O presidente Jair Bolsonaro anunciou na semana passada a decisão de abortar o programa social que vinha sendo anunciado como um substituto do Bolsa Família. Estimulada pelo aumento da popularidade do presidente propiciado pelo pagamento do auxílio emergencial, a decisão de criar um novo programa – batizado de Renda Brasil – foi cancelada por Bolsonaro supostamente por exigir condições consideradas inaceitáveis por ele, como a suspensão de outras políticas voltadas para a população de baixa renda.
O Bolsa Família foi criado em 2003 pelo governo Lula e se tornou uma marca das gestões petistas. Atualmente, 14,2 milhões de famílias são beneficiadas pelo programa, que consiste em uma transferência direta de renda para famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza.
O programa nunca foi unanimidade, mas sempre foi mantido pelas gestões posteriores à do governo Lula. “O Bolsa Família tem a chancela do governo Lula, é um dos carros-chefes dele e uma das razões que fez com que ele se reelegesse e elegesse a Dilma. A oposição sempre falou mal do programa porque precisava fazer uma contraposição ao Lula”, analisa Camila Kimie Ugino, professora do departamento de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Nenhum candidato tirou uma proposta de transferência de renda de seu programa de governo, pois é visível o seu impacto social.”
Segundo dados de reportagem do Estado de S.Paulo veiculada no dia 22 de agosto, o Renda Brasil estava sendo projetado para atender 8 milhões de pessoas a mais que o Bolsa Família. A intenção do governo era colocar em prática a nova iniciativa no início de 2021, após o fim do auxílio que já foi confirmado até o final do ano pela equipe econômica.
O projeto do ministro da Economia Paulo Guedes, previa uma elevação do corte em relação à renda mensal dos beneficiados: de R$ 89 para R$ 100 por pessoa no caso de famílias em extrema pobreza e de R$ 178 para R$ 250 por pessoa em famílias consideradas pobres. Além disso, o Renda Brasil estabeleceria um bônus para famílias que estivessem com filhos nas escolas ou em cursos profissionalizantes, assim como uma maior renda para mães com filhos recém-nascidos, até os três anos de idade.
A iniciativa do governo Bolsonaro vinha sofrendo retaliações e brigas internas que resultaram em rumores sobre a saída do ministro Paulo Guedes. Durante um evento no dia 26 de agosto, Bolsonaro criticou a sua equipe econômica e suspendeu o Renda Brasil: “Ontem discutimos a possível proposta do Renda Brasil. A proposta, como a equipe econômica apareceu pra mim, não será enviada ao Parlamento. Não posso tirar de pobres para dar a paupérrimos”.
O embate entre Bolsonaro e a equipe econômica teve mais um episódio, que aparentemente encerrou o projeto social antes de seu início. Na última terça-feira, dia 15, o presidente declarou que o Renda Brasil estava cancelado e que manteria o Bolsa Família até o final de seu governo. O chefe do Executivo ameaçou dar um “cartão vermelho” àqueles que defendessem o congelamento do salário mínimo, aposentadorias e o corte de benefícios pagos a idosos e deficientes.
A ira de Jair Bolsonaro teria sido provocada por uma entrevista dada por Waldery Rodrigues, secretário especial da Fazenda do Ministério da Economia. Rodrigues afirmou ao portal G1 que a equipe econômica estudava congelar benefícios previdenciários: ”A desindexação que apoiamos diretamente é a dos benefícios previdenciários para quem ganha um salário mínimo e acima de um salário mínimo, não havendo uma regra simples e direta [de correção]”.
A oposição ao novo programa é explicada pela necessidade de cortes em outros programas sociais, como o abono salarial (um salário mínimo a mais para pessoas que ganham até dois pisos), seguro-defeso (benefício dado a pescadores durante a reprodução dos peixes) e o salário-família (para trabalhadores formais e autônomos que são contribuintes da Previdência Social).
“Paulo Guedes está tendo um choque de realidade”, avalia Ugino. “Guedes é o atual ministro da Economia e está exercendo um papel político, por isso precisa aceitar as vontades do presidente em relação a esse programa mesmo sendo um ultraliberal”, comenta a acadêmica.
A professora acredita que Bolsonaro não deve perder o apoio do mercado financeiro por conta do Renda Brasil: “Para o mercado financeiro, é importante que a economia não tenha uma recessão profunda e a renda dos benefícios sociais retorna para a economia pelo consumo. Por isso, o programa social é benéfico em termos de consumo e funcional para a economia”. “O mercado financeiro está mais preocupado com as queimadas da Amazônia do que com o Renda Brasil”, acrescenta a docente.
O site The Intercept Brasil questionou o Renda Brasil e o aumento da popularidade do presidente Jair Bolsonaro em artigo publicado no dia 30 de agosto: “Quando era deputado, Bolsonaro defendia a extinção do Bolsa Família. Segundo ele, os beneficiários do programa eram “pobres coitados, ignorantes” e “eleitores de cabresto do PT”. Hoje ele disfarça esse mesmo pensamento com um discursinho de pai dos pobres”.
O projeto ficou fora do orçamento do ano que vem. Contudo, a verba destinada ao Bolsa Família foi elevada para R$ 34,8 bilhões em virtude do aumento de famílias que dependem do programa devido à pandemia da Covid-19.
Após as declarações que garantiam o Bolsa Família até o final do governo Bolsonaro, o presidente deu aval para que o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator do orçamento para 2021 e da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Pacto Federativo, viabilize um programa social que tenha a marca da gestão atual.
“O que o presidente quer é que o Congresso resolva de onde vai tirar o dinheiro. Ele não quer ficar com a marca de presidente que tirou beneficio dos pobres”, avaliou Júnia Gama, repórter do jornal O Globo em entrevista ao portal Infomoney.
O maior desafio do governo federal é financiar o novo projeto sem romper as regras estabelecidas pela Emenda Constitucional (EC) 95, que criou um teto para os gastos públicos durante 20 anos. Promulgada pelo governo de Michel Temer, a EC 95 é o grande empecilho da equipe econômica para fechar a conta e mandar o Renda Brasil para o Congresso.
“Não existe financiamento”, afirmou o colunista da Folha de S.Paulo Vinicius Torres Freire ao podcast “Café da Manhã”, também produzido pela Folha. “É possível fazer uma emenda para furar o teto de gastos e fazer o Renda Brasil, mas isso seria visto como uma revolução e o mercado financeiro não reagiria bem com um aumento nas taxas de juros e a recessão seria pior ainda.” Torres Freire também analisou outras alternativas para que o programa seja realizado: “Poderiam estender o período de calamidade para o ano que vem e continuar distribuindo o auxílio emergencial. Seria uma forma de furar o teto, mas não sei se existe fundamento para que isso aconteça”.
Em entrevista ao Estado de S.Paulo, o economista Armínio Fraga declarou ser improvável a duração do teto de gastos pelos próximos seis anos. “Ainda há necessidades prementes ligadas à pandemia e, a médio prazo, de natureza social e ligadas à produtividade do Brasil que demandam algum crescimento do gasto."
Para a maioria das famílias brasileiras, a crise pandêmica levou à diminuição da renda mensal, principalmente para as classes menos favorecidas. Se o dinheiro diminuiu, significa mais dificuldades para pagar as contas, comprar alimentos e sobreviver.
A partir disso, muitas famílias se depararam com a escolha de adquirirem empréstimos com os bancos para não atrasarem suas dívidas e não se complicarem no final do mês. Porém, segundo a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de endividados em julho de 2020 foi de 67,4% e de inadimplentes 12%, 3 pontos percentuais a mais que em julho do ano passado, um novo recorde.
As dívidas são de diferentes modalidades, como: cartão de crédito, carnê de loja, cheque especial, empréstimo, cheque pré-datado, prestação de carro, móveis e casa. Em comparação a julho de 2019, houve um aumento 3,3% do total de endividados.
A percentagem de famílias com contas em atraso e dívidas em julho chegou a 26,3%, isto é, 3,6 pontos percentuais a mais em relação a julho do ano passado. Já aquelas que declararam não ter condições de pagar representaram 12% do total em julho, um aumento de 3,6 pontos percentuais em comparação ao mesmo mês do ano anterior. Outra questão é o endividamento desigual entre as famílias de maior e menor renda, principalmente agora na pandemia.
Outra questão é o endividamento desigual entre as famílias de maior e menor renda, principalmente agora na pandemia. Famílias com menos de 10 salários mínimos tiveram seus débitos aumentados para 69% em julho deste ano e em comparação ao ano anterior houve um aumento de 3,6%. Já as que ganham mais de 10 salários tiveram suas dívidas diminuídas para 59,1% em julho, um recuo de 1,6 ponto percentual em relação a julho do ano passado
Já para os inadimplentes com renda baixa que apresentaram a proporção de débitos em atraso de 29,7% em julho desse ano e 2,6 pontos percentuais a menos que a anterior. Já entre os de renda superior, o percentual alcançou 11,2% em julho, com a diferença de 0,6 ponto percentual a menos que ano passado.
Outro fator é o percentual de famílias inadimplentes que disseram não ter ideia de quando pagarão suas contas em atraso. Por exemplo, as famílias com renda de até dez salários que declararam não ter condições de pagar representaram 13,7% em julho, com alta de 2 pontos percentuais referente a julho do ano anterior. Nos de renda maior, o indicador alcançou 4,9% em julho com uma diferença de 1,5 ponto percentual em relação ao mesmo mês do ano passado.
No que se refere à capacidade de pagamento, entre as famílias com débitos, a parcela média da renda comprometida alcançou 30,3% em julho, com redução de 0,4 ponto percentual em relação ao mesmo mês de 2019. Apesar do aumento de endividamento entre as famílias de menor renda, a parcela média voltada ao pagamento de contas e dívidas caiu para 30,6% em julho, 0,2 ponto percentual em relação a junho, diferente das famílias com renda maior, que, mesmo com a diminuição do endividamento, registraram um aumento da parcela média comprometida, para 28,4%, 0,2 ponto percentual e no que se refere ao mês anterior.
Entre as famílias com dívidas em julho de 2020, 21,6% afirmaram que mais da metade da renda está comprometida para tais pagamentos, mesmo percentual registrado em julho do ano anterior. Nas famílias que ganham até dez salários mínimos, a percentagem comprometida caiu para 49,8% em julho, 0,1 em relação ao mês passado. Já para quem tem renda acima de dez salários, aumentou para 52,7% , 0,7 ponto percentual na comparação com junho.
O tempo médio de endividamento das famílias aumentou para 7,4 meses em julho de 2020, sendo que 21,2% se comprometeram com as dívidas por até três meses e 34,5% por mais de um ano. Já o tempo de atraso do pagamento dos débitos das famílias inadimplentes foi de 61 dias em julho desse ano, porém abaixo da média anual de 62,3 dias. O percentual de famílias com atrasos de até 30 dias diminuiu de 24,7% para 23,3%. Aumentou de 34,6% para 36,8% os atrasos entre 30 a 90 dias e reduziu (de 39,3% para 38,3%) os acima de 90 dias.
A dívida mais recorrente e que deixa muitos brasileiros inseguros é no cartão de crédito, pois os juros cobrados em atrasos e parcelamentos são altos e cada vez maiores, chegando até 300% ao ano segundo o G1. O percentual de endividamento por cartão de crédito é de 76,2%, seguido por carnês de loja com 17,6%, e por financiamento de veículos 11,3% e de casa 10,1%. Em destaque está a diminuição das dívidas por cartão de crédito na pandemia, sendo como opções o crédito consignado e pessoal, carnês e financiamentos.
O economista, mestre em economia e professor da FMU Marcos Henrique do Espírito Santo falou sobre a questão do endividamento e da inadimplência das famílias brasileiras. Veja abaixo o depoimento:
“O endividamento e a inadimplência das famílias cresceram. Na verdade, isso é um comportamento que já vem da última década, mas com a crise de 2015 e 2016 o aumento de desemprego piorou ainda mais. Esse movimento tende a piorar, sobretudo com a queda do consumo, tendo em vista que agora, com a pandemia, dificultou ainda mais a questão da retomada do investimento, isto é, sem investimento não tem emprego, não tem consumo, pois as famílias não têm renda. Nesse caso, para que a economia volte a crescer é preciso mudar esse governo, não há outra alternativa.
“O problema é que tem que mudar a política econômica para uma que privilegie o investimento público principalmente, mas sei que essa proposta não sairá desse governo, por isso tem que mudá-lo. O mundo inteiro vai usar uma política fiscal expansionista, portanto, ainda que o Estado tenha gasto muito e continue gastando em função das medidas de contenção da pandemia e auxílio emergencial etc, é preciso gastar mais para retomar a economia e, com isso, ajudar a população a colocar suas contas em dia e consumir.
“Não há problema se a dívida pública do Brasil crescer mais, pois o fato de ter uma dívida emitida em sua própria moeda não o torna um país completamente dependente como era o nosso caso na década de 80, que acarretou uma dívida externa emitida por outra moeda.
“Bom, referente à taxa de juros, elas caíram, principalmente a taxa básica de juros, Selic. Mas isso não quer dizer que as taxas tenham mudado, porque a taxa Selic é referência para outras taxas de juros no Brasil. Embora ela esteja muita baixa, o setor financeiro no país (que empresta dinheiro para os consumidores e empresas) é um setor oligopolizado, ou seja, temos poucos bancos oferecendo crédito para toda a população. Portanto eles têm poder de mercado e controle dos preços, e isso faz com que a taxa de juros não caia. Se a taxa de juros não cair, menos empréstimos terão e mais dificuldades para aqueles que adquiriram pagarem.
“Adicionalmente, como as pessoas estão desempregadas e a inadimplência aumentou, o banco fica ciente do maior risco, ao invés de tomar esse risco e emprestar dinheiro. Essas taxas têm mais dificuldades de cair em função da perspectiva de futuro. Mais uma vez reforço a importância da política econômica, pois, sem a reestruturação e mudança radical dela, não teremos saída.
Maria Jucilene da Silva, de 50 anos, trabalhadora informal, fala sobre as várias dívidas que adquiriu ao longo dos anos para ter uma vida melhor.
“Me descuidei demais, sujei meu nome com cheques e dívidas em cartões de créditos. Hoje, meu score (segundo o site boa vista serviços, significa a pontuação do consumidor para conseguir crédito na praça, tanto por meio de empréstimo, quanto financiamento e carnês). está baixíssimo.
“Penso que nem se eu pagar ele vai voltar a crescer pelo tempo que fiquei sem quitar. O ruim é que eu e minha filha ganhamos pouco, só dá para pagar as contas como água, luz, internet, comprar alimentos, pagar o aluguel e imposto da casa. Enfim, quitar as dívidas vai demorar um tempo. Minha filha está na mesma situação que eu: contraiu dívidas em cartões, empréstimo e cheque especial. Infelizmente ela também não consegue pagar o que deve.
“Essa pandemia veio para atrapalhar nossos planos, pois estou vendendo menos que antes e ela não consegue arrumar um emprego melhor. Para quem ganha pouco, o jeito é sobreviver com o que tem, porque dívidas não temos mais como contrair, claro, ninguém em sã consciência deixaria compramos e pagarmos depois, e cartão de crédito, isso aí já não temos há muito tempo.
“Eu e ela nunca tivemos uma educação financeira, creio que, se tivéssemos tido, não estaríamos tão endividadas. Sábia e feliz é aquela família que poupa e só gasta com o necessário. Infelizmente não fomos assim. Agora eu e ela tentamos gastar o mínimo possível para sobrar um pouco no final do mês, pois nunca se sabe se precisaremos pagar uma consulta ou fazer um exame com urgência ou qualquer outra coisa importante. Confesso que é muito bom ter crédito nos bancos e lojas e poder tirar/comprar o que quiser. Antes tínhamos isso, porém, por falta de planejar e poupar, acabamos cheias de dividas e sem saber quando serão quitadas.
A despeito da visão negativa em relação ao mercado de trabalho e a renda mensal, a CNC afirma que “a queda das taxas de juros e a inflação controlada em níveis historicamente baixos são fatores que podem favorecer o poder de compra dos consumidores. Além disso, os benefícios emergenciais também têm impactado positivamente o consumo, especialmente dos itens considerados essenciais, e auxiliado o pagamento de despesas. Indicadores recentes têm demonstrado sinais de alguma recuperação da economia a partir de maio e junho, mas ainda permanecem incertezas sobre a retomada, uma vez que a proporção de consumidores endividados no País é elevada. Assim, é importante seguir ampliando o acesso ao crédito com custos mais baixos, como também alongar os prazos de pagamento das dívidas, para com isso mitigar o risco do crédito no sistema financeiro”.
A alta dos preços dos alimentos da cesta básica assustou o brasileiro enquanto o arroz, que aumentou 120% nos últimos 12 meses, virou meme na internet. Segundo o economista Rafael Moraes, que atua na área de inteligência no mercado, o principal fator para o aumento dos preços é a valorização do dólar, que nos últimos seis meses, chegou a 40%. Como ele explica o arroz, a soja, os minérios e outros produtos que são negociados em dólares nos mercados internacionais. O aumento dessa taxa de câmbio incentiva que o produtor exporte ao invés de vender sua produção no mercado nacional. O incentivo acontece porque ao vender em dólar, e depois converter o valor em reais, o valor final é maior.
O economista aponta que alguns alimentos são negociados em dólar nos mercados internacionais e, portanto, os preços nacionais são afetados pela movimentação cambial e pelo patamar da relação entre o dólar e o real. Ele ainda cita o óleo de soja, usado na cozinha, como um produto que passou por esse mesmo padrão: um excesso de exportação obrigou o país a importar soja para suprir a demanda interna por óleo de soja o que refletiu no aumento do preço nos supermercados.
colheita de arroz em Forquilhinha, Santa Catarina - Foto: Aires Mariga/Divulgação
Não existem restrições para a comercialização internacional (exportação) dos alimentos brasileiros e isso pode levar ao desencontro entre a demanda e a oferta de comida empurrando os preços para o alto. Existe um processo de liberalização dos mercados brasileiros, como aponta o economista, a extinção das políticas de constituição de estoques estratégicos de alimentos são exemplo disso. Moraes ressalta que a prática, de manter reservas estratégicas, é comum no mercado que mais acompanha, o de combustíveis, além de outros setores. Entretanto existem outras formas de proteger o país contra a falta de alimento, uma delas é por meio das vias de produção.
foto da horta mandala, publicada pela conta oficial do MST no Twitter
Entrevistamos dois estudantes da Unicamp que desenvolvem um projeto de saneamento no acampamento Mariele Vive! em Valinhos no interior de São Paulo. Igor Tadeu e Ana Luiza Mororó se juntaram para fazer o projeto final do curso de engenharia química na ocupação do MST; o objetivo é entregar o planejamento da instalação de um biodigestor. O acampamento possui uma horta coletiva, em formato de mandala, que produz alimentos orgânicos usados na cozinha comunitária e nas cestas de orgânicos vendidas para conhecidos dos acampantes. A produção no acampamento Mariele Vive! é pequena em comparação com os volumes totais produzidos pelo MST no Brasil mas é possível enxergar as principais diferenças na produção dentro do assentamento e nas grandes empresas agrárias da região sudeste. A gestão e a produção da Horta Mandala é dividida entre os moradores assim como é em todos os acampamentos do MST.
Nos últimos anos, a produção de orgânicos quebrou recordes de safra entretanto apenas um quinto da população consuma produtos orgânicos regularmente, e o MST é líder na produção de arroz orgânico desde 2017 impulsionando o crescimento. Aos poucos os produtos orgânicos foram introduzidos nas franquias de supermercado, em uma sessão separada, e são uma opção mais saudável, devido a ausência de agrotóxicos.
A expressão mais recente da crise, os aumentos expressivos no preço do arroz, está relacionada com um sistema de negócios voltado à exportação, dependente das flutuações de mercado externo e da falta de uma política pública de segurança alimentar, como as reservas estratégicas, nos modelos que o CONAB adotou até 2016 como nos informa o economista Rafael Morais. Uma das soluções propostas, além da retomada da política de reservas estratégicas de alimentos, seria a restrição às exportações porém Morais já se diz surpreso com ação do governo de isentar a importação de arroz. Os pequenos agricultores, em geral produtores orgânicos, já comercializaram suas safras e mesmo com a alta do câmbio pressionando para que ele aumente seus preços, eles permanecem o mesmo garantindo que uma onda especulativa do mercado não retire por completo o alimento do prato dos brasileiros. A discussão de segurança alimentar perpassa pela qualidade do alimento, sua produção e pela sua acessibilidade, portanto, organizações regionais, voltadas para o consumo interno, focadas na produção local de alimentos são alternativas que já existem, como o acampamento Mariele Vive!, e podem ser fortes aliados no combate a fome e na criação de condições para o bem estar, qualidade de vida e a saúde da população brasileira.
O economista e empresário do ramo têxtil Ronaldo Camara, acredita que o plano econômico do atual ministro da economia Paulo Guedes já vinha dando sinais de que não funcionaria antes do atual contexto de pandemia “Este plano econômico já não teria êxito antes mesmo da pandemia.”. Para ele isso deve-se, antes de tudo, a visão de dualidade que as sociedades estão exercendo sobre os mais diversos assuntos, que acabam incluindo as pautas econômicas.
Percebe-se que os países ricos usam do protecionismo e capitalismo para se desenvolver e ganhar dinheiro, Camara menciona um estudo feito pela Associação Brasileira das Indústrias Têxteis (Abit) há 10 anos, que encontrou na China, uma política econômica subsidiada fortemente pelo governo. Ela oferece ao produtor local 27 mecanismos de subsídio “Um deles, que melhor ilustra a condição artificial é o de um tecido específico que vendido no mercado interno custava U$ 5,00 para o consumidor chinês, mas se exportado o comprador pagaria apenas U$ 3,50. A diferença de U$1,50 é paga pelo governo diretamente ao produtor”.
A essência deste exemplo para Camara é de que o mercado aberto, desregulado e liberal é ótimo para quem exporta, e exterminador para quem compra. Somente com a ajuda do Estado você pode desenvolver alguns pólos industriais e proteger o mercado interno. Assim, com a indústria consolidada procura-se a abertura de mercado, mas aí na condição de vendedor e não comprador.
O economista ainda explica, que a escada do desenvolvimento passa pelo emprego na indústria que pode transformar matéria prima em produto acabado alimentando uma cadeia e trazendo tecnologia da produção para dentro do país, ao invés de vender commodities e comprar industrializados. E na sequência fomentar o mercado de consumo, mas com boa participação de produtos nacionais.“Caso contrário, estamos fadados a ser um grande Shopping Center’’.
Por outro lado a assistente social da Secretaria Municipal da Habitação de São Paulo e professora universitária Suelma de Deus,vislumbra um cenário com muitas dificuldades para a população de baixa renda, já que os planos econômicos atingem a classe trabalhadora que sempre é convocada a “apertar o cinto” em função da inflação, juros altos e desemprego.
Para ela a pandemia ajudou a desvendar a realidade antiga do país, de desigualdade social aguda e um sistema econômico desestabilizado. Ela aponta que um pós pandemia não será tão diferente do que já estamos vivendo.O desemprego, a exploração de mão de obra, os baixos salários e as lutas de pretos e pardos, da sociedade lgbtq+, população indígena e as mulheres contra discriminação de raça e gênero continuaram.
“Os planos econômicos neoliberais, geralmente, pioram a realidade dessa parcela da população”.
A assistente social acha fundamental que todos percebam a importância das políticas públicas para toda a população, principalmente aqueles de baixa renda “Acredito que no pós pandemia essas ações se fortalecerão cada vez mais porque elas fazem parte do projeto neoliberal, as ações são realizadas por iniciativa privada e sociedade civil sem a presença direta do poder público”.
Ao contrário da visão da docente, o profissional liberal Agostinho Baltazar Junior vislumbra um cenário positivo para o plano. Ele acredita que o ministro usará de quatro pilares para efetivar o plano e reativar o mercado pós pandemia.
Em sua visão, a retomada de obras públicas ajudará a gerar empregos, a manutenção do auxílio emergencial, que promove renda ajudará a retomar os negócios, principalmente no varejo. O corte nas despesas do governo, tornará a máquina pública mais eficiente e transmite a mensagem de comprometimento com o plano. E por último as privatizações que trarão recursos.
Em geral o plano segue trazendo incertezas e expectativas em toda sociedade, de um lado acreditam na eficácia do neoliberalismo para o país, demonstrando a exibição de um viés político em apoio ao ministro Paulo Guedes. Do outro lado em oposição, e que pode-se chamar de um alinhamento político mais socialista onde exige-se a aplicação de políticas públicas que garantam mais direitos aos cidadãos subsidiados pelo Estado. Ninguém sabe exatamente para onde caminha a economia brasileira.
O trabalho dos sepultadores (também conhecidos como coveiros) tem se expandido desde que o surto do coronavírus tomou conta do país. Antes pouco mencionado, o serviço prestado por eles hoje está em evidência. Estudos realizados recentemente estimam que esses profissionais recebam salário de R$ 1.000 a R$ 1.500, incluindo adicional de insalubridade.
Com muitas mortes em decorrência deste novo vírus, diversos cemitérios foram obrigados a não realizar velórios e dobraram o trabalho dos coveiros, que enterram muitas vezes o triplo de pessoas que seriam enterradas em um dia “normal”. Este cenário expôs à sociedade estes profissionais, que geralmente não são bem vistos.
A psicóloga Stéfany Cruz realizou um estudo sobre esta categoria profissional. “O que eles mais reclamaram foi da questão da invisibilidade social, o salário baixo, o preconceito por lidar com a morte, o adoecimento mental e o alcoolismo. Relataram também que não tinham segurança dentro dos cemitérios, com alguns episódios de violência, e a falta de equipamentos de segurança”, comentou Stéfany em entrevista à Agemt.
Para o ingresso na profissão, não é necessário ter o ensino médio completo. A maioria dos profissionais possui apenas o ensino fundamental incompleto. O principal motivo da adesão seria para obter uma fonte de renda, embora a adesão fosse baixa.
Em tempos de pandemia, alguns cemitérios, como o da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, considerado o maior da América Latina, estão fazendo um enterro a cada 24 minutos, sobrecarregando o trabalho dos sepultadores. Existem poucas mulheres na função. A idade média desses profissionais está entre os 33 e os 59 anos de idade.
Outro fator interessante apontado por Stéfany é a necessidade de vigor físico para a execução dos serviços. Os trabalhadores são acometidos por muitos acidentes de trabalho e doença. “O que pude perceber claramente foi a questão do alcoolismo e de doenças na coluna, devido ao peso dos caixões e esforço físico na abertura das covas, e também no fechamento delas. Houve casos de exumação de corpos em que eles não tinham máscaras de oxigênio, somente as básicas, que protegem boca e nariz, mas não inibem o odor. O cheiro era muito forte e um dos mais difíceis de suportar”, emendou.
Vista como uma profissão com baixa visibilidade social, os seus adeptos já relataram para diversos jornais o fato de serem invisíveis para a maioria das pessoas. Este quadro teve uma relativa melhora nesse tempo de pandemia, pois, de certa forma, os olhos da população foram voltados para este tipo de serviço.
Há uma grande necessidade, como dito por Stéfany, de se ter força física. O trabalho é exaustivo e geralmente exposto ao calor. Estas características, somadas à baixa remuneração e aos estigmas que sofrem, fazem com que muitos desistam da profissão em apenas uma semana ou um mês de trabalho, por medo ou preconceito, algo incomum em outros serviços.
Nas redes sociais têm circulado diversas fotos que mostram que a demanda por sepultadores subiu de forma elevada. Em algumas cidades, inclusive, há imagens de caixões empilhados e nenhuma pessoa presente para uma “despedida”, tornando a profissão de certa forma “melancólica” para aqueles encarregados de enterrar os mortos.
O que Stéfany ressalta de importante é o desejo de mais qualidade no trabalho manifestado pelos sepultadores: “Todos com os quais tive contato desejam apenas uma remuneração maior, mais respeito por parte das pessoas, mais segurança no trabalho e mais condições de trabalho 'dignas', pois acreditam que são invisíveis em todos os sentidos”, completa.
Talvez se possa ver em algum futuro próximo uma outra percepção destes profissionais, pois a pandemia terá “efeitos colaterais” em diversas áreas de atuação e do conhecimento, fazendo com que algumas ocupações possam ser pensadas, e, no caso dos sepultadores, que os cemitérios e crematórios ofereçam as condições de trabalho que eles desejam.