Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
por
Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Felipe trabalha como motorista de aplicativo e não paga INSS, mas diz que passará a contribuir no futuro
por
Mayara Pereira
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31/10/2025 - 12h

Por Mayara Pereira

 

Felipe Silva é um motorista de aplicativo há 4 anos. Ele conta que após perder o emprego de repositor em um pequeno mercado perto de onde morava, teve que buscar alternativas para sustentar ele e a família, já que é o provedor da casa. Tentou procurar emprego em outros setores, mas sem sucesso. Com suas tentativas frustradas, resolveu virar motorista de aplicativo. Quando começou não tinha um carro que era aceito para fazer as viagens, então com o dinheiro que conseguiu depois de ser demitido, deu de entrada, junto com o seu carro e comprou um melhor para conseguir rodar. Hoje a única fonte de renda de Felipe são as corridas. Ele passa cerca de 10 horas por dia trabalhando, durante 6 dias da semana e as vezes até 7. Mesmo sem os direitos trabalhistas básicos ele diz que gosta de ser “livre” e não ter patrão. Felipe não paga INSS, mas diz que passará a pagar futuramente e segundo ele, possuí uma poupança para custear gastos futuros dele e de sua família.

Os números da economia informal no Brasil são indicadores complicados no mercado de trabalho. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que no primeiro trimestre de 2025 perto de 32 milhões de brasileiros estão trabalhando informalmente. Quase um terço de trabalhadores operam sem carteira assinada, nem CNPJ, muito menos acesso a direitos básicos. No Norte e Nordeste essa taxa supera os 50%, levantando desigualdades históricas e estruturais no país. Motoristas de aplicativo e motoboys surgem como os maiores exemplos de uma informalidade, influenciada por discursos morais e “flexibilidade”, mas na prática percebemos a precarização desses trabalhadores.  

As plataformas digitais mudaram a maneira de trabalhar e gerar renda. O IBGE calculou que, em 2022, cerca de 2 milhões de brasileiros usavam apps para trabalhar e representam 77% autônomos. A maioria atua em serviços de entrega ou transporte, com jornadas extensas, muitas vezes ultrapassando 10 horas de trabalho por dia. Motoboys e entregadores, por exemplo, trabalham em média mais de 45 horas semanais, conforme o instituto, quase cinco horas a mais que trabalhadores de funções similares fora das plataformas. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que mais de 55% destes trabalhadores estão completamente na informalidade, sem nenhum tipo de contribuição para a previdência ou segurança social. 

A ausência de um vínculo formal mostra um dilema presente no mercado de trabalho atual, a autonomia e liberdade prometida se juntam com a instabilidade e falta de direitos. Muitos motoristas e entregadores, dizem gostar desse sistema, já que podem definir horários e ganhos. Apesar disso, essa independência, traz consigo muitos perigos que não são assumidos pelas empresas. Custos com gasolina, consertos do veículo, comida e equipamentos de segurança, são todos por conta do trabalhador. Caso fiquem doentes ou se acidentem, não têm direito a auxílio-doença, FGTS ou seguro-desemprego. A contribuição para o INSS, quando rola, acontece de forma voluntária e as vezes, o que dificulta o acesso a aposentadorias e benefícios. A maioria dessas pessoas simplesmente não contribuem, seja por não saber como, por ter dificuldade em pagar, ou por causa da renda irregular.  

Essa situação mostra que, por um lado, a economia informal é considerada como um motor que mantém o País indo para frente. Por exemplo, na pandemia, os entregadores e motoristas de aplicativo foram muito importantes para garantir os serviços básicos, como a entrega de comida e remédios, quando quase tudo parou, e, por outro, mesmo sendo vistos como essenciais, esses trabalhadores continuam marginalizados pelo Estado e pela sociedade. Existe uma mistura de admiração e estigma: eles são vistos como guerreiros que "não param", mas também como profissionais que fazem "bicos", sem estabilidade ou um futuro garantido. O efeito da informalidade na economia é incerto. Ela absorve milhões de pessoas que, de certa forma, estariam sem emprego, aliviando os números de desocupação e assegurando uma pequena circulação de dinheiro. 

Em áreas remotas e cidades pequenas, o trabalho sem registro é o pilar do comércio e dos serviços locais. No entanto, essa situação traz um preço elevado, diminuindo a receita fiscal e fragilizando a Previdência Social. Esses trabalhadores sofrem mais com as crises, imprevistos e enfermidades, sobrecarregando os sistemas públicos de saúde e ajudas sociais. Além disso, a produtividade é reduzida, visto que a instabilidade financeira dificulta planos. Em 2024, o IBGE apontou que mais de 25% dos trabalhadores do setor privado não possuíam carteira assinada. O Dieese revelou também que os salários de motoboys e entregadores de aplicativos são, em média, 40% abaixo dos de quem trabalha formalmente em funções parecidas. Esses números evidenciam que, mesmo com a tendência nova economia e da "liberdade de empreender", a verdade é que acontece um maior esgotamento desses trabalhadores.  

A ausência de uma regulamentação correta para os trabalhadores de aplicativo é um dos maiores problemas. Em 2024, o governo começou algumas propostas para fazer uma lei, para dar direitos mínimos, como a previdência social e seguro contra acidentes. O projeto pensava em colocar as plataformas para colaborar pagando uma parte do INSS, pelo tempo de trabalho que o sujeito presta serviços a essas empresas. Mas o projeto encontra dificuldades pois as empresas terão menos lucro e vendem a ideia da perda de liberdade. Fora a lei, alguns especialistas falam em criar políticas públicas para ajudar na previdência e dar cursos de capacitação de forma gratuita.  

Simplificar o processo de contribuição ao INSS, ajustar a renda variável e irregular dos trabalhadores autônomos, seria um passo importante para esse problema. Oferecer linhas de crédito acessíveis, juntamente com seguros específicos para motoboys e motoristas, poderia diminuir custos operacionais e reduzir o risco de dívidas. Também é importante investir em infraestrutura urbana, locais de apoio e políticas de saúde ocupacional. Tais medidas poderiam ajudar na redução de acidentes e no melhoramento das condições de trabalho, sobretudo nas grandes metrópoles. 

O entregador de aplicativo, o motorista do Uber, e o vendedor ambulante, são parte significativa da economia brasileira. Eles impulsionam e estimulam o consumo, e sustentam inúmeras famílias. Reconhecer estes profissionais significa admitir que o Brasil de verdade é construído, em grande parte, por gente que vive na informalidade. 

Dessa forma, a economia vai muito além de simples dados estatísticos, é o pilar da subsistência de milhões de brasileiros. Ela expõe as diferenças de uma país em ascensão, que não garante condições decentes para todos. Sem políticas estruturais que envolvam esses trabalhadores sobre os direitos sociais, o País continuará preso em um ciclo de desigualdade e precarização. Formalizar, é bem mais que só um contrato, é garantir que o trabalho, em qualquer área, seja sinônimo de dignidade. 

Especialistas comentam eficácia e limites da nova atualização
por
Marcelo Barbosa
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06/10/2025 - 12h

No início de outubro, o Banco Central do Brasil divulgou uma nova ferramenta para promover confiança nas transações bancárias. Chamado de “Botão de contestação”, o instrumento faz parte da série de medidas “autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED)”  e poderá ser acionado em casos de fraude, golpe e coerção.

O MED foi criado em 2021 pelo Banco Central. Ele estabelece que a vítima solicite, em até 80 dias da data em que o PIX foi realizado, a devolução do dinheiro ao Banco. Funciona assim: Após receber a reclamação, a instituição avalia o caso. Se o banco entender que o MED se aplica, o golpista pode ter a conta bloqueada. As instituições deverão analisar a denúncia em até sete dias e, se for constatada fraude, a pessoa pode receber o dinheiro de volta em até 96h, caso haja dinheiro na conta do suspeito.

Com a nova funcionalidade, quem precisar fazer o pedido de devolução do dinheiro poderá realizar o processo de forma digital e assim, agilizar o bloqueio de recursos do golpista. Antes, o procedimento era intermediado por uma pessoa que fazia o atendimento.

De acordo com Heluan Santos, especialista em tecnologia da Valios Capital e autor dos livros “Além das Criptomoedas” e “Sempre Alerta” – ambos sobre segurança com dinheiro no ambiente on-line – o botão, apesar de aumentar a segurança e trazer mais confiança, ainda pode ser usado de maneira indevida, assim como ocorre em outras inovações.

Porém, segundo Santos, a expectativa é de que, com filtros e monitoramento, o novo recurso traga muito mais benefícios do que riscos, ainda que a centralização do sistema possa desembocar em decisões unilaterais. “A maior preocupação deve estar voltada para a engenharia social, que hoje é responsável pela maioria dos golpes. Esse tipo de fraude torna o processo de validação mais difícil e continua sendo o grande desafio”, destacou.

O termo "engenharia social" refere-se a uma técnica de manipulação usada por criminosos virtuais para convencer pessoas a revelarem informações pessoais.

Reprodução: Banco Central do Brasil | Imagem oficial do PIX
reprodução: Banco Central do Brasil | Logo oficial do PIX


Renato Cunha, especialista em meios de pagamento e segurança digital e proprietário da 3RMS, empresa de tecnologia para o varejo, lembrou que, mesmo no sistema anterior em que era preciso ligar para o correntista, essas tentativas de contestação fraudulentas já eram praticadas, assim como as tentativas de cancelar compras no cartão diariamente.

Segundo ele, os bancos e operadoras conseguem identificar comportamentos suspeitos e a maior parte dessas contestações sequer chega ao cliente final, pois são barradas antes pelos sistemas antifraude, com exceção de casos em que os criminosos estão dentro dos próprios bancos. "A facilidade na aplicação de golpes [ainda] será explorada. Porém, o número de sucesso nesses golpes é extremamente baixo. Geralmente, ele passa quando tem pessoas mal intencionadas de dentro dos bancos ou operadoras fazendo parte da quadrilha”, afirma Cunha.

Importante destacar que a contestação não poderá ser feita nos casos de desacordos comerciais, erros no envio do PIX ou quando houver arrependimento na transação. De acordo com o Banco Central, o novo botão será exclusivamente para evitar fraudes.
 

Projeto proposto pelo governador foi entregue à Justiça sob a premissa de “modernizar” o estado, mas foi recebido com críticas
por
Julia Cachapuz
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24/09/2020 - 12h

Venho solicitar que a apreciação da propositura se faça em caráter de urgência”: é dessa forma que João Doria encaminha o documento responsável por descrever o novo projeto de lei 529/2020, para a Assembleia Legislativa, no dia 12 de agosto.

O novo PL do governo descreve em seu documento oficial a intenção de realizar mudanças fiscais no estado como um todo, afim de combater os abalos orçamentários causados pela pandemia do novo coronavírus – de acordo com pesquisas econômicas, a crise mais recente poderá provocar a pior recessão desde o pós-guerra, previsão delineada encima de um panorama onde o PIB brasileiro sofreu um tombo de 9,7% no segundo semestre de 2020. Sendo assim, João Doria formula em seu projeto medidas de reestruturação nas finanças de São Paulo, que, entretanto, não agradaram a população e muito menos os servidores públicos.

Por trás da fala de “modernizar o setor administrativo e tributário”, diversas críticas foram feitas à medida que o novo PL prevê a extinção de 10 autarquias, fundações e empresas estatais distintas, podendo deixar cerca de 5,6mil servidores do Estado desempregados.

Com os cortes brutais, João Doria intenta economizar R$ 8,8 bilhões do orçamento público, apoiado pelos dados apresentados pela Secretaria Estadual de Projetos, Orçamento e Gestão, que informaram uma perda significativa no setor econômico estimada em R$27 bilhões para os cofres paulistas durante a crise do Covid-19.

As previsões feitas para 2021, pelo governo paulista, por sua vez não são nada otimistas. A gestão afirmou no PL que, sem auxílio federal, o estado pode vir a enfrentar um déficit de R$ 10,4 bilhões no próximo ano. Dessa forma, Doria ressalta a necessidade de “remanejar” os investimentos aplicados em São Paulo. Serão impactadas pelo projeto a Fundação Parque Zoológico de São Paulo, a Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima (FURP), Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP), Instituto Florestal, Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (EMTU/SP), Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), Instituto de Medicina Social e Criminologia (IMESC) e Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (ITESP).

Desmonte do serviço público

Há no clamor urgente pela aprovação do PL 529/2020 uma forte especulação quanto às preferências do governo de Doria por privatizar boa parcela dos serviços estatais, mascarada pelos valores exorbitantes (e indiscutíveis, sim) expostos pelo gabinete paulista. Dessa forma, a frente opositora da chefia de estado apontou para o fato alarmante de que o novo projeto daria autonomia para o governador acabar com várias empresas estatais.

O PL 529/2020 prevê em seu registro oficial, por exemplo, a transferência da gestão de contratos de concessão do transporte metropolitano, do EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), para a Artesp (Agência de transporte do Estado de São Paulo) e, desse modo, a instituição deixará de existir.

Em muitos casos os críticos ao projeto consideraram o PL “confuso”, ou então sem grandes detalhes sobre o tramites legais que deverão ser realizados com a aprovação da nova lei de Doria. Durante uma grave crise sanitária, João Doria pretende excluir até 2021 algumas fundações médicas, como a Furp (Fundação do Remédio Popular), responsável por produzir medicamentos distribuídos gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde), e a Fosp (Fundação Onocentro de São Paulo), que analisa 1.200 exames de Papanicolau por dia e ao menos 700 próteses para pacientes de câncer na região da cabeça e pescoço. A extinção prevista é certeira, apesar de não detalhar absolutamente nada sobre a forma como esse processo seria feito, deixando os pacientes dependentes dos serviços de saúde elencados a ver navios.

O grande pacote de exoneração proposto por Doria pode ficar ainda mais complexo se analisado sobre a premissa de que o PL 529/2020 está caminhado pela Justiça de forma muito silenciosa, aproveitando-se de uma pandemia caótica – brilhante cortina de fumaça, onde a população está muito mais preocupada com o comportamento sociopata de Jair Bolsonaro perante a atual crise – para escorregar por uma aprovação que decidirá o futuro (incerto) de São Paulo. Afinal, como é possível considerar abolir centros de pesquisa, unidades médicas, serviços públicos de saúde e afins, em pleno estado de calamidade, quando mais precisamos de investimentos nessas áreas?

O governo diz “sim”

A chapa do PSDB sorri, entretanto, com a entrega do PL 529/2020 a Justiça. Ignorando diversas críticas negativas feitas principalmente pela esquerda brasileira, João Doria defendeu em ocasião taciturna seu novo pacote de incertezas, reafirmando e reforçando a necessidade do projeto escrito afim de promover um “equilíbrio nas finanças do estado”.

“Se não fizermos a reforma administrativa, a modernização administrativa aqui no estado de São Paulo, o ano que vem não teremos condições de honrar com a folha de pagamento e nem honrar com o s compromissos com os prestadores de serviços e com aqueles que têm contrato com o governo do estado”, argumentou durante um pronunciamento feito por vídeo conferência.

O vice-governador do estado de São Paulo, Rodrigo Garcia, declarou a matéria que vê avanço precursor vindo de São Paulo, caso o PL 529/2020 seja aprovado pela Assembleia Legislativa. Ainda celebrando a “modernização” de órgãos estatais, ele discorre sobre uma suposta garantia de garantir serviços de qualidade à população, mediante a execução do projeto.

“São Paulo sai na frente dos outros estados com uma proposta de modernização administrativa e tributária com objetivo de garantir os serviços de qualidade à população e pagar salários e aposentadorias. Todos os Estados enfrentarão problemas em 2021, o governador João Doria com coragem se antecipa. A pandemia, retração da atividade econômica e consequente queda da arrecadação atingem a todos indistintamente”, declara o vice-governador e secretário do governo, Rodrigo Garcia.

A previsão inicial da aprovação do Projeto de Lei, enfim, é afirmada pelo deputado PSDBista, Carlão Pignatari (líder do governo na Assembleia Legislativa), que afirma a efetivação do PL até o final de setembro deste ano.

Falta de quórum

O PL 529/2020, apesar de estar desde os primórdios de sua criação causando polêmicas e conturbações, ainda não conseguiu ser aprovado pela Assembleia Legislativa, tendo enfrentado sua quarta rejeição consecutiva nesta quinta-feira, 01/10. De acordo com informações divulgadas pelo Rede Brasil Atual, o total de 22 parlamentares presentes na sessão do órgão foi insuficiente para que a presidência da agremiação convocasse um encontro extraordinário.

Em sua penúltima sessão excepcional na Assembleia, que ocorreu na última quarta-feira, 30/9, o projeto de lei teve a votação frustrada por não conseguir reunir todos os 48 nomes favoráveis a proposta.

Enfrentando grande resistência da oposição, o presidente da Assembleia Legislativa, Cauê Macris (PSDB-SP), que tem se mostrado favorável à aprovação do projeto tucano, ainda pode vir a convocar outras sessões durante a sexta-feira, 02.

 

Baixa remuneração é apenas uma das tantas reclamações de Aline, retrato de uma das categorias mais exigidas na pandemia
por
Giulia Pezarim de Angelo
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24/09/2020 - 12h

De maneira geral, grandes jornais seguem dois critérios para definir o que é notícia de primeira página: o da relevância e o das épocas do ano. O primeiro é introduzido já nas primeiras aulas de qualquer estudante da área, e depende de variáveis como a importância dos personagens envolvidos, ineditismo, ou tamanho do impacto do fato na vida da população. O segundo critério não necessariamente será manchete sempre, mas guiará as reuniões de pauta em determinados momentos temporais.

Sendo assim, pode-se dizer que a relevância é influenciada pela época. Mas o contrário também é verdadeiro: mesmo em temporadas de chuva, um temporal isolado não é necessariamente importante o suficiente para estar em destaque no jornal das sete. Entretanto, se esse temporal paralisar as principais avenidas de uma metrópole, certamente terá uma cobertura completa.

A história contada hoje não envolve personagens conhecidos; tampouco é inédita, e seu impacto provavelmente não será percebido por boa parte da população. Ela se passa em setembro de 2020, mês tradicionalmente marcado por campanhas sobre saúde mental, num ano marcado por uma pandemia.

Como toda grande crise humanitária, quando o coronavírus explode ao redor do globo, traz como efeito a exposição de feridas abertas na sociedade. E, assim, o tema dos trabalhadores de “linha de frente” –  como os entregadores de aplicativos – e seus direitos ganhou destaque nas principais redações jornalísticas: em maio, uma onda de protestos contra as condições precárias de trabalho em empresas do setor – em destaque IFood e Rappi – já ganhava força nas principais capitais brasileiras

Mas questões trabalhistas estão longe de ser uma novidade no Brasil, e seus verdadeiros protagonistas dificilmente serão considerados relevantes por muito tempo. Dessa maneira, pautas como as condições de trabalho nos apps de delivery – que, com a pandemia, se tornaram fundamentais para o funcionamento das grandes cidades – não são mais tão realçadas agora, no segundo semestre do ano.

A problemática que se discutia em maio, porém, continua viva para muitas pessoas. Uma delas é Aline: com 23 anos é mãe, divorciada, mototáxi e entregadora de aplicativos.

Aline mora com sua filha em Campo Largo (SP), na divisa entre Atibaia e Jaribu. Elas vivem a 15 quilômetros de distância do centro de sua cidade, em uma casa recém-construída que a moça mostra com orgulho num pequeno tour em vídeo.

O passeio começa no quarto das duas, marcado pela cor rosa dos brinquedos e da cama da menina de 5 anos (que mais tarde faz uma sorridente aparição). “Só não repara que tá uma bagunça”, diz a mãe. Caminhando por um corredor de paredes ainda não pintadas, a entregadora fala da falta de azulejos – a qual pretende resolver em breve – no banheiro e na cozinha. “Cozinha americana. Eu fiz pequenininha, que eu não gosto de ninguém no espaço.” Ao lado do micro-ondas, repousa o seu capacete de moto.

A sala ainda não tem muitos móveis: por enquanto, ganha destaque no espaço a sua mochila de entregas. Mas Aline, entre muitas falas da filha pequena, conta com empolgação  um pouco dos seus planos para o cômodo – tornando difícil não torcer por um futuro onde sua casa e vida sejam menos marcadas por suas condições de trabalho nos aplicativos.

Chegar lá, porém, não está sendo uma tarefa fácil: antes da pandemia, a jovem mãe trabalhava em uma empresa de transportes. Sua rotina era deixar a filha na escola (de período integral) todos os dias e ir trabalhar, encarando os apps apenas como um complemento de renda aos finais de semana. Hoje, não tendo mais o emprego anterior, depende inteiramente de trabalhos como o delivery para sustentar a filha, que não está tendo aulas. “Minha família é da zona leste de São Paulo e eu sou sozinha aqui com a minha pequena, então tá tudo bem difícil.” Aline conta que depende da ajuda de conhecidos para poder trabalhar. “Às oito da manhã deixo ela com uma amiga e vou para o táxi; dou umas escapadinhas durante o dia para visitar e no fim da tarde voltamos juntas para casa.”

O trabalho nos aplicativos parece girar em torno de promoções, que para a entrevistada exigem um deslocamento até a cidade São Paulo. “Às vezes fico aqui, e trabalho o dia todo no táxi, às vezes desço para São Paulo e faço os apps.” Normalmente, isso acontece aos finais de semana, que segundo Aline fazem toda diferença para o entregador. “O aplicativo dá preferência para quem trabalha direto”, conta. “Se você não trabalhar no domingo, principalmente na Rappi, não soma pontuação, e entra na segunda-feira  com zero ponto, daí fecham todas as áreas com demanda para você.” Ela compartilha uma frustração recorrente: “Esses dias anunciaram vinte reais a mais por frete. Larguei tudo que estava fazendo e desci para São Paulo, mas quando cheguei lá as áreas estavam fechadas para mim”.

Durante a produção desta matéria, a Rappi Brasil era acusada de calote por um grupo de entregadores. O caso foi divulgado pelo portal “Treta no Trampo”, no Twitter: “Dos dias 04 a 06 de setembro, a @rappibrasil lançou uma promoção: faça 8 entregas e receba R$ 110,00 extra. Geral foi para rua trabalhar, mas poucos dias depois a empresa vem [e] diz que cometeu um erro e não vai pagar a promoção”. Quando procurada para um posicionamento, a empresa não deu retorno.

Notícias como essa mostram que, para entregadores como Aline, a situação de trabalho apresentada em maio continua; a entrevistada comenta: “Apesar de alguns falarem que [a situação] melhorou, eu acho que continua péssima. Muito motoboy na rua, todo mês uma novela para receber”. “A gente ainda precisa fazer a manutenção da moto e pagar gasolina." Apesar de apoiar as manifestações dos entregadores, como mãe, ela evita sair para protestar: “Os meninos sempre discutem esses assuntos, eu tenho medo de ir pela bagunça, mas apoio. É uma causa para todo mundo, se tem greve eu não saio para trabalhar”. Seu medo não parece tão incompreensível ao considerar que, em julho de 2020, um vídeo mostrava policiais militares sufocando um entregador em Pinheiros.

Considerando o período de “Setembro Amarelo”, Aline fala de saúde. Ela comenta sobre preocupações, esgotamento, e acima de tudo uma grande sensação de incerteza: “Estou fazendo algo que odeio, ganhando menos da metade do que eu ganhava, preocupada com a minha filha e na dúvida dela estar sendo bem cuidada ou não, desanimada com a casa que não consigo terminar…”. A entregadora conta  ter duras crises de ansiedade. Apesar de tudo, segue otimista: “Estamos na luta, desistir nunca. Tenho fé que ano que vem tudo vai melhorar”.

No plano geral brasileiro, histórias como a de Aline certamente não são inéditas, e passam despercebidas nos algoritmos dos aplicativos ou rapidamente perdem relevância nos grandes jornais. Para muita gente , seu trabalho, considerado na pandemia como “serviço essencial”, dificilmente significará mais do que uma breve interação nas portarias e portões residenciais. E, para o jornalismo brasileiro, talvez funcione como uma tempestade isolada na temporada de chuva: por mais intensa que seja, só será uma notícia quente quando sair do micro e realmente ter impactos visíveis na rotina do cidadão comum.

Aumento da jornada, crise econômica e medo de contágio geram mais ansiedade em trabalhadores
por
Bruna Galati
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24/09/2020 - 12h

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) constatou que o Brasil possui 18,6 milhões de pessoas com ansiedade, representando 9,3% da população e sendo o país com maior índice de pessoas ansiosas. Embora a maior causa de afastamento do trabalho ainda seja pelo adoecimento do músculo esquelético, as doenças mentais entram em seguida, ocupando o segundo lugar. Os casos só aumentam ao longo dos anos, sendo talvez resultado das jornadas exaustivas e alto rigor do mercado de trabalho na hora da contratação. 

Em 2020, tudo se agravou com a chegada da pandemia de Covid-19 e, junto com ela, a necessidade do isolamento social. Ninguém esperava passar por um distanciamento que durasse tanto tempo e a falta do convívio entre as pessoas gerou avanço nos transtornos mentais.

De acordo com a pesquisa realizada pela Área de Inteligência de Mercado do Grupo Abril, em parceria com a MindMiners, 47% dos entrevistados sentem dificuldade para descansar e 23% não estão mais  conseguindo dormir bem. Isso pode ser resultado das diversas preocupações que surgiram com a pandemia, como o medo de contágio de Covid-19 pelos familiares, a angústia com os cortes nas empresas, em razão da crise econômica atual, e o estresse para aqueles que estão cuidando do trabalho dos que foram demitidos no corte de funcionários. 

É o que ocorre com Thayna Zattar, engenheira mecânica de 24 anos. Antes da pandemia do novo coronavírus, atuou por seis meses em auditoria. No início do isolamento, foi demitida com a justificativa de que muitos clientes da empresa tinham cancelado os projetos da sua área, portanto não teriam como manter os funcionários. "Devido à perda do emprego, eu percebi que tive um aumento na minha ansiedade, principalmente por conta do atual cenário onde várias pessoas também perderam seus empregos. Não está sendo fácil dormir e relaxar", afirma. 

Thayna acredita que a consequência disso é uma concorrência maior no mercado de trabalho, gerando uma disputa acirrada. A exigência do mercado está cada vez maior, mesmo que seja para uma vaga de nível júnior. Um dos pré-requisitos é experiência de dois a três anos e conhecimentos específicos avançados. Não é por acaso que a cada ano surgem 160 milhões de novos casos de doenças relacionadas ao trabalho, conforme dados da Previdência Social relativos a 2017. 

Conforme a pesquisa do Grupo Abril, 54% das pessoas estão extremamente preocupadas com a situação atual do avanço da doença e 76% se preocupam com a superlotação dos hospitais. É o caso de Natália Barbosa, advogada de 25 anos, que continuou trabalhando presencialmente, já que sua  empresa não aderiu ao isolamento social e não permitiu o home office para os funcionários. Ela acabou pegando Covid-19 e transmitindo para os seus pais, já em idade mais avançada. 

"Nesse período, senti novos sintomas, como síndrome do pânico, junto com as crises de ansiedade e episódios depressivos que eu já tinha anteriormente", afirma Natália. Hoje, já curada e com os pais bem, continua trabalhando presencialmente e se cuidando com um psicólogo. De acordo com o Jornal do Campus, na semana de 29 de março a 4 de abril de 2020, as pesquisas no Google por atendimento psicológico aumentaram 88% e para o serviço online, 41%. 

O programa Mentalize foi criado pelo Ministério da Saúde com o objetivo de reforçar a necessidade do cuidado com a saúde mental e precaver o avanço de doenças mentais nesse momento delicado que estamos vivendo. O Ministério ofereceu materiais e atividades para reforçar que é necessário dar enfoque para isso e buscar avaliações médicas caso sinta algo diferente em relação à saúde mental. 

O canal do Youtube do Ministério transmitiu algumas lives com psicólogos e psiquiatras para falar sobre o assunto. Os grupos de enfoque eram crianças, idosos e trabalhadores. Mas, antes disso, o Ministério fez um questionário online para a população responder, com o objetivo de mediar o avanço da depressão, ansiedade e estresse, para também exercer um programa melhor e mais estruturado para as necessidades dos brasileiros.

Ana Oliveira, professora de 23 anos, é mais uma que percebeu um avanço de exaustão e falta de tempo durante a pandemia. No início de tudo, as quatro escolas em que trabalhava cancelaram seu contrato. Com a necessidade de renda, Ana optou por trabalhar para sua tia, tornando-se babá de uma criança de 5 meses e outra de 7 anos. Ela "se mudou" para a casa deles, evitando pegar transportes públicos. 

"Quando aceitei ser babá estava tudo indo bem, mas no decorrer dos dias duas escolas pediram pra eu retornar. Como precisava de dinheiro extra, aceitei." Mas isso começou a consumir grande parte do tempo de Ana. "De segunda a sexta fico na casa das crianças, me restando apenas o fim de semana para preparar e gravar as quatro aulas de inglês. Com tanta coisa acontecendo, deixei de ter um tempo só meu e quando tenho pausas acabo limpando meu quarto", afirma. 

Em 2018, o INSS concedeu 8.015 licenças para o tratamento de transtornos mentais e comportamentais adquiridos no ambiente de trabalho. Uma pesquisa feita em 2019 pela Talenses, empresa de recrutamento, relata que 44% dos trabalhadores brasileiros já sofreram de burnout (transtorno depressivo, gerado pelo esgotamento físico e mental).  

Para evitar ao máximo o avanço dos transtornos mentais durante a pandemia, a OMS divulgou um guia chamado "Cuidados para saúde mental durante a pandemia". Uma das recomendações é fazer pausas e descansar entre os turnos de trabalho ou até mesmo tirar um momento para relaxar dentro do expediente. 

Também não esquecer de prestar atenção na alimentação, já que passamos mais tempo em casa e não recusamos algumas bolachinhas, bolos ou pão, e manter o exercício físico e o contato com a família e amigos da maneira que for possível. E, é claro, evitar o uso de tabaco, álcool ou outras drogas para lidar com o estresse. Elas trazem uma ilusão passageira e, a longo prazo, diminuem o bem-estar físico e mental.

Projeto vem sendo discutido desde o ano passado, mas Covid e eleições complicam execução
por
Francisco Vóvio Segall
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22/09/2020 - 12h

O governo Bolsonaro tem, desde as eleições, a defesa às privatizações como grande modelo econômico para o Brasil. Inclusive com o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometendo que ocorrerão pelo menos “três ou quatro grandes privatizações” até o fim de 2020. 

Uma delas provavelmente seria a da Eletrobrás, empresa nacional de eletricidade. Porém, é necessária a aprovação do Congresso e Senado, com os quais Bolsonaro não cultiva uma boa relação, tendo discutido por meio da imprensa com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, mais de uma vez. Esse desgaste com a Câmara pode dificultar a evolução dessa proposta. Como mostra publicação do Jota, o apoio ao governo Bolsonaro na Câmara caiu cerca de 10 pontos em relação a 2019.  Durante o ano de 2020 esse projeto foi muito discutido, mas, a contragosto da Presidência, no mês de agosto Maia declarou que a privatização da Eletrobrás não iria ocorrer este ano. Outro impeditivo seria a situação de pandemia.

Entretanto, no dia 24/08, a Reuters divulgou que o governo tentava manobrar essa situação, com um acordo para que a tramitação do projeto começasse no Senado em vez da Câmara, o que adiantaria o processo. É importante frisar que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, é do Democratas, mesmo partido de Rodrigo Maia. Em entrevista dada ao UOL,  o senador Eduardo Braga (MDB-AM), que participou de uma reunião no Ministério de Minas e Energia no fim de agosto,  disse:  "O que estamos propondo é criar um mecanismo que vai ter recursos, que vai ter investimento, vai baixar tarifa... e vai gerar de R$ 15  a R$ 20 bilhões  para o Tesouro Nacional". O senador declarou que não acreditava que haveria resistência ao projeto por parte dos senadores.

Entretanto, para surpresa do senador, a movimentação nos bastidores gerou descontentamento entre os parlamentares, de acordo com matéria do Valor Econômico. Existem pontos do texto que ainda desagradam parlamentares.

A perspectiva de privatização da Eletrobrás este ano se torna cada vez mais  improvável, ainda mais com a chegada das eleições municipais, que foram adiadas de outubro para novembro. Apesar dos deslizes no meio do caminho, a perspectiva de que a  privatização da estatal de energia aconteça em 2021 são bastante reais. O próprio Rodrigo Maia se declarou a favor da efetivação do projeto.

Existem também questões constitucionais e acordos internacionais que complicam o projeto de privatização, envolvendo as usinas termonucleares de Angra dos Reis e a hidrelétrica de Itaipu. Para que fosse possível privatizar a Eletrobrás, o governo já reservou cerca de R$ 4 bilhões  para a criação de uma estatal que comandaria as usinas de Angra e Itaipu. Parece contraditório que seja necessária a criação de uma nova estatal para que outra seja privatizada, mas a Constituição brasileira proíbe que energia nuclear seja explorada por empresas privadas. Em relação a Itaipu, o acordo internacional com o Paraguai obriga que seja uma empresa em poder da União a controlar a usina.

Outro ponto dessa proposta é que parte desses R$ 4 bilhões seja usada para a finalização da Usina de Angra 3, cujas obras  estão paralisadas desde 2015. Também existe interesse dos Estados Unidos e da China em financiar parte da construção da usina. Russos e franceses também têm interesse em participar do negócio. Pelo alinhamento do governo Bolsonaro aos Estados Unidos e ao presidente Donald Trump, técnicos do Ministério de Minas e Energia procuram colocar entraves para a participação chinesa no empreendimento, de acordo com reportagem da Folha de S. Paulo publicada em  19 de agosto. A expectativa é que o custo de construção de Angra 3 chegue no valor de R$ 17 bilhões. Um fator importante para o financiamento desse projeto é o fato de que as dívidas de Itaipu vencem em 2023, o que também ajudaria a acumular capital para o empreendimento.

Um ponto a ser levado em conta ao discutir a privatização do setor de energia é o fato de vários países pensarem nesse setor como estratégico, garantindo que boa parte do mercado nacional seja abastecido pelas estatais. Entre os  países que compõem o Brics, por exemplo, China, Rússia e Índia têm a área de  energia com forte presença estatal. Para além desses, França e Coreia do Sul também têm estatais do setor com muita presença no mercado.

Abortado por Bolsonaro, Renda Brasil vinha sendo citado como substituto do Bolsa Família
por
Daniel Gateno
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21/09/2020 - 12h

O presidente Jair Bolsonaro anunciou na semana passada a decisão de abortar o programa social que vinha sendo anunciado como um substituto do Bolsa Família. Estimulada pelo aumento da popularidade do presidente propiciado pelo pagamento do auxílio emergencial, a decisão de criar um novo programa – batizado de Renda Brasil – foi cancelada por Bolsonaro supostamente por exigir condições consideradas inaceitáveis por ele, como a suspensão de outras políticas voltadas para a população de baixa renda.

O Bolsa Família foi criado em 2003 pelo governo Lula e se tornou uma marca das gestões petistas. Atualmente, 14,2 milhões de famílias são beneficiadas pelo programa, que consiste em uma transferência direta de renda para famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza.

O programa nunca foi unanimidade, mas sempre foi mantido pelas gestões posteriores à do governo Lula. “O Bolsa Família tem a chancela do governo Lula, é um dos carros-chefes dele e uma das razões que fez com que ele se reelegesse e elegesse a Dilma. A oposição sempre falou mal do programa porque precisava fazer uma contraposição ao Lula”, analisa Camila Kimie Ugino, professora do departamento de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Nenhum candidato tirou uma proposta de transferência de renda de seu programa de governo, pois é visível o seu impacto social.”

Segundo dados de reportagem do Estado de S.Paulo veiculada no dia 22 de agosto, o Renda Brasil estava sendo projetado para atender 8 milhões de pessoas a mais que o Bolsa Família. A intenção do governo era colocar em prática a nova iniciativa no início de 2021, após o fim do auxílio que já foi confirmado até o final do ano pela equipe econômica.

O projeto do ministro da Economia Paulo Guedes, previa uma elevação do corte em relação à renda mensal dos beneficiados: de R$ 89 para R$ 100 por pessoa no caso de  famílias em extrema pobreza e de R$ 178 para R$ 250 por pessoa em famílias consideradas pobres. Além disso, o Renda Brasil estabeleceria um bônus para famílias que estivessem com filhos nas escolas ou em cursos profissionalizantes, assim como uma maior renda para mães com filhos recém-nascidos, até os três anos de idade.

A iniciativa do governo Bolsonaro vinha sofrendo retaliações e brigas internas que resultaram em rumores sobre a saída do ministro Paulo Guedes. Durante um evento no dia 26 de agosto, Bolsonaro criticou a sua equipe econômica e suspendeu o Renda Brasil: “Ontem discutimos a possível proposta do Renda Brasil. A proposta, como a equipe econômica apareceu pra mim, não será enviada ao Parlamento. Não posso tirar de pobres para dar a paupérrimos”.

O embate entre Bolsonaro e a equipe econômica teve mais um episódio, que aparentemente encerrou o projeto social antes de seu início. Na última terça-feira, dia 15, o presidente declarou que o Renda Brasil estava cancelado e que manteria o Bolsa Família até o final de seu governo. O chefe do Executivo ameaçou dar um “cartão vermelho” àqueles que defendessem o congelamento do salário mínimo, aposentadorias e o corte de benefícios pagos a idosos e deficientes.

A ira de Jair Bolsonaro teria sido provocada por uma entrevista dada por Waldery Rodrigues, secretário especial da Fazenda do Ministério da Economia. Rodrigues afirmou ao portal G1 que a equipe econômica estudava congelar benefícios previdenciários: ”A desindexação que apoiamos diretamente é a dos benefícios previdenciários para quem ganha um salário mínimo e acima de um salário mínimo, não havendo uma regra simples e direta [de correção]”.

A oposição ao novo programa é explicada pela necessidade de cortes em outros programas sociais, como o abono salarial (um salário mínimo a mais para pessoas que ganham até dois pisos), seguro-defeso (benefício dado a pescadores durante a reprodução dos peixes) e o salário-família (para trabalhadores formais e autônomos que são contribuintes da Previdência Social).

“Paulo Guedes está tendo um choque de realidade”, avalia Ugino. “Guedes é o atual ministro da Economia e está exercendo um papel político, por isso precisa aceitar as vontades do presidente em relação a esse programa mesmo sendo um ultraliberal”, comenta a acadêmica.

A professora acredita que Bolsonaro não deve perder o apoio do mercado financeiro por conta do Renda Brasil: “Para o mercado financeiro, é importante que a economia não tenha uma recessão profunda e a renda dos benefícios sociais retorna para a economia pelo consumo. Por isso, o programa social é benéfico em termos de consumo e funcional para a economia”. “O mercado financeiro está mais preocupado com as queimadas da Amazônia do que com o Renda Brasil”, acrescenta a docente.

O site The Intercept Brasil questionou o Renda Brasil e o aumento da popularidade do presidente Jair Bolsonaro em artigo publicado no dia 30 de agosto: “Quando era deputado, Bolsonaro defendia a extinção do Bolsa Família. Segundo ele, os beneficiários do programa eram “pobres coitados, ignorantes” e “eleitores de cabresto do PT”. Hoje ele disfarça esse mesmo pensamento com um discursinho de pai dos pobres”.

O projeto ficou fora do orçamento do ano que vem. Contudo, a verba destinada ao Bolsa Família foi elevada para R$ 34,8 bilhões em virtude do aumento de famílias que dependem do programa devido à pandemia da Covid-19.

Após as declarações que garantiam o Bolsa Família até o final do governo Bolsonaro, o presidente deu aval para que o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator do orçamento para 2021 e da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Pacto Federativo, viabilize um programa social que tenha a marca da gestão atual.

“O que o presidente quer é que o Congresso resolva de onde vai tirar o dinheiro. Ele não quer ficar com a marca de presidente que tirou beneficio dos pobres”, avaliou Júnia Gama, repórter do jornal O Globo em entrevista ao portal Infomoney.

O maior desafio do governo federal é financiar o novo projeto sem romper as regras estabelecidas pela Emenda Constitucional (EC) 95, que criou um teto para os gastos públicos durante 20 anos. Promulgada pelo governo de Michel Temer, a EC 95 é o grande empecilho da equipe econômica para fechar a conta e mandar o Renda Brasil para o Congresso. 

“Não existe financiamento”, afirmou o colunista da Folha de S.Paulo Vinicius Torres Freire ao podcast “Café da Manhã”, também produzido pela Folha. “É possível fazer uma emenda para furar o teto de gastos e fazer o Renda Brasil, mas isso seria visto como uma revolução e o mercado financeiro não reagiria bem com um aumento nas taxas de juros e a recessão seria pior ainda.” Torres Freire também analisou outras alternativas para que o programa seja realizado: “Poderiam estender o período de calamidade para o ano que vem e continuar distribuindo o auxílio emergencial. Seria uma forma de furar o teto, mas não sei se existe fundamento para que isso aconteça”. 

Em entrevista ao Estado de S.Paulo, o economista Armínio Fraga declarou ser improvável a duração do teto de gastos pelos próximos seis anos. “Ainda há necessidades prementes ligadas à pandemia e, a médio prazo, de natureza social e ligadas à produtividade do Brasil que demandam algum crescimento do gasto."