O garimpo ilegal está aumentando em meio à pandemia de coronavírus. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), a bacia do Xingu sofreu um desmatamento de 20.839 hectares em apenas dois meses. Além das consequências para o meio ambiente, o avanço da mineração tem colocado a vida dos povos originários da Amazônia em risco pela contaminação de Covid-19.
Garimpo é o nome dado à exploração, mineração ou extração de substâncias minerais, que utiliza poucos recursos e investimentos, muitas vezes com técnicas predatórias ao meio ambiente, como o uso de mercúrio para extração de ouro. No Brasil, a atividade é considerada uma forma legal de extração quando feita sob algumas regras e em locais permitidos.
A atividade se torna ilegal quando realizada sem fiscalização e em áreas proibidas, como reservas ambientais e indígenas, o que acontece frequentemente no país. Um estudo realizado pelo ISA, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e revisado pela Fundação Oswaldo Cruz, relata que atualmente há 20 mil garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami.
Além de lutar contra a presença de garimpos ilegais em suas terras, agora o povo Yanomami é ameaçado pela Covid-19 que os garimpeiros levam para a região. Aproximadamente 40% dos Yanomami vivem perto de áreas de extração ilegal e podem ser contaminados pela doença respiratória.
Com o problema histórico do garimpo se transformando em uma questão de saúde pública, o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana lançou a campanha #ForaGarimpoForaCovid com a intenção de mobilizar e pressionar o governo para uma ação de retirada dos invasores ilegais do território, de forma que o povo indígena consiga realizar o isolamento social recomendando para evitar a transmissão do vírus.
Os garimpeiros, que são o principal vetor de transmissão da doença no território, viajam frequentemente de Boa Vista, em Roraima, para as terras indígenas por meio de barcos e aviões. Três mortes e 55 casos foram confirmados, até o começo de junho, em meio aos Yanomami, que se encontram em território mais vulnerável à doença por conta do sistema de saúde que atende o local.
Os postos de saúde do local estão avaliados com a pior nota de todo o Brasil, tendo a menor disponibilidade de leitos e respiradores. Os Yanomami possuem um alto grau de vulnerabilidade social, com uma das menores expectativas de vida ao nascer, baixa escolaridade e falta de acesso ao abastecimento de água e saneamento básico.
Com a crise econômica mundial causada pela pandemia, o preço do ouro está alto, o que incentiva a prática da atividade ilegal. Quanto ao impacto na economia do país, o pesquisador do PoEMAS (Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade) e professor Luiz Jardim Wanderley explica que não há um cálculo que aponte especificamente isso, mas que grande parte da mineração garimpeira é ilegal ou irregular, com problemas de licença. “Em 2017 foram 17 ou 18 toneladas de ouro provindas de garimpo tanto legal quanto ilegal. A estimativa é que, dessas, dez tenham sido produzidas ilegalmente. O ouro ilegal entra no sistema facilmente”, explica Luiz.
O garimpo tem um maior efeito sobre a economia local, onde a extração do ouro é uma atividade central.
Na reunião ministerial do dia 22 de abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reforçou a falta de preocupação do governo em relação às questões do avanço do desmatamento e atividades ilegais em terras indígenas. “Estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa. Só se fala de Covid”, declarou Salles, acrescentando que, diante disso, o governo deveria aproveitar para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
Porém, Luiz ressalta que tais mudanças não são tão fáceis assim e que o foco da cobertura midiática no coronavírus não é o motivo do avanço. “Não é como o ministro disse: ‘passar a boiada’. O que acontece é que já tem um avanço do garimpo no Brasil, que se dá sobretudo pelo agravamento das questões econômicas, o que implica mais indivíduos entrando para o garimpo.”
Entretanto, Luiz acredita que as falas de políticos podem sim influenciar na intensidade da atividade, principalmente quando estão ligadas a uma diminuição da política de fiscalização, legitimando o discurso a favor do garimpo e com a intenção de legalizá-lo.
Assim, o avanço da atividade ilegal é um efeito da crise econômica gerada pela pandemia, porém esse avanço também está atrelado à diminuição das ações do governo, como políticas de contenção e cuidado realizadas por órgãos como a Funai e o Exército. Com as medidas de isolamento, essa fiscalização está sendo realizada em intervalos de tempo maiores, o que é o recomendado, mas abre caminho para o aumento do garimpo ilegal. “De qualquer forma, o garimpo nunca foi uma atividade que se escondeu no Brasil”, reforça o pesquisador.
O garimpeiro não deixa de ser um trabalhador precarizado, que realiza a atividade em meio às piores condições de segurança e saúde. Os donos dos garimpos geralmente são empresários e políticos influentes da região, e para Luiz Jardim é importante distinguir os dois, já que as máquinas utilizadas na extração custam muito dinheiro, exigindo um investimento de médio para alto, algo que não é acessível para a maioria da população. “Quem avança para as terras indígenas são os empresários”, ressalta Luiz.
Para o professor e pesquisador, as consequências do avanço do garimpo ilegal em terras indígenas não fogem muito da obviedade, como desmatamento, contaminação dos rios, remoção de terras e não recomposição das áreas degradadas. Os indígenas acabam sendo populações mais vulneráveis e distantes dos serviços públicos, e a rápida tendência de contaminação do vírus acaba provocando mortes.
“Saúde indígena é um problema histórico do Brasil. São ainda muito concentrados, numa lógica de rede, a infraestrutura, a UTI, os respiradores. Estão localizados fora das terras, e o deslocamento até as áreas pode levar até semanas, o que é ineficaz contra doenças como o coronavírus”, comenta Luiz. “A doença só agrava uma condição já precária.”
Durante a quarentena provocada pelo novo coronavírus, a cidade de Arujá se tornou destino de muitos paulistanos, que saíram em busca de um lugar mais calmo para passar o período de isolamento social.
Com cerca de 90 mil habitantes, Arujá recebeu nos últimos meses uma forte demanda de pessoas que vieram da capital paulista à procura de casas que estariam à venda ou disponibilizadas para aluguel, tanto em bairros comuns quanto em condomínios.

Segundo Ana Lucia dos Reis, dona da imobiliária Marc 5, desde o início da quarentena houve alta de 25% a 30% na procura por imóveis na cidade. O aumento supera a taxa de 20% registrada no mesmo período do ano passado. Pelas estimativas do setor, se o mercado continuar nesse ritmo, o crescimento pode chegar a 50% até o fim do ano.
Para a corretora, isso tem ocorrido devido à existência de muitas pessoas que pertencem ao grupo de risco e que moram em São Paulo. Contudo, os que possuem melhores condições financeiras acabaram optando por cidades menos urbanizadas, que têm registrado pouca circulação do vírus e apresentam uma qualidade de vida melhor do que na capital.
Outro setor que pode ser favorecido com essa migração é a área de serviços. Segundo Maria Souza, integrante da Associação Comercial e Empresarial (ACE), desde o início da quarentena muitas lojas de rua sofreram com a redução de clientes e a fiscalização pesada por parte da prefeitura. Consequentemente, isso fez com que muitos estabelecimentos comerciais, inclusive do setor alimentício, fechassem as portas ou revissem suas estratégias de vendas, apostando nas entregas em domicílio.
Maria se mostrou entusiasmada ao saber sobre esse fluxo de novos moradores, pois acredita que possa ajudar na área comercial da cidade. “Com certeza a cidade tem que movimentar a economia. Essa chegada de pessoas novas pode fazer com que isso aconteça, e fico muito feliz por estar colaborando com isto.”
Ela acrescentou que os empresários da cidade nunca pararam de trabalhar de fato, mas que ocorreu uma nova forma de fazer negócios, justamente para assegurar os cuidados com as pessoas e para não serem advertidos pela fiscalização pública. “O setor nunca parou. O que fizemos foi só tentar adaptar nossas vendas para melhor atender nossos clientes em suas casas, e seguir à risca as recomendações da prefeitura sobre a saúde no meio de trabalho.”
Rodrigo Procidonio Ruiz, corretor de imóveis da imobiliária Leardi, diz que sentiu uma maior procura de pessoas que vieram de São Paulo em busca de residências na cidade, e que isso foi bom para o mercado local.
“Sim, aumentou consideravelmente a procura por imóveis em Arujá tanto para compra como para locação. Pois, além de comprar um imóvel na cidade, isso também gera tributos à prefeitura e, ao mesmo tempo, faz com que os construtores de casas gerem empregos.”
Ao ser questionado sobre quais seriam os motivos para fazer com que essas pessoas saíssem da capital para vir ao interior, Rodrigo esclareceu: “Este aumento, com certeza, é devido à atual situação da pandemia. As pessoas que têm nos procurado normalmente afirmam morar em apartamento, e este confinamento é fator agravante na qualidade de vida delas. Então provavelmente elas vieram pela busca de um lugar com mais espaço e com terrenos mais verdes também”.
Sobre os benefícios da demanda por casas para a economia local, o corretor afirmou que isso pode favorecer serviços como padarias, supermercados, lojas de roupas e farmácias, pois os novos moradores serão atraídos por ofertas que esses estabelecimentos disponibilizarão, e com isso tendem a impulsionar o consumo na cidade. Ao mesmo tempo, eles próprios podem criar um negócio que ajude a desenvolver Arujá.
Neste momento, não é possível saber o quanto do aprofundamento da precarização do trabalho é pelos percalços da pandemia e o quanto é pelo aproveitamento da situação por parte dos empresários. É o que afirma o economista Mário Theodoro, especialista em mercado de trabalho e ex-consultor legislativo do Senado Federal.

“Afrouxar a proteção ao trabalhador na hora em que mais precisa de proteção é lamentável”, diz Theodoro, que aponta “uma falta de perspectiva de coletividade, em que as pessoas só pensam no que é melhor para elas”. Referindo-se à diminuição de salários e direitos, o economista critica sobretudo o empresariado, que, segundo ele, “só está pensando no seu lucro”.
No dia 16 de junho, foi aprovada pelo Senado a Medida Provisória (MP) 936. A medida foi editada em 1° de abril e permitiu redução de salários e contratos por dois e três meses, respectivamente. A redução de remuneração era acompanhada proporcionalmente pela diminuição de jornada de trabalho, podendo ser de 25%, 50% ou 70%. Com o aval unânime do Senado, o governo pode prorrogar os prazos.
Poucos dias antes da MP 936, foi editada a de número 927, que permite a facilitação do teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, a reorganização do banco de horas e a suspensão temporária do recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Segundo a advogada de direito trabalhista e sindical Francine Cadó, membro do Instituto Declatra (articulação em torno dos direitos do trabalho), apesar de as MPs serem promulgadas com a bandeira de manutenção de empregos, elas cobram muito mais o empregado do que o empregador. Ela salienta também a demora de formulações de ações; deputados e governadores ficaram em suspenso, “esperando uma diretriz do Executivo, e essa diretriz não veio”.

Outro ponto é a possibilidade de acordos individuais em alguns casos, contando apenas com a notificação para os sindicatos. Cadó diz que há “uma série de ataques ao sindicalismo em geral, o que não é de hoje” e que a medida busca afastar os sindicatos dos trabalhadores num momento de fragilidade.
Segundo a advogada, os sindicatos estão atuantes durante a pandemia, e usam as redes sociais como aliadas nesse contexto de distanciamento social. Mas esse meio vem perdendo espaço desde a aprovação da reforma trabalhista em 2017, que aboliu a obrigatoriedade da contribuição sindical. “Alguns sindicatos que a gente tem conhecimento aqui [em MG], como foi o sindicato dos jornalistas, a situação econômica deles piorou muito e consequentemente todos os serviços que eles podem oferecer para os filiados."
A reforma trabalhista sancionada durante o governo de Michel Temer modificou regras para itens como remuneração, tempo na empresa, horário de descanso e transporte. Theodoro diz que a reforma reduziu a capacidade de negociação dos trabalhadores e que aproximou o trabalhador formal do informal. Ele afirma que “o mercado formal, bem ou mal, já tinha uma certa condição de proteção social” com o sistema previdenciário e seguro-desemprego, por exemplo. “O que acontece é que há dois anos eles começaram a destruir isso.”
Para os informais, continua Theodoro, já não havia direitos garantidos. Segundo ele, o que se vê atualmente é que “ao invés de igualar chamando o informal para ter alguma coisa, se desestrutura o formal e [se] iguala os dois por baixo, ou seja, igualando os dois pela falta de direitos e pela precariedade”.
O número de desempregados tem aumentado durante a pandemia. Segundo a pesquisa Pnad Covid-19, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de trabalhadores desempregados subiu 10,8% no mês de maio. Na última semana do mês, eram 28,5 milhões de desocupados.
A crise aumenta a quantidade de pessoas se submetendo a trabalhos precarizados, como entregadores de aplicativo, que lidam com a desobrigação das empresas em garantir direitos, visto que não há configuração de vínculo empregatício. De acordo com o SindimotoSP (Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipal do Estado de São Paulo), o número de entregadores na capital paulista e Grande São Paulo aumentou 20% desde o início da pandemia.

Para quem não foi demitido nem teve o contrato suspenso, o home office pode ter sido adotado durante a situação pandêmica. São 8,8 milhões em regime de teletrabalho, segundo a Pnad Covid 19. Francine Cadó afirma que essa modalidade é uma tendência mundial e que pode favorecer alguns setores, mas “é inegável que, nos moldes em que ele vem acontecendo, o trabalhador fica bastante desprotegido”. Ela alerta para a difícil fiscalização da jornada de trabalho e para o montante excessivo de demandas repassadas ao empregado. Cadó recomenda que em caso de abuso o trabalhador faça contato com advogado trabalhista ou com o sindicato, e tente reunir provas, como email e prints da tela do computador, que mostrem a realização de atividades extrajornada.
Mário Theodoro elucida que de um lado o teletrabalho poupa o empregador no que tange às instalações oferecidas, e de outro destina mais responsabilidades ao empregado, o que na prática faz com que trabalhe mais. “O que poderia ser uma boa ideia, e na Europa foi uma boa ideia para flexibilizar positivamente e para dar mais tempo para o trabalhador ficar com sua família, no caso do Brasil está virando uma superexploração”, diz ele, acrescentando que, pela crise de empregos que o país vive, as pessoas se veem obrigadas a aceitar situações de trabalho precárias.
Nota-se ainda a situação preocupante das pequenas e médias empresas. O economista fala que essas empresas não têm recebido apoio estatal e as linhas de crédito anunciadas são malsucedidas, em parte porque bancos privados se recusam a emprestar para pequenos negócios. Afirma ainda que são elas que sustentam grande parte dos empregos. Segundo dados do Sebrae-SP, 49% dos trabalhadores formais do estado estão nas pequenas empresas.
Patrícia Correa Domingues de Almeida (acervo pessoal) |
Com a quarentena, por causa da Covid-19, muitos comerciantes tiveram que fechar suas lojas ou paralisar as vendas nas ruas rapidamente e se adaptar para um novo cenário que surgiu de repente, sem aviso prévio. Muitos deles, para continuar o seu trabalho, migraram para as vendas online e plataformas de e-commerce, onde a compra de produtos ocorrem por meios de dispositivos e aparelhos eletrônicos, e houve pessoas que viram essa situação para começar algo novo.
É o caso da Patrícia Correa Domingues de Almeida, 55 anos, moradora do município de São Paulo, Itapevi, ela, antes do isolamento social, trabalhava como corretora de imóveis e simultaneamente vendia seus produtos de artesanato: “Já trabalhava com as vendas da minha produção artesanal, mas era só como hobby, agora, vi uma oportunidade de me reinventar e quero focar só neles, aí, com ajuda dos meus filhos criei uma página no Instagram para postar meu trabalho. ”
Almeida nunca tinha trabalhado com o comércio virtual, só faz três semanas que ela entrou para esse universo digital e diz encontrar algumas dificuldades. “São muitos jovens nessas páginas do Instagram, usando uma linguagem que minha geração não consegue pegar. Essa linguagem não está sendo fácil de aprender, mas tenho ajuda do meu filho, o Ivan (Ivan Domingues de Almeida, 20) ”. Além disso, Almeida vê a evolução do e-commerce, como uma nova maneira de viver: “Com a pandemia, as pessoas tão tendo que se reinventar, está crescendo cinco anos em seis meses. Não precisa mais sair de casa para viver, tem tudo na Internet. ”
João Pedro Pereira de Mello (acervo pessoal) |
O comércio eletrônico realmente teve mais acessos durante o período de quarentena, segundo estudos da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), houve um aumento de 69% na compra de produtos online de pessoas que já faziam parte desse sistema antes da pandemia. Já na plataforma do Mercado Livre, houve um aumento de 39% de usuários e 75% deles dizem que irão continuar com os métodos eletrônicos.
O empreendedor João Pedro Pereira de Mello, 21 anos, dono da empresa Decoraê, e morador de Pedreira (interior de São Paulo), diz perceber essas mudanças: “Trabalho com e-commerce há quatro anos, antes tinha uma loja física, mas mal conseguia atender meu bairro, por isso mudei, agora, atendo o Brasil todo. Minha empresa trabalha com decorações de festas e de casa, no nicho das festas, houve uma queda de quase 95% das vendas, já no nicho de casa teve um aumento de 30%. Me surpreendi com esse aumento, não esperava que as pessoas fossem se preocupar com a casa no meio de uma pandemia. ” Mello sugere que essa alta na procura de produtos para moradia aconteceu justamente pelas pessoas terem que ficar em casa, e elas estão tentando deixar o ambiente mais agradável.
O jovem empresário alega que não tem do que reclamar do e-commerce, mas percebeu uma maior demora na entrega durante o isolamento. A pesquisa da SBVC conta que 69% dos consumidores notaram um prazo mais longo para o recebimento de seus produtos. A advogada e empreendedora Natalia de Paula Barone, de 24 anos, trabalha com venda de produtos para tabacaria e falou que notou o atraso nos envios da mercadoria: “Antes eu mandava um produto hoje e já ia chegar amanhã para o cliente, agora demora um pouco mais, cerca de sete ou oito dias, mas mesmo assim acho que está sendo tranquilo. ”
Natalia de Paula Barone (acervo pessoal) |
Barone comenta que suas vendas cresceram bastante nesse período. “ Acredito que isso ocorreu porque além das tabacarias estarem fechadas eu trabalho com um produto de vício, então as pessoas que frequentavam as lojas físicas tiveram que ir para o mercado virtual. ” Ela trabalhava em um escritório de advocacia, mas no início do ano decidiu sair e começar a trabalhar com e-commerce: “Antes da pandemia começar até pensei em montar uma loja física, mas aí veio toda essa situação e vi que era melhor não. Com a loja física eu teria muito mais gastos do que eu tenho com o e-commerce, não compensaria. Então decidi expandir minhas vendas indo para outras plataformas e até criei um site no início da pandemia. ”
Após a Covid-19 se espalhar pelo mundo e matar de maneira muito rápida milhões de pessoas, medidas drásticas foram tomadas para conter o avanço do coronavírus. O isolamento horizontal foi proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a medida mais eficaz para conter a aglomeração de pessoas e assim evitar um colapso no sistema de saúde. No entanto, o presidente da República, Jair Bolsonaro, se opôs e defendeu que apenas as pessoas que estão no grupo de risco deveriam permanecer isoladas em suas devidas residências para evitar uma queda brusca na economia brasileira propondo, assim, o isolamento vertical. Com isso, as divergência de teses entre os governos trouxeram debates entre diferentes classes sociais do país.
O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2019, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), colocou o Brasil na sétima posição de país mais desigual do mundo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, 13,5 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha da pobreza, ou seja, sobreviviam com menos de R$145 por mês. Além disso, a grande parte da população vive em situações precárias e divide a residência com muitas pessoas, o que traz dificuldades para manter-se isolada, além de muitos jovens viverem com pessoas do grupo de risco - idosos, diabéticos, hipertensos, asmáticos, fumantes e pessoas com doenças do coração -, apesar de também estarem propensos a irem a óbito mesmo não apresentado comorbidades.
O professor, mestre e economista André Paiva Ramos faz uma análise sobre os impactos da pandemia: "Essa questão da população não estar respeitando, muitos indo na tese do presidente, nessa tese que para mim é irresponsável, de que tem que voltar as atividades, acaba que não se consegue conter. Mais pessoas vão começar a ficar doentes e é uma curva exponencial", destacou e acrescentou que poderá haver colapso na saúde e a necessidade de um isolamento mais severo, o que atingirá de maneira ainda mais forte a economia brasileira.
Yuri Busin, mestre e doutor em neurociência cognitiva, destaca que a melhor forma de conter o vírus é se informando: "A educação precisa ser informativa, ela precisa ser repetitiva, as pessoas precisam ter consciência a partir do momento que elas são informadas de uma forma clara. Atualmente a gente vê que existem muitas divergências e isso faz com que a população foque obviamente nessa situação divergente. Então é preciso ter muito mais um processo educacional para que as pessoas fiquem mais em casa e cuidem-se melhor".
Embora haja um desacordo entre as autoridades governamentais, a medida adotada atualmente é que a população que puder trabalhar de maneira remota fique em casa, só podendo funcionar, mantendo os cuidados com a higiene, os estabelecimentos considerados essenciais: supermercados, farmácias, postos de gasolina, açougues, padarias, pet shops etc, tudo isso para driblar uma superlotação dos leitos nos hospitais e evitar que as pessoas morram em casa, sem atendimento médico. Em contrapartida, com a redução do consumo, trará um rombo na economia do país, além de impactos sociais como desemprego, pobreza, empresas falidas, queda na arrecadação do governo, que implicaria em menos recursos para o próprio sistema de saúde etc.
André cita o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o desenvolvimento do Produto Interno Bruto (PIB), que aponta que os países que conseguiram conter o avanço da doença de uma forma mais rápida sofreram menos impactos econômicos e sociais. "Quanto mais rápido a população respeitar a questão do isolamento social e só as pessoas que são em atividades emergenciais que está operando se mantiver, mais rápido a gente vai conseguir conter o avanço e vai conseguir liberar a economia".
Em relação a economia brasileira, o FMI projeta que a economia vai retrair em 2020 5,3%, levando em consideração as medidas atuais de contenção ao avanço do coronavírus, podendo haver uma queda mais grave chegando até a 8% de retração, de acordo com alguns economistas, destacando ainda que o Brasil já vinha de uma recuperação muito frágil desde 2016.
Na prática, é necessário ainda levar em consideração quanto tempo a população consegue manter-se isoladas sem alteração na saúde mental. "Na atual circunstância algumas dessas situações de bem-estar, alguns comportamentos, alguns costumes que essas pessoas tinham foram totalmente retirados da vida delas. Então as pessoas acabam tendo um pouco mais de dificuldades de recomposição mental para que ela consiga lidar com esse estresse enorme que elas estão sentindo", disse Yuri e citou ainda a pressão social que os profissionais da área da saúde tem de lidar diante de um vírus desconhecido. "É muito relevante que todos os hospitais também olhem para a saúde mental tanto dos pacientes e familiares quanto dos profissionais que trabalham dentro desse novo modo de Covid para que as pessoas consigam se manter bem", comentou o psicólogo.
Diante do cenário incerto que a pandemia do novo coronavírus trouxe para a economia do país e para a vida das pessoas, André fala sobre as possíveis projeções para o país após a contenção da doença: "O tamanho da retração econômica e da recuperação da atividade econômica vai depender muito das próprias medidas que o governo venha a adotar. Se não tiver uma medida efetiva para estimular a economia após terminar o isolamento social a gente vai ter primeiro um recuo muito grande, depois uma retomada muito lenta, ou seja, a gente vai demorar mais de quatro anos para conseguir restabelecer o nível de atividade que a gente tinha no período anterior a pandemia, que já é um nível muito abaixo de produção, de emprego, de renda, do que a gente tinha em 2014", analisa.