Os desdobramentos da pandemia do coronavírus chegaram à economia de forma brusca e inesperada, deixando empresários e trabalhadores em situação de extrema incerteza. Para as pessoas que já trabalhavam por conta própria, como profissionais autônomos da área de estética e beleza, a crise tem desencadeado problemas financeiros ainda mais graves e complexos. Sem poder atender a domicílio, receber clientes e garantir renda fixa, os trabalhadores informais estão se desdobrando para ganhar dinheiro e se sustentar durante a crise.
Dentre algumas manobras adotadas por essas pessoas estão a negociação de novas datas e o pagamento antecipado. Os autônomos estão reduzindo o preço de seus serviços – anunciando combos e promoções a serem pagos agora e usufruídos após o término da quarentena. Assim, a clientela paga um preço menor pelo mesmo serviço, e o trabalhador garante alguma renda. Além dessas negociações, muitos estão procurando ganhar dinheiro de outras formas. Lucimara dos Santos, manicure que atende a domicílio há mais de 10 anos, tem sentido na pele os efeitos da crise: “No começo eu até estava atendendo algumas clientes. Ia de máscara e luva, tomava todos os cuidados possíveis, mas depois que meu vizinho morreu de Covid eu percebi que estava arriscado demais e parei”.
Mãe solteira de dois filhos, Lucimara recorreu ao auxílio emergencial, mas sua solicitação está em análise há mais de um mês. Enquanto aguarda pela aprovação, a manicure tem feito marmitas e bolos de pote para vender. Sem carro, ela entrega a pé na vizinhança e oferece desconto para os clientes que retiram os produtos em sua casa.
Luís Pereira, cabeleireiro há mais de 25 anos, compartilha da mesma realidade. Luís montou seu próprio salão na garagem de casa, mas desde o início da quarentena não tem recebido clientes. Diferente de Lucimara, não atendia aos pré-requisitos para solicitar o auxílio emergencial, e está dia a dia buscando formas de garantir o sustento. Luís tem usado as redes sociais para divulgar muitas promoções de corte, hidratação e escova a preços baixos para clientes que pagarem durante os meses de isolamento. “Nós, que dependemos de nós mesmos, estamos tendo que nos virar agora. Não posso fazer a única coisa que me dá sustento e não consigo ajuda do governo.”
Seguindo conselho de sua filha Mariana, de 15 anos, o cabeleireiro também tem anunciado videoaulas ao preço de R$ 20 para clientes que desejam aprender a cortar e tingir o próprio cabelo em casa. Essa estratégia, segundo Luís, tem funcionado muito bem: “Minhas clientes estão enlouquecendo em casa; muitas disseram estar se sentindo como um bicho, com cabelos ressecados, sem corte, brancos... É uma via de mão dupla que ameniza as angústias de ambos os lados, meu e delas”.
Assim como Lucimara e Luís, mais de 35 milhões de brasileiros trabalham hoje na informalidade, com empregos sem carteira assinada (11,5 milhões) ou por conta própria (23,5 milhões). Esses trabalhadores, em um momento de crise como este, veem-se encurralados e, muitas vezes sem saída, arriscam-se para escapar da fome e pagar as dívidas. Ficar em casa quando o sustento é dado dia a dia na rua não é uma opção para estas pessoas, e o auxílio emergencial de R$ 600 oferecido pelo governo não consegue contemplar a maioria desse setor, o que agrava ainda mais a situação.
Apesar das manobras e estratégias para segurar a clientela, muitos trabalhadores estão enfrentando necessidades básicas de sobrevivência. Letícia Lima, estudante de 16 anos, relatou que em Pirituba, bairro em que reside, os moradores se reuniram para fazer uma vaquinha e auxiliar na compra de cestas básicas para os funcionários de um salão de beleza que atende a maioria dos moradores da região. Fechado desde o começo da quarentena, o salão está sem faturar nada e a proprietária não está pagando os salários dos funcionários.
O grande desafio é projetar como será o futuro desses trabalhadores. Com mais pessoas desempregadas em outros setores, o ramo da estética tende a agregar esses profissionais pela disponibilidade de opções e cursos profissionalizantes. Entretanto, este é um setor que exige contato próximo entre profissional e cliente. Seja manicure, pedicure, cabeleireiro, esteticista, massagista, todos precisam de interação corpo a corpo, o que tem sido um dos grandes dilemas do mundo pós-coronavírus. A tendência é que cada vez mais esses profissionais tenham desafios pela frente – seja pela instabilidade, que neste momento mostrou suas reais consequências, ou até mesmo pela diminuição da clientela, que em grande parte tem aprendido a se virar sozinha e realizar cuidados estéticos com as próprias mãos. Essas pessoas, além de economizarem dinheiro, aprendem novos dons e descobrem novos hobbies – desde se autodepilar até fazer desenhos nas unhas do pé. No meio de todas essas transformações, os profissionais de beleza torcem por uma retomada próxima e vitoriosa. “Espero poder olhar para minha agenda, que agora está vazia, e ver muitos nomes de minhas clientes agendados. Quero poder voltar a fazer o que amo e me sentir independente de novo”, diz Lucimara.
Em uma sociedade, seja antes da globalização ou atualmente, a moda sempre esteve presente entre a população. A forma de se vestir está diretamente relacionada com a cultura e os acontecimentos históricos. Por isso, não é uma surpresa a indústria fashion passar por mudanças e se reinventar, durante a pandemia de Covid-19, em 2020.
Por conta da modificação de hábitos determinada pelo vírus, a população está mais focada em gastar seu dinheiro com coisas realmente necessárias, como alimentos e saúde, desmotivando o consumo de produtos não tão essenciais, como bolsas, joias e roupas de luxo. Com essa alteração nos costumes, a indústria da moda, principalmente a moda de luxo, se viu em desvantagem e, consequentemente, em crise.
De acordo com as pesquisas da consultoria de administração americana Bain & Company, nos primeiros seis meses de 2020, o mercado de luxo sofrerá uma queda de 25% a 30% nas vendas. O primeiro impacto das marcas de luxo foi no começo da pandemia, em dezembro, quando a Covid-19 se espalhou pela China. Em 2019, o país asiático foi responsável por 90% do crescimento do comércio de luxo. Assim, quando a pandemia exigiu a quarentena, as marcas ficaram sem seus principais clientes.
Ainda segundo a Bain & Company, a pandemia é uma ameaça para o setor de luxo. Os empregos e o mercado financeiro estão sob forte tensão, gerando uma consequente queda na confiança e na disposição dos consumidores de gastarem seu dinheiro com produtos mais caros. Além disso, a procura de bens e serviços de luxo pelos turistas continuará sendo interrompida pelas restrições de viagem e pelo constante medo de um possível contágio.
Com todas essas alterações na economia da indústria de luxo, algumas marcas tiveram que se reinventar para continuar no mercado, mas nem todas de um modo positivo. A Chanel, um dos nomes mais tradicionais no comércio de luxo, anunciou o aumento de até 25% nos preços de suas bolsas mais clássicas. A marca francesa, que já é notoriamente conhecida pelo alto valor de suas peças, chegou a acrescentar quase mil euros no valor de algumas bolsas, alcançando a quantia de € 3.350. Já a bolsa "Chanel Classic Small Flap Bag" aumentou 20,9%, saltando de € 4.550, para € 5.500, quase R$ 31 mil. A marca usou o crescimento do valor das matérias-primas, como o couro de diversos animais, como justificativa para o reajuste.
A jornalista e blogueira especializada em moda Luisa Accorsi usou seu alto número de seguidores para debater o aumento de preços das bolsas Chanel. Em seu canal do YouTube, a influencer deu sua visão sobre a mudança e explicou que a marca é uma das únicas do mercado de luxo que não vendem online. Consequentemente, a grife não vendeu nada durante todos os meses que ficou sem funcionar.
"A marca pode ter aumentado os preços para tentar compensar esse tempo que as lojas estavam fechadas. Porque não me parece que as matérias-primas realmente aumentaram tanto assim os valores, para justificar o aumento. Para mim, o acréscimo no preço das bolsas, em meio a uma pandemia, é um distanciamento do público", opinou a profissional.
Luisa também falou sobre a estratégia de igualar os preços dos itens para estimular o consumo dentro do próprio país: "Atualmente, comprar peças de luxo, como a Chanel, na Europa é muito mais barato do que comprar aqui no Brasil ou na China. Existe muito o costume das pessoas viajarem para a Europa na procura de comprar as bolsas, mas com o cenário atual, em que ninguém está viajando, isso acabou. Com a equivalência dos preços, os consumidores são incentivados a comprar os produtos de luxo em seus respectivos países".
Ao contrário da Chanel, a maioria das marcas de luxo continuam com seus preços inalterados, e até doaram fundos para combater a pandemia de Covid-19. Uma dessas grifes é a Gucci, que disponibilizou € 2 milhões de seu lucro para campanhas de arrecadação de fundos na Itália.
Como estratégia para fugir da crise, Alessandro Michele, diretor criativo da marca italiana, anunciou no Instagram que irá reduzir pela metade o número de desfiles quando a pandemia acabar. Além de ser uma forma de economizar, essa fuga do calendário da moda foi justificada pela procura dos consumidores por coleções mais permanentes e atemporais, fugindo da chamada fast fashion.
Para Luisa, a Gucci está mais à frente da Chanel, já que a grife italiana está caminhando para uma relação mais próxima dos clientes e a uma ruptura com o 'status quo'. Enquanto isso, a Chanel só se afasta, por conta da sua vontade de exclusividade e alto preço. "As pessoas estão procurando marcas que elas se identifiquem com os valores, com a postura. Ter uma relação mais pessoal com a marca. Isso é o futuro", afirmou a jornalista.
Claudio Diniz, CEO da Maison du Luxe (butique na área de conhecimento, consultoria e eventos) e coordenador da Comissão de Luxo da Câmara de Comércio França-Brasil, afirma que o mercado de luxo não combina com insegurança e, em tempos de Covid-19, a incerteza é constante. "As pessoas que têm dinheiro não deixaram de ter. O que acontece é que elas estão inseguras e não se sentem confortáveis em gastar com produtos mais caros, sendo que nem saem de casa", declara o professor de marketing de luxo.
Assim como Luisa Accorsi, Claudio diz que os clientes de grande grifes querem saber o que as marcas estão fazendo por eles durante a pandemia, ou seja, se continuam agindo como se nada fora do habitual estivesse acontecendo ou se estão ajudando a população de seu país na produção de máscaras ou distribuição de produtos essenciais de higiene. De acordo com o especialista, quando o consumidor compra um produto de luxo, aquilo faz parte de seu estilo de vida e o produto deve falar com o cliente.
Apesar da crise econômica e de saúde causada pela pandemia, a China continua consumindo. Os clientes chineses são responsáveis por 30% das compras de luxo no mundo e os preços dos produtos de marca não costumam preocupá-los. Segundo a Footwear News, no primeiro dia pós-quarentena, a loja da grife Hermés faturou US$ 2,7 milhões, um recorde de vendas.
"O luxo está perdendo seu brilho. O produto agora é feito para ser vendido. O mercado ficou mercantil. Perdeu o brilho quando passou a não olhar mais para o cliente individualmente, e sim a reduzi-lo apenas ao dinheiro. Estamos valendo o quanto podemos oferecer", reflete Claudio Diniz.
O garimpo ilegal está aumentando em meio à pandemia de coronavírus. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), a bacia do Xingu sofreu um desmatamento de 20.839 hectares em apenas dois meses. Além das consequências para o meio ambiente, o avanço da mineração tem colocado a vida dos povos originários da Amazônia em risco pela contaminação de Covid-19.
Garimpo é o nome dado à exploração, mineração ou extração de substâncias minerais, que utiliza poucos recursos e investimentos, muitas vezes com técnicas predatórias ao meio ambiente, como o uso de mercúrio para extração de ouro. No Brasil, a atividade é considerada uma forma legal de extração quando feita sob algumas regras e em locais permitidos.
A atividade se torna ilegal quando realizada sem fiscalização e em áreas proibidas, como reservas ambientais e indígenas, o que acontece frequentemente no país. Um estudo realizado pelo ISA, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e revisado pela Fundação Oswaldo Cruz, relata que atualmente há 20 mil garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami.
Além de lutar contra a presença de garimpos ilegais em suas terras, agora o povo Yanomami é ameaçado pela Covid-19 que os garimpeiros levam para a região. Aproximadamente 40% dos Yanomami vivem perto de áreas de extração ilegal e podem ser contaminados pela doença respiratória.
Com o problema histórico do garimpo se transformando em uma questão de saúde pública, o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana lançou a campanha #ForaGarimpoForaCovid com a intenção de mobilizar e pressionar o governo para uma ação de retirada dos invasores ilegais do território, de forma que o povo indígena consiga realizar o isolamento social recomendando para evitar a transmissão do vírus.
Os garimpeiros, que são o principal vetor de transmissão da doença no território, viajam frequentemente de Boa Vista, em Roraima, para as terras indígenas por meio de barcos e aviões. Três mortes e 55 casos foram confirmados, até o começo de junho, em meio aos Yanomami, que se encontram em território mais vulnerável à doença por conta do sistema de saúde que atende o local.
Os postos de saúde do local estão avaliados com a pior nota de todo o Brasil, tendo a menor disponibilidade de leitos e respiradores. Os Yanomami possuem um alto grau de vulnerabilidade social, com uma das menores expectativas de vida ao nascer, baixa escolaridade e falta de acesso ao abastecimento de água e saneamento básico.
Com a crise econômica mundial causada pela pandemia, o preço do ouro está alto, o que incentiva a prática da atividade ilegal. Quanto ao impacto na economia do país, o pesquisador do PoEMAS (Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade) e professor Luiz Jardim Wanderley explica que não há um cálculo que aponte especificamente isso, mas que grande parte da mineração garimpeira é ilegal ou irregular, com problemas de licença. “Em 2017 foram 17 ou 18 toneladas de ouro provindas de garimpo tanto legal quanto ilegal. A estimativa é que, dessas, dez tenham sido produzidas ilegalmente. O ouro ilegal entra no sistema facilmente”, explica Luiz.
O garimpo tem um maior efeito sobre a economia local, onde a extração do ouro é uma atividade central.
Na reunião ministerial do dia 22 de abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reforçou a falta de preocupação do governo em relação às questões do avanço do desmatamento e atividades ilegais em terras indígenas. “Estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa. Só se fala de Covid”, declarou Salles, acrescentando que, diante disso, o governo deveria aproveitar para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
Porém, Luiz ressalta que tais mudanças não são tão fáceis assim e que o foco da cobertura midiática no coronavírus não é o motivo do avanço. “Não é como o ministro disse: ‘passar a boiada’. O que acontece é que já tem um avanço do garimpo no Brasil, que se dá sobretudo pelo agravamento das questões econômicas, o que implica mais indivíduos entrando para o garimpo.”
Entretanto, Luiz acredita que as falas de políticos podem sim influenciar na intensidade da atividade, principalmente quando estão ligadas a uma diminuição da política de fiscalização, legitimando o discurso a favor do garimpo e com a intenção de legalizá-lo.
Assim, o avanço da atividade ilegal é um efeito da crise econômica gerada pela pandemia, porém esse avanço também está atrelado à diminuição das ações do governo, como políticas de contenção e cuidado realizadas por órgãos como a Funai e o Exército. Com as medidas de isolamento, essa fiscalização está sendo realizada em intervalos de tempo maiores, o que é o recomendado, mas abre caminho para o aumento do garimpo ilegal. “De qualquer forma, o garimpo nunca foi uma atividade que se escondeu no Brasil”, reforça o pesquisador.
O garimpeiro não deixa de ser um trabalhador precarizado, que realiza a atividade em meio às piores condições de segurança e saúde. Os donos dos garimpos geralmente são empresários e políticos influentes da região, e para Luiz Jardim é importante distinguir os dois, já que as máquinas utilizadas na extração custam muito dinheiro, exigindo um investimento de médio para alto, algo que não é acessível para a maioria da população. “Quem avança para as terras indígenas são os empresários”, ressalta Luiz.
Para o professor e pesquisador, as consequências do avanço do garimpo ilegal em terras indígenas não fogem muito da obviedade, como desmatamento, contaminação dos rios, remoção de terras e não recomposição das áreas degradadas. Os indígenas acabam sendo populações mais vulneráveis e distantes dos serviços públicos, e a rápida tendência de contaminação do vírus acaba provocando mortes.
“Saúde indígena é um problema histórico do Brasil. São ainda muito concentrados, numa lógica de rede, a infraestrutura, a UTI, os respiradores. Estão localizados fora das terras, e o deslocamento até as áreas pode levar até semanas, o que é ineficaz contra doenças como o coronavírus”, comenta Luiz. “A doença só agrava uma condição já precária.”
Durante a quarentena provocada pelo novo coronavírus, a cidade de Arujá se tornou destino de muitos paulistanos, que saíram em busca de um lugar mais calmo para passar o período de isolamento social.
Com cerca de 90 mil habitantes, Arujá recebeu nos últimos meses uma forte demanda de pessoas que vieram da capital paulista à procura de casas que estariam à venda ou disponibilizadas para aluguel, tanto em bairros comuns quanto em condomínios.
Segundo Ana Lucia dos Reis, dona da imobiliária Marc 5, desde o início da quarentena houve alta de 25% a 30% na procura por imóveis na cidade. O aumento supera a taxa de 20% registrada no mesmo período do ano passado. Pelas estimativas do setor, se o mercado continuar nesse ritmo, o crescimento pode chegar a 50% até o fim do ano.
Para a corretora, isso tem ocorrido devido à existência de muitas pessoas que pertencem ao grupo de risco e que moram em São Paulo. Contudo, os que possuem melhores condições financeiras acabaram optando por cidades menos urbanizadas, que têm registrado pouca circulação do vírus e apresentam uma qualidade de vida melhor do que na capital.
Outro setor que pode ser favorecido com essa migração é a área de serviços. Segundo Maria Souza, integrante da Associação Comercial e Empresarial (ACE), desde o início da quarentena muitas lojas de rua sofreram com a redução de clientes e a fiscalização pesada por parte da prefeitura. Consequentemente, isso fez com que muitos estabelecimentos comerciais, inclusive do setor alimentício, fechassem as portas ou revissem suas estratégias de vendas, apostando nas entregas em domicílio.
Maria se mostrou entusiasmada ao saber sobre esse fluxo de novos moradores, pois acredita que possa ajudar na área comercial da cidade. “Com certeza a cidade tem que movimentar a economia. Essa chegada de pessoas novas pode fazer com que isso aconteça, e fico muito feliz por estar colaborando com isto.”
Ela acrescentou que os empresários da cidade nunca pararam de trabalhar de fato, mas que ocorreu uma nova forma de fazer negócios, justamente para assegurar os cuidados com as pessoas e para não serem advertidos pela fiscalização pública. “O setor nunca parou. O que fizemos foi só tentar adaptar nossas vendas para melhor atender nossos clientes em suas casas, e seguir à risca as recomendações da prefeitura sobre a saúde no meio de trabalho.”
Rodrigo Procidonio Ruiz, corretor de imóveis da imobiliária Leardi, diz que sentiu uma maior procura de pessoas que vieram de São Paulo em busca de residências na cidade, e que isso foi bom para o mercado local.
“Sim, aumentou consideravelmente a procura por imóveis em Arujá tanto para compra como para locação. Pois, além de comprar um imóvel na cidade, isso também gera tributos à prefeitura e, ao mesmo tempo, faz com que os construtores de casas gerem empregos.”
Ao ser questionado sobre quais seriam os motivos para fazer com que essas pessoas saíssem da capital para vir ao interior, Rodrigo esclareceu: “Este aumento, com certeza, é devido à atual situação da pandemia. As pessoas que têm nos procurado normalmente afirmam morar em apartamento, e este confinamento é fator agravante na qualidade de vida delas. Então provavelmente elas vieram pela busca de um lugar com mais espaço e com terrenos mais verdes também”.
Sobre os benefícios da demanda por casas para a economia local, o corretor afirmou que isso pode favorecer serviços como padarias, supermercados, lojas de roupas e farmácias, pois os novos moradores serão atraídos por ofertas que esses estabelecimentos disponibilizarão, e com isso tendem a impulsionar o consumo na cidade. Ao mesmo tempo, eles próprios podem criar um negócio que ajude a desenvolver Arujá.
Neste momento, não é possível saber o quanto do aprofundamento da precarização do trabalho é pelos percalços da pandemia e o quanto é pelo aproveitamento da situação por parte dos empresários. É o que afirma o economista Mário Theodoro, especialista em mercado de trabalho e ex-consultor legislativo do Senado Federal.
“Afrouxar a proteção ao trabalhador na hora em que mais precisa de proteção é lamentável”, diz Theodoro, que aponta “uma falta de perspectiva de coletividade, em que as pessoas só pensam no que é melhor para elas”. Referindo-se à diminuição de salários e direitos, o economista critica sobretudo o empresariado, que, segundo ele, “só está pensando no seu lucro”.
No dia 16 de junho, foi aprovada pelo Senado a Medida Provisória (MP) 936. A medida foi editada em 1° de abril e permitiu redução de salários e contratos por dois e três meses, respectivamente. A redução de remuneração era acompanhada proporcionalmente pela diminuição de jornada de trabalho, podendo ser de 25%, 50% ou 70%. Com o aval unânime do Senado, o governo pode prorrogar os prazos.
Poucos dias antes da MP 936, foi editada a de número 927, que permite a facilitação do teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, a reorganização do banco de horas e a suspensão temporária do recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Segundo a advogada de direito trabalhista e sindical Francine Cadó, membro do Instituto Declatra (articulação em torno dos direitos do trabalho), apesar de as MPs serem promulgadas com a bandeira de manutenção de empregos, elas cobram muito mais o empregado do que o empregador. Ela salienta também a demora de formulações de ações; deputados e governadores ficaram em suspenso, “esperando uma diretriz do Executivo, e essa diretriz não veio”.
Outro ponto é a possibilidade de acordos individuais em alguns casos, contando apenas com a notificação para os sindicatos. Cadó diz que há “uma série de ataques ao sindicalismo em geral, o que não é de hoje” e que a medida busca afastar os sindicatos dos trabalhadores num momento de fragilidade.
Segundo a advogada, os sindicatos estão atuantes durante a pandemia, e usam as redes sociais como aliadas nesse contexto de distanciamento social. Mas esse meio vem perdendo espaço desde a aprovação da reforma trabalhista em 2017, que aboliu a obrigatoriedade da contribuição sindical. “Alguns sindicatos que a gente tem conhecimento aqui [em MG], como foi o sindicato dos jornalistas, a situação econômica deles piorou muito e consequentemente todos os serviços que eles podem oferecer para os filiados."
A reforma trabalhista sancionada durante o governo de Michel Temer modificou regras para itens como remuneração, tempo na empresa, horário de descanso e transporte. Theodoro diz que a reforma reduziu a capacidade de negociação dos trabalhadores e que aproximou o trabalhador formal do informal. Ele afirma que “o mercado formal, bem ou mal, já tinha uma certa condição de proteção social” com o sistema previdenciário e seguro-desemprego, por exemplo. “O que acontece é que há dois anos eles começaram a destruir isso.”
Para os informais, continua Theodoro, já não havia direitos garantidos. Segundo ele, o que se vê atualmente é que “ao invés de igualar chamando o informal para ter alguma coisa, se desestrutura o formal e [se] iguala os dois por baixo, ou seja, igualando os dois pela falta de direitos e pela precariedade”.
O número de desempregados tem aumentado durante a pandemia. Segundo a pesquisa Pnad Covid-19, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de trabalhadores desempregados subiu 10,8% no mês de maio. Na última semana do mês, eram 28,5 milhões de desocupados.
A crise aumenta a quantidade de pessoas se submetendo a trabalhos precarizados, como entregadores de aplicativo, que lidam com a desobrigação das empresas em garantir direitos, visto que não há configuração de vínculo empregatício. De acordo com o SindimotoSP (Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipal do Estado de São Paulo), o número de entregadores na capital paulista e Grande São Paulo aumentou 20% desde o início da pandemia.
Para quem não foi demitido nem teve o contrato suspenso, o home office pode ter sido adotado durante a situação pandêmica. São 8,8 milhões em regime de teletrabalho, segundo a Pnad Covid 19. Francine Cadó afirma que essa modalidade é uma tendência mundial e que pode favorecer alguns setores, mas “é inegável que, nos moldes em que ele vem acontecendo, o trabalhador fica bastante desprotegido”. Ela alerta para a difícil fiscalização da jornada de trabalho e para o montante excessivo de demandas repassadas ao empregado. Cadó recomenda que em caso de abuso o trabalhador faça contato com advogado trabalhista ou com o sindicato, e tente reunir provas, como email e prints da tela do computador, que mostrem a realização de atividades extrajornada.
Mário Theodoro elucida que de um lado o teletrabalho poupa o empregador no que tange às instalações oferecidas, e de outro destina mais responsabilidades ao empregado, o que na prática faz com que trabalhe mais. “O que poderia ser uma boa ideia, e na Europa foi uma boa ideia para flexibilizar positivamente e para dar mais tempo para o trabalhador ficar com sua família, no caso do Brasil está virando uma superexploração”, diz ele, acrescentando que, pela crise de empregos que o país vive, as pessoas se veem obrigadas a aceitar situações de trabalho precárias.
Nota-se ainda a situação preocupante das pequenas e médias empresas. O economista fala que essas empresas não têm recebido apoio estatal e as linhas de crédito anunciadas são malsucedidas, em parte porque bancos privados se recusam a emprestar para pequenos negócios. Afirma ainda que são elas que sustentam grande parte dos empregos. Segundo dados do Sebrae-SP, 49% dos trabalhadores formais do estado estão nas pequenas empresas.