A alta dos preços dos alimentos da cesta básica assustou o brasileiro enquanto o arroz, que aumentou 120% nos últimos 12 meses, virou meme na internet. Segundo o economista Rafael Moraes, que atua na área de inteligência no mercado, o principal fator para o aumento dos preços é a valorização do dólar, que nos últimos seis meses, chegou a 40%. Como ele explica o arroz, a soja, os minérios e outros produtos que são negociados em dólares nos mercados internacionais. O aumento dessa taxa de câmbio incentiva que o produtor exporte ao invés de vender sua produção no mercado nacional. O incentivo acontece porque ao vender em dólar, e depois converter o valor em reais, o valor final é maior.
O economista aponta que alguns alimentos são negociados em dólar nos mercados internacionais e, portanto, os preços nacionais são afetados pela movimentação cambial e pelo patamar da relação entre o dólar e o real. Ele ainda cita o óleo de soja, usado na cozinha, como um produto que passou por esse mesmo padrão: um excesso de exportação obrigou o país a importar soja para suprir a demanda interna por óleo de soja o que refletiu no aumento do preço nos supermercados.
colheita de arroz em Forquilhinha, Santa Catarina - Foto: Aires Mariga/Divulgação
Não existem restrições para a comercialização internacional (exportação) dos alimentos brasileiros e isso pode levar ao desencontro entre a demanda e a oferta de comida empurrando os preços para o alto. Existe um processo de liberalização dos mercados brasileiros, como aponta o economista, a extinção das políticas de constituição de estoques estratégicos de alimentos são exemplo disso. Moraes ressalta que a prática, de manter reservas estratégicas, é comum no mercado que mais acompanha, o de combustíveis, além de outros setores. Entretanto existem outras formas de proteger o país contra a falta de alimento, uma delas é por meio das vias de produção.
foto da horta mandala, publicada pela conta oficial do MST no Twitter
Entrevistamos dois estudantes da Unicamp que desenvolvem um projeto de saneamento no acampamento Mariele Vive! em Valinhos no interior de São Paulo. Igor Tadeu e Ana Luiza Mororó se juntaram para fazer o projeto final do curso de engenharia química na ocupação do MST; o objetivo é entregar o planejamento da instalação de um biodigestor. O acampamento possui uma horta coletiva, em formato de mandala, que produz alimentos orgânicos usados na cozinha comunitária e nas cestas de orgânicos vendidas para conhecidos dos acampantes. A produção no acampamento Mariele Vive! é pequena em comparação com os volumes totais produzidos pelo MST no Brasil mas é possível enxergar as principais diferenças na produção dentro do assentamento e nas grandes empresas agrárias da região sudeste. A gestão e a produção da Horta Mandala é dividida entre os moradores assim como é em todos os acampamentos do MST.
Nos últimos anos, a produção de orgânicos quebrou recordes de safra entretanto apenas um quinto da população consuma produtos orgânicos regularmente, e o MST é líder na produção de arroz orgânico desde 2017 impulsionando o crescimento. Aos poucos os produtos orgânicos foram introduzidos nas franquias de supermercado, em uma sessão separada, e são uma opção mais saudável, devido a ausência de agrotóxicos.
A expressão mais recente da crise, os aumentos expressivos no preço do arroz, está relacionada com um sistema de negócios voltado à exportação, dependente das flutuações de mercado externo e da falta de uma política pública de segurança alimentar, como as reservas estratégicas, nos modelos que o CONAB adotou até 2016 como nos informa o economista Rafael Morais. Uma das soluções propostas, além da retomada da política de reservas estratégicas de alimentos, seria a restrição às exportações porém Morais já se diz surpreso com ação do governo de isentar a importação de arroz. Os pequenos agricultores, em geral produtores orgânicos, já comercializaram suas safras e mesmo com a alta do câmbio pressionando para que ele aumente seus preços, eles permanecem o mesmo garantindo que uma onda especulativa do mercado não retire por completo o alimento do prato dos brasileiros. A discussão de segurança alimentar perpassa pela qualidade do alimento, sua produção e pela sua acessibilidade, portanto, organizações regionais, voltadas para o consumo interno, focadas na produção local de alimentos são alternativas que já existem, como o acampamento Mariele Vive!, e podem ser fortes aliados no combate a fome e na criação de condições para o bem estar, qualidade de vida e a saúde da população brasileira.
O economista e empresário do ramo têxtil Ronaldo Camara, acredita que o plano econômico do atual ministro da economia Paulo Guedes já vinha dando sinais de que não funcionaria antes do atual contexto de pandemia “Este plano econômico já não teria êxito antes mesmo da pandemia.”. Para ele isso deve-se, antes de tudo, a visão de dualidade que as sociedades estão exercendo sobre os mais diversos assuntos, que acabam incluindo as pautas econômicas.
Percebe-se que os países ricos usam do protecionismo e capitalismo para se desenvolver e ganhar dinheiro, Camara menciona um estudo feito pela Associação Brasileira das Indústrias Têxteis (Abit) há 10 anos, que encontrou na China, uma política econômica subsidiada fortemente pelo governo. Ela oferece ao produtor local 27 mecanismos de subsídio “Um deles, que melhor ilustra a condição artificial é o de um tecido específico que vendido no mercado interno custava U$ 5,00 para o consumidor chinês, mas se exportado o comprador pagaria apenas U$ 3,50. A diferença de U$1,50 é paga pelo governo diretamente ao produtor”.
A essência deste exemplo para Camara é de que o mercado aberto, desregulado e liberal é ótimo para quem exporta, e exterminador para quem compra. Somente com a ajuda do Estado você pode desenvolver alguns pólos industriais e proteger o mercado interno. Assim, com a indústria consolidada procura-se a abertura de mercado, mas aí na condição de vendedor e não comprador.
O economista ainda explica, que a escada do desenvolvimento passa pelo emprego na indústria que pode transformar matéria prima em produto acabado alimentando uma cadeia e trazendo tecnologia da produção para dentro do país, ao invés de vender commodities e comprar industrializados. E na sequência fomentar o mercado de consumo, mas com boa participação de produtos nacionais.“Caso contrário, estamos fadados a ser um grande Shopping Center’’.
Por outro lado a assistente social da Secretaria Municipal da Habitação de São Paulo e professora universitária Suelma de Deus,vislumbra um cenário com muitas dificuldades para a população de baixa renda, já que os planos econômicos atingem a classe trabalhadora que sempre é convocada a “apertar o cinto” em função da inflação, juros altos e desemprego.
Para ela a pandemia ajudou a desvendar a realidade antiga do país, de desigualdade social aguda e um sistema econômico desestabilizado. Ela aponta que um pós pandemia não será tão diferente do que já estamos vivendo.O desemprego, a exploração de mão de obra, os baixos salários e as lutas de pretos e pardos, da sociedade lgbtq+, população indígena e as mulheres contra discriminação de raça e gênero continuaram.
“Os planos econômicos neoliberais, geralmente, pioram a realidade dessa parcela da população”.
A assistente social acha fundamental que todos percebam a importância das políticas públicas para toda a população, principalmente aqueles de baixa renda “Acredito que no pós pandemia essas ações se fortalecerão cada vez mais porque elas fazem parte do projeto neoliberal, as ações são realizadas por iniciativa privada e sociedade civil sem a presença direta do poder público”.
Ao contrário da visão da docente, o profissional liberal Agostinho Baltazar Junior vislumbra um cenário positivo para o plano. Ele acredita que o ministro usará de quatro pilares para efetivar o plano e reativar o mercado pós pandemia.
Em sua visão, a retomada de obras públicas ajudará a gerar empregos, a manutenção do auxílio emergencial, que promove renda ajudará a retomar os negócios, principalmente no varejo. O corte nas despesas do governo, tornará a máquina pública mais eficiente e transmite a mensagem de comprometimento com o plano. E por último as privatizações que trarão recursos.
Em geral o plano segue trazendo incertezas e expectativas em toda sociedade, de um lado acreditam na eficácia do neoliberalismo para o país, demonstrando a exibição de um viés político em apoio ao ministro Paulo Guedes. Do outro lado em oposição, e que pode-se chamar de um alinhamento político mais socialista onde exige-se a aplicação de políticas públicas que garantam mais direitos aos cidadãos subsidiados pelo Estado. Ninguém sabe exatamente para onde caminha a economia brasileira.
O trabalho dos sepultadores (também conhecidos como coveiros) tem se expandido desde que o surto do coronavírus tomou conta do país. Antes pouco mencionado, o serviço prestado por eles hoje está em evidência. Estudos realizados recentemente estimam que esses profissionais recebam salário de R$ 1.000 a R$ 1.500, incluindo adicional de insalubridade.
Com muitas mortes em decorrência deste novo vírus, diversos cemitérios foram obrigados a não realizar velórios e dobraram o trabalho dos coveiros, que enterram muitas vezes o triplo de pessoas que seriam enterradas em um dia “normal”. Este cenário expôs à sociedade estes profissionais, que geralmente não são bem vistos.
A psicóloga Stéfany Cruz realizou um estudo sobre esta categoria profissional. “O que eles mais reclamaram foi da questão da invisibilidade social, o salário baixo, o preconceito por lidar com a morte, o adoecimento mental e o alcoolismo. Relataram também que não tinham segurança dentro dos cemitérios, com alguns episódios de violência, e a falta de equipamentos de segurança”, comentou Stéfany em entrevista à Agemt.
Para o ingresso na profissão, não é necessário ter o ensino médio completo. A maioria dos profissionais possui apenas o ensino fundamental incompleto. O principal motivo da adesão seria para obter uma fonte de renda, embora a adesão fosse baixa.
Em tempos de pandemia, alguns cemitérios, como o da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, considerado o maior da América Latina, estão fazendo um enterro a cada 24 minutos, sobrecarregando o trabalho dos sepultadores. Existem poucas mulheres na função. A idade média desses profissionais está entre os 33 e os 59 anos de idade.
Outro fator interessante apontado por Stéfany é a necessidade de vigor físico para a execução dos serviços. Os trabalhadores são acometidos por muitos acidentes de trabalho e doença. “O que pude perceber claramente foi a questão do alcoolismo e de doenças na coluna, devido ao peso dos caixões e esforço físico na abertura das covas, e também no fechamento delas. Houve casos de exumação de corpos em que eles não tinham máscaras de oxigênio, somente as básicas, que protegem boca e nariz, mas não inibem o odor. O cheiro era muito forte e um dos mais difíceis de suportar”, emendou.
Vista como uma profissão com baixa visibilidade social, os seus adeptos já relataram para diversos jornais o fato de serem invisíveis para a maioria das pessoas. Este quadro teve uma relativa melhora nesse tempo de pandemia, pois, de certa forma, os olhos da população foram voltados para este tipo de serviço.
Há uma grande necessidade, como dito por Stéfany, de se ter força física. O trabalho é exaustivo e geralmente exposto ao calor. Estas características, somadas à baixa remuneração e aos estigmas que sofrem, fazem com que muitos desistam da profissão em apenas uma semana ou um mês de trabalho, por medo ou preconceito, algo incomum em outros serviços.
Nas redes sociais têm circulado diversas fotos que mostram que a demanda por sepultadores subiu de forma elevada. Em algumas cidades, inclusive, há imagens de caixões empilhados e nenhuma pessoa presente para uma “despedida”, tornando a profissão de certa forma “melancólica” para aqueles encarregados de enterrar os mortos.
O que Stéfany ressalta de importante é o desejo de mais qualidade no trabalho manifestado pelos sepultadores: “Todos com os quais tive contato desejam apenas uma remuneração maior, mais respeito por parte das pessoas, mais segurança no trabalho e mais condições de trabalho 'dignas', pois acreditam que são invisíveis em todos os sentidos”, completa.
Talvez se possa ver em algum futuro próximo uma outra percepção destes profissionais, pois a pandemia terá “efeitos colaterais” em diversas áreas de atuação e do conhecimento, fazendo com que algumas ocupações possam ser pensadas, e, no caso dos sepultadores, que os cemitérios e crematórios ofereçam as condições de trabalho que eles desejam.
O desalento é um fenômeno que atinge cada vez mais pessoas no mercado de trabalho brasileiro. Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) com dados da Pnad Contínua (IBGE) mostra que o número de desalentados passou de cerca de 2 milhões em 2012 para cerca de 4,9 milhões ao final de 2019, um aumento de quase 153%. Para este ano, as perspectivas são ainda mais pessimistas. A última pesquisa do IBGE, que avalia dados do trimestre encerrado em abril de 2020, mostra como a pandemia da Covid-19 está intensificando os problemas já existentes na dinâmica de empregos da economia brasileira e vai piorar ainda mais esse indicador.
O IBGE apontou que o contingente de pessoas desalentadas foi estimado em aproximadamente 5 milhões no trimestre de fevereiro a abril de 2020, o maior patamar da série histórica. Essa estimativa apresentou aumento de 7% em relação ao trimestre anterior (novembro de 2019 a janeiro de 2020), o equivalente a 328 mil pessoas que estão fora da força de trabalho. Ou seja, não estão empregadas e nem tomaram providências efetivas para conseguir emprego. Segundo a pesquisa do IBGE, entre as razões apontadas pelos desalentados para desistir de procurar um emprego estão a falta de trabalho adequado, a crença de falta de experiência ou qualificação necessária, idade ou a convicção de falta de trabalho na localidade em que residem.
Entre os anos de 2014 a 2016, o Brasil enfrentou um longo período de recessão, com perda acumulada de 8,2% do PIB, de acordo com dados do Comitê de Datação de Ciclos Econômico (Codace). O mercado de trabalho continuou em condições ruins mesmo após o fim da recessão, tendo a taxa de desemprego começado a cair moderadamente só a partir do segundo trimestre de 2019. Uma das consequências desta perda de dinamismo na economia é o aumento do número de pessoas desalentadas. “Alguns especialistas estimam que, mesmo sem a pandemia, poderíamos ter que chegar até 2024 para voltar ao patamar de antes da crise, ou seja, 2014. Com a pandemia, a crise dos empregos vai se alastrar muito mais”, afirma Marcos Henrique do Espírito Santo, professor de economia da FMU.
Uma pesquisa feita pelo Ibre/FGV aponta que, historicamente, os desalentados são majoritariamente jovens, mulheres, de cor preta ou parda e com baixa escolaridade. Marcos Henrique explica que tal indicador tem piorado ainda mais com o isolamento social porque o Brasil tem cerca de metade da População Econômica Ativa (PEA) trabalhando na informalidade. Em tempos de pandemia, esses trabalhadores autônomos não têm condições de trabalhar e paralisam suas atividades. Já os assalariados são demitidos, aumentando a taxa de desemprego. Muitos que vão para o desemprego não procuram outras oportunidades ativamente, justamente por causa da crise econômica como a que o Brasil vive.
“O fato de sermos muito informais faz com que boa parte da população sofra com o isolamento. O vírus não escolhe classe social. Mas as condições no mercado de trabalho pioradas depois da Reforma Trabalhista de 2017, que reduziu os custos do trabalho para aumentar a taxa de lucro dos empresários, precarizam ainda mais a classe dos trabalhadores. Sobretudo com a autorização da terceirização, que resulta em muitos deles sem CLT e sem proteção social. São todos problemas estruturais piorados em função do isolamento”, analisa o professor. Além disso, muitas das micro e pequenas empresas vão ter que fechar as portas, com cerca de 90% dos postos de trabalho dessas empresas ficando inativos.
Clemente Ganz Lúcio, coordenador técnico do Departamento Sindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), aponta ainda mais problemas revelados pelo indicador. “O desalento mede a qualidade de uma economia na dinâmica do mercado de trabalho. O Brasil expressa um contingente elevado de pessoas que declararam precisar de um trabalho mas não têm perspectiva de obtê-lo, indicando a baixa qualidade expressiva do mercado”, afirma. Segundo ele, há um descompasso estrutural entre as necessidades do trabalhador de financiar seu orçamento para manter as despesas e a inoperância do mercado em dar condições para que ele atinja esses objetivos. “Portanto, é um indicador de desistência das pessoas em relação a sua economia, que é incapaz de gerar a quantidade de postos de trabalho suficientes em condições que as pessoas precisam para trabalhar”, completa.
As sequelas da recessão econômica dos últimos anos agora se atrelam à política neoliberal de Paulo Guedes para conter a crise da pandemia. A combinação levará à elevação do desemprego, e consequentemente, a um aumento ainda maior do desalento. Segundo especialistas, a taxa de desemprego para 2020 deve variar entre 14% e 17% – o que significa atingir cerca de um terço da população de pessoas desocupadas e subutilizadas. Marcos Henrique aponta para um cenário de grande estagnação econômica nos próximos anos. Ele afirma que a política liberal de privatização das empresas nacionais e a confiança de investimento por parte dos empresários do setor privado não são medidas palpáveis para conter a crise. “Se o governo corta gastos, não existe previsão de demanda da população porque há alto desemprego. Logo, o setor privado também não vai produzir. É uma dinâmica perversa.”
Clemente Ganz Lúcio enxerga um aumento na tensão social brasileira, já que o atual governo não prevê instrumentos de proteção social para auxiliar pessoas com baixa renda nem para se manter, nem para procurar emprego. Seja no custo de investimento necessário para buscar vagas ou nos aparatos psicossociais para manusear a desesperança de conseguir um emprego. Com isso, o efeito da crise para o mercado de trabalho será dramático e de longa duração. “O risco apresentado de depressão econômica, para os desalentados, é uma situação sem saída no curto e médio prazo. É necessária outra dinâmica de política econômica, que ainda leva tempo”, afirma Clemente.
Marcos Henrique do Espírito Santo também ressalta a urgência de mudanças e aceleração de medidas de contenção de crise vindas do governo federal. “O Estado tem que criar políticas públicas e aumentar de fato a dívida para sustentar as pessoas, evitando que elas morram em primeiro lugar. O debate é sobre como criar renda mínima.” O professor propõe um investimento público a longo prazo por parte do governo federal para recuperar a infraestrutura das indústrias, que reúnem bons empregos com remuneração adequada para prover postos formais com carteira assinada para os trabalhadores.
A oferta de empregos de interesse público, gerados pelos governos estaduais, pode ser uma saída para a crise, segundo Clemente. Desde apoio à saúde, retomada de obras e organização do espaço urbano, por exemplo. Essas inúmeras atividades podem ser financiadas diretamente pelo Estado, que ao contratar pessoas estará injetando dinheiro na economia e incentivando o consumo. É o ponto de partida para que as empresas privadas venham de forma complementar à geração de emprego. Só assim o governo se retira gradativamente para que a economia do mercado volte a girar. Clemente ressalta, no entanto, que essas medidas não podem ser feitas sem proteção social e sindical. Caso contrário, as taxas de desemprego podem diminuir mas acarretarão uma estrutura de mercado de trabalho precária, com menos renda e mais insegurança. “Socialmente injusto e inadequado”, finaliza o coordenador.
Os conceitos de progresso e meio ambiente sempre foram antagônicos no Brasil. O meio ambiente nunca contou com políticas ambientais fortes de proteção e que ao mesmo tempo englobassem desenvolvimento social ou econômico. O ano de 2019 foi marcado por diversas tragédias, como Brumadinho e o derramamento de óleo nas praias nordestinas, reflexo de omissão na resposta e no controle das autoridades. O discurso do presidente Jair Bolsonaro provocou o congelamento de apoio de países estrangeiros, principalmente em órgãos como Ibama e o Fundo Amazônia.
Para Maureen Santos, ecologista, cientista política e professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, a economia brasileira nunca se atentou de, que protegendo a natureza, estaria também combinando uma ideia de desenvolvimento . Essa discussão entrou em pauta na conferência Rio 92, um encontro realizado pela ONU, na cidade Rio de Janeiro, que debateu que, dentro da ideia de desenvolvimento sustentável, existia um tripé alinhando economia, meio ambiente e a questão social. No entanto, Maureen afirma que “a questão ambiental sempre foi deixada de lado, sempre vista somente como um custo econômico”. Segundo ela, o socioambientalismo mostra que, ainda que no início tenha-se um custo maior, na prática é muito mais barato proteger determinada área do que destruí-la e depois voltar a exercer proteção ambiental.
A ativista classifica o governo atual como antiambiental, já que este debate é inexistente. Desde a década de 90 o Brasil começou a se inserir em um grupo de países que tinham políticas de preocupação ambiental (inclusive com a criação do Ministério do Meio ambiente após a Rio 92), mas de lá para cá muitas políticas passaram a não ser implementadas da forma em que estavam na Constituição.
Em 22 de abril de 2020, durante uma reunião ministerial do governo Bolsonaro, Ricardo Salles (ministro do Meio Ambiente) deu uma declaração afirmando que o governo deveria aproveitar o momento em que a sociedade e a mídia estão voltadas para o novo coronavírus e mudar regras ambientais. Sobre a declaração, Maureen diz que não ficou surpresa já que esse é o discurso que vem sendo proferido desde o início do mandato. Ela acrescenta que Salles “de meio ambiente nunca teve nada” e esteve sempre atrelado a ruralistas.
A ativista destaca ainda que o desmonte ambiental, apesar de ter se intensificado com Bolsonaro no poder, não é recente no Brasil, onde já há uma tendência à flexibilização da legislação, mas ganhou maior respaldo com as ações de despreocupação ambiental de Ricardo Salles.
Desequilíbrio ambiental e a Covid-19
O estresse hídrico, a poluição dos oceanos, mudança climática, perda de biodiversidade, aumento do consumo e a contaminação por pesticidas ocorrem em nível mundial e há pouco interesse do ponto de vista global para resolver a situação. Em nível nacional, desde o início do governo Bolsonaro, a postura ambiental é de tamanha negligência que incluiu o Brasil no grupo de países céticos quando se fala em meio ambiente (juntamente com Estados Unidos e Síria).
Na visão de Maureen Santos, a Covid-19 está diretamente vinculada ao problema ambiental. Segundo ela, “é importante salientar isso, porque muitas vezes fica parecendo que é uma doença que apareceu do nada, sendo que sua raiz está atrelada à cadeia agroindustrial global em que vivemos e inclusive já provocou outras epidemias como a gripe aviária e suína em anos anteriores”. A ativista explica que tal fato está ligado principalmente a alguns tipos de produção, em especial à criação de porcos, produzidos em massa, em tempo curto, gerando vetores de doença.
"Me preocupa muito que num futuro próximo nós possamos ter outras pandemias como essa, já que o debate sobre o controle da cadeia e mudança na cadeia de produção não está dado. Fala-se muito sobre a vacina e diversas questões, mas não se olha para a origem do problema”, ressalta.
À medida que a urbanização e a desigualdade crescem e as mudanças climáticas desestabilizam ainda mais os ecossistemas, é necessário reconhecer as doenças emergentes como um risco crescente.
PL 2633 e a regularização da grilagem de terras no Brasil
O Projeto de Lei 2633, de 2020, é objeto de forte discussão de vários lados interessados. Se aprovado, abriria brechas para o afrouxamento da fiscalização ambiental, para a anistia de desmatadores e grileiros e ampliaria, pela terceira vez em dez anos, o prazo de regularização de terras brasileiras.
Maureen reitera que, “anistiando os crimes de invasão de terra pública praticados até o final de 2018 no Brasil, legaliza-se o que antes seria passível de multa do Ibama ou do Ministério Público”. Segundo ela, a medida age a favor dos grandes e médios grileiros, ou seja, grandes latifundiários, e permite a grilagem de áreas grandes.
Pensando em terras amazônicas, a grilagem de terras serve para inserir criação de gado e cultivo de soja para exportação. Em outras palavras, possui relação profunda com a pecuária e o consumo de carne nos países europeus e na China, afirma a ecologista. Ela ainda ressalta que o PL não foi votado, mas “é preciso continuar atento porque ele pode voltar à votação, o que se torna bastante preocupante”.