Sem orientação adequada, donas de pequenos negócios relatam dificuldades para entender as mudanças na economia e veem sua renda ameaçada
por
Manuela Dias
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28/11/2025 - 12h

A falta de informação qualificada tem se tornado uma das principais barreiras para microempreendedoras brasileiras que dependem de insumos importados ou de produtos cujo preço varia conforme fatores globais. Em meio a mudanças recentes nas taxas, oscilações cambiais e aumento da burocracia para transações internacionais, muitas afirmam que não sabem onde buscar apoio técnico. É o caso de Danielle Nayara, maquiadora e microempreendedora, que iniciou seu negócio após deixar o emprego formal para trabalhar com eventos.

“Eu sempre gostei de maquiagem, mas nunca tinha pensado em maquiar outras pessoas. Só comecei depois de uma sugestão, fiz um curso e acabei me apaixonando pela profissão”, conta. Hoje, ela atende clientes em casa, em eventos e até pernoita em residências para preparar noivas e madrinhas. Mas apesar da agenda cheia, manter o negócio funcionando tem se tornado cada vez mais complexo.

Um desafio diário

Para Danielle, o principal custo do seu trabalho é a compra de materiais: produtos que sofrem variações constantes de preço, muitas delas impactadas por fatores externos. “Um produto que eu comprei por um valor semana passada já está mais caro hoje. Quando isso acontece, eu preciso ajustar meus preços, porque se não aumento, perco margem”, explica.

Ela relata que, muitas vezes, não entende o motivo dessas oscilações nem encontra informação clara sobre o que está influenciando o aumento. Esse descompasso entre preço e explicação não só dificulta o planejamento, como a impede de aproveitar oportunidades.

“A qualidade dos produtos é essencial. Se o material é ruim, não adianta eu ser boa. Só que para comprar produtos bons, eu preciso pesquisar muito. E os preços mudam rápido demais”, diz.

A falta de informação também interfere na profissionalização. Em eventos como a Beauty Fair, Danielle conseguiu adquirir produtos de alta qualidade com preço reduzido, mas admite que depende do acaso: “Eu fico sabendo por redes sociais. Se eu não vejo no Instagram ou no TikTok, eu perco a chance.”

Redes sociais como principal fonte

Como muitas microempreendedoras, Danielle se informa principalmente pelas redes sociais. “É onde está tudo hoje: Instagram, TikTok, WhatsApp. É ali que vejo notícias, promoções e mudanças”, afirma. O problema, segundo especialistas, é que essa dependência de canais informais deixa empreendedoras vulneráveis. Notícias sobre variações cambiais, tarifas, mudanças em importações ou novas regras para comercialização de cosméticos dificilmente chegam a essas mulheres de forma clara e estruturada. Isso faz com que muitas decisões sejam tomadas às cegas.

Economistas e organizações ligadas ao empreendedorismo feminino têm reiterado que a falta de informação clara é hoje um dos maiores riscos para pequenos negócios liderados por mulheres. À medida que insumos sofrem com oscilações globais, e que o comércio exterior se torna mais complexo, milhares de empreendedoras enfrentam um mercado imprevisível sem apoio técnico.

No caso de Danielle, o impacto ainda é administrável, mas ela admite a preocupação: “Eu tento acompanhar tudo, mas é difícil saber o que realmente vai afetar meu trabalho. Às vezes, descubro um aumento só quando chego na loja para comprar”, relata.

Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”.
“Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”. Reprodução: arquivo pessoal 

Força para manter o negócio! 

Apesar dos desafios impostos pela falta de informação, pelos custos instáveis e pelas mudanças constantes no mercado, mulheres como Danielle continuam sustentando seus negócios com esforço diário, intuição e dedicação. A realidade que enfrentam é marcada por incertezas, mas também por uma determinação que atravessa jornadas longas, madrugadas de trabalho e decisões tomadas sem o suporte adequado.

No fim das contas, o que sustenta esses negócios não é apenas acesso a crédito ou políticas públicas: é a força de mulheres que, todos os dias, escolhem continuar. A luta feminina, silenciosa ou coletiva, segue sendo a certeza em meio ao cenário incerto e continua provando que, quando essas mulheres resistem, elas transformam não só suas próprias histórias, mas também o futuro do empreendedorismo no país.

 

Transformando a vida de milhões de pessoas todo ano, merece mais reconhecimento e recursos para manter o Brasil vivo
por
Vítor Nhoatto
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28/11/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

Uma das poucas certezas de todo ser humano, tal qual a morte, é a doença. Sabe aquele resfriado que vem junto ao seco do frio, uma ferida que infecciona depois de cair de bicicleta, até aquelas mais sérias que podem aparecer. Fato é que sem saúde não se vive, sendo um direito constitucional não por acaso. Sendo assim, é preciso que o acesso a essa necessidade tão básica quanto respirar e se alimentar seja universal, e não um bem a se comprar apenas por aqueles que podem.

Para isso então que existe o Sistema Único de Saúde (SUS), tão falado e muito mais presente na vida do que alguns podem sequer imaginar, ou querer. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador dos medicamentos disponíveis no país, de controle alimentar e hídrico, faz parte do SUS. Regulamentado em 1990, é responsável pelas vacinas e desenvolvimento científico ainda, e sabe os planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde (ANS), que os regula, também é integrante do sistema.

Para falar dessa diferença real na vida, antes é preciso até olhar nos papéis para lembrar já a quanto tempo ele é médico, enfermeiro, farmácia. De cabelos curtos hoje, depois de uma repaginada no visual devido ao câncer de pulmão que teve justamente na pandemia de COVID-19, Léia Marisa celebra que há dois anos consegue receber na AME Maria Zélia o micofenolato de Mofetila. Pois é, muitas vezes quando o nome é chique o preço é alto, uns R$500 por caixa, mil reais por mês gastos antes da papelada ficar pronta e ser aceita em 30 de novembro de 2023, já que a doença não espera os trâmites e filas.

A ex-professora, atual dona de casa e empresária a distância do seu restaurante, conta como o período de descoberta e tratamento do câncer, que levou até questões reumatológicas, e ajudou a descobrir uma artrite reumatoide, foi muito difícil. Entre dezenas de idas ao hospital de 2020 até 2023 até chegar ao diagnóstico, foram dias desgastantes, assustadores, e toda ajuda foi essencial, principalmente com os custos de sobreviver à doença. No caso dela, o tratamento do tumor foi feito em rede privada graças ao seu plano de saúde empresarial, que custa salgados R$5 mil reais ao mês. Só aqui são quase quatro salários mínimos, um privilégio muito grande, como ela destaca, olhando para um país em que apenas 7,60% da população ganha entre 5 e 10 salários como o Censo de 2022 do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística revela. 

Se aprofundando mais ainda nos fatos, de acordo com o estudo “Quanto custa o câncer” de 2023 do Observatório de Oncologia, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) e do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, os custos de tratamento da doença quadruplicaram nos últimos três anos. Uma sessão de radioterapia ou quimioterapia custava quase R$800 em 2022, e dezenas são necessárias na maioria das vezes. Acrescentando nessa conta, consultas, tomografias e biópsias, mil reais ali e cinco acolá, o custo chega facilmente ultrapassa dezenas de milhares de reais. Isso é ainda mais preocupante tendo em conta a incidência do câncer na população, que segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) entre 2023 e 2025, 704 mil pessoas terão a doença como Marisa. 

E com isso que o SUS se mostra como algo tão relevante, oferecendo tratamento integral e gratuito contra todos os tipos de cânceres. Claro que muitos problemas existem, como destaca Marisa ao lembrar que quando estava no meio do tratamento enfrentou problemas com o plano de saúde, mas que só o medo de depender da demora do SUS caso fosse preciso, a preocupava muito. A saúde é o bem mais precioso para, o que para todos provavelmente deva ser, e por isso justamente que em 2012 a lei 12.732/12 obriga que o tratamento contra o câncer tem que ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico. 

Mas além disso, com os olhos marejados depois de navegar novamente no mar agitado que foi a jornada até a vida que tem hoje, curada e com o diagnóstico da sua doença crônica, ela volta e lembra que a diferença que não ter que pagar pelo Micofenolato que a mantém respirando faz.  Quando tinha que arcar com as despesas era como um fardo a mais imposto a ela, que considera a saúde hoje como o bem mais valioso. As idas mensais  ao posto são um alívio hoje para ela, destacando que o seu medicamento nunca faltou até então, mas que já presenciou pessoas na situação contrária e que não tinham como arcar pessoalmente com os gastos. Essa é uma realidade infelizmente, segundo fiscalização de 2023 da secretaria de contas do Estado de São Paulo, em quase metade dos postos visitados faltavam algum medicamento.

papéis
A cada seis meses Marisa tem que renovar a receita e toda a papelada para solicitação do seu medicamento junto a AME - Foto: Vítor Nhoatto

Milhões de uns

Mesmo que falte muito, afinal, só 4,16% do orçamento federal foi destinado à saúde em 2024 segundo o Painel do Orçamento Federal, a porcentagem vem aumentando desde 2022, e milhões de brasileiros são atendidos todos os dias. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema universal de saúde, e 213 milhões dependem diretamente do SUS, segundo o Ministério da Saúde, que contabiliza em média 2,8 bilhões de atendimentos por ano, empregando 3,5 milhões de profissionais.

E mais um desses uns é Valdir Sousa, que do alto de seus 63 anos de idade é um típico caso brasieleiro. Com diabetes do tipo II há 20 anos e hipertenso, conta que se não fosse o acesso ao sistema gratuito, sua vida seria muito diferente, obviamente pelo lado financeiro, e muito também pelo bem-estar. O mineiro nascido em São João do Paraíso e que vive em São Paulo há décadas já viu tanto na vida, e com o passar do tempo o que todos querem e merecem é justamente qualidade de vida. Essa no caso, em grande parte possível graças a insulina que busca no posto na Freguesia do Ó e os comprimidos que cuidam do seu coração acelerado.

Justamente essa hipertensão que é a doença mais presente nos peitos animados dos brasileiros, e 52% da população é diagnosticada com alguma DCNTs, como revela a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Além disso, segundo dados de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) como as de Valdir são tecnicamente chamadas, são as mais comuns no mundo e no Brasil, com o diabetes inclusive tendo aumentado 70% entre 2000 e 2019. 

Para contextualização, nos Estados Unidos existe há alguns anos o movimento nas redes sociais insulin4all, criado pela organização sem fins lucrativos T1 International, que denuncia os altos custos da insulina no país, onde um frasco de 10ml gira em torno de U$330. Tal situação vem levando inclusive pessoas a racionarem o medicamento, o que pode levar a complicações e até a morte em casos mais graves. Já no Brasil, o mesmo remédio é disponibilizado pelo SUS, e o preço máximo permitido por lei é de R$125,30. 

Diante desses dados e o envelhecimento da população fica claro como a saúde vai ser cada vez mais necessária, tal qual destaca o jovem de espírito Valdir, que já foi pedreiro e auxiliar de manutenção geral em uma lanchonete, justamente no Hospital das Clínicas. As histórias que já viu na maior referência de saúde pública brasileira enchem a sua mente, e as palavras saem inquietas sobre as melhorias que o SUS precisa e as pessoas merecem. Ele conta em meio a suspiros que quando precisa de exames mais urgentes, ou consultas em meio a crises, tem que recorrer ao plano de saúde da sua esposa, do qual é dependente, já que as unidades de saúde estão sempre cheias e a fila de espera passa de meses algumas vezes. 

Foi nessas passagens obrigadas pela rede privada que ele inclusive descobriu mais um integrante do seu pacote, a doença renal crônica há um ano. Porém, é no SUS que o acompanhamento com nutricionista, nefrologista e endocrinologista foi possível, uma rotina de cuidados essenciais para uma boa qualidade de vida para quem tem a condição. É graças a essa rede de profissionais e a farmácia popular que Valdir vai aproveitando com os dois filhos e a mulher os seus dias, frisando com a voz até meia trêmula, que sem isso não poderia se ter o seu direito de viver com saúde exercido plenamente.

medicamentos
São graças a compostos como esses que tanto Marisa ou Valdir, e os mais de 100 milhões de brasileiros com doenças crônicas podem viver bem tal qual a constituição garante - Foto: Vítor Nhoatto

 

Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
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14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Para além dos ganhos financeiros, iniciativas buscam promover transformações sociais
por
Gabriella Lopes
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24/11/2020 - 12h

“Precisamos começar [a pensar] pela perspectiva de que o capital é apenas uma ferramenta que pode ser usada para criar algo de bom na sociedade ou algo de ruim." Esse foi um comentário curioso de Andrea Armeni, cofundador e diretor-executivo da Transform Finance, feito no episódio três da websérie "Finanças do Bem".

A Transform Finance Investor Network é uma comunidade (como declaram em seu site) que une profissionais de finanças com o interesse em utilizar o capital para transformações sociais. A ideia de que o capital pode e deve ser usado como fomentador das ações de impacto socioambiental tem sido cada vez mais debatida entre os investidores e a classe alta. Investidores como Armeni e companhias como a Transform Finance surgem cada vez mais.

A preocupação com o meio ambiente e a sociedade fizeram com que as novas gerações cobrassem das empresas posicionamento e atitudes em relação ao assunto, o que levou ao crescimento do ramo nos últimos dez anos. O Relatório GIIN (Global Impact Investing Network) de 2019 mostra que nos últimos oito anos os investimentos de impacto aumentaram anualmente. Os dados mostram que, no mundo, são US$ 502 bilhões de ativos sob gestão retidos em 1.340 investidores de todos os tipos.

No Brasil, esse número é menos expressivo. Não só porque se fala em escala nacional, mas porque o assunto é ainda mais recente nas pauta daqueles que investem no país. De acordo com o Relatório 2020 da Ande (Aspen Network of Development Entrepreneurs), o investimento de impacto no Brasil saltou de US$ 343 milhões para US$ 785 milhões no período de dois anos. Um crescimento considerável em um intervalo de tempo tão curto.

Esses números não incluem qualquer empresa que se encaixe nos padrões ESG ("Environmental, Social and Corporate Governance", em português: “Governança Ambiental, Social e Corporativa”). São três parâmetros usados para medir o impacto ambiental e social de uma empresa ou ativo. Esses parâmetros passaram a entrar no espectro do investimento há mais tempo, mas não quer dizer que todos os investimentos sustentáveis são de impacto.

Em uma live promovida no início de agosto pelo Citi Brasil, o diretor-executivo da Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto, Beto Scretas, explicou que, dentro do espectro do investimento, empresas e fundos passaram a avaliar seu impacto socioambiental, principalmente para gerar valor ao preencher as novas demandas do mercado moderno, mas não são, necessariamente, investimentos de impacto.

“No mundo dos investimentos ESGs e sustentáveis, estamos falando de todo o universo de empresas. Qualquer empresa em qualquer setor pode ter um padrão ESG elevado. No caso de investimentos de impacto, estamos falando de empresas que têm como missão resolver um problema social e ambiental”, comentou Scretas. 

Curiosamente, uma matéria de Rafael Gregório, publicada no site Valor Investe, do Valor Econômico, mostrou que os maiores “fiscalizadores” de empresas ESG e investidores de impacto são parte da classe de super-ricos brasileiros. A matéria conta que, para as gerações mais novas das famílias ricas do país, não basta os gestores de riquezas darem retorno financeiro. Agora “é preciso desenhar e pôr em prática maneiras de deixar marcas na comunidade”, escreveu Gregório.

Ainda resta uma questão: os investimento de impacto realmente fazem diferença? Ainda é cedo para ter resultados a médio e longo prazo. O que realmente se sabe é que cada vez mais investidores estão cobrando isso das empresas e elas têm atendido. Existem vertentes da esquerda política e econômica que nem sequer acreditam que o sistema capitalista pode salvar aquilo que ele mesmo vem destruindo. Ao mesmo tempo, existem pessoas como Andrea Armeni, que acreditam que o capitalismo pode ser usado para o bem, tanto quanto é usado para o mal. Esse é o “quê” do investimento de impacto: o retorno financeiro junto de ações socioambientais.

Na pandemia, o assunto se acentuou ainda mais. Percebendo a fragilidade financeira dos governos, empresas pelo mundo todo se viram pressionadas a ajudar a população para a qual vendem seus produtos. Um exemplo no Brasil foi da Ambev, junto da Gerdau e do hospital particular Albert Einstein, que construíram uma expansão para tratar a Covid-19 no Hospital Municipal M’Boi Mirim, no Morumbi, bairro da capital paulista. Foram 100 leitos com equipamentos de ponta entregues em apenas 40 dias no mês de março.

A crise revelou que gestos como esses mostraram o potencial e a eficácia da iniciativa privada o que incentivou ainda mais o investimento de impacto. Ainda não dá para considerar esse fenômeno como evidência concreta de uma mudança radical do capitalismo. Ao mesmo tempo que se fala bastante do “novo” normal pós-pandemia, também se fala que, quando o momento atual passar, tudo voltará a ser como antes.

Por outro lado, em julho, o índice S&P 500 ESG (índice composto por 500 ativos cotados na Bolsa de Nova York e na Nasdaq)  mostrou alta de 0,6% em relação ao índice S&P 500 ativos normais. A Morningstar apontou que 51 dos 57 índices de sustentabilidade superaram seus equivalentes normais no mercado no primeiro trimestre de 2020. Os dados mostram uma tendência favorável para os investimentos de impacto e os governos também têm comprado essa ideia.

Segundo Beto Scretas, a CVM (Comissão de Valores Imobiliários), principal órgão regulador do mercado de capitais no Brasil, está aberta a discussões. “A CVM está superaberta para fazer mudanças que possam criar um campo regulatório mais favorável para o setor”, comentou.

Beto contou também que um grande passo foi tomado para o país. Medidas regulatórias sobre os investimentos de impacto chegaram ao nível estadual. Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Minas Gerais já possuem regulamentações para o setor e São Paulo, o maior estado do país, já está pensando no assunto.

 

Na disputa pela prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno foi o único a não incluir medida em seu plano de governo
por
Henrique Sales Barros
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24/11/2020 - 12h

Faltando uma semana para as eleições municipais em 2016, quatro candidatos estavam com mais de 10% nas pesquisas de intenção de voto do Datafolha e do Ibope em São Paulo: João Doria (PSDB), Celso Russomanno (PRB, hoje Republicanos), Marta Suplicy (PMDB, hoje MDB) e Fernando Haddad (PT).

Durante o pleito, que ocorreu no auge do antipetismo e da rejeição à esquerda política - Dilma Rousseff (PT) havia sido impeachmada há pouco menos de dois meses -, propostas de renda mínima ainda eram bandeiras de candidatos mais progressistas, que ainda a defendiam de forma tímida.

Na época, Doria, Russomanno e Marta não citavam propostas do gênero em seus planos de governo. Haddad era o único que defendia “avançar na transição do programa Bolsa Família em direção à Renda Básica de Cidadania”, sem mais detalhes sobre como isto seria feito.

Nas eleições deste ano, o cenário foi diferente. Entre os quatro candidatos com mais de 10% nas últimas pesquisas Datafolha e Ibope, três defenderam uma política de renda mínima em seus planos de governo - Bruno Covas (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Márcio França (PSB) -, e o único que não a incluiu no plano - Russomanno - aderiu a ela ao longo da campanha.

Em seu plano de governo, Boulos falou em criar o programa “Renda Solidária”,  que seria uma reestruturação do já existente Renda Mínima Municipal, regulamentado durante a gestão Marta Suplicy (2001-2005).

No início de outubro, Boulos realizou um evento com líderes sociais no bairro da Santa Cecília, no centro, para lançar as diretrizes do programa. Segundo o psolista, o “Renda Solidária” beneficiaria um milhão de famílias na capital com valores que iriam de R$ 200 a R$ 400.

França, que foi governador interino de São Paulo entre abril e dezembro de 2018, propôs em seu plano criar, “de forma permanente”, um auxílio para “grupos vulneráveis” e profissionais de aplicativos de transporte.

Em entrevista para a rádio Eldorado no fim de outubro, França defendeu uma proposta de renda básica mesclada com uma frente de trabalho. O ex-governador propôs contratar 200 mil jovens e adultos para fazer manutenção de áreas públicas que, em troca, receberiam R$ 600 trabalhando em jornada reduzida, por apenas três dias por semana.

Russomanno citou a proposta pela primeira vez em um encontro com motoristas de aplicativos  sindicalizados no fim de setembro. Na ocasião, o candidato republicano afirmou que seu programa seria um complemento ao auxílio emergencial, que está garantido apenas até dezembro pelo governo federal, sem definir o valor do benefício.

Atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas falou apenas em ampliar o Renda Mínima Municipal em seu plano de governo. Durante a campanha, o tucano agiu para acelerar a discussão e aprovação de um projeto que institui uma renda mínima provisória durante a pandemia do novo coronavírus na Câmara.

O projeto foi aprovado no fim de outubro pelos vereadores paulistanos, mas Covas sancionou o projeto apenas em novembro, quando o transformou em lei publicando-o no Diário Oficial da Cidade de São Paulo.

Os beneficiários, que são os mesmos do Bolsa Família e famílias de trabalhadores ambulantes,  receberão R$ 100 por membro do grupo familiar durante três meses, com periodicidade mensal - porém, Covas não especificou quando o benefício começará a ser pago.

Sites de segunda mão apostam em grifes internacionais e veem retorno de seu público limitado
por
Beatriz Aguiar
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20/11/2020 - 12h

A Gucci anunciou recentemente uma parceria com o site internacional de revenda de roupas de segunda mão The RealReal. O site possui mais de 17 milhões de usuários e atualmente vale US$ 28 bilhões. Até 2025, espera-se que esse valor cresça para US$ 64 bilhões. Tal atitude de uma das grifes mais procuradas e desejadas do mundo mostra que o negócio de revenda de peças de luxo veio para ficar.

Segundo o Boston Consulting Group (BCG), o crescimento desse mercado, hoje avaliado entre US$ 30 e US$ 40 bilhões, será impulsionado, principalmente, pela acessibilidade e pela consciência ambiental. Se, em 2020, 21% de um closet é composto por roupas usadas, em três anos será 27%. No Brasil, sites de revenda de peças de luxo movimentam esse mercado desde o começo da década.

O Troc, criado em 2016 pela advogada Luanna Toniolo Domakoski, tem preços para todas as faixas de renda, uma vez que não revende exclusivamente marcas de luxo. A fórmula deu certo: em 2019 faturou R$ 10 milhões e, em setembro, o grupo Reserva fez um investimento na startup de um valor não revelado, tornando-se sócio minoritário. Uma nova rodada de investimentos é esperada até o fim do ano para a empresa, que registrou aumento de 42% nas vendas durante a pandemia.

Para a especialista em tendências e comportamento de consumo de moda, Andréia Meneguete, a alta na procura por brechós de luxo veio após uma mudança de comportamento do consumidor. “Décadas atrás, o brechó era sinônimo de consumo de oportunidade. Quem não tinha dinheiro ou queria poupar, ia até um brechó e comprava roupas com um valor mais acessível (...) O contexto mudou, o mundo mudou e valores diante do consumo foram colocados em xeque. Diante das tendências de comportamento de um novo mundo, novas práticas de consumo surgem. Por isso, agora temos um consumo de segunda mão ressignificado.”

A pandemia trouxe recessão e desemprego em massa para o país, porém o empobrecimento da população não impulsionará este negócio em especial. Para Meneguete, o consumo de produtos de segunda mão vinga somente entre adeptos da prática sustentável ou entre os que desejam consumir produtos de luxo, mas não têm condições de comprar novos.  De fato, este não é um negócio inclusivo. Uma bolsa Gucci Jacki O, um dos modelos mais famosos da marca, custa R$ 3.200 no site Etiqueta Única, outro comércio de segunda mão de luxo. Na promoção, R$ 1.390. O salário mínimo no Brasil está em R$ 1.045 e, segundo o IBGE, no ano passado um em cada cinco brasileiros recebia menos da metade de um salário mínimo.

O comércio de luxo de segunda mão é uma realidade no Brasil, e intensifica-se pela geração Z, que tem em Greta Thunberg e suas “Sextas pelo Futuro” sua maior representante. Porém, é limitado a uma parte da população, e para aqueles cujo orçamento não permite tais aquisições, mesmo que mais baratas, resta o sonho. 

Em vigor desde 16 de novembro, ferramenta promete aumentar a competitividade no mercado dos bancos
por
Daniel Gateno
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20/11/2020 - 12h

O Banco Central anunciou a criação do Pix no início de outubro deste ano. O Pix é um sistema de pagamento instantâneo que visa facilitar e agilizar as transações financeiras. O novo sistema permite que uma transferência financeira seja feita em menos de dez segundos e sem restrições de horário.

“O Pix é um meio facilitador, ele dá mais rapidez às transações e traz o conceito de pagamento instantâneo ao Brasil, um mecanismo que já é amplamente utilizado em outros países”, avalia Rafael Bianchini, professor do departamento de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Bianchini explica que o Pix foi criado pelo Banco Central, mas que as instituições financeiras irão oferecer a nova ferramenta. “Os bancos e fintechs serão responsáveis pelo Pix, que tende a democratizar o acesso.”

Atualmente é possível realizar transações financeiras por meio de transferência eletrônica disponível (TED) e documento de ordem de crédito (DOC). Ambas as ferramentas só permitem operações durante o horário comercial e dependem de intermediários.

“O mercado deve ficar mais competitivo por causa do Pix”, acredita o docente. “A população não precisa ter conta em banco, nem se locomover para alguma agencia bancária e isso vai quebrar um pouco o restrito mercado dos bancos.” O acadêmico analisa que empresas que não têm função de banco, como a Nubank, podem aproveitar a oportunidade do Pix.

A inauguração oficial do Pix ocorreu no dia 16 de novembro, porém os consumidores puderam registrar as suas chaves desde o início de outubro.

Segundo dados do Banco Central, o Pix recebeu mais de 50 milhões de registros de chaves. O mecanismo identifica o usuário e a sua conta bancária a partir de dados simples dos clientes como número de celular, CNPJ, CPF ou e-mail. Contudo, clientes reclamaram que algumas instituições financeiras obtiveram as chaves da nova ferramenta sem o consentimento dos donos das contas.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) questiona internamente a quantidade de chaves cadastradas por fintechs, segundo matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo no dia 15 de outubro. Nubank, Mercado Pago e PagSeguro, três fintechs, lideram o número de chaves cadastradas. O Procon-SP notificou a Nubank e o Mercado Pago após as reclamações de uso indevido dos dados de clientes.

Bianchini opina que, apesar do recente sucesso das fintechs, elas ainda oferecem pouquíssimos serviços comparado aos bancos e não necessariamente de mais qualidade: “Todos os cinco principais bancos do país continuam sendo soberanos e também oferecem o Pix, além de múltiplos serviços adicionais às fintechs”.

Apesar da popularidade e da quantidade expressiva de registros, apenas 13% da população brasileira conhece o Pix. A sondagem feita pela TV Globo demonstra uma dificuldade de comunicação e aumenta os questionamentos sobre a ferramenta. “A falta de conhecimento do brasileiro sobre o Pix é natural, ainda não está disponível para a população e pode sofrer mudanças nos próximos meses. Ao longo do tempo as pessoas vão conhecer mais”, reflete Bianchini.

 

 

 

Com eleições americanas e nova tecnologia chinesa, o final de 2020 poderá definir o futuro das relações entre as duas potências
por
Giulia Pezarim de Angelo
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20/11/2020 - 12h

As primeiras semanas de novembro foram marcadas por eventos decisivos para a geopolítica internacional: enquanto o continente europeu enfrenta uma segunda onda de Covid-19, mudanças ocorrem nos dois sentidos do globo. No Ocidente, os Estados Unidos encerram suas eleições presidenciais com Joe Biden, do Partido Democrata, eleito. No Oriente, a China lança, com sucesso, o primeiro satélite de teste da conexão 6G, ultrapassando significativamente o adversário americano na corrida tecnológica mundial.

Ainda que Europa e África estejam geograficamente localizadas entre as duas maiores potências atuais, a globalização coloca todas as nações “no meio” da disputa entre China e Estados Unidos – cenário que já foi chamado até de “segunda guerra fria”. A tensão entre os países é marcada pela tecnologia: o que chamam de “corrida” é, num sentido prático, o alto investimento que essas e demais nações estão realizando em pesquisas da área. Os avanços tecnológicos poderão impactar o rumo da sociedade em diversos sentidos: consumo, cotidiano, indústria, política, segurança nacional e, entre outros tópicos, a economia dos dados digitais.

Em um artigo publicado em 2017 com o título The world’s most valuable resource is no longer oil, but data (“O recurso mais valioso do mundo não é mais o petróleo, e sim os dados”), a revista inglesa The Economist observou que “conforme aparelhos, de relógios até carros, se conectam à internet, o volume [de informação] está crescendo”, o que será um fator crucial na economia das próximas décadas. “Algoritmos podem prever quando um consumidor está pronto para comprar, uma turbina precisa de conserto, ou uma pessoa está com risco de doença”, afirmou a revista.

Se a internet é crucial para a economia de hoje (e tende a ser cada vez mais importante), ser pioneiro nas inovações digitais fará toda diferença para os gigantes da economia. Assim, o primeiro teste de conexão 6G é um grande passo para a China, e um marco na disputa entre ela e seu adversário ocidental – o qual, atualmente, luta para garantir exclusividade na venda da rede 5G, que começa a chegar no mercado mundial. Segundo o portal Eurasian Times, “o 6G chinês pode ser 100 vezes mais rápido que a tecnologia americana atual”.

Enquanto o mundo lida com a pandemia e os Estados Unidos começam a deixar para trás o turbulento processo eleitoral, a China parece acelerar seus passos na corrida: além do novo 6G, intensificou o controle de Hong Kong – território crucial na tensão entre Pequim e Washington.

Apesar do momento incerto, a análise dos especialistas pós-eleições não é tão pessimista: com Biden eleito, a tendência é de abertura para uma relação mais diplomática entre os países, com maior espaço para o diálogo. Para Shi Yinhong, diretor do Centro de Estudos Americanos na Universidade do Povo da China, o novo presidente democrata pode tornar as relações entre EUA e China mais previsíveis e estáveis. “Comparada a Trump, Biden-Harris é [uma chapa] muito menos ousada, muito menos vulgar, e muito menos errática”, escreveu Shi Yinhong, em um artigo publicado pelo website chinês Ifeng News.

O novo chefe de Estado americano trouxe um discurso rígido em comparação ao último presidente democrata eleito, Barack Obama, de quem foi vice em seus dois mandatos (2008 e 2012). O político promete agir em parceria com democracias aliadas (entre elas Japão, Coreia do Sul e Austrália) para “confrontar o comportamento abusivo da China e suas violações aos direitos humanos”, mas também “cooperar com Pequim em questões onde seus interesses convergem, tais como as mudanças climáticas e saúde global”. Biden afirmou que irá priorizar a diplomacia na política internacional. O governo chinês foi um dos últimos que o parabenizaram após a sua vitória, levando dias para se pronunciar.

Seu antecessor direto, o ainda presidente Donald Trump, teve governo e campanha marcados por um forte posicionamento contra o gigante do Oriente, dando início à notória “guerra comercial” com a China em 2018. O governante atuou como antagonista das principais empresas de tecnologia chinesas – em especial a Huawei, maior produtora de equipamento 5G para aparelhos móveis –, sob acusações de espionagem. Seu mandato foi marcado por discursos ofensivos à nação rival – em especial durante o surto do novo coronavírus, que chegou a chamar de “vírus chinês”.

Com o resultado das eleições americanas, os próximos quatro anos serão decisivos para a relação entre China e Estados Unidos: elas poderão aumentar a já significativa tensão entre os países, ou amenizá-la, com uma tendência mais diplomática.

A tecnologia estará no centro desse cenário. “Estamos observando um dos momentos mais interessantes para se vivenciar no sistema internacional: pela primeira vez, numa transição hegemônica, um país do Sul – até pouco tempo camponês e pobre – está se equiparando, por meio de investimentos pesadíssimos em inovação e tecnologia, à grande potência [EUA], podendo fazer a ultrapassagem”, afirma a professora Cristina Soreanu Pecequilo, do curso de relações internacionais da Unifesp. Segundo ela, “projeções mostram que, se continuar nesse ritmo, a China dominará o mercado de inteligência artificial até 2024”.

Mas algo também é certo: os americanos não pretendem abrir mão do posto de “primeira economia” tão cedo. Cabe a Biden descobrir como mantê-lo – com sorte, da forma mais diplomática que conseguir.

Imagem da capa: Joe Biden cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, durante visita a Pequim enquanto era vice-presidente Foto: POOL New / REUTERS / 4-11-2013