileiro. Tais previsões não são positivas para o presidente Jair Bolsonaro, que até o final de maio acumulava 40 pedidos de impeachment na Câmara por motivos que vão além do aspecto econômico.

De acordo com pesquisa do Datafolha feita também no fim de maio, 43% da população considera o governo do presidente ruim ou péssimo, com um aumento de cinco pontos percentuais em comparação com abril. Essa mudança de opinião é um destaque entre quem ganha mais de dez salários mínimos, que agora é um dos grupos que mais o rejeitam, com 49% qualificando o governo como ruim ou péssimo. Com isso, o Brasil fica cada vez menos dividido em suas opiniões sobre Bolsonaro, que avançam para o polo negativo.

Já no caso de um impeachment, o país se encontra polarizado: 50% dos entrevistados acham que não deveria acontecer, enquanto 46% defendem o afastamento. A opinião sobre uma possível renúncia do presidente também é dividida. Os protestos que ocorreram no dia 31 de maio são um exemplo concreto dessa desarmonia entre a população: o encontro de manifestantes anti e pró-Bolsonaro na Avenida Paulista desencadeou uma briga entre os dois lados, com presença policial e o uso de bombas de gás lacrimogêneo.

Um processo para tirar um presidente da República do poder precisa, em primeiro lugar, determinar se o mandatário cometeu algum crime de responsabilidade. No caso de Bolsonaro, os pedidos de impeachment apresentam motivos variados, incluindo manifestações antidemocráticas, quebra de decoro, tentativa de interferência na Polícia Federal, posicionamento perante o coronavírus, entre outros. Cabe ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avaliar se houve mesmo algum crime cometido por Bolsonaro, mas o parlamentar tem afirmado que não seria ideal prosseguir com um processo no momento.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), acredita que é impossível uma saída sustentada da crise enquanto Bolsonaro estiver na Presidência. Unindo-se ao PCdoB, PSOL, PCB, PCO, PSTU e UP, além do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Articulação dos Povos Indígenas, o PT entregou no final de maio um pedido que tenta ser o mais amplo de todos os protocolados até então. Além disso, o partido pretende aprovar uma emenda constitucional determinando eleições diretas após o impeachment, para evitar que o vice-presidente, Hamilton Mourão, assuma o cargo. “Bolsonaro não tem capacidade ou condições políticas, administrativas nem humanas de governar o Brasil”, afirmou Hoffmann em entrevista à Agência Pública.

O ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL), que renunciou após ameaças de um possível impeachment no início dos anos 90, afirma que não gostaria que o presidente Bolsonaro passasse pelo mesmo, para evitar uma comoção no país. Apesar de ter votado a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, ele afirmou: “Quando falo de impeachment, sou contrário. Esse processo foi vulgarizado, pelo que ocorreu comigo e com a presidente Dilma”.

O futuro político e social do Brasil é inconclusivo, mas economistas já tentam prever o que pode acontecer caso Bolsonaro seja afastado. Muitos acreditam que as chances de um processo seguir são remotas, mas, de acordo com o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, tal acontecimento já está no radar do mercado financeiro. “Não dá para descartar uma queda de 7% a 8% do PIB este ano, assim como o dólar a R$ 6, especialmente se houver a saída de outros ministros”, disse Vale, em entrevista a O Estado de S.Paulo, pouco depois da demissão de Sérgio Moro da pasta de Justiça e Segurança Pública.

Em abril, Paulo Guedes admitiu que o PIB brasileiro deve cair 4% caso a crise do coronavírus se estenda após julho. Com mais de 1 milhão de casos confirmados, 50 mil mortes, taxas de isolamento social abaixo da média e a postura antiquarentena do presidente Bolsonaro, a esperança de que o Brasil supere o coronavírus e não enfrente provavelmente sua maior recessão é baixa.

José Francisco Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, diz que os preços dos ativos financeiros, como as ações e o dólar, por enquanto não demonstram uma aposta no afastamento do presidente. “A eventual abertura de um processo de impeachment de Bolsonaro não está na conta do mercado”, afirma ele. “O presidente tem se comportado em função do otimismo global, com a abertura das economias a partir do esperado recuo da pandemia. É um comportamento persistente e que preocupa.”

Na visão de Gonçalves, um processo de impeachment eleva drasticamente a incerteza e, portanto, afetaria os preços dos ativos e acirraria a volatilidade. “A bolsa voltaria a andar para os 60 mil pontos e o dólar iria para R$ 6,00”, prevê o economista. “Isso dificultaria que famílias e empresas decidissem por consumir e produzir, o que leva ao prolongamento e aprofundamento da recessão a partir de um nível já muito ruim.”

Já para o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC), o impeachment teria um impacto positivo. Em entrevista ao Estadão, ele afirmou que, com o avanço do impeachment, o mercado consideraria isso no preço dos ativos e, consequentemente, haveria uma melhora na economia e na confiança da população. “A gente já viu esse filme no passado”, afirmou Schwartsman.

Segmento prevê alta na safra e já observa aumento no volume de exportações, impulsionado por recuperação da China
por
Giovana Macedo
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22/06/2020 - 12h

Diferente de outros segmentos, como comércio, indústria e serviços, que sofreram um forte recuo, o agronegócio é o setor menos impactado pela crise econômica provocada pela pandemia.

Apesar de o PIB (Produto Interno Bruto) ter apresentado retração de 1,5% no primeiro trimestre em relação  ao quarto trimestre de 2019, o PIB do setor agropecuário deve ter alta de 2,4% em 2020, segundo previsão do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Esta projeção se refere apenas ao setor primário, que representa em torno de 5,2% do PIB brasileiro. Se considerado, no entanto, o agronegócio como um todo – ou seja, englobando também os segmentos da indústria e serviços ligados à atividade –, a participação no PIB sobe para 21%.

O consultor e professor de economia da FMU Marcos Henrique do Espírito Santo diz que, diferentemente de outros setores, o agronegócio não costuma ser tão afetado pela queda da demanda em momentos de recessão. “O agronegócio produz basicamente commodities, bens de menor valor agregado, e boa parte desses bens é alimento, portanto, é algo que o mundo não deixa de comprar”, diz Espírito Santo.

O IBGE (Instituto Nacional de Geografia e Estatística) e a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) projetam um novo recorde para a safra 2019/20: a estimativa para a produção de grãos é de 250,9 milhões de toneladas, volume 3,6% maior do que o colhido em 2018/2019.

Outro fator que, segundo Espírito Santo, deixa o agronegócio numa situação mais favorável é a alta demanda de soja por parte da China, após a estagnação ocorrida no primeiro trimestre em função da Covid-19. “Hoje, o Brasil é o maior produtor de soja no mundo. Ano passado, a China comprou quase 80% da nossa soja e isso vem subindo em uma constante. Após essa estagnação, ela voltou com muita ‘sede’ de consumo e está demandando mais”, diz ele.

As exportações do setor somaram US$ 96,8 bilhões em 2019, o equivalente a 43,2% do total exportado pelo Brasil, segundo a Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Em maio deste ano, esta participação atingiu 60,9%, graças ao aumento de 36,1% no volume de exportações da agropecuária. Esta alta foi fundamental para que as exportações brasileiras como um todo crescessem 5,6% no mês, também em termos de volume.

“O bom desempenho exportador do agronegócio tem compensado o recuo observado para as exportações de produtos industrializados, conferindo resiliência ao setor exportador nacional e contribuindo para uma queda menos acentuada da atividade doméstica, em um contexto de queda progressiva do PIB global”, afirmou o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, em nota divulgada com os resultados.

O diretor industrial da JBS Renato Prates conta que os frigoríficos estão acompanhando uma tendência crescente do agronegócio a nível internacional, principalmente em relação à China, que é uma grande cliente do Brasil por importar diversas commodities. Ele explica que, no começo da pandemia, alguns dos contratos com o país asiático ficaram prejudicados, mas que os frigoríficos agora estão vendo um fluxo positivo de demanda.

“Segundo alguns contatos no país, se ouve falar que o próprio governo está incentivando a compra de produtos de primeira necessidade [alimento], porque eles temem que possa ocorrer uma segunda onda do surto do coronavírus”, relata o diretor.

Com o aumento da tensão entre Estados Unidos e China pela pandemia e demais fatores, Prates comenta como o setor agropecuário pode se beneficiar. “Com a retaliação de Donald Trump sobre a China, é provável que a demanda pela carne brasileira seja ainda mais potencializada em comparação à carne americana, dado que os chineses vão preferir comprar do Mercosul.”

Segundo economista da FGV, recuperação pode levar mais de um ano
por
Maria Fernanda Hohlenwerger
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21/06/2020 - 12h

A taxa de desemprego disparou depois da adoção de medidas de isolamento para enfrentar a pandemia de Covid-19.  No Brasil, a taxa de desemprego atingiu a marca de 12,9% no trimestre encerrado em maio, um aumento de 1,2 ponto percentual em comparação ao trimestre anterior (dezembro a fevereiro), segundo o IBGE. O número de desempregados chegou a 12,7 milhões, com o acréscimo de 368 mil brasileiros à procura de trabalho, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).  

As projeções para este ano são de forte queda no nível de atividade econômica, além de contínuo aumento na taxa de desemprego. De acordo com pesquisa feita pelo Ibre/FGV a pedido do Estadão/Broadcast, as empresas preveem mais demissões nos próximos três meses. A indústria de vestuários e acessórios e a indústria têxtil pretendem reduzir mais de 80% e 60% o quadro de funcionários, respectivamente. 

A expectativa é que essa situação seja revertida no longo prazo, quando empresários devem começar a planejar contratar, ao invés de demitir. Em entrevista à Agemt, o economista e coordenador da Sondagem do Comércio e Investimentos do Ibre/FGV, Rodolpho Guedon Tobler, comentou que a taxa de desemprego, por não considerar as pessoas que não procuraram uma vaga na semana de referência da pesquisa, não é a melhor métrica para observar as consequências da pandemia no mercado de trabalho. “Os primeiros resultados já mostram um impacto”, afirmou.

O economista destacou a queda recorde do número de pessoas ocupadas no trimestre encerrado em abril – um recuo de 5,2% em relação aos três meses encerrados em março. "Ao longo do ano, apesar de toda a incerteza, já existem previsões de 18% na taxa média de 2020", disse Tobler. Em 2019, a taxa média de desemprego foi de 11,9%.

O emprego vai se recuperar mais lentamente em relação à atividade econômica. As empresas levarão um tempo para se reerguer e, até que isso aconteça, a previsão é de que haja mais demissões com o objetivo de reduzir custos. Na avaliação de Tobler, a taxa de desemprego deve se recuperar ainda este ano, dependendo, no entanto, dos desdobramentos da pandemia de Covid-19. Ele afirma que, ao patamar de 11%, o indicador só deve retornar após 2021.

Até que haja uma melhora no cenário econômico, contratações não são uma opção, já que as empresas tentam conter gastos e encontrar maneiras de superar a crise, que deixará sequelas nos próximos anos.

 

Foto: WikiMedia Link: https://bityli.com/YjXqe
Foto: WikiMedia Link: https://bityli.com/YjXqe 

Em meio à instabilidade, o desemprego também está impactando a renda per capita. Segundo levantamento da empresa de pesquisa Plano CDE, 51% dos brasileiros das classes D e E, que possuem renda per capita de até R$ 500, perderam metade ou até mais de suas rendas durante a pandemia. 

Essas classes, em sua grande maioria, são compostas por trabalhadores informais, muito afetados pelas medidas de isolamento. Com isso, muito deles ficaram desempregados e, em consequência disso, acabaram por aceitar empregos com salários inferiores. Ao contrário dessa situação, nos postos de trabalho com carteira assinada, há um "conforto" maior, que permite passar por um período de crise com um pouco mais de tranquilidade. Um exemplo disso é a MP 936, que permite a suspensão de contratos e redução de salários, como uma tentativa para evitar demissões em grande escala. 

Tobler diz que a queda da renda deve se manter no médio prazo. "A tendência é de que os rendimentos fiquem um pouco abaixo, à medida que houver algum sinal de recuperação da atividade econômica, com um número excessivo de trabalhadores desocupados, espera-se que haja algum movimento de redução salarial." 

Diante desse cenário, a incerteza prevalece. As taxas de desemprego e a retração da economia acompanham a pandemia, que determinará as ações e medidas econômicas a serem tomadas. O mercado de trabalho sofrerá mudanças, e as empresas que conseguirem passar por essa crise terão que se reinventar e buscar novos jeitos de atender o público e a demanda. "A economia vai se recuperar em relação ao momento atual, com certeza, mas voltar ao nível pré-pandemia vai demorar mais de dois anos", afirmou o economista da FGV Daniel Duque ao jornal O Estado de S.Paulo.

Brasil tem mais de 800 mil catadores, além dos donos de depósitos e das empresas compradoras
por
Gabriela Neves
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19/06/2020 - 12h
Cacilda Souza e sua carroça - Acervo Pessoal
Cacilda Souza e sua carroça - Acervo Pessoal

“Eu sou uma catadora de reciclagem. Não é porque eu ando toda suja no meu trabalho, que eu sou uma pessoa drogada... Quando uma pessoa tem caráter, não importa o trabalho que ela está fazendo, ela pode não prestar andando toda engravatada, como pode ter caráter andando suja.” Essas palavras são de Cacilda Souza, que mora em Ourinhos (SP), tem 41 anos e trabalha desde criança como catadora de reciclagem.

Cacilda aprendeu a ser catadora com seu padrasto, que a levava ainda menina para ajudá-lo nas ruas. Quando já era adolescente, começou a trabalhar de forma fixa em um lixão. No local, ela permaneceu até 2011, quando a lei aprovada no governo Lula previa o fim dos lixões por questões sanitárias.

Depois disso, aos 33 anos, Cacilda  entrou em uma cooperativa, mas a experiência acabou frustrada por desentendimentos com uma família de cooperados. Voltou então a trabalhar nas ruas, desta vez com a própria carroça.

Cacilda ficou conhecida no Facebook como Rainha da Sucata, após começar a postar fotos e vídeos do seu trabalho. Neles, ela discutia a forma como a população julgava os catadores e desprezava sua importância. Apesar de parecer uma história de novela, o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) estima que existem 800 mil catadores no país, dos quais 70% mulheres.

Cacilda diz que consegue pouco dinheiro com a venda do material coletado, mas afirma que essa renda tem sido suficiente para se manter. Ela tem quatro filhos e hoje só a mais nova depende dela. Cacilda se divorciou do pai das crianças quando elas ainda eram pequenas, mas ele sempre ajudou e se mantém presente. “Eu trazia tudo do lixo mesmo, roupa e calçado eu nunca precisei comprar”, conta Cacilda. Ela  ressalta que também ajudou outras famílias com objetos que achou no lixo.

Cacilda diz que a vida dela melhorou muito depois que conheceu o movimento Pimp My Carroça, projeto social e cultural que visa tirar os catadores da invisibilidade. Outro achado foi  o aplicativo Cataki, que conecta moradores com catadores próximos a sua região. Cacilda afirma que não dava conta da demanda que vinha através do aplicativo, principalmente por precisar puxar sua carroça por toda a cidade.

Como ficou conhecida, Cacilda ganhou uma caminhonete de um programa de televisão, o que ampliou suas possibilidades de trabalho. Atualmente,  ela faz o curso de tecnólogo ambiental em uma faculdade. A vontade de estudar já era antiga e levou a catadora a recolher inúmeros livros que encontrou no lixo.

Cacilda conta que nesse período de quarentena determinado pelo coronavírus está vivendo com o dinheiro do Bolsa Família e não está trabalhando pela preocupação com a segurança e pelo fato de o depósito que compra seu material estar fechado. A situação, segundo ela,  é muito complicada, pois alguns catadores não puderam parar de trabalhar.

Na tentativa de ajudar, Cacilda está fazendo alguns vídeos conscientizando as pessoas da importância de separar os reciclados em casa, para diminuir os riscos de contágio para os catadores. Além do coronavírus, esses trabalhadores já são expostos a outras bactérias por muitas vezes precisarem separar o lixo comum do reciclado.

Para ajudar os catadores nesse período de quarentena, o movimento Pimp My Carroça e o aplicativo Cataki se uniram em um financiamento coletivo. A campanha usa uma frase de impacto: “Os que não sofrerem com o corona vão sofrer de fome”. O objetivo é garantir uma renda mínima a todos os catadores autônomos cadastrados no Cataki. A meta é obter R$ 500 mil . Até agora, foram arrecadados quase R$ 320 mil.

O MNCR também lançou uma campanha de doações para os catadores. Os recursos serão utilizados na distribuição de cartões de vale-alimentação com R$ 200 para as famílias que estão sendo selecionadas pelo comitê nacional da campanha. Qualquer pessoa física ou jurídica pode fazer uma doação, por depósito em conta ou também pelo PagSeguro.

Na outra ponta, estão os depósitos de materiais que compram desses carroceiros. Eles também têm sofrido com a pandemia. Primeiro, por não saberem ao certo se são ou não um serviço essencial. Quando continuam abertos, ficam expostos não apenas ao vírus, mas também à fiscalização, que pode lacrar o estabelecimento. Se decidem  interromper as atividades, acabam sem renda nenhuma.

O Instituto Nacional das Empresas de Sucata de Ferro e Aço (Inesfa) e o Sindicato das Empresas de Sucata de Ferro e Aço (Sindnesfa) declararam por meio de uma carta aberta, no final de março, que os serviços do comércio atacadista de resíduos de sucatas metálicas deveriam ser considerados essenciais, já que a reciclagem tem um impacto direto na saúde pública.

As instituições também fizeram campanhas e manuais de como esses locais poderiam funcionar de forma segura. Mas a realidade, na prática, é bem diferente. Com apenas uma parte do portão aberto, Pedro Vasques mantém o seu depósito de sucata operando na zona leste de São Paulo.

Nos primeiros dias da quarentena, o depósito de Pedro ficou fechado. Ele permaneceu em casa, principalmente ao ser advertido pelos filhos de que, aos 76 anos, faz parte do grupo de risco.

Mas, por ter um funcionário registrado e precisar pagar todas as contas, resolveu reabrir. Pedro está usando máscara e tomando cuidados redobrados com a higiene. Mesmo com o depósito funcionando, ele diz que os negócios estão parados: quase não compra nem vende. O seu filho César Vasques também tem um depósito de reciclados. O estabelecimento ficou fechado por quase três meses. Reabriu no começo de junho, quando o prefeito Bruno Covas (PSDB) flexibilizou as regras para o comércio.

Pedro Vasques sentado em seu depósito na zona leste de São Paulo
Pedro Vasques sentado em seu depósito na zona leste de São Paulo - Gabriela Neves

César lembra que alguns anos atrás o mercado de recicláveis estava em alta e propiciava um bom rendimento. Com a crise dos últimos anos, já havia acontecido uma queda, que se intensificou ainda mais com a chegada do coronavírus.

Quando o depósito ficou fechado, César se manteve com a venda de  materiais que já tinha comprado antes. O dinheiro que conseguiu foi para as contas básicas. Algumas ficaram atrasadas, como o aluguel de seu depósito, para o qual  está tentando uma negociação que lhe permita pagar os meses atrasados.

'Home fitness' cresce cerca de 200% na pandemia, agora com tecnologias que tornam treino menos solitário
por
Giordana Velluto
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18/06/2020 - 12h

Enquanto as principais redes de varejo sentem o impacto econômico causado pela pandemia do coronavírus, o “home fitness”, como é conhecido o segmento de equipamentos de ginástica para serem usados em casa, vive uma ascensão desde o início do confinamento. 

Lojas como Polishop, Magazine Luiza, Americanas e Netshoes apontam crescimento de cerca de 200% nesse segmento  desde meados de março, quando o governo de São Paulo recomendou o fechamento das academias e dos parques públicos.

Mario Sergio Andrade, sócio-fundador da assessoria esportiva Run&Fun, treina hoje 1.500 atletas, entre corredores e ciclistas. Com o fechamento dos parques públicos, a programação de treinos sofreu alterações.

Agora, os treinos são programados para ser feitos em casa com o auxílio de equipamentos. Cerca de 80% dos alunos de Mario Sergio alugaram esteiras e bicicletas, ou preferiram comprar rolos de bicicleta que simulam o treino de ciclismo. Para Andrade, o mercado brasileiro vem acompanhando esse movimento que já acontece nos Estados Unidos e agora é tendência nos demais países.

Em uma entrevista para o R7, o CEO da Polishop, João Appolinário, afirmou ser um fenômeno pelo qual o mundo todo está passando. “Quase que triplicamos o número de entregas. Tivemos que mexer e readequar a logística para isso”, disse.

Em 2018, de acordo com a Associação Brasileira de Academias (Acad), funcionavam cerca de 36.585 academias de ginástica pelo Brasil, com mais de 10 milhões de alunos. O Brasil é o segundo país com maior concentração desse tipo de estabelecimento, ficando atrás somente dos Estados Unidos. 

 

Foto: Freepik
                                                           
                                                                Aula de ioga em grupo dentro da academia
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A indústria de atividades físicas movimenta R$ 2,1 bilhões no Brasil, a maior receita da América Latina e a terceira das Américas. O setor mostra dados significativos tanto no estado quanto no município de São Paulo, onde o número de academias cresceu, respectivamente, 21,6% e 17,7% em 2018.

Para quem possui uma vida ativa e gosta de frequentar academia, os produtos de treino em casa têm sido um atrativo para tentar manter o mínimo da rotina e o bem-estar durante o isolamento. A vantagem é não precisar de muito espaço para conseguir realizar os exercícios, ideal para quem mora em apartamento.

A procura por esteiras, produto que custa a partir de R$ 3 mil, aumentou. Mas os elásticos, colchonetes, cordas e acessórios no geral são os que têm maior demanda. Além de não ocuparem muito espaço, costumam ser mais baratos, ficando entre R$ 30 e R$ 50.

O crescimento de vendas no e-commerce dessa categoria é o que tem ajudado a minimizar o impacto do fechamento das lojas físicas por conta da quarentena. Cada vez mais as pessoas buscam se modernizar, e hoje quem está mantendo essas redes na ativa é o setor tecnológico. Elásticos e faixas tiveram um crescimento de cerca de 2.700%; cordas de 2.100% e tapetes e halteres, de 2.000%, segundo a Netshoes e a Magazine Luiza.

As empresas se sentiram inclusive motivadas a fazer promoções e oferecer frete grátis para produtos dessa linha. Appolinário afirmou ainda que esse não é o momento para ser oportunista, afinal as pessoas estão comprando por uma necessidade. “Achamos que como medida seria interessante fazer algo que fizesse mais sentido agora”, disse.

Antes da Covid-19, 50% dos atletas da Run&Fun treinavam em academias e os outros 50% só treinavam no parque e ao ar livre. Com o atual cenário, não foram só os atletas que tiveram que se adaptar. Algumas marcas, como a Peloton, começaram a vender bicicletas e esteiras conectadas com treinadores. Já a Swift, plataforma americana, possibilita que através de rolos inteligentes você se conecte e consiga pedalar com outras pessoas do mundo, além de simular um percurso de ciclismo ou de corrida.

O aumento do home office durante esse período também teve um impacto. A maioria das pessoas teve um aumento da produtividade. Além da otimização do tempo, está acontecendo uma mudança na maneira como as pessoas lidam com o tempo. Mais do que nunca, o treino à distância tem mostrado seus benefícios.  Além de criar conexões entre o treinador e vários atletas, o uso da tecnologia é favorável pois mostra os resultados dos treinamentos de forma precisa, através de todos os dados que o equipamento entrega.