
Com o cancelamento de feiras e eventos, decorrente do isolamento social, muitos artesãos estão preocupados em como divulgar e vender seus trabalhos, já que esses locais contribuem para a promoção do artesanato. As vendas de itens não essenciais caíram em vários setores. Um estudo da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) mostra que, no período entre 15 de março e 18 de abril, as perdas mais expressivas se concentraram nos segmentos varejistas especializados na venda de itens não essenciais ( R$ 78,27 bilhões). Com essa retração no comércio, os pequenos artesãos, que em sua maioria são independentes, estão tendo que buscar maneiras de se reinventar. As redes sociais se tornaram uma peça importante para divulgação e venda de seus trabalhos. Os artistas apostam na publicidade online, o chamado marketing digital, e no e-commerce.
Ana Paula Mauricio comercializa bijuterias e acessórios online e já sentiu uma diferença nas vendas. “A demanda diminuiu, em média, 60%. As pessoas estão com medo de gastar com coisas supérfluas, devido à instabilidade do mercado”, afirma. A microempreendedora está apostando ainda mais nas mídias sociais para manter as vendas. Segundo uma pesquisa feita pela Cision, empresa de relações públicas dos Estados Unidos, 84% das pessoas esperam que uma marca produza conteúdo que entretenha e promova experiências. Isso fez com que a empresária investisse na divulgação de peças. “Precisei trabalhar com mais fotos e abusar dos artifícios visuais que agradassem os olhos”, conta.
Além disso, Ana Paula ainda teve que ampliar algumas medidas de descontos, parcelamento e até prorrogar pagamentos para que os clientes continuassem comprando. “Essas medidas, muito provavelmente, serão mantidas após esse período, até o mercado se aquecer novamente”, conclui a empreendedora.
Outro caso é o de Ana Nunes, que trabalha exclusivamente com artesanato. Ela conta que não teve muita queda nas vendas, mas encontrou dificuldades para comprar materiais para produção, com as lojas fechadas na cidade. A artesã busca sempre estar atenta às mudanças que ocorrem no comércio. “No momento estou me reinventando, fazendo cursos, focando no meu cliente-alvo e em estratégias para alcançar meu objetivo”, afirma, acrescentando que uma oportunidade surgida na crise foi a de confeccionar máscaras de proteção, o que proporcionou uma importante ajuda financeira.
Ana também está focada na publicidade digital e vendas online, um segmento que vem crescendo muito no mercado e dando resultados. “O comércio online é o futuro, hoje não se precisa de uma loja física, a loja online atinge a minha cidade, meu estado, meu país e o mundo”, diz. Segundo dados do IBGE, cerca de 80% dos brasileiros têm acesso à internet e uma pesquisa feita pela agência de marketing Ironpaper concluiu que 93% das decisões de compra são influenciadas pelas mídias sociais. Ou seja, para pequenos empreendedores, estar conectado tem rendido lucros.
No mês de abril, a designer e proprietária da Yankatu, loja de design artesanal, Maria Fernanda Paes de Barros, criou o projeto social online “Artesãos do Brasil”, para dar suporte aos artesãos das áreas mais remotas do país. Para isso, lançou uma campanha na plataforma de crowdfouning Catarse, onde há pacotes de valores diversos e de diferentes artesãos. O comprador escolhe seu pacote e envia um e-mail dizendo qual artesão gostaria de ajudar. O artista irá produzir sua peça e, assim que a quarentena acabar, colocará no correio para envio. “A Yankatu funcionou apenas como uma facilitadora, uma ponte para que as pessoas pudessem acessar os artesãos”, conta a designer. Segundo ela, durante esse período, os profissionais tiveram seus trabalhos divulgados em diversos portais.
Barros também aponta que a campanha teve grande visibilidade e resultado por estar em uma plataforma online. “As redes sociais com certeza ajudam muito, principalmente numa crise como a que estamos vivendo, na qual precisamos nos resguardar e o contato social é praticamente zero.” Ela acrescenta que “com certeza a abrangência da campanha foi muito maior graças ao uso do Instagram”.
Os adiamentos e cancelamentos de eventos neste ano atingiram em cheio o setor cultural – principalmente as produtoras de shows e festivais. Um exemplo disso foi a postergação da Olimpíada de Tóquio, que estava marcada para acontecer em 2020, mas devido à Covid-19 foi transferida para julho de 2021. Os trabalhadores do setor de eventos também sofrem com a crise econômica gerada por essa paralisação sem previsão de retorno.
Pessoas que trabalham em grandes eventos, como nos setores de limpeza, segurança, carregadores de grades e equipamentos, estão em situação de vulnerabilidade neste período de crise. Sem contar os trabalhadores informais, que muitas vezes tiram sua renda da venda de comidas, bebidas e camisetas na porta dos grandes shows e festivais.
A Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), junto com a Go Live Brasil – um movimento que uniu líderes do setor de eventos com o intuito de apoiar as empresas nesse momento da pandemia –, mostra em suas pesquisas que o setor já gerou 25 milhões de empregos, sendo 5 milhões indiretos e freelancers, que dependem inteiramente da geração de renda pela realização de shows, festivais e congressos. A informalidade sofre com a incerteza da retomada das atividades e, também, com a falta de visibilidade perante as políticas públicas emergenciais para aqueles que não têm os benefícios da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Doreni Caramori Jr, presidente da Abrape, afirma que houve uma significativa redução, que beira 100%, na receita do setor desde o início da paralisação, incluindo a queda na venda de eventos futuros, o que prejudica a gestão de novos negócios. “Isso envolve fluxo de caixa, questões de relacionamento com fornecedores, clientes e, principalmente, as questões de gestão do time da equipe. A tendência é que isso continue impactando bastante até o momento da retomada nesses itens”, diz o empresário.
Não é apenas para os trabalhadores informais do setor que a crise está tomando grandes dimensões. Segundo o site Celebrity Access, que fornece informações sobre resultados de bilheteria, disponibilidade de artistas e arquivos de notícias, no início de maio, a Live Nation – uma das maiores promotoras de eventos do mundo – anunciou que iria emitir US$ 800 milhões em notas garantidas, apoiadas pelos seus ativos. A arrecadação será para financiar “fins corporativos” e não permitir a estagnação do giro econômico da empresa durante o período da crise.
No Brasil, o setor de eventos tem participação de 12,93% no PIB e um impacto de R$ 936 bilhões na economia, segundo dados da Go Live Brasil. A realização de grandes eventos colabora com a movimentação de outros setores, como turismo, alimentação e empresas terceirizadas.
Pedro Augusto Guimarães, presidente da Apresenta Rio, afirmou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que uma única edição do Rock In Rio é capaz de movimentar 30 mil empregos diretos. Normalmente, quando se trata de grandes festivais de música, a movimentação econômica nas cidades-sede fica muito mais intensa, pois o fluxo de pessoas que se deslocam entre estados e até mesmo países é muito grande. Esse fator demanda reservas de hospedagem, compra de passagens e incentiva o turismo local.

Inicialmente, quando a discussão era somente sobre a remarcação dos grandes eventos para o segundo semestre deste ano, ainda havia uma esperança de que o setor fosse retornar logo à ativa. Entretanto, quando os grandes festivais de música foram adiados, como o Coachella, na Califórnia, e o Lollapalooza, no Brasil, empresas de entretenimento ao vivo como a T4F foram afetadas em diversos aspectos econômicos e logísticos, como remarcação de datas com artistas e locais para realização dos eventos.
Caramori, da Abrape, afirma estar preocupado com os efeitos da crise no Brasil. “O número de colaboradores diretos do nosso setor chega próximo a 2 milhões. A nossa pesquisa apontou que o percentual passa dos 25% de demissões previstas para a crise, em função disso é uma matemática bastante linear. Você projeta essa demissão prevista nesta mostra – que é 25% – sobre toda a população de trabalhadores no nosso setor e estima que o risco é de 580 mil demissões nessa cadeia produtiva que emprega quase 2 milhões de brasileiros.”
No início de abril, o governo federal publicou uma medida provisória (MP) na qual dispensa os setores de turismo e cultura de reembolsarem seus clientes no período imediato. Também estendeu o prazo para que esse ressarcimento seja feito em até um ano após o fim da pandemia – neste caso, o ajuste será feito de acordo com a inflação do momento. Ainda segundo a MP, as empresas também dispõem de três opções: remarcar os serviços, disponibilizar crédito para o uso ou redução na compra de outros produtos da empresa ou firmar algum outro acordo com o consumidor.
Marina Emily, 21, tinha ingressos comprados para o show da cantora norte-americana Taylor Swift, que iria trazer sua turnê “Lover Fest” para o Brasil em julho. A apresentação no Allianz Parque foi adiada para o próximo ano, porém as novas datas não foram divulgadas. “Como não foi cancelado, só adiado, isso me tranquilizou. Fiquei bem triste, porém já imaginava que fosse acontecer.” A estudante de Rádio e TV brinca que, mesmo diante da incerteza das novas datas, ela irá arrumar um jeito de encaixar o show na sua agenda.
O presidente da Abrape indica que os pontos mais incertos do retorno dos eventos são as variáveis ambientais – curva de contágio e mortalidade –, a disponibilidade do produto, que depende inteiramente da oferta do setor, e, por fim, o comportamento do consumidor, se ele vai querer ir a eventos com características tão específicas pós-pandemia.
Caramori ainda enfatiza que as previsões de retorno são muito incertas. “Acho que é possível termos eventos em 2021 sim, acho até que para alguns perfis de eventos é muito provável, mas lógico que qualquer antecipação nesse momento soa uma previsão amplamente subjetiva.”
Imagem da capa: Montagem do Lollapalooza 2017 no autódromo de Interlagos. (Reprodução: internet / VEJA)

Ministro Paulo Guedes em reunião ministerial (Foto: Adriano Macho/Reuters)
A última saída de um ministro do governo Bolsonaro foi a de Abraham Weintraub, que era responsável pela pasta da Educação. Sua saída é mais uma das várias que aconteceram. A primeira foi a de Gustavo Bebianno, que morreu em março deste ano. Ex-ministro da Secretaria-Geral, ele deixou o cargo em 18 de fevereiro do ano passado. De lá para cá, nove mudanças ocorreram, inclusive a demissão de um dos principais nomes desse governo: Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública).
Somente neste ano, Bolsonaro já passou por três crises ministeriais. Enquanto o Brasil enfrenta a pior crise sanitária e econômica de sua história, o governo insiste em criar ainda mais rixas contra seus adversários políticos. A famigerada “governabilidade” está tão complicada que Bolsonaro, que em campanha afirmava jamais negociar com o sistema, agora se vê sem alternativas e, numa verdadeira ginástica mental, fala que isso nunca foi dito. Essa aproximação com o centrão, que detém diversos nomes ligados aos piores casos de corrupção que esse país já viu e se mostra tão contrário à agenda reformista do Ministério da Economia, promete balançar o casamento, como o próprio presidente gosta de classificar, entre ele e o último pilar da época de campanha, o ministro Paulo Guedes.
Apesar de os líderes de partidos como DEM, MDB, Podemos, entre outros, elogiarem as tentativas de reforma por parte de Guedes, na prática têm atitudes extremamente opostas. Partidos de centro sempre foram os que mais gastaram o dinheiro do contribuinte, seja com Fundão, com auxílios, ou qualquer outra farra com o dinheiro público que a legislação permita. Um exemplo clássico foi a resistência dos políticos em votar a reforma da Previdência, que só foi possível após a liberação das emendas parlamentares.
A velha política, classificada por Bolsonaro e seus aliados como principal inimigo da nação, de uma hora para outra virou a principal aliada para sua continuidade no poder. Nomes como Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto, que foram indiciados em escândalos de corrupção do Mensalão ainda no governo Lula, são os líderes dessa parte do Legislativo em Brasília. O presidente sabe que a única forma de manter o apoio é a liberação de dinheiro, e isso desagrada muito Guedes.
Mais recentemente foi apresentado pelo general Braga Neto o programa desenvolvimentista Pró-Brasil, sem o aval ou sequer a participação de Paulo Guedes em seu desenvolvimento. Essa atitude caiu como uma luva para os partidos de centro. Isso porque o plano exclui o teto de gasto e seria mais uma forma de conseguir capital público. Cada vez mais Guedes perde força dentro do governo e isso pode atrapalhar muito os planos de Bolsonaro.
O professor de economia da PUC-SP Claudemir Galvani explica que a eventual saída do ministro da Economia desgastaria ainda mais o atual governo, uma vez que Guedes é um dos quadros respeitados deste limitado ministério. Além dele, somente o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, é considerado competente e com currículo para o cargo. Desta forma, Bolsonaro ficaria só com os amigos na sua equipe e somente teria apoio dos 25% de brasileiros classificados por ele como jihadistas.
Além do desgaste com o eleitorado, Bolsonaro perderia popularidade dentro do mercado financeiro. André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton, conta que a saída do ministro colocaria um ponto final na agenda liberal do governo, o que faria os preços dos ativos caírem fortemente, e pioraria ainda mais o ambiente de negócios brasileiro. Ele ainda fala que a curto prazo a economia não seria tão impactada, contudo, em longo prazo a situação seria desafiadora, com uma queda da bolsa bastante importante.
As próximas semanas em território tupiniquim serão intensas. O número de casos de Covid-19 não parece diminuir, o número de desempregados e empresas encerrando atividades só cresce. Enquanto isso, em Brasília, o governo parece mais preocupado com a reeleição em 2022 e o presidente parece não se importar com o povo que o elegeu.
Diante da pandemia do novo coronavírus, com empregos sendo perdidos, emergências na saúde e necessidade de investimentos em proteção social, o governo federal continua defendendo que o ajuste fiscal é sua principal pauta. O Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre de 2020, período em que o país ainda não tinha sido totalmente afetado pela crise sanitária – já que o isolamento social começou a ser adotado a partir da segunda quinzena de março –, apresentou queda de 1,5% em relação ao trimestre anterior.
Em maio, foi aprovada a chamada “PEC do Orçamento de Guerra”, que dá ao governo mais flexibilidade para gastar recursos no combate à pandemia do novo coronavírus, enquanto o decreto do estado de calamidade pública durar. Mas, de acordo com Rafael Bianchini, doutor em direito comercial e professor da FGV Law, quando acabar a calamidade pública do ponto de vista sanitário, haverá ainda a calamidade pública do ponto de vista econômico: “Eu acho que a calamidade econômica de pessoas sem emprego vai marcar muito mais a economia brasileira do que as mortes da Covid-19”.
O debate sobre o ajuste fiscal brasileiro é antigo e tem dois principais aspectos: um estrutural e outro conjuntural. O primeiro ocorre devido ao modelo de desenvolvimento industrial adotado pelo país entre as décadas de 1930 e 1970, quando a dívida pública aumentou muito. Já o conjuntural passou a ocorrer a partir de 1980, quando o ritmo de crescimento do país desacelerou. A partir de 1994, com o Plano Real, tornou-se uma das principais pautas do governo.
Esse plano nunca deixou de ser discutido, mas teve um marco no governo de Michel Temer, quando foi aprovada a Emenda Constitucional 95, que propõe congelar por 20 anos o aumento dos gastos públicos.
O ajuste fiscal é a principal bandeira dos economistas neoliberais, como os que formam a atual equipe do Ministério da Economia, para “consertar” as contas públicas brasileiras. Mariana Jansen, doutora em economia, professora e coordenadora do curso de especialização em economia urbana e gestão pública da PUC-SP, acredita que, se permanecer essa visão restrita em relação à questão fiscal na atual conjuntura, a crise gerada pela pandemia pode acabar se aprofundando.
Segundo os economistas neoliberais, que defendem o livre mercado, sem interferências do Estado, quando há excesso de gastos por parte do governo e ocorre um déficit fiscal, o Estado tende a aumentar a arrecadação através de impostos para financiar seus gastos. Isso gera um maior custo ao setor produtivo, ampliando o chamado “custo Brasil”. Outro argumento é que o aumento do gasto faz a dívida pública crescer, elevando os indicadores de percepção de risco dos investidores internacionais com relação à economia brasileira, entre eles o risco-país.
Porém, Jansen replica dizendo que há outras formas de aumentar a arrecadação pública, que não passam pelo aumento da tributação. Quanto ao risco- país, a relação dívida pública/ PIB não é o único indicador. Ele é um dentre vários outros. Além disso, a professora deixa claro que “grande parte dos recursos [estrangeiros] que entraram na nossa economia não entraram no setor produtivo. Eles entraram no mercado financeiro”.
Já Bianchini considera que é importante haver um ajuste fiscal estrutural para a adoção de políticas anticíclicas, ou seja, em momentos que seja necessário gastar mais, o Estado possa fazer isso. Outro problema ainda é o alto gasto com pessoal feito pelos estados e a Previdência. O Brasil não é um país rico e nem um país tão velho como aqueles que têm previdência semelhante à nossa, tornando as despesas muito regressivas. O economista lembra também que um Estado cronicamente deficitário se endivida mais por conta dos juros que continuam aumentando. Porém, pondera que, no momento atual, o ajuste fiscal não deve ser o foco: “Mesmo eu, que sou favorável a um ajuste estrutural, considero essa questão secundária na atual conjuntura. Para fazer um ajuste estrutural a gente precisa viver”.
No início de junho, após muita resistência, o governo aprovou estender por mais tempo o auxílio emergencial, inicialmente de três parcelas de R$ 600. Mas ainda não está definido até quando, qual o valor e se o grupo contemplado pelo benefício será ampliado.
Devido ao enorme crescimento da taxa de desocupação, que no trimestre encerrado em abril chegou a 12,6% da população (sem contar aqueles que tiveram contratos suspensos e redução salarial), uma renda que contemple pelo menos o básico para sobreviver é muito necessária.
Segundo a professora da PUC-SP, a lógica da equipe econômica, que se espalha para diversos setores da população, é que é necessário reabrir o país porque as pessoas precisam de emprego e não de caridade.
O professor da FGV ainda aponta que um ponto crucial para a prorrogação do auxílio é a sobrevivência do próprio governo: “É uma questão que, se os governantes não fizerem isso, eu não tenho dúvida, eles vão cair”.
Os desdobramentos da pandemia do coronavírus chegaram à economia de forma brusca e inesperada, deixando empresários e trabalhadores em situação de extrema incerteza. Para as pessoas que já trabalhavam por conta própria, como profissionais autônomos da área de estética e beleza, a crise tem desencadeado problemas financeiros ainda mais graves e complexos. Sem poder atender a domicílio, receber clientes e garantir renda fixa, os trabalhadores informais estão se desdobrando para ganhar dinheiro e se sustentar durante a crise.
Dentre algumas manobras adotadas por essas pessoas estão a negociação de novas datas e o pagamento antecipado. Os autônomos estão reduzindo o preço de seus serviços – anunciando combos e promoções a serem pagos agora e usufruídos após o término da quarentena. Assim, a clientela paga um preço menor pelo mesmo serviço, e o trabalhador garante alguma renda. Além dessas negociações, muitos estão procurando ganhar dinheiro de outras formas. Lucimara dos Santos, manicure que atende a domicílio há mais de 10 anos, tem sentido na pele os efeitos da crise: “No começo eu até estava atendendo algumas clientes. Ia de máscara e luva, tomava todos os cuidados possíveis, mas depois que meu vizinho morreu de Covid eu percebi que estava arriscado demais e parei”.
Mãe solteira de dois filhos, Lucimara recorreu ao auxílio emergencial, mas sua solicitação está em análise há mais de um mês. Enquanto aguarda pela aprovação, a manicure tem feito marmitas e bolos de pote para vender. Sem carro, ela entrega a pé na vizinhança e oferece desconto para os clientes que retiram os produtos em sua casa.
Luís Pereira, cabeleireiro há mais de 25 anos, compartilha da mesma realidade. Luís montou seu próprio salão na garagem de casa, mas desde o início da quarentena não tem recebido clientes. Diferente de Lucimara, não atendia aos pré-requisitos para solicitar o auxílio emergencial, e está dia a dia buscando formas de garantir o sustento. Luís tem usado as redes sociais para divulgar muitas promoções de corte, hidratação e escova a preços baixos para clientes que pagarem durante os meses de isolamento. “Nós, que dependemos de nós mesmos, estamos tendo que nos virar agora. Não posso fazer a única coisa que me dá sustento e não consigo ajuda do governo.”
Seguindo conselho de sua filha Mariana, de 15 anos, o cabeleireiro também tem anunciado videoaulas ao preço de R$ 20 para clientes que desejam aprender a cortar e tingir o próprio cabelo em casa. Essa estratégia, segundo Luís, tem funcionado muito bem: “Minhas clientes estão enlouquecendo em casa; muitas disseram estar se sentindo como um bicho, com cabelos ressecados, sem corte, brancos... É uma via de mão dupla que ameniza as angústias de ambos os lados, meu e delas”.
Assim como Lucimara e Luís, mais de 35 milhões de brasileiros trabalham hoje na informalidade, com empregos sem carteira assinada (11,5 milhões) ou por conta própria (23,5 milhões). Esses trabalhadores, em um momento de crise como este, veem-se encurralados e, muitas vezes sem saída, arriscam-se para escapar da fome e pagar as dívidas. Ficar em casa quando o sustento é dado dia a dia na rua não é uma opção para estas pessoas, e o auxílio emergencial de R$ 600 oferecido pelo governo não consegue contemplar a maioria desse setor, o que agrava ainda mais a situação.
Apesar das manobras e estratégias para segurar a clientela, muitos trabalhadores estão enfrentando necessidades básicas de sobrevivência. Letícia Lima, estudante de 16 anos, relatou que em Pirituba, bairro em que reside, os moradores se reuniram para fazer uma vaquinha e auxiliar na compra de cestas básicas para os funcionários de um salão de beleza que atende a maioria dos moradores da região. Fechado desde o começo da quarentena, o salão está sem faturar nada e a proprietária não está pagando os salários dos funcionários.

O grande desafio é projetar como será o futuro desses trabalhadores. Com mais pessoas desempregadas em outros setores, o ramo da estética tende a agregar esses profissionais pela disponibilidade de opções e cursos profissionalizantes. Entretanto, este é um setor que exige contato próximo entre profissional e cliente. Seja manicure, pedicure, cabeleireiro, esteticista, massagista, todos precisam de interação corpo a corpo, o que tem sido um dos grandes dilemas do mundo pós-coronavírus. A tendência é que cada vez mais esses profissionais tenham desafios pela frente – seja pela instabilidade, que neste momento mostrou suas reais consequências, ou até mesmo pela diminuição da clientela, que em grande parte tem aprendido a se virar sozinha e realizar cuidados estéticos com as próprias mãos. Essas pessoas, além de economizarem dinheiro, aprendem novos dons e descobrem novos hobbies – desde se autodepilar até fazer desenhos nas unhas do pé. No meio de todas essas transformações, os profissionais de beleza torcem por uma retomada próxima e vitoriosa. “Espero poder olhar para minha agenda, que agora está vazia, e ver muitos nomes de minhas clientes agendados. Quero poder voltar a fazer o que amo e me sentir independente de novo”, diz Lucimara.



