Brasil passa por um momento decisivo entre mudanças para arrecadamento e corte de gastos
por
Maria Eduarda dos Anjos
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19/11/2024 - 12h

A penúltima reunião do ano do Copom (Comitê de Política Monetária) aconteceu semana passada e sua ata, publicada no dia 12, apresenta a decisão unânime de elevar a Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) a 0,5 pontos percentuais, levando a taxa de juros básico do país de 10,75% para 11,25%. 

Esse aumento vem como medida para, principalmente, conter a inflação, produto do balanço negativo entre os ganhos e gastos do Estado brasileiro, além de responder de forma defensiva à recente eleição de Donald Trump.

Primeiro, é importante entender o que o COPOM, SELIC, juros básicos e inflação significam na vida do brasileiro. O Copom é um grupo composto pelo presidente do Banco Central (BC) e seus diretores que, a cada 45 dias, decidem a taxa básica de juros da economia, a Selic. 

A taxa básica é a principal forma do BC tentar conter a inflação econômica. Na balança, são ponderados o estado das contas públicas, a situação internacional política e monetária, estado da inflação, movimentação do mercado de trabalho entre outros fatores, tudo para assegurar que o reajuste do juros contenha a inflação, não desvalorize o real perante outras moedas e não diminua o poder de compra da população. 

Uma das razões para o aumento da Selic é a diferença entre o gasto e o arrecadamento público de R$7,3 bilhões até setembro de 2024. Para exterminar esse déficit primário, o BC sobe o juros básico, ou seja, a promessa de valorização de seus ativos, e vende tais ativos aos bancos. 

Dessa forma, o Banco Central consegue caixa de forma mais imediata e oferece a promessa de lucro futuro para os bancos. O problema é que esse ciclo se repete e cria uma bola-de-neve. 

A economista e professora da PUC SP, Cristina Helena, explica que “o governo pega dinheiro emprestado todo mês para cobrir o déficit, que não conta com o valor dos juros dos demais empréstimos que já pegou, mas que precisa quitar simultaneamente”. O juros aumenta para pagar,também, o que já foi criado no passado pela mesma barganha que se repete.“ A conta da dívida tá fora do resultado primário, aí o montante a ser pago não para de crescer”. 

Essa medida para maior arrecadação vem junto com o pacote de corte de gastos públicos, que será anunciado por Fernando Haddad depois da reunião do G20. Representantes das pastas de Saúde, Educação, Previdência, Trabalho e Desenvolvimento Social foram chamados para discutir as reduções, já que detém a maior parte de recursos federais. 

Quando o assunto extrapola o doméstico, a eleição de Donald Trump é um fator central. O presidente já anunciou que pretende impor uma tarifa de 10% ou mais sobre todo produto importado do país, uma medida protecionista para privilegiar o mercado interno.

 

Donald Trump em sua campanha para presidência em 2024. Foto: reprodução/NYT
Donald Trump em sua campanha para presidência em 2024. Foto: reprodução/NYT

 Enquanto o aumento da Selic pode ajudar a manter o valor do Real no mercado internacional, a negociação tende ao soft power. “ O Brasil e os Estados Unidos são bons parceiros comerciais um ao outro, mas o Trump não quer só um bom parceiro comercial, ele também pede por um aliado que não seja mercado para a China, por exemplo. A América Latina vêm se beneficiando de compras mais baratas de produtos chineses e venda de minérios mais barato”, explica Cristina. 

Apesar de haver um plano de metas pelo qual a política monetária deveria se guiar, as medidas atuais de arrecadação precisam ser redesenhadas pela sua falta de efetividade, avalia a economista.Até o fim do ano,é previsto o aumento de mais 0,25 pontos para o juros básico, isso reverbera diferentemente entre compradores de títulos do governo e a população média: “ Meio ponto percentual é pouco do ponto de vista de contenção inflacionária e é muito para as famílias, e isso vira uma taxa enorme nos cartões de crédito e cheque especial”.

A cotação da moeda norte-americana chegou a R$5,86, mas encerrou em R$5,67
por
GUILHERME DEPTULA ROCHA
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08/11/2024 - 12h

 

O dólar comercial teve forte alta na manhã da quarta-feira (6), mas caiu durante o dia. Às 9h, a moeda alcançou o valor de R$5,86. Porém, à tarde, recuou para R$5,67. A disparada recente se deu após a repercussão da vitória Donald Trump (Partido Republicano) nas eleições norte-americanas. 

Desde meados de outubro, a moeda estava se valorizando, o fato se deu devido à subida do ex-presidente nas pesquisas de intenção de voto. Conforme dados do jornal “The New York Times”, no início do mês passado, sua adversária, Kamala Harris (Partido Democrata), mantinha-se à frente, com 50% da preferência. Enquanto Trump, estava com 47%. 

Porém, nas últimas semanas, o republicano subiu nas pesquisas e se equiparou à democrata: ele alcançou 48%, contra 49% dela. Esse movimento foi batizado de “Trump Trade”. 

 

POR QUE O DÓLAR DISPAROU APÓS VITÓRIA DE TRUMP?

Aproposta de governo do presidente eleito é tida como inflacionária, a partir de políticas protecionistas. O programa prevê um aumento na taxa de juros e mais impostos para importação. A ideia é provocar migração de recursos para o mercado norte-americano, fortalecendo a moeda.

Após o resultado da eleição, o dólar disparou também em outros países. Segundo DXY, índice que monitora o câmbio da moeda norte-americana em outros mercados globais, houve uma alta de quase 2%.

 

POR QUE O DÓLAR CAIU NO FIM DO DIA?

O motivo ainda não é claro. Segundo o professor de economia da FGV, Marcelo Kfoury Moinhos, em entrevista ao “Jornal Nacional”, há uma expectativa na medida de corte de gastos fiscais. O pacote será anunciado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) ainda nesta semana.

Devido a vitória de Trump, o mercado acredita que o governo entregará um pacote “crível”. Porém, o  professor de economia aponta: “Se houver frustração no tamanho desse pacote de corte de gastos pode ser que (...) o real volte a desvalorizar.

 

FUTURO

Caso o presidente eleito cumpra com suas propostas de campanha, as projeções indicam uma alta do dólar para 2025. Devido às políticas protecionistas, poderá haver um aumento na tarifa para produtos importados, reduzindo as exportações brasileiras para os Estados Unidos.

 

Descubra como a agroecologia pode beneficiar a vida das famílias brasileiras no âmbito econômico e social
por
Jessica Castro
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05/11/2024 - 12h

Recordes de altas temperaturas e períodos de seca extensos foram aliados às causas das queimadas recentes no Brasil. Nos últimos meses, o país viveu um cenário alarmante com mais de 139 mil focos de queimadas, muitas delas criminosas, devastando biomas importantes para o ciclo climático. 

 

Atrás desses números, estão comunidades inteiras que sofrem as consequências diretas: ar irrespirável, perda de colheitas e deslocamento forçado. Grande parte dessas queimadas está ligada à expansão desenfreada do agronegócio, que, na busca por mais terras para cultivo de soja e pastagens, utiliza o fogo como ferramenta de desmatamento. 

 

Embora o agronegócio mova a economia, sua busca por crescimento muitas vezes ignora os impactos sociais e ambientais, e o momento agora é de olhar novas alternativas de cultivo, antes que seja tarde demais.

 

Uma opção que se apresenta é a Agroecologia. A prática é uma alternativa sustentável para a produção agrícola que integra conceitos ecológicos e sociais e tem como objetivo equilibrar o cultivo de alimentos com os ciclos naturais e promover a justiça social. 

 

Diferente dos métodos convencionais, ela não se limita ao uso de técnicas orgânicas, mas envolve uma transformação mais ampla das práticas agrícolas, considerando aspectos culturais, políticos e ambientais. Seu foco é a regeneração dos solos, a conservação da biodiversidade, a redução do uso de insumos químicos e a valorização dos saberes tradicionais das comunidades rurais.

 

Foto: © Alonso Crespo / Reprodução: Greenpeace
Foto: © Alonso Crespo / Reprodução: Greenpeace

 

Alternativa ao Agronegócio

 

A prática da agroecologia surge como uma alternativa ao modelo convencional do agronegócio, que prioriza a monocultura, o uso intensivo de agrotóxicos e a maximização dos lucros a curto prazo. 

Enquanto esse método é fortemente dependente de insumos externos e tecnologias que degradam o meio ambiente e podem esgotar os recursos naturais, a agroecologia foca na sustentabilidade a longo prazo. Ela propõe sistemas diversificados, que integram culturas diferentes, reflorestamento e técnicas de conservação de solo e água. 

Isso torna os sistemas mais resilientes a pragas e mudanças climáticas, reduzindo a dependência de produtos químicos e fertilizantes industrializados. Além disso, o sistema agroecológico valoriza a autonomia dos pequenos agricultores, promovendo  cada vez mais sistemas alimentares locais e uma dependência menor de cadeias longas de distribuição. O que contribui para a segurança alimentar, uma vez que as comunidades produzem e consomem alimentos de maneira mais justa e próxima de seus territórios.

 

O benefício econômico a quem produz e quem consome

 

Do ponto de vista econômico, a agroecologia tem mostrado forte potencial para ser uma opção interessante tanto para o país quanto para as famílias que aderem a este sistema. 

“Iniciativas como as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSA) mostram como os consumidores podem se tornar co-produtores, garantindo acesso a alimentos saudáveis e frescos, enquanto os agricultores têm mais segurança e menos desperdício”, comenta Paulo Moruzzi, professor adjunto do departamento de Economia, Administração e Sociologia (LES) da Esalq, na USP.

Moruzzi ainda pontua que o fortalecimento da relação do consumidor com a produção agroecológica pode impulsionar o fomento de políticas públicas que ampliem o acesso à alimentação sustentável.
 

Outro benefício econômico da prática é  a redução dos custos com insumos químicos, como fertilizantes e agrotóxicos, o que alivia o orçamento dos pequenos produtores; ou práticas como a rotação das culturas que permite  uma produção contínua sem prejudicar o solo ao longo do ano, garantindo uma renda estável  ao diminuir os riscos associados à dependência de uma única safra, característica comum no agronegócio.

 

Ao reduzir a pressão de utilização dos recursos naturais, além da contribuição efetiva para o meio ambiente a longo prazo, pode evitar gastos públicos na recuperação de áreas degradadas e mitigação de desastres ambientais. Além disso, a agroecologia pode impulsionar a economia local, pois promove cadeias curtas e regionais de produção. Assim, reduz a dependência do país de alimentos importados e fortalece os mercados internos.

 

Para as famílias agricultoras, a transição para este método de cultivo significa mais independência e resiliência frente às flutuações de mercado e mudanças climáticas. A segurança alimentar é ampliada, e o valor agregado dos produtos agroecológicos pode aumentar os lucros, já que esses produtos têm um apelo crescente entre consumidores conscientes, dispostos a pagar mais por alimentos produzidos de forma sustentável.

A agroecologia está profundamente enraizada no cotidiano de comunidades quilombolas, indígenas e outros povos tradicionais no Brasil. Esses grupos, que possuem uma relação ancestral com a terra, cultivam alimentos de maneira sustentável e em harmonia com o meio ambiente. 

Mas a prática não é exclusividade dessas comunidades, ela também é adotada pela agricultura familiar e por assentamentos e acampamentos da reforma agrária. Hoje, cerca de 77% dos comércios agropecuários do país são familiares, segundo dados do Anuário da Agricultura Familiar de 2023, e muitos deles estão integrando práticas agroecológicas para preservar o solo e valorizar a biodiversidade do local onde produzem.

Essas iniciativas promovem um modelo de agricultura que valoriza o saber local e protege biomas únicos e super importantes para o equilíbrio climático do país, como o Cerrado e a Amazônia. 

A agroecologia fortalece o vínculo entre quem produz e quem consome, criando relações de consumo mais justas e solidárias. Isso ocorre, em grande parte, por meio de feiras agroecológicas e programas de políticas públicas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que compra alimentos de pequenos produtores para fornecer refeições nas escolas. Essas teias garantem que o alimento chegue de maneira saudável e acessível às mesas, enquanto geram renda e fortalecem famílias agricultoras ao mesmo tempo.

Outros olhares para o consumo de alimentos

A conexão entre a agroecologia e o modo de consumo vai além da idealização de uma produção agrícola sustentável, aqui refletimos também a forma como nos relacionamos com os alimentos, os recursos naturais e as comunidades que os produzem. Esse conceito reflete a necessidade de repensarmos não só a maneira como consumimos, mas também as implicações sociais, ambientais e econômicas envolvidas no processo.

Esse olhar diferenciado para o consumo de alimentos inclui para além da valorização de produtos orgânicos produzidos por um sistema agroecológico, as métricas de quanto desperdiçamos e consumimos exacerbadamente. A agroecologia não se limita à produção sustentável, mas envolve uma conscientização mais ampla sobre a forma como os alimentos são utilizados ao longo da cadeia, desde a produção até o descarte.

O consumo consciente, nesse sentido, diz respeito a um repensar em nossos hábitos alimentares, para garantir que tudo o que consumimos não acabe em desperdício, uma prática que impacta seriamente o meio ambiente e os recursos naturais e o bolso do consumidor. 

 

Precisamos perceber que a quantidade de alimentos comprados e descartados repousa diretamente em impactos socioambientais porque contribui para a emissão de gases de efeito estufa e esgotamento dos solos. Portanto, como e o que comemos pode fazer uma grande diferença.

 

Em entrevista, o professor Paulo Moruzzi destaca a importância do Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro, data que marca a criação da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), que completa 79 anos. Ele ressalta: “Nos últimos anos, esta organização multilateral tem insistido em suas orientações para os debates em torno dos problemas agroalimentares mundiais sobre a importância da busca simultânea de preservação ambiental e de garantia do direito humano à alimentação adequada. Desde 2019, a FAO promove a década da agricultura familiar, visando favorecer sistemas alimentares resistentes às mudanças climáticas e indutores de desenvolvimento territorial inclusivo, protegendo a biodiversidade, o meio ambiente e a cultura." 

 

A agroecologia passa a não ser apenas um modelo de produção, mas um convite para repensar o ciclo de vida dos alimentos e nosso papel dentro dele, promovendo uma relação mais responsável e equilibrada com o meio ambiente.

 

Prévia do IPCA-15 sobe 0,54%, puxada por alta nos preços de energia e alimentos, e reforça expectativa de novo aumento na Selic em novembro
por
Otávio Rodrigues Preto
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30/10/2024 - 12h

A prévia da inflação oficial de outubro, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) e divulgada pelo IBGE na última quinta-feira (24), surpreendeu o mercado ao registrar uma alta de 0,54%, acima das expectativas dos analistas, que previam 0,50%. Esse resultado trouxe um impacto significativo para a economia brasileira, pressionando tanto o câmbio quanto o mercado de juros, além de influenciar o desempenho da bolsa de valores.

A alta do IPCA-15 foi impulsionada principalmente pelo aumento de 1,72% no grupo Habitação, com destaque para a elevação de 5,29% nos preços da energia elétrica residencial. A aplicação da bandeira tarifária vermelha patamar 2, que adiciona R$ 7,87 a cada 100 kWh consumidos, foi o principal fator para o encarecimento da energia. Outros itens também contribuíram para a pressão inflacionária, como o gás de botijão, que subiu 2,17%, e os alimentos, que tiveram alta de 0,87%. Entre os produtos alimentícios, destacaram-se o contrafilé (5,42%) e o café moído (4,58%).

No acumulado de 12 meses, a prévia da inflação passou de 4,12% em setembro para 4,47% em outubro, ficando próxima do teto da meta de 4,50% estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional para 2024. Essa aceleração aumenta a expectativa de que o Banco Central (BC), sob a liderança de Roberto Campos Neto, intensifique o ritmo de alta da taxa Selic, que atualmente está em 10,75% ao ano. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) está marcada para os dias 5 e 6 de novembro, e espera-se um aumento de 0,50 ponto percentual.

Dólar - Unsplash.com
Dólar - Unsplash.com

Enquanto isso, o mercado reagiu com nervosismo à divulgação dos dados. O dólar atingiu R$ 5,70 na manhã de quinta-feira, refletindo as preocupações com a inflação e o futuro da política monetária. O índice Ibovespa, por sua vez, abriu em queda, pressionado pelo cenário interno, apesar de um ambiente positivo nas bolsas internacionais, com altas nos mercados europeus e Wall Street indicando uma abertura no verde.

Além de Habitação e Alimentação, o grupo de Saúde e cuidados pessoais também registrou alta de 0,49%, influenciado pelo reajuste dos planos de saúde. O único setor a apresentar queda foi Transportes, com uma redução de 0,33% nos preços, devido principalmente à queda nas tarifas de passagens aéreas (-11,40%) e transporte público, reflexo de medidas de gratuidade durante as eleições municipais.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão visa evitar problemas para o Novo Banco de Desenvolvimento em meio às sanções contra a Rússia e fortalecer o papel do Brasil no bloco econômico.
por
Otávio Rodrigues Preto
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30/10/2024 - 12h

O presidente russo, Vladimir Putin, confirmou na última quinta-feira (24) a proposta de manter o Brasil na liderança do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), principal instituição financeira do BRICS, por mais cinco anos, garantindo a continuidade de Dilma Rousseff na presidência do banco. O atual mandato de Dilma, iniciado em março de 2023, terminaria em julho de 2025, mas a extensão foi sugerida para evitar possíveis complicações relacionadas à guerra na Ucrânia.

Segundo Putin, a decisão de manter Dilma no cargo tem o objetivo de preservar a estabilidade do NDB, considerando que as sanções impostas à Rússia devido ao conflito poderiam prejudicar a atuação da instituição caso um executivo russo assumisse a presidência. "Não queremos transferir todos os problemas associados à Rússia para instituições em cujo desenvolvimento estamos interessados", afirmou o presidente russo.

Pelo regime de rodízio do NDB, a Rússia seria a próxima a indicar o presidente do banco, que tem sede em Xangai, na China, e gerencia cerca de US$ 33 bilhões em financiamentos para projetos nos países do BRICS e no Sul Global. No entanto, Putin optou por abrir mão da indicação russa, favorecendo o Brasil, que também está à frente do G20 este ano e assumirá a presidência do BRICS em 2025.

Os paísesque fazem parte do BRICS
Os países que fazem parte do BRICS - Reprodução Canva

Dilma Rousseff, que substituiu Marcos Troyjo na liderança do NDB, destacou recentemente a importância do banco em expandir os investimentos nos países do bloco e defender o uso de moedas locais para o financiamento. "É crucial disponibilizar financiamento em moeda local através de plataformas específicas", afirmou durante a última cúpula do BRICS, em Kazan, na Rússia.

A proposta de extensão do mandato ainda precisa ser formalmente aprovada pelos governadores do banco, que representam os países membros. Caso seja confirmada, a continuidade de Dilma reforçará o papel do Brasil no cenário internacional, especialmente no momento em que o país lidera grandes fóruns multilaterais, como o G20 e o BRICS.
 

Sem clientela, autônomos recorrem a negociações de atendimento e entrega de serviços para sobreviver
por
Luana Coggo
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29/06/2020 - 12h

Os desdobramentos da pandemia do coronavírus chegaram à economia de forma brusca e inesperada, deixando empresários e trabalhadores em situação de extrema incerteza. Para as pessoas que já trabalhavam por conta própria, como profissionais autônomos da área de estética e beleza, a crise tem desencadeado problemas financeiros ainda mais graves e complexos. Sem poder atender a domicílio, receber clientes e garantir renda fixa, os trabalhadores informais estão se desdobrando para ganhar dinheiro e se sustentar durante a crise.

Dentre algumas manobras adotadas por essas pessoas estão a negociação de novas datas e o pagamento antecipado. Os autônomos estão reduzindo o preço de seus serviços – anunciando combos e promoções a serem pagos agora e usufruídos após o término da quarentena. Assim, a clientela paga um preço menor pelo mesmo serviço, e o trabalhador garante alguma renda. Além dessas negociações, muitos estão procurando ganhar dinheiro de outras formas. Lucimara dos Santos, manicure que atende a domicílio há mais de 10 anos, tem sentido na pele os efeitos da crise: “No começo eu até estava atendendo algumas clientes. Ia de máscara e luva, tomava todos os cuidados possíveis, mas depois que meu vizinho morreu de Covid eu percebi que estava arriscado demais e parei”.

Mãe solteira de dois filhos, Lucimara recorreu ao auxílio emergencial, mas sua solicitação está em análise há mais de um mês. Enquanto aguarda pela aprovação, a manicure tem feito marmitas e bolos de pote para vender. Sem carro, ela entrega a pé na vizinhança e oferece desconto para os clientes que retiram os produtos em sua casa.

Luís Pereira, cabeleireiro há mais de 25 anos, compartilha da mesma realidade. Luís montou seu próprio salão na garagem de casa, mas desde o início da quarentena não tem recebido clientes. Diferente de Lucimara, não atendia aos pré-requisitos para solicitar o auxílio emergencial, e está dia a dia buscando formas de garantir o sustento. Luís tem usado as redes sociais para divulgar muitas promoções de corte, hidratação e escova a preços baixos para clientes que pagarem durante os meses de isolamento. “Nós, que dependemos de nós mesmos, estamos tendo que nos virar agora. Não posso fazer a única coisa que me dá sustento e não consigo ajuda do governo.”

Seguindo conselho de sua filha Mariana, de 15 anos, o cabeleireiro também tem anunciado videoaulas ao preço de R$ 20 para clientes que desejam aprender a cortar e tingir o próprio cabelo em casa. Essa estratégia, segundo Luís, tem funcionado muito bem: “Minhas clientes estão enlouquecendo em casa; muitas disseram estar se sentindo como um bicho, com cabelos ressecados, sem corte, brancos... É uma via de mão dupla que ameniza as angústias de ambos os lados, meu e delas”.

Assim como Lucimara e Luís, mais de 35 milhões de brasileiros trabalham hoje na informalidade, com empregos sem carteira assinada (11,5 milhões) ou por conta própria (23,5 milhões). Esses trabalhadores, em um momento de crise como este, veem-se encurralados e, muitas vezes sem saída, arriscam-se para escapar da fome e pagar as dívidas. Ficar em casa quando o sustento é dado dia a dia  na rua não é uma opção para estas pessoas, e o auxílio emergencial de R$ 600 oferecido pelo governo não consegue contemplar a maioria desse setor, o que agrava ainda mais a situação.

Apesar das manobras e estratégias para segurar a clientela, muitos trabalhadores estão enfrentando necessidades básicas de sobrevivência. Letícia Lima, estudante de 16 anos, relatou que em Pirituba, bairro em que reside, os moradores se reuniram para fazer uma vaquinha e auxiliar na compra de cestas básicas para os funcionários de um salão de beleza que atende a maioria dos moradores da região. Fechado desde o começo da quarentena, o salão está sem faturar nada e a proprietária não está pagando os salários dos funcionários.

Fonte: Yahoo
Fonte: Yahoo

O grande desafio é projetar como será o futuro desses trabalhadores. Com mais pessoas desempregadas em outros setores, o ramo da estética tende a agregar esses profissionais pela disponibilidade de opções e cursos profissionalizantes. Entretanto, este é um setor que exige contato próximo entre profissional e cliente. Seja manicure, pedicure, cabeleireiro, esteticista, massagista,  todos precisam de interação corpo a corpo, o que tem sido um dos grandes dilemas do mundo pós-coronavírus. A tendência é que cada vez mais esses profissionais tenham desafios pela frente – seja pela instabilidade, que neste momento mostrou suas reais consequências,  ou até mesmo pela diminuição da clientela, que em grande parte tem aprendido a se virar sozinha e realizar cuidados estéticos com as próprias mãos. Essas pessoas, além de economizarem dinheiro, aprendem novos dons e descobrem novos hobbies – desde se autodepilar até fazer desenhos nas unhas do pé. No meio de todas essas transformações, os profissionais de beleza torcem por uma retomada próxima e vitoriosa. “Espero poder olhar para minha agenda, que agora está vazia, e ver muitos nomes de minhas clientes agendados. Quero poder voltar a fazer o que amo e me sentir independente de novo”, diz Lucimara.

 

 

 

 

Segundo consultor, clientes estão mais atentos a atitudes de marcas na pandemia; Chanel é criticada por reajuste de até 25%
por
Vittória Burattini
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28/06/2020 - 12h

Em uma sociedade, seja antes da globalização ou atualmente, a moda sempre esteve presente entre a população. A forma de se vestir está diretamente relacionada com a cultura e os acontecimentos históricos. Por isso, não é uma surpresa a indústria fashion passar por mudanças e se reinventar, durante a pandemia de Covid-19, em 2020. 

Por conta da modificação de hábitos determinada pelo vírus, a população está mais focada em gastar seu dinheiro com coisas realmente necessárias, como alimentos e saúde, desmotivando o consumo de produtos não tão essenciais, como bolsas, joias e roupas de luxo. Com essa alteração nos costumes, a indústria da moda, principalmente a moda de luxo, se viu em desvantagem e, consequentemente, em crise. 

De acordo com as pesquisas da consultoria de administração americana Bain & Company, nos primeiros seis meses de 2020, o mercado de luxo sofrerá uma queda de 25% a 30% nas vendas. O primeiro impacto das marcas de luxo foi no começo da pandemia, em dezembro, quando a Covid-19 se espalhou pela China. Em 2019, o país asiático foi responsável por 90% do crescimento do comércio de luxo. Assim, quando a pandemia exigiu a quarentena, as marcas ficaram sem seus principais clientes. 

Ainda segundo a Bain & Company, a pandemia é uma ameaça para o setor de luxo. Os empregos e o mercado financeiro estão sob forte tensão, gerando uma consequente queda na confiança e na disposição dos consumidores de gastarem seu dinheiro com produtos mais caros. Além disso, a procura de bens e serviços de luxo pelos turistas continuará sendo interrompida pelas restrições de viagem e pelo constante medo de um possível contágio. 

Com todas essas alterações na economia da indústria de luxo, algumas marcas tiveram que se reinventar para continuar no mercado, mas nem todas de um modo positivo. A Chanel, um dos nomes mais tradicionais no comércio de luxo, anunciou o aumento de até 25% nos preços de suas bolsas mais clássicas. A marca francesa, que já é notoriamente conhecida pelo alto valor de suas peças, chegou a acrescentar quase mil euros no valor de algumas bolsas, alcançando a quantia de € 3.350. Já a bolsa "Chanel Classic Small Flap Bag" aumentou 20,9%, saltando de € 4.550, para € 5.500, quase R$ 31 mil. A marca usou o crescimento do valor das matérias-primas, como o couro de diversos animais, como justificativa para o reajuste. 

A jornalista e blogueira especializada em moda Luisa Accorsi usou seu alto número de seguidores para debater o aumento de preços das bolsas Chanel. Em seu canal do YouTube, a influencer deu sua visão sobre a mudança e explicou que a marca é uma das únicas do mercado de luxo que não vendem online. Consequentemente, a grife não vendeu nada durante todos os meses que ficou sem funcionar.

"A marca pode ter aumentado os preços para tentar compensar esse tempo que as lojas estavam fechadas. Porque não me parece que as matérias-primas realmente aumentaram tanto assim os valores, para justificar o aumento. Para mim, o acréscimo no preço das bolsas, em meio a uma pandemia, é um distanciamento do público", opinou a profissional. 

Luisa também falou sobre a estratégia de igualar os preços dos itens para estimular o consumo dentro do próprio país: "Atualmente, comprar peças de luxo, como a Chanel, na Europa é muito mais barato do que comprar aqui no Brasil ou na China. Existe muito o costume das pessoas viajarem para a Europa na procura de comprar as bolsas, mas com o cenário atual, em que ninguém está viajando, isso acabou. Com a equivalência dos preços, os consumidores são incentivados a comprar os produtos de luxo em seus respectivos países". 

Ao contrário da Chanel, a maioria das marcas de luxo continuam com seus preços inalterados, e até doaram fundos para combater a pandemia de Covid-19. Uma dessas grifes é a Gucci, que disponibilizou € 2 milhões de seu lucro para campanhas de arrecadação de fundos na Itália. 

Como estratégia para fugir da crise, Alessandro Michele, diretor criativo da marca italiana, anunciou no Instagram que irá reduzir pela metade o número de desfiles quando a pandemia acabar. Além de ser uma forma de economizar, essa fuga do calendário da moda foi justificada pela procura dos consumidores por coleções mais permanentes e atemporais, fugindo da chamada fast fashion. 

 Para Luisa, a Gucci está mais à frente da Chanel, já que a grife italiana está caminhando para uma relação mais próxima dos clientes e a uma ruptura com o 'status quo'. Enquanto isso, a Chanel só se afasta, por conta da sua vontade de exclusividade e alto preço. "As pessoas estão procurando marcas que elas se identifiquem com os valores, com a postura. Ter uma relação mais pessoal com a marca. Isso é o futuro", afirmou a jornalista. 

Claudio Diniz, CEO da Maison du Luxe (butique na área de conhecimento, consultoria e eventos) e coordenador da Comissão de Luxo da Câmara de Comércio França-Brasil, afirma que o mercado de luxo não combina com insegurança e, em tempos de Covid-19, a incerteza é constante. "As pessoas que têm dinheiro não deixaram de ter. O que acontece é que elas estão inseguras e não se sentem confortáveis em gastar com produtos mais caros, sendo que nem saem de casa", declara o professor de marketing de luxo. 

Assim como Luisa Accorsi, Claudio diz que os clientes de grande grifes querem saber o que as marcas estão fazendo por eles durante a pandemia, ou seja, se continuam agindo como se nada fora do habitual estivesse acontecendo ou se estão ajudando a população de seu país na produção de máscaras ou distribuição de produtos essenciais de higiene. De acordo com o especialista, quando o consumidor compra um produto de luxo, aquilo faz parte de seu estilo de vida e o produto deve falar com o cliente. 

 Apesar da crise econômica e de saúde causada pela pandemia, a China continua consumindo. Os clientes chineses são responsáveis por 30% das compras de luxo no mundo e os preços dos produtos de marca não costumam preocupá-los. Segundo a Footwear News, no primeiro dia pós-quarentena, a loja da grife Hermés faturou US$ 2,7 milhões, um recorde de vendas. 

 "O luxo está perdendo seu brilho. O produto agora é feito para ser vendido. O mercado ficou mercantil. Perdeu o brilho quando passou a não olhar mais para o cliente individualmente, e sim a reduzi-lo apenas ao dinheiro. Estamos valendo o quanto podemos oferecer", reflete Claudio Diniz. 

Território Yanomami tem 20 mil garimpeiros que violam a legislação e aumentam risco de Covid
por
Maria Clara Milano Pizzo
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29/06/2020 - 12h

O garimpo ilegal está aumentando em meio à pandemia de coronavírus. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), a bacia do Xingu sofreu um desmatamento de 20.839 hectares em apenas dois meses. Além das consequências para o meio ambiente, o avanço da mineração tem colocado a vida dos povos originários da Amazônia em risco pela contaminação de Covid-19.

Garimpo é o nome dado à exploração, mineração ou extração de substâncias minerais, que utiliza poucos recursos e investimentos, muitas vezes com técnicas predatórias ao meio ambiente, como o uso de mercúrio para extração de ouro. No Brasil, a atividade é considerada uma forma legal de extração quando feita sob algumas regras e em locais permitidos. 

A atividade se torna ilegal quando realizada sem fiscalização e em áreas proibidas, como reservas ambientais e indígenas, o que acontece frequentemente no país. Um estudo realizado pelo ISA, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e revisado pela Fundação Oswaldo Cruz, relata que atualmente há 20 mil garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami. 

Além de lutar contra a presença de garimpos ilegais em suas terras, agora o povo Yanomami é ameaçado pela Covid-19 que os garimpeiros levam para a região. Aproximadamente 40% dos Yanomami vivem perto de áreas de extração ilegal e podem ser contaminados pela doença respiratória. 

Com o problema histórico do garimpo se transformando em uma questão de saúde pública, o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana lançou a campanha #ForaGarimpoForaCovid com a intenção de mobilizar e pressionar o governo para uma ação de retirada dos invasores ilegais do território, de forma que o povo indígena consiga realizar o isolamento social recomendando para evitar a transmissão do vírus.  

Os garimpeiros, que são o principal vetor de transmissão da doença no território, viajam frequentemente de Boa Vista, em Roraima, para as terras indígenas por meio de barcos e aviões. Três mortes e 55 casos foram confirmados, até o começo de junho, em meio aos Yanomami, que se encontram em território mais vulnerável à doença por conta do sistema de saúde que atende o local.

Os postos de saúde do local estão avaliados com a pior nota de todo o Brasil, tendo a menor disponibilidade de leitos e respiradores. Os Yanomami possuem um alto grau de vulnerabilidade social, com uma das menores expectativas de vida ao nascer, baixa escolaridade e falta de acesso ao abastecimento de água e saneamento básico. 

Com a crise econômica mundial causada pela pandemia, o preço do ouro está alto, o que incentiva a prática da atividade ilegal. Quanto ao impacto na economia do país, o pesquisador do PoEMAS (Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade) e professor Luiz Jardim Wanderley explica que não há um cálculo que aponte especificamente isso, mas que grande parte da mineração garimpeira é ilegal ou irregular, com problemas de licença. “Em 2017 foram 17 ou 18 toneladas de ouro provindas de garimpo tanto legal quanto ilegal. A estimativa é que, dessas, dez tenham sido produzidas ilegalmente. O ouro ilegal entra no sistema facilmente”, explica Luiz. 

O garimpo tem um maior efeito sobre a economia local, onde a extração do ouro é uma atividade central. 

Na reunião ministerial do dia 22 de abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reforçou a falta de preocupação do governo em relação às questões do avanço do desmatamento e atividades ilegais em terras indígenas. Estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa. Só se fala de Covid”, declarou Salles, acrescentando que, diante disso, o governo deveria aproveitar para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”. 

Porém, Luiz ressalta que tais mudanças não são tão fáceis assim e que o foco da cobertura midiática no coronavírus não é o motivo do avanço. “Não é como o ministro disse: ‘passar a boiada’. O que acontece é que já tem um avanço do garimpo no Brasil, que se dá sobretudo pelo agravamento das questões econômicas, o que implica mais indivíduos entrando para o garimpo.” 

Entretanto, Luiz acredita que as falas de políticos podem sim influenciar na intensidade da atividade, principalmente quando estão ligadas a uma diminuição da política de fiscalização, legitimando o discurso a favor do garimpo e com a intenção de legalizá-lo. 

Assim, o avanço da atividade ilegal é um efeito da crise econômica gerada pela pandemia, porém esse avanço também está atrelado à diminuição das ações do governo, como políticas de contenção e cuidado realizadas por órgãos como a Funai e o Exército. Com as medidas de isolamento, essa fiscalização está sendo realizada em intervalos de tempo maiores, o que é o recomendado, mas abre caminho para o aumento do garimpo ilegal. “De qualquer forma, o garimpo nunca foi uma atividade que se escondeu no Brasil”, reforça o pesquisador. 

O garimpeiro não deixa de ser um trabalhador precarizado, que realiza a atividade em meio às piores condições de segurança e saúde. Os donos dos garimpos geralmente são empresários e políticos influentes da região, e para Luiz Jardim é importante distinguir os dois, já que as máquinas utilizadas na extração custam muito dinheiro, exigindo um investimento de médio para alto, algo que não é acessível para a maioria da população. “Quem avança para as terras indígenas são os empresários”, ressalta Luiz.

Para o professor e pesquisador, as consequências do avanço do garimpo ilegal em terras indígenas não fogem muito da obviedade, como desmatamento, contaminação dos rios, remoção de terras e não recomposição das áreas degradadas. Os indígenas acabam sendo populações mais vulneráveis e distantes dos serviços públicos, e a rápida tendência de contaminação do vírus acaba provocando mortes. 

“Saúde indígena é um problema histórico do Brasil. São ainda muito concentrados, numa lógica de rede, a infraestrutura, a UTI, os respiradores. Estão localizados fora das terras, e o deslocamento até as áreas pode levar até semanas, o que é ineficaz contra doenças como o coronavírus”, comenta Luiz. “A doença só agrava uma condição já precária.”

Procura por imóveis aumentou 30% com medidas de isolamento social; paulistanos lideram as buscas
por
Adriano Madruga
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27/06/2020 - 12h

Durante a quarentena provocada pelo novo coronavírus, a cidade de Arujá se tornou destino de muitos paulistanos, que saíram em busca de um lugar mais calmo para passar o período de isolamento social.

Com cerca de 90 mil habitantes, Arujá recebeu nos últimos meses uma forte demanda de pessoas que vieram da capital paulista à procura de casas que estariam à venda ou disponibilizadas para aluguel, tanto em bairros comuns quanto em condomínios.

Imagem tirada pela Prefeitura de Arujá
Foto: Prefeitura de Arujá

Segundo Ana Lucia dos Reis, dona da imobiliária Marc 5, desde o início da quarentena houve alta de 25% a 30% na procura por imóveis na cidade. O aumento supera a taxa de 20% registrada no mesmo período do ano passado. Pelas estimativas do setor, se o mercado continuar nesse ritmo, o crescimento pode chegar a 50% até o fim do ano. 

Para a corretora, isso tem ocorrido devido à existência de muitas pessoas que pertencem ao grupo de risco e que moram em São Paulo. Contudo, os que possuem melhores condições financeiras acabaram optando por cidades menos urbanizadas, que têm registrado pouca circulação do vírus e apresentam uma qualidade de vida melhor do que na capital.

Outro setor que pode ser favorecido com essa migração é a área de serviços. Segundo Maria Souza, integrante da Associação Comercial e Empresarial (ACE), desde o início da quarentena muitas lojas de rua sofreram com a redução de clientes e a fiscalização pesada por parte da prefeitura. Consequentemente, isso fez com que muitos estabelecimentos comerciais, inclusive do setor alimentício, fechassem as portas ou  revissem suas estratégias de vendas, apostando nas entregas em domicílio.

Maria se mostrou entusiasmada ao saber sobre esse fluxo de novos moradores, pois acredita que possa ajudar na área comercial da cidade. “Com certeza a cidade tem que movimentar a economia. Essa chegada de pessoas novas pode fazer com que isso aconteça, e fico muito feliz por estar colaborando com isto.”

Ela acrescentou  que os empresários da cidade nunca pararam de trabalhar de fato, mas que ocorreu uma nova forma de fazer negócios, justamente para assegurar os cuidados com as pessoas e para não serem advertidos pela fiscalização pública. “O setor nunca parou. O que fizemos foi só tentar adaptar nossas vendas para melhor atender nossos clientes em suas casas, e seguir à risca as recomendações da prefeitura sobre a saúde no meio de trabalho.”

Rodrigo Procidonio Ruiz, corretor de imóveis da imobiliária Leardi, diz que sentiu uma maior procura de pessoas que vieram de São Paulo em busca de residências na cidade, e que isso foi  bom para o mercado local.

“Sim, aumentou consideravelmente a procura por imóveis em Arujá tanto para compra como para locação. Pois, além de comprar um imóvel na cidade, isso também gera tributos à prefeitura e, ao mesmo tempo, faz com que os construtores de casas gerem empregos.”

Ao ser questionado sobre quais seriam os motivos para fazer com que essas pessoas saíssem da capital para vir ao interior, Rodrigo esclareceu: “Este aumento, com certeza, é devido à atual situação da pandemia. As pessoas que têm nos procurado normalmente afirmam morar em apartamento, e este confinamento é fator agravante na qualidade de vida delas. Então provavelmente elas vieram pela busca de um lugar com mais espaço e com terrenos mais verdes também”.

Sobre os benefícios da demanda por casas para a economia local, o corretor afirmou que isso pode favorecer serviços como padarias, supermercados, lojas de roupas e farmácias, pois os novos moradores serão atraídos por ofertas que esses estabelecimentos disponibilizarão, e com isso tendem a impulsionar o consumo na cidade. Ao mesmo tempo, eles próprios podem criar um negócio que ajude a desenvolver Arujá.

 

De acordo com especialistas, medidas do governo favorecem empresários e deixam trabalhadores mais vulneráveis
por
Beatriz de Oliveira
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26/06/2020 - 12h

Neste momento, não é possível saber o quanto do aprofundamento da precarização do trabalho é pelos percalços da pandemia e o quanto é pelo aproveitamento da situação por parte dos empresários. É o que afirma o economista Mário Theodoro, especialista em mercado de trabalho e ex-consultor legislativo do Senado Federal.

Mário Theodoro. Por: Wellington Santos/ Sindicato dos Comerciários
Mário Theodoro. Por: Wellington Santos/ Sindicato dos Comerciários

“Afrouxar a proteção ao trabalhador na hora em que mais precisa de proteção é lamentável”, diz Theodoro, que aponta “uma falta de perspectiva de coletividade, em que as pessoas só pensam no que é melhor para elas”. Referindo-se à diminuição de salários e direitos, o economista critica sobretudo o empresariado, que, segundo ele, “só está pensando no seu lucro”.

No dia 16 de junho, foi aprovada pelo Senado a Medida Provisória (MP) 936. A medida foi editada em 1° de abril e permitiu redução de salários e contratos por dois e três meses, respectivamente. A redução de remuneração era acompanhada proporcionalmente pela diminuição de jornada de trabalho, podendo ser de 25%, 50% ou 70%. Com o aval unânime do Senado, o governo pode prorrogar os prazos. 

Poucos dias antes da MP 936, foi editada a de número 927, que permite a facilitação do teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, a reorganização do banco de horas e a suspensão temporária do recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). 

Segundo a advogada de direito trabalhista e sindical Francine Cadó, membro do Instituto Declatra (articulação em torno dos direitos do trabalho), apesar de as MPs serem promulgadas com a bandeira de manutenção de empregos, elas cobram muito mais o empregado do que o empregador. Ela salienta também a demora de formulações de ações; deputados e governadores ficaram em suspenso, “esperando uma diretriz do Executivo, e essa diretriz não veio”. 
 

Francine Cadó. Acervo Pessoal
Francine Cadó. Acervo Pessoal

Outro ponto é a possibilidade de acordos individuais em alguns casos, contando apenas com a notificação para os sindicatos. Cadó diz que há “uma série de ataques ao sindicalismo em geral, o que não é de hoje” e que a medida busca afastar os sindicatos dos trabalhadores num momento de fragilidade. 

Segundo a advogada, os sindicatos estão atuantes durante a pandemia, e usam as redes sociais como aliadas nesse contexto de distanciamento social. Mas esse meio vem perdendo espaço desde a aprovação da reforma trabalhista em 2017, que aboliu a obrigatoriedade da contribuição sindical. “Alguns sindicatos que a gente tem conhecimento aqui [em MG], como foi o sindicato dos jornalistas, a situação econômica deles piorou muito e consequentemente todos os serviços que eles podem oferecer para os filiados." 

A reforma trabalhista sancionada durante o governo de Michel Temer modificou regras para itens como remuneração, tempo na empresa, horário de descanso e transporte. Theodoro diz que a reforma reduziu a capacidade de negociação dos trabalhadores e que aproximou o trabalhador formal do informal. Ele afirma que “o mercado formal, bem ou mal, já tinha uma certa condição de proteção social” com o sistema previdenciário e seguro-desemprego, por exemplo. “O que acontece é que há dois anos eles começaram a destruir isso.” 

Para os informais, continua Theodoro, já não havia direitos garantidos. Segundo ele, o que se vê atualmente é que “ao invés de igualar chamando o informal para ter alguma coisa, se desestrutura o formal e [se] iguala os dois por baixo, ou seja, igualando os dois pela falta de direitos e pela precariedade”. 

O número de desempregados tem aumentado durante a pandemia. Segundo a pesquisa Pnad Covid-19, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de trabalhadores desempregados subiu 10,8% no mês de maio. Na última semana do mês, eram 28,5 milhões de desocupados. 

A crise aumenta a quantidade de pessoas se submetendo a trabalhos precarizados, como entregadores de aplicativo, que lidam com a desobrigação das empresas em garantir direitos, visto que não há configuração de vínculo empregatício. De acordo com o SindimotoSP (Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipal do Estado de São Paulo), o número de entregadores na capital paulista e Grande São Paulo aumentou 20% desde o início da pandemia. 

 Alexandre Fukugava/Pixabay
Entregadores de aplicativo são alvos de precarização e se expõem na pandemia. Por: Alexandre Fukugava/Pixabay 

Para quem não foi demitido nem teve o contrato suspenso, o home office pode ter sido adotado durante a situação pandêmica. São 8,8 milhões em regime de teletrabalho, segundo a Pnad Covid 19. Francine Cadó afirma que essa modalidade é uma tendência mundial e que pode favorecer alguns setores, mas “é inegável que, nos moldes em que ele vem acontecendo, o trabalhador fica bastante desprotegido”. Ela alerta para a difícil fiscalização da jornada de trabalho e para o montante excessivo de demandas repassadas ao empregado. Cadó recomenda que em caso de abuso o trabalhador faça contato com advogado trabalhista ou com o sindicato, e tente reunir provas, como email e prints da tela do computador, que mostrem a realização de atividades extrajornada. 

Mário Theodoro elucida que de um lado o teletrabalho poupa o empregador no que tange às instalações oferecidas, e de outro destina mais responsabilidades ao empregado, o que na prática faz com que trabalhe mais. “O que poderia ser uma boa ideia, e na Europa foi uma boa ideia para flexibilizar positivamente e para dar mais tempo para o trabalhador ficar com sua família, no caso do Brasil está virando uma superexploração”, diz ele, acrescentando que, pela crise de empregos que o país vive, as pessoas se veem obrigadas a aceitar situações de trabalho precárias. 

Nota-se ainda a situação preocupante das pequenas e médias empresas. O economista fala que essas empresas não têm recebido apoio estatal e as linhas de crédito anunciadas são malsucedidas, em parte porque bancos privados se recusam a emprestar para pequenos negócios. Afirma ainda que são elas que sustentam grande parte dos empregos. Segundo dados do Sebrae-SP, 49% dos trabalhadores formais do estado estão nas pequenas empresas.