Medida irá impactar benefícios que excedem limite constitucional recebidos pelos “funcionários de elite
por
Marcelo Barbosa
|
06/12/2024 - 12h

 

O Governo enviou na segunda-feira (02), ao Congresso Nacional, a PEC que detalha uma série de medidas para conter os gastos das contas públicas. O intuito é gerar uma economia de mais de 300 bilhões até 2030.

A proposta visa alterações essenciais para aumentar a arrecadação e manter os limites do Arcabouço Fiscal. Uma das mudanças apresentadas está na redução dos chamados “supersalários” de servidores públicos.
 

Salário e adicionais no serviço público: regras e limites na teoria

Os servidores públicos têm um teto salarial estabelecido em R$44.008,52 mensais, além dos benefícios e adicionais, desde que observadas as regras específicas de cada caso.

O auxílio-moradia, por exemplo, é restrito a situações em que não haja imóvel funcional (cedido pela União para o funcionário público) disponível na localidade; o agente não more com outra pessoa que já ocupe um imóvel funcional ou receba o benefício; ou quando o servidor não possua residência própria na região.

Já o adicional de férias não pode superar um terço da remuneração e deve ser limitado a períodos de até 30 dias por exercício. Da mesma forma, as férias não aproveitadas só podem ser pagas em casos de demissão, aposentadoria ou falecimento, respeitando o limite de 30 dias por exercício.

Entre os auxílios mais comuns no cotidiano do servidor, o auxílio-alimentação tem seu valor máximo fixado em até 3% do teto salarial, o mesmo limite aplicado ao auxílio-transporte. Para filhos ou dependentes de até cinco anos, o auxílio-creche também é regulamentado, com um valor que não deve exceder 3% do teto por dependente.

Além disso, benefícios como o 13º salário, adicional noturno, remuneração por serviços extraordinários e aviso prévio proporcional ao tempo de serviço estão garantidos. Em ambientes de trabalho insalubres, o adicional de insalubridade é assegurado. Ressarcimentos relacionados ao exercício da função, como indenizações pelo uso de veículo próprio em serviço, são limitados a 7% do teto. Também está previsto o reembolso de mensalidades de planos de saúde, que pode chegar a até 5% do teto.

O salário-mínimo do trabalhador médio está em R$1.412 e, com as projeções do PIB para 2025, a previsão é de que chegue em R$ 1.525,00.  Professores, por exemplo, têm, em média, um salário de RS 4.250,00 reais, constatou o Glassdoor, uma plataforma online sobre o mercado de trabalho.  

No entanto, apesar do teto estabelecido ser de R$ 44.008,52 mensais, há diversas exceções e valores extras aos chamados “funcionários de elite”,  responsáveis por atuar em áreas específicas do setor público, como segurança, diplomacia e finanças, e que causam um rombo de até 3,9 bilhões de reais aos cofres públicos, de acordo com um estudo do CLP (Centro de Liderança Pública). 

 

Equipe econômica do governo Lula.
Projeto que pretende acabar com supersalarios enfrenta resistência de militares. Foto: Agência Brasil

Segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU), os salários dos militares reformados custam 16 vezes mais aos cofres públicos do que os aposentados do INSS. O gasto por pessoa com os militares foi de R$ 158,8 mil, enquanto o dos servidores públicos foi de R$ 69 mil e o dos aposentados do INSS foi de R$ 9.400.

A respeito do corte nos supersalários, a economista Cristina Helena Pinto de Mello pontua sobre o forte apelo público da proposta “Quando a gente pega o gasto do Governo com salários de toda a administração pública, incluindo o legislativo e o judiciário, que estão dentro dessa folha de pagamento, essa é uma das maiores despesas”, comenta, mas ressalta que os gastos com juros ainda ultrapassa o valor gasto com supersalários. 

Na segunda-feira (02) o presidente Lula se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, outros três ministros do Palácio do Planalto e líderes do Congresso para discutir o tema. 

No caso da aposentadoria dos militares, a resistência das forças armadas fizeram com que o Ministério da Fazenda recuasse e retirasse, temporariamente, a regra da PEC. Entre os pontos do texto que seriam debatidos, estavam o fim da chamada "morte fictícia", que assegura pensão a militares expulsos ou excluídos das Forças Armadas e uma uma transição mais longa para a adoção da idade mínima de 55 anos para a aposentadoria dos militares (o projeto apresentado pela equipe econômica sugere ampliação de 50 para 55 anos). A ideia é implementar uma regra progressiva, permitindo que a exigência de 55 anos seja atingida apenas em 2030.

O Congresso tem apenas três semanas de atividades antes do recesso para apreciar essas medidas, além de outras propostas relevantes, como o projeto que finaliza a reforma tributária e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Entenda proposta de corte de gastos de R$ 70 bilhões anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad
por
Beatriz Alencar
|
03/12/2024 - 12h

O texto do novo pacote de gastos e aumento da isenção do Imposto de Renda foi anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na última quinta-feira (28), e movimentou opiniões dentro do setor econômico e social, com dólar batendo o valor histórico de R$ 6,11.

.

Ministro da Fazenda Fernando Haddad | Foto: Reprodução/Transmissão Ministério da Fazenda

Mas qual de fato é o objetivo desta pauta que demorou semanas para ser anunciada e o quê isso tem a ver com o salário mínimo e arcabouço fiscal?

Basicamente, a ideia de Haddad de fazer um pacote fiscal agora é tentar cortar R$ 70 bilhões para ajustar a explosão dos gastos públicos projetados para os próximos anos e garantir a sustentação do arcabouço fiscal, medida que tem como objetivo o equilíbrio entre arrecadação e despesas do governo, aprovada no ano passado. 

A primeira mudança citada pelo ministro para cumprir essas metas foi o reajuste no salário mínimo com a adequação aos limites do arcabouço fiscal e inflação, o que significa um ganho real entre 0,6% e 2,5%. Atualmente para o reajuste de salário, o Governo considera a inflação e o Produto Interno Bruto (PIB) do país . 

De acordo com o Economista e pesquisador Emerson Braz, o abono salarial e o teto do reajuste do salário-mínimo são medidas que representam direitos dos trabalhadores que hoje possuem menor representatividade no Congresso Nacional:“ [Isso] faz com que sejam medidas que não sofram ajustes significativos em seus textos na fase de aprovação”.

Braz acrescenta que esse reajuste pode ser uma perda de ganhos reais para os trabalhadores: “Imaginando um cenário em que o PIB possa estar estagnado e o arcabouço apertado, o salário-mínimo (SM) poderá não ter alterações e afetar a economia”, explica. O que pode gerar um problema considerável na desigualdade social ou na superação da pobreza. 

Com o novo pacote, o abono salarial, que é um benefício concedido uma vez por ano ao trabalhador que recebe até dois salários mínimos (R$2.824,00), seria limitado para quem recebe até R$2.640,00 e corrigido pelo INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor. A medida, ao longo dos anos, irá reduzir a parcela beneficiada, já que o salário cairá gradualmente para um salário mínimo e meio por mês. 

Outra mudança que causou grande movimentação de opiniões foi a medida sobre o Imposto de Renda. Hoje, aqueles que ganham até R$ 2259,20 por mês não pagam imposto. A nova proposta prevê que a isenção será estendida para quem ganha até R$ 5 mil. Só essa alteração deve gerar um impacto de R$ 35 bilhões por ano nas contas da União.

“Essa é uma medida muito interessante e necessária. Pessoas que ganham até R$ 5 mil consomem a maior parte da sua renda e, ao sofrerem menos tributação, terão como destinar maior parte para o consumo, mantendo a economia aquecida”, argumenta o economista.

Como uma forma de cobrir essa isenção, o governo pretende aumentar a tributação para os rendimentos acima de R$50 mil e R$ 1 milhão mensais, como a forma “mais justa” de compensar a queda de arrecadação com a nova faixa de isenção, de acordo com Haddad.

“A alteração na alíquota do IR não deve ser vista apenas com o objetivo de equidade de renda, mas como um instrumento de manter a demanda (de mercado) aquecida”, acrescenta Braz.

O pacote também prevê a reforma das emendas parlamentares, que limita o crescimento das emendas impositivas ao arcabouço fiscal, estabelecendo um teto para o aumento das despesas parlamentares. Além disso, 50% dos recursos das emendas de comissão deverão ser destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Equipe Econômica, pacote fiscal - Esther Dwek, Fernando Haddad, Simone Tebet, Rui Costa e Alexandre Padilha | Reprodução/Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

Equipe Econômica, pacote fiscal - Esther Dwek, Fernando Haddad, Simone Tebet, Rui Costa e Alexandre Padilha | Reprodução/Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

O texto apresentado pela equipe econômica também propõe mudanças na aposentadoria de militares. A medida sugere uma padronização da contribuição dos militares ao Fundo de Saúde e o fim da chamada “morte fictícia”, que garante uma espécie de pensão vitalícia para a família de um militar que foi expulso das forças, na mesma condição de falecimento do servidor. 

Alterações nos benefícios sociais como o Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC), também foram citadas no texto. Agora, passarão a ter mais regulações, como comprovação por biometria do beneficiado.

“O fato é que a comunicação do Governo para anunciar medidas de austeridade e controle das contas públicas junto com a medida de isenção do IR tornou o cenário caótico”, comenta o economista.

Após um mês de reuniões e tratativas, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco, explicou que o debate do pacote fiscal será prioridade nas próximas semanas, antes do recesso de fim de ano no Senado. A proposta ainda pode sofrer mudanças nas aplicações ou exclusões de medidas.

Brasil passa por um momento decisivo entre mudanças para arrecadamento e corte de gastos
por
Maria Eduarda dos Anjos
|
19/11/2024 - 12h

A penúltima reunião do ano do Copom (Comitê de Política Monetária) aconteceu semana passada e sua ata, publicada no dia 12, apresenta a decisão unânime de elevar a Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) a 0,5 pontos percentuais, levando a taxa de juros básico do país de 10,75% para 11,25%. 

Esse aumento vem como medida para, principalmente, conter a inflação, produto do balanço negativo entre os ganhos e gastos do Estado brasileiro, além de responder de forma defensiva à recente eleição de Donald Trump.

Primeiro, é importante entender o que o COPOM, SELIC, juros básicos e inflação significam na vida do brasileiro. O Copom é um grupo composto pelo presidente do Banco Central (BC) e seus diretores que, a cada 45 dias, decidem a taxa básica de juros da economia, a Selic. 

A taxa básica é a principal forma do BC tentar conter a inflação econômica. Na balança, são ponderados o estado das contas públicas, a situação internacional política e monetária, estado da inflação, movimentação do mercado de trabalho entre outros fatores, tudo para assegurar que o reajuste do juros contenha a inflação, não desvalorize o real perante outras moedas e não diminua o poder de compra da população. 

Uma das razões para o aumento da Selic é a diferença entre o gasto e o arrecadamento público de R$7,3 bilhões até setembro de 2024. Para exterminar esse déficit primário, o BC sobe o juros básico, ou seja, a promessa de valorização de seus ativos, e vende tais ativos aos bancos. 

Dessa forma, o Banco Central consegue caixa de forma mais imediata e oferece a promessa de lucro futuro para os bancos. O problema é que esse ciclo se repete e cria uma bola-de-neve. 

A economista e professora da PUC SP, Cristina Helena, explica que “o governo pega dinheiro emprestado todo mês para cobrir o déficit, que não conta com o valor dos juros dos demais empréstimos que já pegou, mas que precisa quitar simultaneamente”. O juros aumenta para pagar,também, o que já foi criado no passado pela mesma barganha que se repete.“ A conta da dívida tá fora do resultado primário, aí o montante a ser pago não para de crescer”. 

Essa medida para maior arrecadação vem junto com o pacote de corte de gastos públicos, que será anunciado por Fernando Haddad depois da reunião do G20. Representantes das pastas de Saúde, Educação, Previdência, Trabalho e Desenvolvimento Social foram chamados para discutir as reduções, já que detém a maior parte de recursos federais. 

Quando o assunto extrapola o doméstico, a eleição de Donald Trump é um fator central. O presidente já anunciou que pretende impor uma tarifa de 10% ou mais sobre todo produto importado do país, uma medida protecionista para privilegiar o mercado interno.

 

Donald Trump em sua campanha para presidência em 2024. Foto: reprodução/NYT
Donald Trump em sua campanha para presidência em 2024. Foto: reprodução/NYT

 Enquanto o aumento da Selic pode ajudar a manter o valor do Real no mercado internacional, a negociação tende ao soft power. “ O Brasil e os Estados Unidos são bons parceiros comerciais um ao outro, mas o Trump não quer só um bom parceiro comercial, ele também pede por um aliado que não seja mercado para a China, por exemplo. A América Latina vêm se beneficiando de compras mais baratas de produtos chineses e venda de minérios mais barato”, explica Cristina. 

Apesar de haver um plano de metas pelo qual a política monetária deveria se guiar, as medidas atuais de arrecadação precisam ser redesenhadas pela sua falta de efetividade, avalia a economista.Até o fim do ano,é previsto o aumento de mais 0,25 pontos para o juros básico, isso reverbera diferentemente entre compradores de títulos do governo e a população média: “ Meio ponto percentual é pouco do ponto de vista de contenção inflacionária e é muito para as famílias, e isso vira uma taxa enorme nos cartões de crédito e cheque especial”.

A cotação da moeda norte-americana chegou a R$5,86, mas encerrou em R$5,67
por
GUILHERME DEPTULA ROCHA
|
08/11/2024 - 12h

 

O dólar comercial teve forte alta na manhã da quarta-feira (6), mas caiu durante o dia. Às 9h, a moeda alcançou o valor de R$5,86. Porém, à tarde, recuou para R$5,67. A disparada recente se deu após a repercussão da vitória Donald Trump (Partido Republicano) nas eleições norte-americanas. 

Desde meados de outubro, a moeda estava se valorizando, o fato se deu devido à subida do ex-presidente nas pesquisas de intenção de voto. Conforme dados do jornal “The New York Times”, no início do mês passado, sua adversária, Kamala Harris (Partido Democrata), mantinha-se à frente, com 50% da preferência. Enquanto Trump, estava com 47%. 

Porém, nas últimas semanas, o republicano subiu nas pesquisas e se equiparou à democrata: ele alcançou 48%, contra 49% dela. Esse movimento foi batizado de “Trump Trade”. 

 

POR QUE O DÓLAR DISPAROU APÓS VITÓRIA DE TRUMP?

Aproposta de governo do presidente eleito é tida como inflacionária, a partir de políticas protecionistas. O programa prevê um aumento na taxa de juros e mais impostos para importação. A ideia é provocar migração de recursos para o mercado norte-americano, fortalecendo a moeda.

Após o resultado da eleição, o dólar disparou também em outros países. Segundo DXY, índice que monitora o câmbio da moeda norte-americana em outros mercados globais, houve uma alta de quase 2%.

 

POR QUE O DÓLAR CAIU NO FIM DO DIA?

O motivo ainda não é claro. Segundo o professor de economia da FGV, Marcelo Kfoury Moinhos, em entrevista ao “Jornal Nacional”, há uma expectativa na medida de corte de gastos fiscais. O pacote será anunciado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) ainda nesta semana.

Devido a vitória de Trump, o mercado acredita que o governo entregará um pacote “crível”. Porém, o  professor de economia aponta: “Se houver frustração no tamanho desse pacote de corte de gastos pode ser que (...) o real volte a desvalorizar.

 

FUTURO

Caso o presidente eleito cumpra com suas propostas de campanha, as projeções indicam uma alta do dólar para 2025. Devido às políticas protecionistas, poderá haver um aumento na tarifa para produtos importados, reduzindo as exportações brasileiras para os Estados Unidos.

 

Descubra como a agroecologia pode beneficiar a vida das famílias brasileiras no âmbito econômico e social
por
Jessica Castro
|
05/11/2024 - 12h

Recordes de altas temperaturas e períodos de seca extensos foram aliados às causas das queimadas recentes no Brasil. Nos últimos meses, o país viveu um cenário alarmante com mais de 139 mil focos de queimadas, muitas delas criminosas, devastando biomas importantes para o ciclo climático. 

 

Atrás desses números, estão comunidades inteiras que sofrem as consequências diretas: ar irrespirável, perda de colheitas e deslocamento forçado. Grande parte dessas queimadas está ligada à expansão desenfreada do agronegócio, que, na busca por mais terras para cultivo de soja e pastagens, utiliza o fogo como ferramenta de desmatamento. 

 

Embora o agronegócio mova a economia, sua busca por crescimento muitas vezes ignora os impactos sociais e ambientais, e o momento agora é de olhar novas alternativas de cultivo, antes que seja tarde demais.

 

Uma opção que se apresenta é a Agroecologia. A prática é uma alternativa sustentável para a produção agrícola que integra conceitos ecológicos e sociais e tem como objetivo equilibrar o cultivo de alimentos com os ciclos naturais e promover a justiça social. 

 

Diferente dos métodos convencionais, ela não se limita ao uso de técnicas orgânicas, mas envolve uma transformação mais ampla das práticas agrícolas, considerando aspectos culturais, políticos e ambientais. Seu foco é a regeneração dos solos, a conservação da biodiversidade, a redução do uso de insumos químicos e a valorização dos saberes tradicionais das comunidades rurais.

 

Foto: © Alonso Crespo / Reprodução: Greenpeace
Foto: © Alonso Crespo / Reprodução: Greenpeace

 

Alternativa ao Agronegócio

 

A prática da agroecologia surge como uma alternativa ao modelo convencional do agronegócio, que prioriza a monocultura, o uso intensivo de agrotóxicos e a maximização dos lucros a curto prazo. 

Enquanto esse método é fortemente dependente de insumos externos e tecnologias que degradam o meio ambiente e podem esgotar os recursos naturais, a agroecologia foca na sustentabilidade a longo prazo. Ela propõe sistemas diversificados, que integram culturas diferentes, reflorestamento e técnicas de conservação de solo e água. 

Isso torna os sistemas mais resilientes a pragas e mudanças climáticas, reduzindo a dependência de produtos químicos e fertilizantes industrializados. Além disso, o sistema agroecológico valoriza a autonomia dos pequenos agricultores, promovendo  cada vez mais sistemas alimentares locais e uma dependência menor de cadeias longas de distribuição. O que contribui para a segurança alimentar, uma vez que as comunidades produzem e consomem alimentos de maneira mais justa e próxima de seus territórios.

 

O benefício econômico a quem produz e quem consome

 

Do ponto de vista econômico, a agroecologia tem mostrado forte potencial para ser uma opção interessante tanto para o país quanto para as famílias que aderem a este sistema. 

“Iniciativas como as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSA) mostram como os consumidores podem se tornar co-produtores, garantindo acesso a alimentos saudáveis e frescos, enquanto os agricultores têm mais segurança e menos desperdício”, comenta Paulo Moruzzi, professor adjunto do departamento de Economia, Administração e Sociologia (LES) da Esalq, na USP.

Moruzzi ainda pontua que o fortalecimento da relação do consumidor com a produção agroecológica pode impulsionar o fomento de políticas públicas que ampliem o acesso à alimentação sustentável.
 

Outro benefício econômico da prática é  a redução dos custos com insumos químicos, como fertilizantes e agrotóxicos, o que alivia o orçamento dos pequenos produtores; ou práticas como a rotação das culturas que permite  uma produção contínua sem prejudicar o solo ao longo do ano, garantindo uma renda estável  ao diminuir os riscos associados à dependência de uma única safra, característica comum no agronegócio.

 

Ao reduzir a pressão de utilização dos recursos naturais, além da contribuição efetiva para o meio ambiente a longo prazo, pode evitar gastos públicos na recuperação de áreas degradadas e mitigação de desastres ambientais. Além disso, a agroecologia pode impulsionar a economia local, pois promove cadeias curtas e regionais de produção. Assim, reduz a dependência do país de alimentos importados e fortalece os mercados internos.

 

Para as famílias agricultoras, a transição para este método de cultivo significa mais independência e resiliência frente às flutuações de mercado e mudanças climáticas. A segurança alimentar é ampliada, e o valor agregado dos produtos agroecológicos pode aumentar os lucros, já que esses produtos têm um apelo crescente entre consumidores conscientes, dispostos a pagar mais por alimentos produzidos de forma sustentável.

A agroecologia está profundamente enraizada no cotidiano de comunidades quilombolas, indígenas e outros povos tradicionais no Brasil. Esses grupos, que possuem uma relação ancestral com a terra, cultivam alimentos de maneira sustentável e em harmonia com o meio ambiente. 

Mas a prática não é exclusividade dessas comunidades, ela também é adotada pela agricultura familiar e por assentamentos e acampamentos da reforma agrária. Hoje, cerca de 77% dos comércios agropecuários do país são familiares, segundo dados do Anuário da Agricultura Familiar de 2023, e muitos deles estão integrando práticas agroecológicas para preservar o solo e valorizar a biodiversidade do local onde produzem.

Essas iniciativas promovem um modelo de agricultura que valoriza o saber local e protege biomas únicos e super importantes para o equilíbrio climático do país, como o Cerrado e a Amazônia. 

A agroecologia fortalece o vínculo entre quem produz e quem consome, criando relações de consumo mais justas e solidárias. Isso ocorre, em grande parte, por meio de feiras agroecológicas e programas de políticas públicas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que compra alimentos de pequenos produtores para fornecer refeições nas escolas. Essas teias garantem que o alimento chegue de maneira saudável e acessível às mesas, enquanto geram renda e fortalecem famílias agricultoras ao mesmo tempo.

Outros olhares para o consumo de alimentos

A conexão entre a agroecologia e o modo de consumo vai além da idealização de uma produção agrícola sustentável, aqui refletimos também a forma como nos relacionamos com os alimentos, os recursos naturais e as comunidades que os produzem. Esse conceito reflete a necessidade de repensarmos não só a maneira como consumimos, mas também as implicações sociais, ambientais e econômicas envolvidas no processo.

Esse olhar diferenciado para o consumo de alimentos inclui para além da valorização de produtos orgânicos produzidos por um sistema agroecológico, as métricas de quanto desperdiçamos e consumimos exacerbadamente. A agroecologia não se limita à produção sustentável, mas envolve uma conscientização mais ampla sobre a forma como os alimentos são utilizados ao longo da cadeia, desde a produção até o descarte.

O consumo consciente, nesse sentido, diz respeito a um repensar em nossos hábitos alimentares, para garantir que tudo o que consumimos não acabe em desperdício, uma prática que impacta seriamente o meio ambiente e os recursos naturais e o bolso do consumidor. 

 

Precisamos perceber que a quantidade de alimentos comprados e descartados repousa diretamente em impactos socioambientais porque contribui para a emissão de gases de efeito estufa e esgotamento dos solos. Portanto, como e o que comemos pode fazer uma grande diferença.

 

Em entrevista, o professor Paulo Moruzzi destaca a importância do Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro, data que marca a criação da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), que completa 79 anos. Ele ressalta: “Nos últimos anos, esta organização multilateral tem insistido em suas orientações para os debates em torno dos problemas agroalimentares mundiais sobre a importância da busca simultânea de preservação ambiental e de garantia do direito humano à alimentação adequada. Desde 2019, a FAO promove a década da agricultura familiar, visando favorecer sistemas alimentares resistentes às mudanças climáticas e indutores de desenvolvimento territorial inclusivo, protegendo a biodiversidade, o meio ambiente e a cultura." 

 

A agroecologia passa a não ser apenas um modelo de produção, mas um convite para repensar o ciclo de vida dos alimentos e nosso papel dentro dele, promovendo uma relação mais responsável e equilibrada com o meio ambiente.

 

Brasil tem mais de 800 mil catadores, além dos donos de depósitos e das empresas compradoras
por
Gabriela Neves
|
19/06/2020 - 12h
Cacilda Souza e sua carroça - Acervo Pessoal
Cacilda Souza e sua carroça - Acervo Pessoal

“Eu sou uma catadora de reciclagem. Não é porque eu ando toda suja no meu trabalho, que eu sou uma pessoa drogada... Quando uma pessoa tem caráter, não importa o trabalho que ela está fazendo, ela pode não prestar andando toda engravatada, como pode ter caráter andando suja.” Essas palavras são de Cacilda Souza, que mora em Ourinhos (SP), tem 41 anos e trabalha desde criança como catadora de reciclagem.

Cacilda aprendeu a ser catadora com seu padrasto, que a levava ainda menina para ajudá-lo nas ruas. Quando já era adolescente, começou a trabalhar de forma fixa em um lixão. No local, ela permaneceu até 2011, quando a lei aprovada no governo Lula previa o fim dos lixões por questões sanitárias.

Depois disso, aos 33 anos, Cacilda  entrou em uma cooperativa, mas a experiência acabou frustrada por desentendimentos com uma família de cooperados. Voltou então a trabalhar nas ruas, desta vez com a própria carroça.

Cacilda ficou conhecida no Facebook como Rainha da Sucata, após começar a postar fotos e vídeos do seu trabalho. Neles, ela discutia a forma como a população julgava os catadores e desprezava sua importância. Apesar de parecer uma história de novela, o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) estima que existem 800 mil catadores no país, dos quais 70% mulheres.

Cacilda diz que consegue pouco dinheiro com a venda do material coletado, mas afirma que essa renda tem sido suficiente para se manter. Ela tem quatro filhos e hoje só a mais nova depende dela. Cacilda se divorciou do pai das crianças quando elas ainda eram pequenas, mas ele sempre ajudou e se mantém presente. “Eu trazia tudo do lixo mesmo, roupa e calçado eu nunca precisei comprar”, conta Cacilda. Ela  ressalta que também ajudou outras famílias com objetos que achou no lixo.

Cacilda diz que a vida dela melhorou muito depois que conheceu o movimento Pimp My Carroça, projeto social e cultural que visa tirar os catadores da invisibilidade. Outro achado foi  o aplicativo Cataki, que conecta moradores com catadores próximos a sua região. Cacilda afirma que não dava conta da demanda que vinha através do aplicativo, principalmente por precisar puxar sua carroça por toda a cidade.

Como ficou conhecida, Cacilda ganhou uma caminhonete de um programa de televisão, o que ampliou suas possibilidades de trabalho. Atualmente,  ela faz o curso de tecnólogo ambiental em uma faculdade. A vontade de estudar já era antiga e levou a catadora a recolher inúmeros livros que encontrou no lixo.

Cacilda conta que nesse período de quarentena determinado pelo coronavírus está vivendo com o dinheiro do Bolsa Família e não está trabalhando pela preocupação com a segurança e pelo fato de o depósito que compra seu material estar fechado. A situação, segundo ela,  é muito complicada, pois alguns catadores não puderam parar de trabalhar.

Na tentativa de ajudar, Cacilda está fazendo alguns vídeos conscientizando as pessoas da importância de separar os reciclados em casa, para diminuir os riscos de contágio para os catadores. Além do coronavírus, esses trabalhadores já são expostos a outras bactérias por muitas vezes precisarem separar o lixo comum do reciclado.

Para ajudar os catadores nesse período de quarentena, o movimento Pimp My Carroça e o aplicativo Cataki se uniram em um financiamento coletivo. A campanha usa uma frase de impacto: “Os que não sofrerem com o corona vão sofrer de fome”. O objetivo é garantir uma renda mínima a todos os catadores autônomos cadastrados no Cataki. A meta é obter R$ 500 mil . Até agora, foram arrecadados quase R$ 320 mil.

O MNCR também lançou uma campanha de doações para os catadores. Os recursos serão utilizados na distribuição de cartões de vale-alimentação com R$ 200 para as famílias que estão sendo selecionadas pelo comitê nacional da campanha. Qualquer pessoa física ou jurídica pode fazer uma doação, por depósito em conta ou também pelo PagSeguro.

Na outra ponta, estão os depósitos de materiais que compram desses carroceiros. Eles também têm sofrido com a pandemia. Primeiro, por não saberem ao certo se são ou não um serviço essencial. Quando continuam abertos, ficam expostos não apenas ao vírus, mas também à fiscalização, que pode lacrar o estabelecimento. Se decidem  interromper as atividades, acabam sem renda nenhuma.

O Instituto Nacional das Empresas de Sucata de Ferro e Aço (Inesfa) e o Sindicato das Empresas de Sucata de Ferro e Aço (Sindnesfa) declararam por meio de uma carta aberta, no final de março, que os serviços do comércio atacadista de resíduos de sucatas metálicas deveriam ser considerados essenciais, já que a reciclagem tem um impacto direto na saúde pública.

As instituições também fizeram campanhas e manuais de como esses locais poderiam funcionar de forma segura. Mas a realidade, na prática, é bem diferente. Com apenas uma parte do portão aberto, Pedro Vasques mantém o seu depósito de sucata operando na zona leste de São Paulo.

Nos primeiros dias da quarentena, o depósito de Pedro ficou fechado. Ele permaneceu em casa, principalmente ao ser advertido pelos filhos de que, aos 76 anos, faz parte do grupo de risco.

Mas, por ter um funcionário registrado e precisar pagar todas as contas, resolveu reabrir. Pedro está usando máscara e tomando cuidados redobrados com a higiene. Mesmo com o depósito funcionando, ele diz que os negócios estão parados: quase não compra nem vende. O seu filho César Vasques também tem um depósito de reciclados. O estabelecimento ficou fechado por quase três meses. Reabriu no começo de junho, quando o prefeito Bruno Covas (PSDB) flexibilizou as regras para o comércio.

Pedro Vasques sentado em seu depósito na zona leste de São Paulo
Pedro Vasques sentado em seu depósito na zona leste de São Paulo - Gabriela Neves

César lembra que alguns anos atrás o mercado de recicláveis estava em alta e propiciava um bom rendimento. Com a crise dos últimos anos, já havia acontecido uma queda, que se intensificou ainda mais com a chegada do coronavírus.

Quando o depósito ficou fechado, César se manteve com a venda de  materiais que já tinha comprado antes. O dinheiro que conseguiu foi para as contas básicas. Algumas ficaram atrasadas, como o aluguel de seu depósito, para o qual  está tentando uma negociação que lhe permita pagar os meses atrasados.

'Home fitness' cresce cerca de 200% na pandemia, agora com tecnologias que tornam treino menos solitário
por
Giordana Velluto
|
18/06/2020 - 12h

Enquanto as principais redes de varejo sentem o impacto econômico causado pela pandemia do coronavírus, o “home fitness”, como é conhecido o segmento de equipamentos de ginástica para serem usados em casa, vive uma ascensão desde o início do confinamento. 

Lojas como Polishop, Magazine Luiza, Americanas e Netshoes apontam crescimento de cerca de 200% nesse segmento  desde meados de março, quando o governo de São Paulo recomendou o fechamento das academias e dos parques públicos.

Mario Sergio Andrade, sócio-fundador da assessoria esportiva Run&Fun, treina hoje 1.500 atletas, entre corredores e ciclistas. Com o fechamento dos parques públicos, a programação de treinos sofreu alterações.

Agora, os treinos são programados para ser feitos em casa com o auxílio de equipamentos. Cerca de 80% dos alunos de Mario Sergio alugaram esteiras e bicicletas, ou preferiram comprar rolos de bicicleta que simulam o treino de ciclismo. Para Andrade, o mercado brasileiro vem acompanhando esse movimento que já acontece nos Estados Unidos e agora é tendência nos demais países.

Em uma entrevista para o R7, o CEO da Polishop, João Appolinário, afirmou ser um fenômeno pelo qual o mundo todo está passando. “Quase que triplicamos o número de entregas. Tivemos que mexer e readequar a logística para isso”, disse.

Em 2018, de acordo com a Associação Brasileira de Academias (Acad), funcionavam cerca de 36.585 academias de ginástica pelo Brasil, com mais de 10 milhões de alunos. O Brasil é o segundo país com maior concentração desse tipo de estabelecimento, ficando atrás somente dos Estados Unidos. 

 

Foto: Freepik
                                                           
                                                                Aula de ioga em grupo dentro da academia
​​

A indústria de atividades físicas movimenta R$ 2,1 bilhões no Brasil, a maior receita da América Latina e a terceira das Américas. O setor mostra dados significativos tanto no estado quanto no município de São Paulo, onde o número de academias cresceu, respectivamente, 21,6% e 17,7% em 2018.

Para quem possui uma vida ativa e gosta de frequentar academia, os produtos de treino em casa têm sido um atrativo para tentar manter o mínimo da rotina e o bem-estar durante o isolamento. A vantagem é não precisar de muito espaço para conseguir realizar os exercícios, ideal para quem mora em apartamento.

A procura por esteiras, produto que custa a partir de R$ 3 mil, aumentou. Mas os elásticos, colchonetes, cordas e acessórios no geral são os que têm maior demanda. Além de não ocuparem muito espaço, costumam ser mais baratos, ficando entre R$ 30 e R$ 50.

O crescimento de vendas no e-commerce dessa categoria é o que tem ajudado a minimizar o impacto do fechamento das lojas físicas por conta da quarentena. Cada vez mais as pessoas buscam se modernizar, e hoje quem está mantendo essas redes na ativa é o setor tecnológico. Elásticos e faixas tiveram um crescimento de cerca de 2.700%; cordas de 2.100% e tapetes e halteres, de 2.000%, segundo a Netshoes e a Magazine Luiza.

As empresas se sentiram inclusive motivadas a fazer promoções e oferecer frete grátis para produtos dessa linha. Appolinário afirmou ainda que esse não é o momento para ser oportunista, afinal as pessoas estão comprando por uma necessidade. “Achamos que como medida seria interessante fazer algo que fizesse mais sentido agora”, disse.

Antes da Covid-19, 50% dos atletas da Run&Fun treinavam em academias e os outros 50% só treinavam no parque e ao ar livre. Com o atual cenário, não foram só os atletas que tiveram que se adaptar. Algumas marcas, como a Peloton, começaram a vender bicicletas e esteiras conectadas com treinadores. Já a Swift, plataforma americana, possibilita que através de rolos inteligentes você se conecte e consiga pedalar com outras pessoas do mundo, além de simular um percurso de ciclismo ou de corrida.

O aumento do home office durante esse período também teve um impacto. A maioria das pessoas teve um aumento da produtividade. Além da otimização do tempo, está acontecendo uma mudança na maneira como as pessoas lidam com o tempo. Mais do que nunca, o treino à distância tem mostrado seus benefícios.  Além de criar conexões entre o treinador e vários atletas, o uso da tecnologia é favorável pois mostra os resultados dos treinamentos de forma precisa, através de todos os dados que o equipamento entrega.

Criada em 2016, empresa brasileira Ribon intensifica crescimento durante a pandemia; diretor vê maior vontade de ajudar
por
Rafaela Soares
|
17/06/2020 - 12h

Nascida em 2016 do desejo de três amigos de montar uma startup, a empresa brasileira Ribon teve um crescimento de cerca de 4 mil usuários semanais em seu aplicativo desde que a pandemia do coronavírus começou a afetar o país.

Inspirada na iniciativa americana ​Tab for a Cause​, o aplicativo Ribon converte o dinheiro da publicidade em “Ribons” dinheiro virtual dando autonomia aos seus usuários para doarem a causas disponíveis no aplicativo, das quais grande parte está ligada a ONGs que combatem a extrema pobreza.

Em entrevista à Agemt, o diretor de design e um dos fundadores da empresa, João Moraes, conta que a Ribon tem cerca de 40 mil usuários mensais, e que acredita que houve um crescimento no uso do aplicativo devido ao momento delicado que vivemos, fator que aumenta a vontade das pessoas de querer ajudar.

No entanto, Moraes afirma que considera a empresa pequena ainda, e que os maiores desafios no momento são melhorar a experiência do usuário no aplicativo e conseguir fechar contratos com mais empresas. Quanto a esse último desafio, o coronavírus tem sido um obstáculo. “Apesar das pessoas estarem mais dispostas a fazer doações, as empresas estão mais conservadoras. Ninguém quer investir”, diz o executivo.

Atualmente, a Ribon tem projetos apoiados por grandes marcas como Rock in Rio, Visa, Malwee e Tetra Pak, o que, na visão de Moraes, aumenta a confiança dos usuários no aplicativo, que arrecada quantias maiores graças ao interesse dessas grandes empresas.

De acordo com o diretor, a Ribon não arrecada recursos somente através da publicidade. É graças a projetos fechados com empresas e grandes doadores que a startup consegue aumentar o valor inicial destinado a alguma causa, viabilizando assim um impacto social que pode ser 50% maior ao que ocorreria se as doações não passassem pela plataforma.

Um exemplo disso foi o projeto realizado com a Tetra Pak neste ano, que tinha interesse em ajudar a ONG Pimp My Carroça, ligada a catadores de material reciclável autônomos do Brasil. Com a causa no aplicativo, o valor final destinado a essa ONG acabará sendo maior do que o pretendido pela Tetra Pak, uma vez que qualquer usuário do aplicativo também pode fazer doações a essa causa, seja através dos Ribons vindos da publicidade ou da compra dessa moeda virtual.

A aquisição de Ribons pode ser feita tanto de maneira avulsa quanto por assinaturas mensais, cujo valor varia conforme o pacote. Segundo Moraes, no entanto, menos de 5% dos usuários optam pela assinatura, o que ele não considera um problema, pois o mais importante é que exista engajamento de quem usa a plataforma. “O propósito do aplicativo é ser uma nova forma de doar, acessível para todos que tenham interesse em ajudar.”

De acordo com Moraes, a empresa tem registrado um crescimento estável, mas ainda insuficiente para permitir o retorno dos investimentos. Por se considerar em um estágio de amadurecimento, a Ribon, por enquanto, limita a divulgação ao boca a boca dos usuários, que falam do aplicativo para amigos e familiares.

Especialista da FGV aponta risco de evasão de alunos mais pobres, que muitas vezes não dispõem de internet em casa
por
Gabriela Reis
|
16/06/2020 - 12h
Escolas Vazias (Foto:GovernoDeSãoPaulo)
A pandemia de Covid-19 deixou salas de aula vazias (Foto: Governo de SP)

Além de afetar diretamente a saúde pública e diversos setores da economia, a pandemia do novo coronavírus provocou graves consequências para a educação, impactando não só o calendário das aulas, como também o desempenho de alunos e professores.

Em todo o mundo, 188 países fecharam as instituições educacionais, deixando sem aulas 99,4% dos estudantes do planeta – ou 1,7 bilhão de alunos. Para que o ano letivo não fosse perdido, as escolas e universidades foram forçadas a adotar rapidamente as ferramentas tecnológicas disponíveis, criando conteúdo remoto para os estudantes.

Na América Latina, países como o Uruguai, o Peru e o Chile tomaram medidas efetivas para o avanço da educação virtual. Com a distribuição de equipamentos e medidas para mitigação dos efeitos iniciais da crise, esses países conseguiram orientar professores e alunos para essa nova realidade.

No Brasil, o processo ainda está acontecendo. Em março, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma medida provisória que dispensa as instituições de ensino a cumprirem o mínimo de 200 dias letivos exigidos por lei, desde que mantidas as 800 horas mínimas de aula.

Mas o desafio de uma educação de qualidade no país vem muito antes da pandemia. A precarização da educação tem estado em pauta nos últimos anos na sociedade brasileira. Com a ausência de políticas públicas, além da glorificação da educação privada, nos últimos quatro anos o Brasil reduziu em 56% os investimentos públicos no setor.

"Investimento em educação é estratégico. Nenhum país do mundo mudou sua trajetória de crescimento ao longo dos anos sem investir em educação, ciência e tecnologia”, diz Priscilla de Albuquerque Tavares, professora de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP) e pesquisadora na área de economia da educação.

Segundo Priscilla, o investimento público em educação não deve se preocupar apenas em aumentar o volume de recursos e colocar mais pessoas no sistema educacional, mas também em ampliar vagas em áreas mais produtivas e, principalmente, zelar pela qualidade do aprendizado.

A economista destaca os baixos resultados no Brasil nos rankings de avaliações internacionais, como os do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que analisam o desempenho escolar de alunos de 15 anos.

Entre os 79 países analisados na edição mais recente, o país ocupa quase o final da tabela, atingindo entre o 58º e o 60º lugar em leitura, o 66º e o 68º em ciências e o 72º e o 74º em matemática, de acordo com a margem de erro. “Há muitas razões que explicam a baixa qualidade, desde o investimento e os desafios de gestão até a formação e valorização do professor”, afirma Priscilla.

Enquanto as escolas privadas estão rapidamente se adaptando às novas tecnologias, para os 38,7 milhões de estudantes da rede de ensino público, essa não é uma realidade. As escolas não têm estrutura para dar a assistência necessária, que inclui alimentação, auxílio de dúvidas, aulas preparatórias para o vestibular e suporte para alunos com deficiência. 

Para a pesquisadora, o ensino remoto é mais que um desafio no Brasil. “As condições de acesso às aulas remotas e mesmo as condições e ambiente do domicílio são variáveis muito relevantes para determinar se os estudantes conseguirão acompanhar as aulas e aprender efetivamente.”

educação à distância (Foto: Agência Brasil)
Alunos e professores tentam se adaptar ao desafio da educação à distância (Foto: Agência Brasil)

 

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) de 2018 mostrou que uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet, o equivalente a 46 milhões de brasileiros.

Segundo o levantamento feito pelo coletivo Intervozes, analisando as políticas de ensino à distância implantadas durante a pandemia em 26 estados brasileiros, apenas 15% das secretarias de educação não se baseiam em tecnologias digitais.

Durante o isolamento, apenas 30% das secretarias entregaram materiais impressos e menos de 10% fizeram acordos com as operadoras de telefonia para garantir internet gratuita aos estudantes.

A professora da FGV lembra ainda que a rotina dos estudantes varia de acordo com cada situação. “Muitos residem em domicílios pobres e não possuem estrutura para estudar em casa, como um local calmo e silencioso, precisam ajudar nas tarefas domésticas e cuidados com outros moradores.”

O Enem e o ensino superior

Apesar de a desigualdade nos vestibulares sempre ter existido, agora a situação se complica ainda mais com as inseguranças que o país enfrenta por causa da Covid-19. 

Depois de diversos desentendimentos, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020, que tem como objetivo democratizar o sistema de educação nacional, sofreu adiamento por um período entre 30 e 60 dias.

"Infelizmente, isso não será suficiente", comenta Priscilla, acrescentando que  "em algum momento o exame precisa acontecer, já que é a principal porta de entrada para o ensino superior".

Enquanto o futuro daqueles que sonham com o ensino superior ainda é incerto, quem já vive esse sonho está lidando com os obstáculos. Levantamento feito  pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), junto a  cerca de 200 instituições, mostra que a inadimplência cresceu 71,1% na primeira quinzena de abril, em relação ao mesmo período do ano passado.

“A prioridade dos governos no contexto da pandemia é reduzir os seus danos sobre a educação, evitando a evasão”, afirma a economista. “Será importante um esforço para evitar que os jovens mais pobres não evadam do sistema.”

Na recessão causada pela pandemia, reconversão industrial é alternativa para montadoras continuarem atividades
por
Liliane de Lima
|
16/06/2020 - 12h

A falta de equipamentos médico-hospitalares para o enfrentamento da pandemia alterou a dinâmica da indústria em todo o planeta. No Brasil, não foi diferente. Indústrias tiveram que mudar a produção habitual – automóveis, roupas, cosméticos etc. – para ajudar no combate ao coronavírus. A fabricação de respiradores, máscaras, álcool em gel tornou-se primordial. 

A indústria automobilística tem sido uma das protagonistas no processo de reconversão produtiva, também chamado de reconversão industrial. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), os produtos médicos começaram a ser produzidos pelas montadoras desde a chegada do vírus no país. 

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioecônomicos (Dieese), no relatório “Reconversão industrial em tempos de Covid-19: o papel dos governos para salvar vidas”, publicado em 13 de maio, destacou a importância da flexibilização produtiva.

De acordo com o Dieese, a reconversão industrial precisa ser rápida para o combate à Covid-19, a partir da adaptação das unidades produtivas de forma emergencial “para a produção de bens ou equipamentos de primeira necessidade temporariamente escassos”. 

Para isso, os ministérios da Economia e da Saúde, em parceria com empresas privadas, desenvolveram o projeto “Mais Manutenção de Respiradores”. A iniciativa foi o ponto de partida para a manutenção de 3,7 milhões de respiradores que estavam paralisados. Destes, 1.100 já foram consertados e reinseridos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) dos estados mais atingidos, segundo o portal G1

Em São Paulo, Scania, Toyota, Honda e General Motors começaram a consertar respiradores e ventiladores pulmonares danificados ou sem uso. A Peugeot, no Rio de Janeiro, está utilizando impressoras 3D para produzir protetores faciais.

A Ford, no polo de Camaçari (BA), tem produzido máscaras de proteção individual. Já a Mercedes-Benz, em conjunto com o Instituto Mauá de Tecnologia e a Universidade de São Paulo, tem atuado no desenvolvimento de um protótipo de respirador de baixo custo a partir de insumos automotivos. A montadora Volkswagen, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), também tem feito o reparo de equipamentos respiratórios. 

Conserto de placas de respiradores - Foto: G1/Divulgação
Conserto de placas de respiradores - Foto: G1/Divulgação

 

A iniciativa para atender à demanda emergencial por equipamentos médicos está voltada para resultados a curto prazo, de acordo com Roberto Marx, professor do Departamento de Engenharia da Produção da Poli-USP. “Para uma montadora, isso não vai fazer muito sentido a longo prazo”, afirma. 

Para ele, “é possível que a produção local de produtos do setor médico, na prevenção de doenças, especialmente da Covid-19, vire uma parte mais importante do que é hoje na produção industrial brasileira, mas não necessariamente pelas montadoras”. 

A emergência da produção é pontual, segundo Roberto. “O momento é de ajudar no tratamento e combate à pandemia, e, nesse sentido, a indústria automobilística pode ter alguma contribuição, mas não é uma contribuição decisiva.”

Uma nova cadeia produtiva precisaria ser criada para que a manutenção de respiradores continue fazendo parte dos negócios das montadoras no pós-pandemia, diz o especialista. Esta atividade, em sua visão, só será possível se houver a criação de “uma outra operação industrial separada da fabricação de automóveis”. 

Exemplos internacionais

As medidas para a adoção da reconversão industrial no Brasil seguem exemplos internacionais. Reino Unido, Japão, Alemanha, França e Estados Unidos são alguns dos países que adotaram a estratégia para o enfrentamento da Covid-19, na tentativa de suprir a demanda por respiradores, ventiladores pulmonares e EPIs.

O presidente dos EUA, Donald Trump, usou a Lei de Proteção de Defesa, criada em 1950, para determinar a produção de respiradores pela General Motors (GM), por exemplo. No Reino Unido, o primeiro-ministro, Boris Johnson. pediu a paralisação da produção de carros pelas montadoras, dentre elas a Jaguar Land Rover. 

Para o professor Roberto Marx, o país onde está a matriz destas montadoras é essencial para que ocorra a mudança produtiva. “No caso dos Estados Unidos ou da França, onde tem montadoras americanas e francesas (respectivamente), o governo tem mais disponibilidade para atuar”, pontua. 

Consequências pós-Covid

A reconversão produtiva tem sido uma saída para a continuidade das atividades da indústria, que vem diminuído gradativamente sua participação na economia brasileira. “Isso é um cenário que já vem acontecendo há muitos anos, em diferentes governos  e, agora com a pandemia, pode se aprofundar fortemente”, afirma Roberto. 

Respiradores em teste de funcionamento - Foto: Automotive Business/Divulgação)
Respiradores em teste de funcionamento - Foto: Automotive Business/Divulgação)

A tentativa de suprir a demanda atual de produtos para hospitais pode alterar a dinâmica da produção a médio e longo prazos, segundo o relatório do Dieese. A reindustrialização e a diminuição da “dependência de equipamentos e insumos importados, garantindo maior equilíbrio na balança comercial do setor”, são as possíveis consequências da pandemia para a indústria nacional. 

Roberto também observa a possibilidade de aumento da demanda por produtos nacionalizados em alguns setores industriais, com a desvalorização do real em relação à moeda americana. “Toda  vez que o dólar sobe muito, tem mais incentivo para  a produção local e é um espaço que pode ser ocupado pela indústria que sobreviver no Brasil, no pós-Covid”, afirma. 

Para que isto ocorra, Roberto acrescenta que “não adianta uma empresa ou um setor demandar de produtos produzidos no Brasil, que antes eram importados, se não tem uma cadeia de produção adequada e um produto interessante, que seja viável do ponto de vista de custo e de satisfação do cliente”. 

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), na Carta número 995, destaca a necessidade de políticas públicas para evitar os riscos de superprodução ou desperdício futuro. “Os governos podem fornecer previsibilidade aos pedidos e garantias de que itens eventualmente produzidos em excesso farão parte dos estoques nacionais”, afirma a entidade.