Sem orientação adequada, donas de pequenos negócios relatam dificuldades para entender as mudanças na economia e veem sua renda ameaçada
por
Manuela Dias
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28/11/2025 - 12h

A falta de informação qualificada tem se tornado uma das principais barreiras para microempreendedoras brasileiras que dependem de insumos importados ou de produtos cujo preço varia conforme fatores globais. Em meio a mudanças recentes nas taxas, oscilações cambiais e aumento da burocracia para transações internacionais, muitas afirmam que não sabem onde buscar apoio técnico. É o caso de Danielle Nayara, maquiadora e microempreendedora, que iniciou seu negócio após deixar o emprego formal para trabalhar com eventos.

“Eu sempre gostei de maquiagem, mas nunca tinha pensado em maquiar outras pessoas. Só comecei depois de uma sugestão, fiz um curso e acabei me apaixonando pela profissão”, conta. Hoje, ela atende clientes em casa, em eventos e até pernoita em residências para preparar noivas e madrinhas. Mas apesar da agenda cheia, manter o negócio funcionando tem se tornado cada vez mais complexo.

Um desafio diário

Para Danielle, o principal custo do seu trabalho é a compra de materiais: produtos que sofrem variações constantes de preço, muitas delas impactadas por fatores externos. “Um produto que eu comprei por um valor semana passada já está mais caro hoje. Quando isso acontece, eu preciso ajustar meus preços, porque se não aumento, perco margem”, explica.

Ela relata que, muitas vezes, não entende o motivo dessas oscilações nem encontra informação clara sobre o que está influenciando o aumento. Esse descompasso entre preço e explicação não só dificulta o planejamento, como a impede de aproveitar oportunidades.

“A qualidade dos produtos é essencial. Se o material é ruim, não adianta eu ser boa. Só que para comprar produtos bons, eu preciso pesquisar muito. E os preços mudam rápido demais”, diz.

A falta de informação também interfere na profissionalização. Em eventos como a Beauty Fair, Danielle conseguiu adquirir produtos de alta qualidade com preço reduzido, mas admite que depende do acaso: “Eu fico sabendo por redes sociais. Se eu não vejo no Instagram ou no TikTok, eu perco a chance.”

Redes sociais como principal fonte

Como muitas microempreendedoras, Danielle se informa principalmente pelas redes sociais. “É onde está tudo hoje: Instagram, TikTok, WhatsApp. É ali que vejo notícias, promoções e mudanças”, afirma. O problema, segundo especialistas, é que essa dependência de canais informais deixa empreendedoras vulneráveis. Notícias sobre variações cambiais, tarifas, mudanças em importações ou novas regras para comercialização de cosméticos dificilmente chegam a essas mulheres de forma clara e estruturada. Isso faz com que muitas decisões sejam tomadas às cegas.

Economistas e organizações ligadas ao empreendedorismo feminino têm reiterado que a falta de informação clara é hoje um dos maiores riscos para pequenos negócios liderados por mulheres. À medida que insumos sofrem com oscilações globais, e que o comércio exterior se torna mais complexo, milhares de empreendedoras enfrentam um mercado imprevisível sem apoio técnico.

No caso de Danielle, o impacto ainda é administrável, mas ela admite a preocupação: “Eu tento acompanhar tudo, mas é difícil saber o que realmente vai afetar meu trabalho. Às vezes, descubro um aumento só quando chego na loja para comprar”, relata.

Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”.
“Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”. Reprodução: arquivo pessoal 

Força para manter o negócio! 

Apesar dos desafios impostos pela falta de informação, pelos custos instáveis e pelas mudanças constantes no mercado, mulheres como Danielle continuam sustentando seus negócios com esforço diário, intuição e dedicação. A realidade que enfrentam é marcada por incertezas, mas também por uma determinação que atravessa jornadas longas, madrugadas de trabalho e decisões tomadas sem o suporte adequado.

No fim das contas, o que sustenta esses negócios não é apenas acesso a crédito ou políticas públicas: é a força de mulheres que, todos os dias, escolhem continuar. A luta feminina, silenciosa ou coletiva, segue sendo a certeza em meio ao cenário incerto e continua provando que, quando essas mulheres resistem, elas transformam não só suas próprias histórias, mas também o futuro do empreendedorismo no país.

 

Transformando a vida de milhões de pessoas todo ano, merece mais reconhecimento e recursos para manter o Brasil vivo
por
Vítor Nhoatto
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28/11/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

Uma das poucas certezas de todo ser humano, tal qual a morte, é a doença. Sabe aquele resfriado que vem junto ao seco do frio, uma ferida que infecciona depois de cair de bicicleta, até aquelas mais sérias que podem aparecer. Fato é que sem saúde não se vive, sendo um direito constitucional não por acaso. Sendo assim, é preciso que o acesso a essa necessidade tão básica quanto respirar e se alimentar seja universal, e não um bem a se comprar apenas por aqueles que podem.

Para isso então que existe o Sistema Único de Saúde (SUS), tão falado e muito mais presente na vida do que alguns podem sequer imaginar, ou querer. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador dos medicamentos disponíveis no país, de controle alimentar e hídrico, faz parte do SUS. Regulamentado em 1990, é responsável pelas vacinas e desenvolvimento científico ainda, e sabe os planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde (ANS), que os regula, também é integrante do sistema.

Para falar dessa diferença real na vida, antes é preciso até olhar nos papéis para lembrar já a quanto tempo ele é médico, enfermeiro, farmácia. De cabelos curtos hoje, depois de uma repaginada no visual devido ao câncer de pulmão que teve justamente na pandemia de COVID-19, Léia Marisa celebra que há dois anos consegue receber na AME Maria Zélia o micofenolato de Mofetila. Pois é, muitas vezes quando o nome é chique o preço é alto, uns R$500 por caixa, mil reais por mês gastos antes da papelada ficar pronta e ser aceita em 30 de novembro de 2023, já que a doença não espera os trâmites e filas.

A ex-professora, atual dona de casa e empresária a distância do seu restaurante, conta como o período de descoberta e tratamento do câncer, que levou até questões reumatológicas, e ajudou a descobrir uma artrite reumatoide, foi muito difícil. Entre dezenas de idas ao hospital de 2020 até 2023 até chegar ao diagnóstico, foram dias desgastantes, assustadores, e toda ajuda foi essencial, principalmente com os custos de sobreviver à doença. No caso dela, o tratamento do tumor foi feito em rede privada graças ao seu plano de saúde empresarial, que custa salgados R$5 mil reais ao mês. Só aqui são quase quatro salários mínimos, um privilégio muito grande, como ela destaca, olhando para um país em que apenas 7,60% da população ganha entre 5 e 10 salários como o Censo de 2022 do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística revela. 

Se aprofundando mais ainda nos fatos, de acordo com o estudo “Quanto custa o câncer” de 2023 do Observatório de Oncologia, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) e do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, os custos de tratamento da doença quadruplicaram nos últimos três anos. Uma sessão de radioterapia ou quimioterapia custava quase R$800 em 2022, e dezenas são necessárias na maioria das vezes. Acrescentando nessa conta, consultas, tomografias e biópsias, mil reais ali e cinco acolá, o custo chega facilmente ultrapassa dezenas de milhares de reais. Isso é ainda mais preocupante tendo em conta a incidência do câncer na população, que segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) entre 2023 e 2025, 704 mil pessoas terão a doença como Marisa. 

E com isso que o SUS se mostra como algo tão relevante, oferecendo tratamento integral e gratuito contra todos os tipos de cânceres. Claro que muitos problemas existem, como destaca Marisa ao lembrar que quando estava no meio do tratamento enfrentou problemas com o plano de saúde, mas que só o medo de depender da demora do SUS caso fosse preciso, a preocupava muito. A saúde é o bem mais precioso para, o que para todos provavelmente deva ser, e por isso justamente que em 2012 a lei 12.732/12 obriga que o tratamento contra o câncer tem que ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico. 

Mas além disso, com os olhos marejados depois de navegar novamente no mar agitado que foi a jornada até a vida que tem hoje, curada e com o diagnóstico da sua doença crônica, ela volta e lembra que a diferença que não ter que pagar pelo Micofenolato que a mantém respirando faz.  Quando tinha que arcar com as despesas era como um fardo a mais imposto a ela, que considera a saúde hoje como o bem mais valioso. As idas mensais  ao posto são um alívio hoje para ela, destacando que o seu medicamento nunca faltou até então, mas que já presenciou pessoas na situação contrária e que não tinham como arcar pessoalmente com os gastos. Essa é uma realidade infelizmente, segundo fiscalização de 2023 da secretaria de contas do Estado de São Paulo, em quase metade dos postos visitados faltavam algum medicamento.

papéis
A cada seis meses Marisa tem que renovar a receita e toda a papelada para solicitação do seu medicamento junto a AME - Foto: Vítor Nhoatto

Milhões de uns

Mesmo que falte muito, afinal, só 4,16% do orçamento federal foi destinado à saúde em 2024 segundo o Painel do Orçamento Federal, a porcentagem vem aumentando desde 2022, e milhões de brasileiros são atendidos todos os dias. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema universal de saúde, e 213 milhões dependem diretamente do SUS, segundo o Ministério da Saúde, que contabiliza em média 2,8 bilhões de atendimentos por ano, empregando 3,5 milhões de profissionais.

E mais um desses uns é Valdir Sousa, que do alto de seus 63 anos de idade é um típico caso brasieleiro. Com diabetes do tipo II há 20 anos e hipertenso, conta que se não fosse o acesso ao sistema gratuito, sua vida seria muito diferente, obviamente pelo lado financeiro, e muito também pelo bem-estar. O mineiro nascido em São João do Paraíso e que vive em São Paulo há décadas já viu tanto na vida, e com o passar do tempo o que todos querem e merecem é justamente qualidade de vida. Essa no caso, em grande parte possível graças a insulina que busca no posto na Freguesia do Ó e os comprimidos que cuidam do seu coração acelerado.

Justamente essa hipertensão que é a doença mais presente nos peitos animados dos brasileiros, e 52% da população é diagnosticada com alguma DCNTs, como revela a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Além disso, segundo dados de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) como as de Valdir são tecnicamente chamadas, são as mais comuns no mundo e no Brasil, com o diabetes inclusive tendo aumentado 70% entre 2000 e 2019. 

Para contextualização, nos Estados Unidos existe há alguns anos o movimento nas redes sociais insulin4all, criado pela organização sem fins lucrativos T1 International, que denuncia os altos custos da insulina no país, onde um frasco de 10ml gira em torno de U$330. Tal situação vem levando inclusive pessoas a racionarem o medicamento, o que pode levar a complicações e até a morte em casos mais graves. Já no Brasil, o mesmo remédio é disponibilizado pelo SUS, e o preço máximo permitido por lei é de R$125,30. 

Diante desses dados e o envelhecimento da população fica claro como a saúde vai ser cada vez mais necessária, tal qual destaca o jovem de espírito Valdir, que já foi pedreiro e auxiliar de manutenção geral em uma lanchonete, justamente no Hospital das Clínicas. As histórias que já viu na maior referência de saúde pública brasileira enchem a sua mente, e as palavras saem inquietas sobre as melhorias que o SUS precisa e as pessoas merecem. Ele conta em meio a suspiros que quando precisa de exames mais urgentes, ou consultas em meio a crises, tem que recorrer ao plano de saúde da sua esposa, do qual é dependente, já que as unidades de saúde estão sempre cheias e a fila de espera passa de meses algumas vezes. 

Foi nessas passagens obrigadas pela rede privada que ele inclusive descobriu mais um integrante do seu pacote, a doença renal crônica há um ano. Porém, é no SUS que o acompanhamento com nutricionista, nefrologista e endocrinologista foi possível, uma rotina de cuidados essenciais para uma boa qualidade de vida para quem tem a condição. É graças a essa rede de profissionais e a farmácia popular que Valdir vai aproveitando com os dois filhos e a mulher os seus dias, frisando com a voz até meia trêmula, que sem isso não poderia se ter o seu direito de viver com saúde exercido plenamente.

medicamentos
São graças a compostos como esses que tanto Marisa ou Valdir, e os mais de 100 milhões de brasileiros com doenças crônicas podem viver bem tal qual a constituição garante - Foto: Vítor Nhoatto

 

Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
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14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Crise de grandes compradores, como restaurantes, se soma a problemas de distribuição e falta de políticas públicas
por
Sara de Oliveira
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01/10/2020 - 12h

Após ter alcançado o marco histórico de sair oficialmente do Mapa da Fome da ONU no ano de 2014, o Brasil voltará a fazer parte da lista. O aviso tem sido dado por diversos especialistas que, nos últimos anos, têm apontado retrocessos nas políticas de combate à fome. Para Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), o Brasil já faz parte da lista, só falta a oficialização da ONU. De 2016 a 2019, a população brasileira afetada pela insegurança alimentar moderada e aguda aumentou de 37,5 milhões para 43,1 milhões (segundo matéria do Brasil de Fato). Isto pode ter ocorrido por conta de um conjunto de medidas que incluem o fechamento do Consea e a falta de investimentos em políticas públicas voltada à agricultura familiar. 

Segundo o Censo Agropecuário de 2017, divulgado pelo IBGE, o Brasil tem 5 milhões de pequenas propriedades rurais, que representam 77% dos empregos da agropecuária e 70% dos alimentos que chegam à população brasileira. 

Um dos maiores problemas é a distribuição desses produtos. O fechamento de armazéns da Conab (Companhia Nacional do Abastecimento) em 2019 acabou tornando a logística de abastecimento de produtos ainda mais concentrada no país. Com o fechamento de restaurantes e a impossibilidade de fazer as feiras, por conta da pandemia do novo coronavírus, os produtores perderam seus principais compradores. 

Outro agravante é a escassez de medidas públicas e constante fechamento de órgãos que ajudam estes agricultores, como o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), desmontado pelo atual governo de Jair Bolsonaro, a extinção, também neste governo, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). 

Para ajudar a enfrentar a crise gerada pela pandemia, o Ministério da Agricultura anunciou medidas emergenciais, como créditos especiais de R$ 20 mil por pessoa, porém com taxa de juros de 4,6%, maior do que a taxa básica Selic, atualmente de 2%. Também foram anunciadas medidas emergenciais no Plano Safra do Governo Federal: serão disponibilizados R$ 33 bilhões para a agricultura familiar, dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com reduções da taxa de juros referente ao plano 2019/2020. Ou seja, mudanças nas linhas de créditos já existentes com intuito de trazer mais benefícios ao produtor rural, gerando inovação em bio-produtos e em tecnologias diferenciais para os produtores.

Porém, em entrevista para o Brasil de Fato, o presidente da Contag, Aristides dos Santos, disse que o crédito é inviável para a maioria dos agricultores. “Você está dizendo que lançou o crédito, mas o trabalhador não vai acessar. Por dois motivos: um que o banco não vai fazer e, no que o banco topar fazer, o trabalhador vai ter dificuldade de pagar o juro maior. Se acessar, não parece tão emergencial assim, porque isso não é juro emergencial. Juro emergencial é juro zero, é rebate para incentivar o pagamento com adimplência. Isso é emergencial”, afirmou Santos. 

Em tempos em que o governo investe em alimentos ultraprocessados e libera cada vez mais o uso de agrotóxicos, a alimentação do brasileiro não para de piorar. Este problema se intensificou durante a pandemia, já que armazenar e distribuir alimentos ficou mais complicado, sobretudo para os pequenos produtores. É importante lembrar que muitos dos produtos agrícolas produzidos pelas famílias são orgânicos, ao contrário dos grandes agricultores. 

“Os produtos que temos em abundância, batata, macaxeira, mamão, banana e as frutas de época, estão se perdendo. A cajarana, a tamarina, nossas frutas da região, são frutas que temos nessa época e, como as escolas não estão recebendo, a gente perde porque não temos câmara fria para armazenar essas frutas. Não temos uma estrutura grande que dê conta de armazenar”, se queixou a agricultora conhecida como Neneide em entrevista para o Brasil de Fato

Foto da capa: Sergio Amaral.

Projeto proposto pelo governador foi entregue à Justiça sob a premissa de “modernizar” o estado, mas foi recebido com críticas
por
Julia Cachapuz
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24/09/2020 - 12h

Venho solicitar que a apreciação da propositura se faça em caráter de urgência”: é dessa forma que João Doria encaminha o documento responsável por descrever o novo projeto de lei 529/2020, para a Assembleia Legislativa, no dia 12 de agosto.

O novo PL do governo descreve em seu documento oficial a intenção de realizar mudanças fiscais no estado como um todo, afim de combater os abalos orçamentários causados pela pandemia do novo coronavírus – de acordo com pesquisas econômicas, a crise mais recente poderá provocar a pior recessão desde o pós-guerra, previsão delineada encima de um panorama onde o PIB brasileiro sofreu um tombo de 9,7% no segundo semestre de 2020. Sendo assim, João Doria formula em seu projeto medidas de reestruturação nas finanças de São Paulo, que, entretanto, não agradaram a população e muito menos os servidores públicos.

Por trás da fala de “modernizar o setor administrativo e tributário”, diversas críticas foram feitas à medida que o novo PL prevê a extinção de 10 autarquias, fundações e empresas estatais distintas, podendo deixar cerca de 5,6mil servidores do Estado desempregados.

Com os cortes brutais, João Doria intenta economizar R$ 8,8 bilhões do orçamento público, apoiado pelos dados apresentados pela Secretaria Estadual de Projetos, Orçamento e Gestão, que informaram uma perda significativa no setor econômico estimada em R$27 bilhões para os cofres paulistas durante a crise do Covid-19.

As previsões feitas para 2021, pelo governo paulista, por sua vez não são nada otimistas. A gestão afirmou no PL que, sem auxílio federal, o estado pode vir a enfrentar um déficit de R$ 10,4 bilhões no próximo ano. Dessa forma, Doria ressalta a necessidade de “remanejar” os investimentos aplicados em São Paulo. Serão impactadas pelo projeto a Fundação Parque Zoológico de São Paulo, a Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima (FURP), Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP), Instituto Florestal, Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (EMTU/SP), Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), Instituto de Medicina Social e Criminologia (IMESC) e Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (ITESP).

Desmonte do serviço público

Há no clamor urgente pela aprovação do PL 529/2020 uma forte especulação quanto às preferências do governo de Doria por privatizar boa parcela dos serviços estatais, mascarada pelos valores exorbitantes (e indiscutíveis, sim) expostos pelo gabinete paulista. Dessa forma, a frente opositora da chefia de estado apontou para o fato alarmante de que o novo projeto daria autonomia para o governador acabar com várias empresas estatais.

O PL 529/2020 prevê em seu registro oficial, por exemplo, a transferência da gestão de contratos de concessão do transporte metropolitano, do EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), para a Artesp (Agência de transporte do Estado de São Paulo) e, desse modo, a instituição deixará de existir.

Em muitos casos os críticos ao projeto consideraram o PL “confuso”, ou então sem grandes detalhes sobre o tramites legais que deverão ser realizados com a aprovação da nova lei de Doria. Durante uma grave crise sanitária, João Doria pretende excluir até 2021 algumas fundações médicas, como a Furp (Fundação do Remédio Popular), responsável por produzir medicamentos distribuídos gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde), e a Fosp (Fundação Onocentro de São Paulo), que analisa 1.200 exames de Papanicolau por dia e ao menos 700 próteses para pacientes de câncer na região da cabeça e pescoço. A extinção prevista é certeira, apesar de não detalhar absolutamente nada sobre a forma como esse processo seria feito, deixando os pacientes dependentes dos serviços de saúde elencados a ver navios.

O grande pacote de exoneração proposto por Doria pode ficar ainda mais complexo se analisado sobre a premissa de que o PL 529/2020 está caminhado pela Justiça de forma muito silenciosa, aproveitando-se de uma pandemia caótica – brilhante cortina de fumaça, onde a população está muito mais preocupada com o comportamento sociopata de Jair Bolsonaro perante a atual crise – para escorregar por uma aprovação que decidirá o futuro (incerto) de São Paulo. Afinal, como é possível considerar abolir centros de pesquisa, unidades médicas, serviços públicos de saúde e afins, em pleno estado de calamidade, quando mais precisamos de investimentos nessas áreas?

O governo diz “sim”

A chapa do PSDB sorri, entretanto, com a entrega do PL 529/2020 a Justiça. Ignorando diversas críticas negativas feitas principalmente pela esquerda brasileira, João Doria defendeu em ocasião taciturna seu novo pacote de incertezas, reafirmando e reforçando a necessidade do projeto escrito afim de promover um “equilíbrio nas finanças do estado”.

“Se não fizermos a reforma administrativa, a modernização administrativa aqui no estado de São Paulo, o ano que vem não teremos condições de honrar com a folha de pagamento e nem honrar com o s compromissos com os prestadores de serviços e com aqueles que têm contrato com o governo do estado”, argumentou durante um pronunciamento feito por vídeo conferência.

O vice-governador do estado de São Paulo, Rodrigo Garcia, declarou a matéria que vê avanço precursor vindo de São Paulo, caso o PL 529/2020 seja aprovado pela Assembleia Legislativa. Ainda celebrando a “modernização” de órgãos estatais, ele discorre sobre uma suposta garantia de garantir serviços de qualidade à população, mediante a execução do projeto.

“São Paulo sai na frente dos outros estados com uma proposta de modernização administrativa e tributária com objetivo de garantir os serviços de qualidade à população e pagar salários e aposentadorias. Todos os Estados enfrentarão problemas em 2021, o governador João Doria com coragem se antecipa. A pandemia, retração da atividade econômica e consequente queda da arrecadação atingem a todos indistintamente”, declara o vice-governador e secretário do governo, Rodrigo Garcia.

A previsão inicial da aprovação do Projeto de Lei, enfim, é afirmada pelo deputado PSDBista, Carlão Pignatari (líder do governo na Assembleia Legislativa), que afirma a efetivação do PL até o final de setembro deste ano.

Falta de quórum

O PL 529/2020, apesar de estar desde os primórdios de sua criação causando polêmicas e conturbações, ainda não conseguiu ser aprovado pela Assembleia Legislativa, tendo enfrentado sua quarta rejeição consecutiva nesta quinta-feira, 01/10. De acordo com informações divulgadas pelo Rede Brasil Atual, o total de 22 parlamentares presentes na sessão do órgão foi insuficiente para que a presidência da agremiação convocasse um encontro extraordinário.

Em sua penúltima sessão excepcional na Assembleia, que ocorreu na última quarta-feira, 30/9, o projeto de lei teve a votação frustrada por não conseguir reunir todos os 48 nomes favoráveis a proposta.

Enfrentando grande resistência da oposição, o presidente da Assembleia Legislativa, Cauê Macris (PSDB-SP), que tem se mostrado favorável à aprovação do projeto tucano, ainda pode vir a convocar outras sessões durante a sexta-feira, 02.

 

Baixa remuneração é apenas uma das tantas reclamações de Aline, retrato de uma das categorias mais exigidas na pandemia
por
Giulia Pezarim de Angelo
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24/09/2020 - 12h

De maneira geral, grandes jornais seguem dois critérios para definir o que é notícia de primeira página: o da relevância e o das épocas do ano. O primeiro é introduzido já nas primeiras aulas de qualquer estudante da área, e depende de variáveis como a importância dos personagens envolvidos, ineditismo, ou tamanho do impacto do fato na vida da população. O segundo critério não necessariamente será manchete sempre, mas guiará as reuniões de pauta em determinados momentos temporais.

Sendo assim, pode-se dizer que a relevância é influenciada pela época. Mas o contrário também é verdadeiro: mesmo em temporadas de chuva, um temporal isolado não é necessariamente importante o suficiente para estar em destaque no jornal das sete. Entretanto, se esse temporal paralisar as principais avenidas de uma metrópole, certamente terá uma cobertura completa.

A história contada hoje não envolve personagens conhecidos; tampouco é inédita, e seu impacto provavelmente não será percebido por boa parte da população. Ela se passa em setembro de 2020, mês tradicionalmente marcado por campanhas sobre saúde mental, num ano marcado por uma pandemia.

Como toda grande crise humanitária, quando o coronavírus explode ao redor do globo, traz como efeito a exposição de feridas abertas na sociedade. E, assim, o tema dos trabalhadores de “linha de frente” –  como os entregadores de aplicativos – e seus direitos ganhou destaque nas principais redações jornalísticas: em maio, uma onda de protestos contra as condições precárias de trabalho em empresas do setor – em destaque IFood e Rappi – já ganhava força nas principais capitais brasileiras

Mas questões trabalhistas estão longe de ser uma novidade no Brasil, e seus verdadeiros protagonistas dificilmente serão considerados relevantes por muito tempo. Dessa maneira, pautas como as condições de trabalho nos apps de delivery – que, com a pandemia, se tornaram fundamentais para o funcionamento das grandes cidades – não são mais tão realçadas agora, no segundo semestre do ano.

A problemática que se discutia em maio, porém, continua viva para muitas pessoas. Uma delas é Aline: com 23 anos é mãe, divorciada, mototáxi e entregadora de aplicativos.

Aline mora com sua filha em Campo Largo (SP), na divisa entre Atibaia e Jaribu. Elas vivem a 15 quilômetros de distância do centro de sua cidade, em uma casa recém-construída que a moça mostra com orgulho num pequeno tour em vídeo.

O passeio começa no quarto das duas, marcado pela cor rosa dos brinquedos e da cama da menina de 5 anos (que mais tarde faz uma sorridente aparição). “Só não repara que tá uma bagunça”, diz a mãe. Caminhando por um corredor de paredes ainda não pintadas, a entregadora fala da falta de azulejos – a qual pretende resolver em breve – no banheiro e na cozinha. “Cozinha americana. Eu fiz pequenininha, que eu não gosto de ninguém no espaço.” Ao lado do micro-ondas, repousa o seu capacete de moto.

A sala ainda não tem muitos móveis: por enquanto, ganha destaque no espaço a sua mochila de entregas. Mas Aline, entre muitas falas da filha pequena, conta com empolgação  um pouco dos seus planos para o cômodo – tornando difícil não torcer por um futuro onde sua casa e vida sejam menos marcadas por suas condições de trabalho nos aplicativos.

Chegar lá, porém, não está sendo uma tarefa fácil: antes da pandemia, a jovem mãe trabalhava em uma empresa de transportes. Sua rotina era deixar a filha na escola (de período integral) todos os dias e ir trabalhar, encarando os apps apenas como um complemento de renda aos finais de semana. Hoje, não tendo mais o emprego anterior, depende inteiramente de trabalhos como o delivery para sustentar a filha, que não está tendo aulas. “Minha família é da zona leste de São Paulo e eu sou sozinha aqui com a minha pequena, então tá tudo bem difícil.” Aline conta que depende da ajuda de conhecidos para poder trabalhar. “Às oito da manhã deixo ela com uma amiga e vou para o táxi; dou umas escapadinhas durante o dia para visitar e no fim da tarde voltamos juntas para casa.”

O trabalho nos aplicativos parece girar em torno de promoções, que para a entrevistada exigem um deslocamento até a cidade São Paulo. “Às vezes fico aqui, e trabalho o dia todo no táxi, às vezes desço para São Paulo e faço os apps.” Normalmente, isso acontece aos finais de semana, que segundo Aline fazem toda diferença para o entregador. “O aplicativo dá preferência para quem trabalha direto”, conta. “Se você não trabalhar no domingo, principalmente na Rappi, não soma pontuação, e entra na segunda-feira  com zero ponto, daí fecham todas as áreas com demanda para você.” Ela compartilha uma frustração recorrente: “Esses dias anunciaram vinte reais a mais por frete. Larguei tudo que estava fazendo e desci para São Paulo, mas quando cheguei lá as áreas estavam fechadas para mim”.

Durante a produção desta matéria, a Rappi Brasil era acusada de calote por um grupo de entregadores. O caso foi divulgado pelo portal “Treta no Trampo”, no Twitter: “Dos dias 04 a 06 de setembro, a @rappibrasil lançou uma promoção: faça 8 entregas e receba R$ 110,00 extra. Geral foi para rua trabalhar, mas poucos dias depois a empresa vem [e] diz que cometeu um erro e não vai pagar a promoção”. Quando procurada para um posicionamento, a empresa não deu retorno.

Notícias como essa mostram que, para entregadores como Aline, a situação de trabalho apresentada em maio continua; a entrevistada comenta: “Apesar de alguns falarem que [a situação] melhorou, eu acho que continua péssima. Muito motoboy na rua, todo mês uma novela para receber”. “A gente ainda precisa fazer a manutenção da moto e pagar gasolina." Apesar de apoiar as manifestações dos entregadores, como mãe, ela evita sair para protestar: “Os meninos sempre discutem esses assuntos, eu tenho medo de ir pela bagunça, mas apoio. É uma causa para todo mundo, se tem greve eu não saio para trabalhar”. Seu medo não parece tão incompreensível ao considerar que, em julho de 2020, um vídeo mostrava policiais militares sufocando um entregador em Pinheiros.

Considerando o período de “Setembro Amarelo”, Aline fala de saúde. Ela comenta sobre preocupações, esgotamento, e acima de tudo uma grande sensação de incerteza: “Estou fazendo algo que odeio, ganhando menos da metade do que eu ganhava, preocupada com a minha filha e na dúvida dela estar sendo bem cuidada ou não, desanimada com a casa que não consigo terminar…”. A entregadora conta  ter duras crises de ansiedade. Apesar de tudo, segue otimista: “Estamos na luta, desistir nunca. Tenho fé que ano que vem tudo vai melhorar”.

No plano geral brasileiro, histórias como a de Aline certamente não são inéditas, e passam despercebidas nos algoritmos dos aplicativos ou rapidamente perdem relevância nos grandes jornais. Para muita gente , seu trabalho, considerado na pandemia como “serviço essencial”, dificilmente significará mais do que uma breve interação nas portarias e portões residenciais. E, para o jornalismo brasileiro, talvez funcione como uma tempestade isolada na temporada de chuva: por mais intensa que seja, só será uma notícia quente quando sair do micro e realmente ter impactos visíveis na rotina do cidadão comum.

Aumento da jornada, crise econômica e medo de contágio geram mais ansiedade em trabalhadores
por
Bruna Galati
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24/09/2020 - 12h

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) constatou que o Brasil possui 18,6 milhões de pessoas com ansiedade, representando 9,3% da população e sendo o país com maior índice de pessoas ansiosas. Embora a maior causa de afastamento do trabalho ainda seja pelo adoecimento do músculo esquelético, as doenças mentais entram em seguida, ocupando o segundo lugar. Os casos só aumentam ao longo dos anos, sendo talvez resultado das jornadas exaustivas e alto rigor do mercado de trabalho na hora da contratação. 

Em 2020, tudo se agravou com a chegada da pandemia de Covid-19 e, junto com ela, a necessidade do isolamento social. Ninguém esperava passar por um distanciamento que durasse tanto tempo e a falta do convívio entre as pessoas gerou avanço nos transtornos mentais.

De acordo com a pesquisa realizada pela Área de Inteligência de Mercado do Grupo Abril, em parceria com a MindMiners, 47% dos entrevistados sentem dificuldade para descansar e 23% não estão mais  conseguindo dormir bem. Isso pode ser resultado das diversas preocupações que surgiram com a pandemia, como o medo de contágio de Covid-19 pelos familiares, a angústia com os cortes nas empresas, em razão da crise econômica atual, e o estresse para aqueles que estão cuidando do trabalho dos que foram demitidos no corte de funcionários. 

É o que ocorre com Thayna Zattar, engenheira mecânica de 24 anos. Antes da pandemia do novo coronavírus, atuou por seis meses em auditoria. No início do isolamento, foi demitida com a justificativa de que muitos clientes da empresa tinham cancelado os projetos da sua área, portanto não teriam como manter os funcionários. "Devido à perda do emprego, eu percebi que tive um aumento na minha ansiedade, principalmente por conta do atual cenário onde várias pessoas também perderam seus empregos. Não está sendo fácil dormir e relaxar", afirma. 

Thayna acredita que a consequência disso é uma concorrência maior no mercado de trabalho, gerando uma disputa acirrada. A exigência do mercado está cada vez maior, mesmo que seja para uma vaga de nível júnior. Um dos pré-requisitos é experiência de dois a três anos e conhecimentos específicos avançados. Não é por acaso que a cada ano surgem 160 milhões de novos casos de doenças relacionadas ao trabalho, conforme dados da Previdência Social relativos a 2017. 

Conforme a pesquisa do Grupo Abril, 54% das pessoas estão extremamente preocupadas com a situação atual do avanço da doença e 76% se preocupam com a superlotação dos hospitais. É o caso de Natália Barbosa, advogada de 25 anos, que continuou trabalhando presencialmente, já que sua  empresa não aderiu ao isolamento social e não permitiu o home office para os funcionários. Ela acabou pegando Covid-19 e transmitindo para os seus pais, já em idade mais avançada. 

"Nesse período, senti novos sintomas, como síndrome do pânico, junto com as crises de ansiedade e episódios depressivos que eu já tinha anteriormente", afirma Natália. Hoje, já curada e com os pais bem, continua trabalhando presencialmente e se cuidando com um psicólogo. De acordo com o Jornal do Campus, na semana de 29 de março a 4 de abril de 2020, as pesquisas no Google por atendimento psicológico aumentaram 88% e para o serviço online, 41%. 

O programa Mentalize foi criado pelo Ministério da Saúde com o objetivo de reforçar a necessidade do cuidado com a saúde mental e precaver o avanço de doenças mentais nesse momento delicado que estamos vivendo. O Ministério ofereceu materiais e atividades para reforçar que é necessário dar enfoque para isso e buscar avaliações médicas caso sinta algo diferente em relação à saúde mental. 

O canal do Youtube do Ministério transmitiu algumas lives com psicólogos e psiquiatras para falar sobre o assunto. Os grupos de enfoque eram crianças, idosos e trabalhadores. Mas, antes disso, o Ministério fez um questionário online para a população responder, com o objetivo de mediar o avanço da depressão, ansiedade e estresse, para também exercer um programa melhor e mais estruturado para as necessidades dos brasileiros.

Ana Oliveira, professora de 23 anos, é mais uma que percebeu um avanço de exaustão e falta de tempo durante a pandemia. No início de tudo, as quatro escolas em que trabalhava cancelaram seu contrato. Com a necessidade de renda, Ana optou por trabalhar para sua tia, tornando-se babá de uma criança de 5 meses e outra de 7 anos. Ela "se mudou" para a casa deles, evitando pegar transportes públicos. 

"Quando aceitei ser babá estava tudo indo bem, mas no decorrer dos dias duas escolas pediram pra eu retornar. Como precisava de dinheiro extra, aceitei." Mas isso começou a consumir grande parte do tempo de Ana. "De segunda a sexta fico na casa das crianças, me restando apenas o fim de semana para preparar e gravar as quatro aulas de inglês. Com tanta coisa acontecendo, deixei de ter um tempo só meu e quando tenho pausas acabo limpando meu quarto", afirma. 

Em 2018, o INSS concedeu 8.015 licenças para o tratamento de transtornos mentais e comportamentais adquiridos no ambiente de trabalho. Uma pesquisa feita em 2019 pela Talenses, empresa de recrutamento, relata que 44% dos trabalhadores brasileiros já sofreram de burnout (transtorno depressivo, gerado pelo esgotamento físico e mental).  

Para evitar ao máximo o avanço dos transtornos mentais durante a pandemia, a OMS divulgou um guia chamado "Cuidados para saúde mental durante a pandemia". Uma das recomendações é fazer pausas e descansar entre os turnos de trabalho ou até mesmo tirar um momento para relaxar dentro do expediente. 

Também não esquecer de prestar atenção na alimentação, já que passamos mais tempo em casa e não recusamos algumas bolachinhas, bolos ou pão, e manter o exercício físico e o contato com a família e amigos da maneira que for possível. E, é claro, evitar o uso de tabaco, álcool ou outras drogas para lidar com o estresse. Elas trazem uma ilusão passageira e, a longo prazo, diminuem o bem-estar físico e mental.

Projeto vem sendo discutido desde o ano passado, mas Covid e eleições complicam execução
por
Francisco Vóvio Segall
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22/09/2020 - 12h

O governo Bolsonaro tem, desde as eleições, a defesa às privatizações como grande modelo econômico para o Brasil. Inclusive com o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometendo que ocorrerão pelo menos “três ou quatro grandes privatizações” até o fim de 2020. 

Uma delas provavelmente seria a da Eletrobrás, empresa nacional de eletricidade. Porém, é necessária a aprovação do Congresso e Senado, com os quais Bolsonaro não cultiva uma boa relação, tendo discutido por meio da imprensa com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, mais de uma vez. Esse desgaste com a Câmara pode dificultar a evolução dessa proposta. Como mostra publicação do Jota, o apoio ao governo Bolsonaro na Câmara caiu cerca de 10 pontos em relação a 2019.  Durante o ano de 2020 esse projeto foi muito discutido, mas, a contragosto da Presidência, no mês de agosto Maia declarou que a privatização da Eletrobrás não iria ocorrer este ano. Outro impeditivo seria a situação de pandemia.

Entretanto, no dia 24/08, a Reuters divulgou que o governo tentava manobrar essa situação, com um acordo para que a tramitação do projeto começasse no Senado em vez da Câmara, o que adiantaria o processo. É importante frisar que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, é do Democratas, mesmo partido de Rodrigo Maia. Em entrevista dada ao UOL,  o senador Eduardo Braga (MDB-AM), que participou de uma reunião no Ministério de Minas e Energia no fim de agosto,  disse:  "O que estamos propondo é criar um mecanismo que vai ter recursos, que vai ter investimento, vai baixar tarifa... e vai gerar de R$ 15  a R$ 20 bilhões  para o Tesouro Nacional". O senador declarou que não acreditava que haveria resistência ao projeto por parte dos senadores.

Entretanto, para surpresa do senador, a movimentação nos bastidores gerou descontentamento entre os parlamentares, de acordo com matéria do Valor Econômico. Existem pontos do texto que ainda desagradam parlamentares.

A perspectiva de privatização da Eletrobrás este ano se torna cada vez mais  improvável, ainda mais com a chegada das eleições municipais, que foram adiadas de outubro para novembro. Apesar dos deslizes no meio do caminho, a perspectiva de que a  privatização da estatal de energia aconteça em 2021 são bastante reais. O próprio Rodrigo Maia se declarou a favor da efetivação do projeto.

Existem também questões constitucionais e acordos internacionais que complicam o projeto de privatização, envolvendo as usinas termonucleares de Angra dos Reis e a hidrelétrica de Itaipu. Para que fosse possível privatizar a Eletrobrás, o governo já reservou cerca de R$ 4 bilhões  para a criação de uma estatal que comandaria as usinas de Angra e Itaipu. Parece contraditório que seja necessária a criação de uma nova estatal para que outra seja privatizada, mas a Constituição brasileira proíbe que energia nuclear seja explorada por empresas privadas. Em relação a Itaipu, o acordo internacional com o Paraguai obriga que seja uma empresa em poder da União a controlar a usina.

Outro ponto dessa proposta é que parte desses R$ 4 bilhões seja usada para a finalização da Usina de Angra 3, cujas obras  estão paralisadas desde 2015. Também existe interesse dos Estados Unidos e da China em financiar parte da construção da usina. Russos e franceses também têm interesse em participar do negócio. Pelo alinhamento do governo Bolsonaro aos Estados Unidos e ao presidente Donald Trump, técnicos do Ministério de Minas e Energia procuram colocar entraves para a participação chinesa no empreendimento, de acordo com reportagem da Folha de S. Paulo publicada em  19 de agosto. A expectativa é que o custo de construção de Angra 3 chegue no valor de R$ 17 bilhões. Um fator importante para o financiamento desse projeto é o fato de que as dívidas de Itaipu vencem em 2023, o que também ajudaria a acumular capital para o empreendimento.

Um ponto a ser levado em conta ao discutir a privatização do setor de energia é o fato de vários países pensarem nesse setor como estratégico, garantindo que boa parte do mercado nacional seja abastecido pelas estatais. Entre os  países que compõem o Brics, por exemplo, China, Rússia e Índia têm a área de  energia com forte presença estatal. Para além desses, França e Coreia do Sul também têm estatais do setor com muita presença no mercado.