Brasil passa por um momento decisivo entre mudanças para arrecadamento e corte de gastos
por
Maria Eduarda dos Anjos
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19/11/2024 - 12h

A penúltima reunião do ano do Copom (Comitê de Política Monetária) aconteceu semana passada e sua ata, publicada no dia 12, apresenta a decisão unânime de elevar a Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) a 0,5 pontos percentuais, levando a taxa de juros básico do país de 10,75% para 11,25%. 

Esse aumento vem como medida para, principalmente, conter a inflação, produto do balanço negativo entre os ganhos e gastos do Estado brasileiro, além de responder de forma defensiva à recente eleição de Donald Trump.

Primeiro, é importante entender o que o COPOM, SELIC, juros básicos e inflação significam na vida do brasileiro. O Copom é um grupo composto pelo presidente do Banco Central (BC) e seus diretores que, a cada 45 dias, decidem a taxa básica de juros da economia, a Selic. 

A taxa básica é a principal forma do BC tentar conter a inflação econômica. Na balança, são ponderados o estado das contas públicas, a situação internacional política e monetária, estado da inflação, movimentação do mercado de trabalho entre outros fatores, tudo para assegurar que o reajuste do juros contenha a inflação, não desvalorize o real perante outras moedas e não diminua o poder de compra da população. 

Uma das razões para o aumento da Selic é a diferença entre o gasto e o arrecadamento público de R$7,3 bilhões até setembro de 2024. Para exterminar esse déficit primário, o BC sobe o juros básico, ou seja, a promessa de valorização de seus ativos, e vende tais ativos aos bancos. 

Dessa forma, o Banco Central consegue caixa de forma mais imediata e oferece a promessa de lucro futuro para os bancos. O problema é que esse ciclo se repete e cria uma bola-de-neve. 

A economista e professora da PUC SP, Cristina Helena, explica que “o governo pega dinheiro emprestado todo mês para cobrir o déficit, que não conta com o valor dos juros dos demais empréstimos que já pegou, mas que precisa quitar simultaneamente”. O juros aumenta para pagar,também, o que já foi criado no passado pela mesma barganha que se repete.“ A conta da dívida tá fora do resultado primário, aí o montante a ser pago não para de crescer”. 

Essa medida para maior arrecadação vem junto com o pacote de corte de gastos públicos, que será anunciado por Fernando Haddad depois da reunião do G20. Representantes das pastas de Saúde, Educação, Previdência, Trabalho e Desenvolvimento Social foram chamados para discutir as reduções, já que detém a maior parte de recursos federais. 

Quando o assunto extrapola o doméstico, a eleição de Donald Trump é um fator central. O presidente já anunciou que pretende impor uma tarifa de 10% ou mais sobre todo produto importado do país, uma medida protecionista para privilegiar o mercado interno.

 

Donald Trump em sua campanha para presidência em 2024. Foto: reprodução/NYT
Donald Trump em sua campanha para presidência em 2024. Foto: reprodução/NYT

 Enquanto o aumento da Selic pode ajudar a manter o valor do Real no mercado internacional, a negociação tende ao soft power. “ O Brasil e os Estados Unidos são bons parceiros comerciais um ao outro, mas o Trump não quer só um bom parceiro comercial, ele também pede por um aliado que não seja mercado para a China, por exemplo. A América Latina vêm se beneficiando de compras mais baratas de produtos chineses e venda de minérios mais barato”, explica Cristina. 

Apesar de haver um plano de metas pelo qual a política monetária deveria se guiar, as medidas atuais de arrecadação precisam ser redesenhadas pela sua falta de efetividade, avalia a economista.Até o fim do ano,é previsto o aumento de mais 0,25 pontos para o juros básico, isso reverbera diferentemente entre compradores de títulos do governo e a população média: “ Meio ponto percentual é pouco do ponto de vista de contenção inflacionária e é muito para as famílias, e isso vira uma taxa enorme nos cartões de crédito e cheque especial”.

A cotação da moeda norte-americana chegou a R$5,86, mas encerrou em R$5,67
por
GUILHERME DEPTULA ROCHA
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08/11/2024 - 12h

 

O dólar comercial teve forte alta na manhã da quarta-feira (6), mas caiu durante o dia. Às 9h, a moeda alcançou o valor de R$5,86. Porém, à tarde, recuou para R$5,67. A disparada recente se deu após a repercussão da vitória Donald Trump (Partido Republicano) nas eleições norte-americanas. 

Desde meados de outubro, a moeda estava se valorizando, o fato se deu devido à subida do ex-presidente nas pesquisas de intenção de voto. Conforme dados do jornal “The New York Times”, no início do mês passado, sua adversária, Kamala Harris (Partido Democrata), mantinha-se à frente, com 50% da preferência. Enquanto Trump, estava com 47%. 

Porém, nas últimas semanas, o republicano subiu nas pesquisas e se equiparou à democrata: ele alcançou 48%, contra 49% dela. Esse movimento foi batizado de “Trump Trade”. 

 

POR QUE O DÓLAR DISPAROU APÓS VITÓRIA DE TRUMP?

Aproposta de governo do presidente eleito é tida como inflacionária, a partir de políticas protecionistas. O programa prevê um aumento na taxa de juros e mais impostos para importação. A ideia é provocar migração de recursos para o mercado norte-americano, fortalecendo a moeda.

Após o resultado da eleição, o dólar disparou também em outros países. Segundo DXY, índice que monitora o câmbio da moeda norte-americana em outros mercados globais, houve uma alta de quase 2%.

 

POR QUE O DÓLAR CAIU NO FIM DO DIA?

O motivo ainda não é claro. Segundo o professor de economia da FGV, Marcelo Kfoury Moinhos, em entrevista ao “Jornal Nacional”, há uma expectativa na medida de corte de gastos fiscais. O pacote será anunciado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) ainda nesta semana.

Devido a vitória de Trump, o mercado acredita que o governo entregará um pacote “crível”. Porém, o  professor de economia aponta: “Se houver frustração no tamanho desse pacote de corte de gastos pode ser que (...) o real volte a desvalorizar.

 

FUTURO

Caso o presidente eleito cumpra com suas propostas de campanha, as projeções indicam uma alta do dólar para 2025. Devido às políticas protecionistas, poderá haver um aumento na tarifa para produtos importados, reduzindo as exportações brasileiras para os Estados Unidos.

 

Descubra como a agroecologia pode beneficiar a vida das famílias brasileiras no âmbito econômico e social
por
Jessica Castro
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05/11/2024 - 12h

Recordes de altas temperaturas e períodos de seca extensos foram aliados às causas das queimadas recentes no Brasil. Nos últimos meses, o país viveu um cenário alarmante com mais de 139 mil focos de queimadas, muitas delas criminosas, devastando biomas importantes para o ciclo climático. 

 

Atrás desses números, estão comunidades inteiras que sofrem as consequências diretas: ar irrespirável, perda de colheitas e deslocamento forçado. Grande parte dessas queimadas está ligada à expansão desenfreada do agronegócio, que, na busca por mais terras para cultivo de soja e pastagens, utiliza o fogo como ferramenta de desmatamento. 

 

Embora o agronegócio mova a economia, sua busca por crescimento muitas vezes ignora os impactos sociais e ambientais, e o momento agora é de olhar novas alternativas de cultivo, antes que seja tarde demais.

 

Uma opção que se apresenta é a Agroecologia. A prática é uma alternativa sustentável para a produção agrícola que integra conceitos ecológicos e sociais e tem como objetivo equilibrar o cultivo de alimentos com os ciclos naturais e promover a justiça social. 

 

Diferente dos métodos convencionais, ela não se limita ao uso de técnicas orgânicas, mas envolve uma transformação mais ampla das práticas agrícolas, considerando aspectos culturais, políticos e ambientais. Seu foco é a regeneração dos solos, a conservação da biodiversidade, a redução do uso de insumos químicos e a valorização dos saberes tradicionais das comunidades rurais.

 

Foto: © Alonso Crespo / Reprodução: Greenpeace
Foto: © Alonso Crespo / Reprodução: Greenpeace

 

Alternativa ao Agronegócio

 

A prática da agroecologia surge como uma alternativa ao modelo convencional do agronegócio, que prioriza a monocultura, o uso intensivo de agrotóxicos e a maximização dos lucros a curto prazo. 

Enquanto esse método é fortemente dependente de insumos externos e tecnologias que degradam o meio ambiente e podem esgotar os recursos naturais, a agroecologia foca na sustentabilidade a longo prazo. Ela propõe sistemas diversificados, que integram culturas diferentes, reflorestamento e técnicas de conservação de solo e água. 

Isso torna os sistemas mais resilientes a pragas e mudanças climáticas, reduzindo a dependência de produtos químicos e fertilizantes industrializados. Além disso, o sistema agroecológico valoriza a autonomia dos pequenos agricultores, promovendo  cada vez mais sistemas alimentares locais e uma dependência menor de cadeias longas de distribuição. O que contribui para a segurança alimentar, uma vez que as comunidades produzem e consomem alimentos de maneira mais justa e próxima de seus territórios.

 

O benefício econômico a quem produz e quem consome

 

Do ponto de vista econômico, a agroecologia tem mostrado forte potencial para ser uma opção interessante tanto para o país quanto para as famílias que aderem a este sistema. 

“Iniciativas como as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSA) mostram como os consumidores podem se tornar co-produtores, garantindo acesso a alimentos saudáveis e frescos, enquanto os agricultores têm mais segurança e menos desperdício”, comenta Paulo Moruzzi, professor adjunto do departamento de Economia, Administração e Sociologia (LES) da Esalq, na USP.

Moruzzi ainda pontua que o fortalecimento da relação do consumidor com a produção agroecológica pode impulsionar o fomento de políticas públicas que ampliem o acesso à alimentação sustentável.
 

Outro benefício econômico da prática é  a redução dos custos com insumos químicos, como fertilizantes e agrotóxicos, o que alivia o orçamento dos pequenos produtores; ou práticas como a rotação das culturas que permite  uma produção contínua sem prejudicar o solo ao longo do ano, garantindo uma renda estável  ao diminuir os riscos associados à dependência de uma única safra, característica comum no agronegócio.

 

Ao reduzir a pressão de utilização dos recursos naturais, além da contribuição efetiva para o meio ambiente a longo prazo, pode evitar gastos públicos na recuperação de áreas degradadas e mitigação de desastres ambientais. Além disso, a agroecologia pode impulsionar a economia local, pois promove cadeias curtas e regionais de produção. Assim, reduz a dependência do país de alimentos importados e fortalece os mercados internos.

 

Para as famílias agricultoras, a transição para este método de cultivo significa mais independência e resiliência frente às flutuações de mercado e mudanças climáticas. A segurança alimentar é ampliada, e o valor agregado dos produtos agroecológicos pode aumentar os lucros, já que esses produtos têm um apelo crescente entre consumidores conscientes, dispostos a pagar mais por alimentos produzidos de forma sustentável.

A agroecologia está profundamente enraizada no cotidiano de comunidades quilombolas, indígenas e outros povos tradicionais no Brasil. Esses grupos, que possuem uma relação ancestral com a terra, cultivam alimentos de maneira sustentável e em harmonia com o meio ambiente. 

Mas a prática não é exclusividade dessas comunidades, ela também é adotada pela agricultura familiar e por assentamentos e acampamentos da reforma agrária. Hoje, cerca de 77% dos comércios agropecuários do país são familiares, segundo dados do Anuário da Agricultura Familiar de 2023, e muitos deles estão integrando práticas agroecológicas para preservar o solo e valorizar a biodiversidade do local onde produzem.

Essas iniciativas promovem um modelo de agricultura que valoriza o saber local e protege biomas únicos e super importantes para o equilíbrio climático do país, como o Cerrado e a Amazônia. 

A agroecologia fortalece o vínculo entre quem produz e quem consome, criando relações de consumo mais justas e solidárias. Isso ocorre, em grande parte, por meio de feiras agroecológicas e programas de políticas públicas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que compra alimentos de pequenos produtores para fornecer refeições nas escolas. Essas teias garantem que o alimento chegue de maneira saudável e acessível às mesas, enquanto geram renda e fortalecem famílias agricultoras ao mesmo tempo.

Outros olhares para o consumo de alimentos

A conexão entre a agroecologia e o modo de consumo vai além da idealização de uma produção agrícola sustentável, aqui refletimos também a forma como nos relacionamos com os alimentos, os recursos naturais e as comunidades que os produzem. Esse conceito reflete a necessidade de repensarmos não só a maneira como consumimos, mas também as implicações sociais, ambientais e econômicas envolvidas no processo.

Esse olhar diferenciado para o consumo de alimentos inclui para além da valorização de produtos orgânicos produzidos por um sistema agroecológico, as métricas de quanto desperdiçamos e consumimos exacerbadamente. A agroecologia não se limita à produção sustentável, mas envolve uma conscientização mais ampla sobre a forma como os alimentos são utilizados ao longo da cadeia, desde a produção até o descarte.

O consumo consciente, nesse sentido, diz respeito a um repensar em nossos hábitos alimentares, para garantir que tudo o que consumimos não acabe em desperdício, uma prática que impacta seriamente o meio ambiente e os recursos naturais e o bolso do consumidor. 

 

Precisamos perceber que a quantidade de alimentos comprados e descartados repousa diretamente em impactos socioambientais porque contribui para a emissão de gases de efeito estufa e esgotamento dos solos. Portanto, como e o que comemos pode fazer uma grande diferença.

 

Em entrevista, o professor Paulo Moruzzi destaca a importância do Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro, data que marca a criação da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), que completa 79 anos. Ele ressalta: “Nos últimos anos, esta organização multilateral tem insistido em suas orientações para os debates em torno dos problemas agroalimentares mundiais sobre a importância da busca simultânea de preservação ambiental e de garantia do direito humano à alimentação adequada. Desde 2019, a FAO promove a década da agricultura familiar, visando favorecer sistemas alimentares resistentes às mudanças climáticas e indutores de desenvolvimento territorial inclusivo, protegendo a biodiversidade, o meio ambiente e a cultura." 

 

A agroecologia passa a não ser apenas um modelo de produção, mas um convite para repensar o ciclo de vida dos alimentos e nosso papel dentro dele, promovendo uma relação mais responsável e equilibrada com o meio ambiente.

 

Prévia do IPCA-15 sobe 0,54%, puxada por alta nos preços de energia e alimentos, e reforça expectativa de novo aumento na Selic em novembro
por
Otávio Rodrigues Preto
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30/10/2024 - 12h

A prévia da inflação oficial de outubro, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) e divulgada pelo IBGE na última quinta-feira (24), surpreendeu o mercado ao registrar uma alta de 0,54%, acima das expectativas dos analistas, que previam 0,50%. Esse resultado trouxe um impacto significativo para a economia brasileira, pressionando tanto o câmbio quanto o mercado de juros, além de influenciar o desempenho da bolsa de valores.

A alta do IPCA-15 foi impulsionada principalmente pelo aumento de 1,72% no grupo Habitação, com destaque para a elevação de 5,29% nos preços da energia elétrica residencial. A aplicação da bandeira tarifária vermelha patamar 2, que adiciona R$ 7,87 a cada 100 kWh consumidos, foi o principal fator para o encarecimento da energia. Outros itens também contribuíram para a pressão inflacionária, como o gás de botijão, que subiu 2,17%, e os alimentos, que tiveram alta de 0,87%. Entre os produtos alimentícios, destacaram-se o contrafilé (5,42%) e o café moído (4,58%).

No acumulado de 12 meses, a prévia da inflação passou de 4,12% em setembro para 4,47% em outubro, ficando próxima do teto da meta de 4,50% estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional para 2024. Essa aceleração aumenta a expectativa de que o Banco Central (BC), sob a liderança de Roberto Campos Neto, intensifique o ritmo de alta da taxa Selic, que atualmente está em 10,75% ao ano. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) está marcada para os dias 5 e 6 de novembro, e espera-se um aumento de 0,50 ponto percentual.

Dólar - Unsplash.com
Dólar - Unsplash.com

Enquanto isso, o mercado reagiu com nervosismo à divulgação dos dados. O dólar atingiu R$ 5,70 na manhã de quinta-feira, refletindo as preocupações com a inflação e o futuro da política monetária. O índice Ibovespa, por sua vez, abriu em queda, pressionado pelo cenário interno, apesar de um ambiente positivo nas bolsas internacionais, com altas nos mercados europeus e Wall Street indicando uma abertura no verde.

Além de Habitação e Alimentação, o grupo de Saúde e cuidados pessoais também registrou alta de 0,49%, influenciado pelo reajuste dos planos de saúde. O único setor a apresentar queda foi Transportes, com uma redução de 0,33% nos preços, devido principalmente à queda nas tarifas de passagens aéreas (-11,40%) e transporte público, reflexo de medidas de gratuidade durante as eleições municipais.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão visa evitar problemas para o Novo Banco de Desenvolvimento em meio às sanções contra a Rússia e fortalecer o papel do Brasil no bloco econômico.
por
Otávio Rodrigues Preto
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30/10/2024 - 12h

O presidente russo, Vladimir Putin, confirmou na última quinta-feira (24) a proposta de manter o Brasil na liderança do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), principal instituição financeira do BRICS, por mais cinco anos, garantindo a continuidade de Dilma Rousseff na presidência do banco. O atual mandato de Dilma, iniciado em março de 2023, terminaria em julho de 2025, mas a extensão foi sugerida para evitar possíveis complicações relacionadas à guerra na Ucrânia.

Segundo Putin, a decisão de manter Dilma no cargo tem o objetivo de preservar a estabilidade do NDB, considerando que as sanções impostas à Rússia devido ao conflito poderiam prejudicar a atuação da instituição caso um executivo russo assumisse a presidência. "Não queremos transferir todos os problemas associados à Rússia para instituições em cujo desenvolvimento estamos interessados", afirmou o presidente russo.

Pelo regime de rodízio do NDB, a Rússia seria a próxima a indicar o presidente do banco, que tem sede em Xangai, na China, e gerencia cerca de US$ 33 bilhões em financiamentos para projetos nos países do BRICS e no Sul Global. No entanto, Putin optou por abrir mão da indicação russa, favorecendo o Brasil, que também está à frente do G20 este ano e assumirá a presidência do BRICS em 2025.

Os paísesque fazem parte do BRICS
Os países que fazem parte do BRICS - Reprodução Canva

Dilma Rousseff, que substituiu Marcos Troyjo na liderança do NDB, destacou recentemente a importância do banco em expandir os investimentos nos países do bloco e defender o uso de moedas locais para o financiamento. "É crucial disponibilizar financiamento em moeda local através de plataformas específicas", afirmou durante a última cúpula do BRICS, em Kazan, na Rússia.

A proposta de extensão do mandato ainda precisa ser formalmente aprovada pelos governadores do banco, que representam os países membros. Caso seja confirmada, a continuidade de Dilma reforçará o papel do Brasil no cenário internacional, especialmente no momento em que o país lidera grandes fóruns multilaterais, como o G20 e o BRICS.
 

Crise de grandes compradores, como restaurantes, se soma a problemas de distribuição e falta de políticas públicas
por
Sara de Oliveira
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01/10/2020 - 12h

Após ter alcançado o marco histórico de sair oficialmente do Mapa da Fome da ONU no ano de 2014, o Brasil voltará a fazer parte da lista. O aviso tem sido dado por diversos especialistas que, nos últimos anos, têm apontado retrocessos nas políticas de combate à fome. Para Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), o Brasil já faz parte da lista, só falta a oficialização da ONU. De 2016 a 2019, a população brasileira afetada pela insegurança alimentar moderada e aguda aumentou de 37,5 milhões para 43,1 milhões (segundo matéria do Brasil de Fato). Isto pode ter ocorrido por conta de um conjunto de medidas que incluem o fechamento do Consea e a falta de investimentos em políticas públicas voltada à agricultura familiar. 

Segundo o Censo Agropecuário de 2017, divulgado pelo IBGE, o Brasil tem 5 milhões de pequenas propriedades rurais, que representam 77% dos empregos da agropecuária e 70% dos alimentos que chegam à população brasileira. 

Um dos maiores problemas é a distribuição desses produtos. O fechamento de armazéns da Conab (Companhia Nacional do Abastecimento) em 2019 acabou tornando a logística de abastecimento de produtos ainda mais concentrada no país. Com o fechamento de restaurantes e a impossibilidade de fazer as feiras, por conta da pandemia do novo coronavírus, os produtores perderam seus principais compradores. 

Outro agravante é a escassez de medidas públicas e constante fechamento de órgãos que ajudam estes agricultores, como o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), desmontado pelo atual governo de Jair Bolsonaro, a extinção, também neste governo, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). 

Para ajudar a enfrentar a crise gerada pela pandemia, o Ministério da Agricultura anunciou medidas emergenciais, como créditos especiais de R$ 20 mil por pessoa, porém com taxa de juros de 4,6%, maior do que a taxa básica Selic, atualmente de 2%. Também foram anunciadas medidas emergenciais no Plano Safra do Governo Federal: serão disponibilizados R$ 33 bilhões para a agricultura familiar, dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com reduções da taxa de juros referente ao plano 2019/2020. Ou seja, mudanças nas linhas de créditos já existentes com intuito de trazer mais benefícios ao produtor rural, gerando inovação em bio-produtos e em tecnologias diferenciais para os produtores.

Porém, em entrevista para o Brasil de Fato, o presidente da Contag, Aristides dos Santos, disse que o crédito é inviável para a maioria dos agricultores. “Você está dizendo que lançou o crédito, mas o trabalhador não vai acessar. Por dois motivos: um que o banco não vai fazer e, no que o banco topar fazer, o trabalhador vai ter dificuldade de pagar o juro maior. Se acessar, não parece tão emergencial assim, porque isso não é juro emergencial. Juro emergencial é juro zero, é rebate para incentivar o pagamento com adimplência. Isso é emergencial”, afirmou Santos. 

Em tempos em que o governo investe em alimentos ultraprocessados e libera cada vez mais o uso de agrotóxicos, a alimentação do brasileiro não para de piorar. Este problema se intensificou durante a pandemia, já que armazenar e distribuir alimentos ficou mais complicado, sobretudo para os pequenos produtores. É importante lembrar que muitos dos produtos agrícolas produzidos pelas famílias são orgânicos, ao contrário dos grandes agricultores. 

“Os produtos que temos em abundância, batata, macaxeira, mamão, banana e as frutas de época, estão se perdendo. A cajarana, a tamarina, nossas frutas da região, são frutas que temos nessa época e, como as escolas não estão recebendo, a gente perde porque não temos câmara fria para armazenar essas frutas. Não temos uma estrutura grande que dê conta de armazenar”, se queixou a agricultora conhecida como Neneide em entrevista para o Brasil de Fato

Foto da capa: Sergio Amaral.

Projeto proposto pelo governador foi entregue à Justiça sob a premissa de “modernizar” o estado, mas foi recebido com críticas
por
Julia Cachapuz
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24/09/2020 - 12h

Venho solicitar que a apreciação da propositura se faça em caráter de urgência”: é dessa forma que João Doria encaminha o documento responsável por descrever o novo projeto de lei 529/2020, para a Assembleia Legislativa, no dia 12 de agosto.

O novo PL do governo descreve em seu documento oficial a intenção de realizar mudanças fiscais no estado como um todo, afim de combater os abalos orçamentários causados pela pandemia do novo coronavírus – de acordo com pesquisas econômicas, a crise mais recente poderá provocar a pior recessão desde o pós-guerra, previsão delineada encima de um panorama onde o PIB brasileiro sofreu um tombo de 9,7% no segundo semestre de 2020. Sendo assim, João Doria formula em seu projeto medidas de reestruturação nas finanças de São Paulo, que, entretanto, não agradaram a população e muito menos os servidores públicos.

Por trás da fala de “modernizar o setor administrativo e tributário”, diversas críticas foram feitas à medida que o novo PL prevê a extinção de 10 autarquias, fundações e empresas estatais distintas, podendo deixar cerca de 5,6mil servidores do Estado desempregados.

Com os cortes brutais, João Doria intenta economizar R$ 8,8 bilhões do orçamento público, apoiado pelos dados apresentados pela Secretaria Estadual de Projetos, Orçamento e Gestão, que informaram uma perda significativa no setor econômico estimada em R$27 bilhões para os cofres paulistas durante a crise do Covid-19.

As previsões feitas para 2021, pelo governo paulista, por sua vez não são nada otimistas. A gestão afirmou no PL que, sem auxílio federal, o estado pode vir a enfrentar um déficit de R$ 10,4 bilhões no próximo ano. Dessa forma, Doria ressalta a necessidade de “remanejar” os investimentos aplicados em São Paulo. Serão impactadas pelo projeto a Fundação Parque Zoológico de São Paulo, a Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima (FURP), Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP), Instituto Florestal, Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (EMTU/SP), Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), Instituto de Medicina Social e Criminologia (IMESC) e Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (ITESP).

Desmonte do serviço público

Há no clamor urgente pela aprovação do PL 529/2020 uma forte especulação quanto às preferências do governo de Doria por privatizar boa parcela dos serviços estatais, mascarada pelos valores exorbitantes (e indiscutíveis, sim) expostos pelo gabinete paulista. Dessa forma, a frente opositora da chefia de estado apontou para o fato alarmante de que o novo projeto daria autonomia para o governador acabar com várias empresas estatais.

O PL 529/2020 prevê em seu registro oficial, por exemplo, a transferência da gestão de contratos de concessão do transporte metropolitano, do EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), para a Artesp (Agência de transporte do Estado de São Paulo) e, desse modo, a instituição deixará de existir.

Em muitos casos os críticos ao projeto consideraram o PL “confuso”, ou então sem grandes detalhes sobre o tramites legais que deverão ser realizados com a aprovação da nova lei de Doria. Durante uma grave crise sanitária, João Doria pretende excluir até 2021 algumas fundações médicas, como a Furp (Fundação do Remédio Popular), responsável por produzir medicamentos distribuídos gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde), e a Fosp (Fundação Onocentro de São Paulo), que analisa 1.200 exames de Papanicolau por dia e ao menos 700 próteses para pacientes de câncer na região da cabeça e pescoço. A extinção prevista é certeira, apesar de não detalhar absolutamente nada sobre a forma como esse processo seria feito, deixando os pacientes dependentes dos serviços de saúde elencados a ver navios.

O grande pacote de exoneração proposto por Doria pode ficar ainda mais complexo se analisado sobre a premissa de que o PL 529/2020 está caminhado pela Justiça de forma muito silenciosa, aproveitando-se de uma pandemia caótica – brilhante cortina de fumaça, onde a população está muito mais preocupada com o comportamento sociopata de Jair Bolsonaro perante a atual crise – para escorregar por uma aprovação que decidirá o futuro (incerto) de São Paulo. Afinal, como é possível considerar abolir centros de pesquisa, unidades médicas, serviços públicos de saúde e afins, em pleno estado de calamidade, quando mais precisamos de investimentos nessas áreas?

O governo diz “sim”

A chapa do PSDB sorri, entretanto, com a entrega do PL 529/2020 a Justiça. Ignorando diversas críticas negativas feitas principalmente pela esquerda brasileira, João Doria defendeu em ocasião taciturna seu novo pacote de incertezas, reafirmando e reforçando a necessidade do projeto escrito afim de promover um “equilíbrio nas finanças do estado”.

“Se não fizermos a reforma administrativa, a modernização administrativa aqui no estado de São Paulo, o ano que vem não teremos condições de honrar com a folha de pagamento e nem honrar com o s compromissos com os prestadores de serviços e com aqueles que têm contrato com o governo do estado”, argumentou durante um pronunciamento feito por vídeo conferência.

O vice-governador do estado de São Paulo, Rodrigo Garcia, declarou a matéria que vê avanço precursor vindo de São Paulo, caso o PL 529/2020 seja aprovado pela Assembleia Legislativa. Ainda celebrando a “modernização” de órgãos estatais, ele discorre sobre uma suposta garantia de garantir serviços de qualidade à população, mediante a execução do projeto.

“São Paulo sai na frente dos outros estados com uma proposta de modernização administrativa e tributária com objetivo de garantir os serviços de qualidade à população e pagar salários e aposentadorias. Todos os Estados enfrentarão problemas em 2021, o governador João Doria com coragem se antecipa. A pandemia, retração da atividade econômica e consequente queda da arrecadação atingem a todos indistintamente”, declara o vice-governador e secretário do governo, Rodrigo Garcia.

A previsão inicial da aprovação do Projeto de Lei, enfim, é afirmada pelo deputado PSDBista, Carlão Pignatari (líder do governo na Assembleia Legislativa), que afirma a efetivação do PL até o final de setembro deste ano.

Falta de quórum

O PL 529/2020, apesar de estar desde os primórdios de sua criação causando polêmicas e conturbações, ainda não conseguiu ser aprovado pela Assembleia Legislativa, tendo enfrentado sua quarta rejeição consecutiva nesta quinta-feira, 01/10. De acordo com informações divulgadas pelo Rede Brasil Atual, o total de 22 parlamentares presentes na sessão do órgão foi insuficiente para que a presidência da agremiação convocasse um encontro extraordinário.

Em sua penúltima sessão excepcional na Assembleia, que ocorreu na última quarta-feira, 30/9, o projeto de lei teve a votação frustrada por não conseguir reunir todos os 48 nomes favoráveis a proposta.

Enfrentando grande resistência da oposição, o presidente da Assembleia Legislativa, Cauê Macris (PSDB-SP), que tem se mostrado favorável à aprovação do projeto tucano, ainda pode vir a convocar outras sessões durante a sexta-feira, 02.

 

Baixa remuneração é apenas uma das tantas reclamações de Aline, retrato de uma das categorias mais exigidas na pandemia
por
Giulia Pezarim de Angelo
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24/09/2020 - 12h

De maneira geral, grandes jornais seguem dois critérios para definir o que é notícia de primeira página: o da relevância e o das épocas do ano. O primeiro é introduzido já nas primeiras aulas de qualquer estudante da área, e depende de variáveis como a importância dos personagens envolvidos, ineditismo, ou tamanho do impacto do fato na vida da população. O segundo critério não necessariamente será manchete sempre, mas guiará as reuniões de pauta em determinados momentos temporais.

Sendo assim, pode-se dizer que a relevância é influenciada pela época. Mas o contrário também é verdadeiro: mesmo em temporadas de chuva, um temporal isolado não é necessariamente importante o suficiente para estar em destaque no jornal das sete. Entretanto, se esse temporal paralisar as principais avenidas de uma metrópole, certamente terá uma cobertura completa.

A história contada hoje não envolve personagens conhecidos; tampouco é inédita, e seu impacto provavelmente não será percebido por boa parte da população. Ela se passa em setembro de 2020, mês tradicionalmente marcado por campanhas sobre saúde mental, num ano marcado por uma pandemia.

Como toda grande crise humanitária, quando o coronavírus explode ao redor do globo, traz como efeito a exposição de feridas abertas na sociedade. E, assim, o tema dos trabalhadores de “linha de frente” –  como os entregadores de aplicativos – e seus direitos ganhou destaque nas principais redações jornalísticas: em maio, uma onda de protestos contra as condições precárias de trabalho em empresas do setor – em destaque IFood e Rappi – já ganhava força nas principais capitais brasileiras

Mas questões trabalhistas estão longe de ser uma novidade no Brasil, e seus verdadeiros protagonistas dificilmente serão considerados relevantes por muito tempo. Dessa maneira, pautas como as condições de trabalho nos apps de delivery – que, com a pandemia, se tornaram fundamentais para o funcionamento das grandes cidades – não são mais tão realçadas agora, no segundo semestre do ano.

A problemática que se discutia em maio, porém, continua viva para muitas pessoas. Uma delas é Aline: com 23 anos é mãe, divorciada, mototáxi e entregadora de aplicativos.

Aline mora com sua filha em Campo Largo (SP), na divisa entre Atibaia e Jaribu. Elas vivem a 15 quilômetros de distância do centro de sua cidade, em uma casa recém-construída que a moça mostra com orgulho num pequeno tour em vídeo.

O passeio começa no quarto das duas, marcado pela cor rosa dos brinquedos e da cama da menina de 5 anos (que mais tarde faz uma sorridente aparição). “Só não repara que tá uma bagunça”, diz a mãe. Caminhando por um corredor de paredes ainda não pintadas, a entregadora fala da falta de azulejos – a qual pretende resolver em breve – no banheiro e na cozinha. “Cozinha americana. Eu fiz pequenininha, que eu não gosto de ninguém no espaço.” Ao lado do micro-ondas, repousa o seu capacete de moto.

A sala ainda não tem muitos móveis: por enquanto, ganha destaque no espaço a sua mochila de entregas. Mas Aline, entre muitas falas da filha pequena, conta com empolgação  um pouco dos seus planos para o cômodo – tornando difícil não torcer por um futuro onde sua casa e vida sejam menos marcadas por suas condições de trabalho nos aplicativos.

Chegar lá, porém, não está sendo uma tarefa fácil: antes da pandemia, a jovem mãe trabalhava em uma empresa de transportes. Sua rotina era deixar a filha na escola (de período integral) todos os dias e ir trabalhar, encarando os apps apenas como um complemento de renda aos finais de semana. Hoje, não tendo mais o emprego anterior, depende inteiramente de trabalhos como o delivery para sustentar a filha, que não está tendo aulas. “Minha família é da zona leste de São Paulo e eu sou sozinha aqui com a minha pequena, então tá tudo bem difícil.” Aline conta que depende da ajuda de conhecidos para poder trabalhar. “Às oito da manhã deixo ela com uma amiga e vou para o táxi; dou umas escapadinhas durante o dia para visitar e no fim da tarde voltamos juntas para casa.”

O trabalho nos aplicativos parece girar em torno de promoções, que para a entrevistada exigem um deslocamento até a cidade São Paulo. “Às vezes fico aqui, e trabalho o dia todo no táxi, às vezes desço para São Paulo e faço os apps.” Normalmente, isso acontece aos finais de semana, que segundo Aline fazem toda diferença para o entregador. “O aplicativo dá preferência para quem trabalha direto”, conta. “Se você não trabalhar no domingo, principalmente na Rappi, não soma pontuação, e entra na segunda-feira  com zero ponto, daí fecham todas as áreas com demanda para você.” Ela compartilha uma frustração recorrente: “Esses dias anunciaram vinte reais a mais por frete. Larguei tudo que estava fazendo e desci para São Paulo, mas quando cheguei lá as áreas estavam fechadas para mim”.

Durante a produção desta matéria, a Rappi Brasil era acusada de calote por um grupo de entregadores. O caso foi divulgado pelo portal “Treta no Trampo”, no Twitter: “Dos dias 04 a 06 de setembro, a @rappibrasil lançou uma promoção: faça 8 entregas e receba R$ 110,00 extra. Geral foi para rua trabalhar, mas poucos dias depois a empresa vem [e] diz que cometeu um erro e não vai pagar a promoção”. Quando procurada para um posicionamento, a empresa não deu retorno.

Notícias como essa mostram que, para entregadores como Aline, a situação de trabalho apresentada em maio continua; a entrevistada comenta: “Apesar de alguns falarem que [a situação] melhorou, eu acho que continua péssima. Muito motoboy na rua, todo mês uma novela para receber”. “A gente ainda precisa fazer a manutenção da moto e pagar gasolina." Apesar de apoiar as manifestações dos entregadores, como mãe, ela evita sair para protestar: “Os meninos sempre discutem esses assuntos, eu tenho medo de ir pela bagunça, mas apoio. É uma causa para todo mundo, se tem greve eu não saio para trabalhar”. Seu medo não parece tão incompreensível ao considerar que, em julho de 2020, um vídeo mostrava policiais militares sufocando um entregador em Pinheiros.

Considerando o período de “Setembro Amarelo”, Aline fala de saúde. Ela comenta sobre preocupações, esgotamento, e acima de tudo uma grande sensação de incerteza: “Estou fazendo algo que odeio, ganhando menos da metade do que eu ganhava, preocupada com a minha filha e na dúvida dela estar sendo bem cuidada ou não, desanimada com a casa que não consigo terminar…”. A entregadora conta  ter duras crises de ansiedade. Apesar de tudo, segue otimista: “Estamos na luta, desistir nunca. Tenho fé que ano que vem tudo vai melhorar”.

No plano geral brasileiro, histórias como a de Aline certamente não são inéditas, e passam despercebidas nos algoritmos dos aplicativos ou rapidamente perdem relevância nos grandes jornais. Para muita gente , seu trabalho, considerado na pandemia como “serviço essencial”, dificilmente significará mais do que uma breve interação nas portarias e portões residenciais. E, para o jornalismo brasileiro, talvez funcione como uma tempestade isolada na temporada de chuva: por mais intensa que seja, só será uma notícia quente quando sair do micro e realmente ter impactos visíveis na rotina do cidadão comum.

Aumento da jornada, crise econômica e medo de contágio geram mais ansiedade em trabalhadores
por
Bruna Galati
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24/09/2020 - 12h

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) constatou que o Brasil possui 18,6 milhões de pessoas com ansiedade, representando 9,3% da população e sendo o país com maior índice de pessoas ansiosas. Embora a maior causa de afastamento do trabalho ainda seja pelo adoecimento do músculo esquelético, as doenças mentais entram em seguida, ocupando o segundo lugar. Os casos só aumentam ao longo dos anos, sendo talvez resultado das jornadas exaustivas e alto rigor do mercado de trabalho na hora da contratação. 

Em 2020, tudo se agravou com a chegada da pandemia de Covid-19 e, junto com ela, a necessidade do isolamento social. Ninguém esperava passar por um distanciamento que durasse tanto tempo e a falta do convívio entre as pessoas gerou avanço nos transtornos mentais.

De acordo com a pesquisa realizada pela Área de Inteligência de Mercado do Grupo Abril, em parceria com a MindMiners, 47% dos entrevistados sentem dificuldade para descansar e 23% não estão mais  conseguindo dormir bem. Isso pode ser resultado das diversas preocupações que surgiram com a pandemia, como o medo de contágio de Covid-19 pelos familiares, a angústia com os cortes nas empresas, em razão da crise econômica atual, e o estresse para aqueles que estão cuidando do trabalho dos que foram demitidos no corte de funcionários. 

É o que ocorre com Thayna Zattar, engenheira mecânica de 24 anos. Antes da pandemia do novo coronavírus, atuou por seis meses em auditoria. No início do isolamento, foi demitida com a justificativa de que muitos clientes da empresa tinham cancelado os projetos da sua área, portanto não teriam como manter os funcionários. "Devido à perda do emprego, eu percebi que tive um aumento na minha ansiedade, principalmente por conta do atual cenário onde várias pessoas também perderam seus empregos. Não está sendo fácil dormir e relaxar", afirma. 

Thayna acredita que a consequência disso é uma concorrência maior no mercado de trabalho, gerando uma disputa acirrada. A exigência do mercado está cada vez maior, mesmo que seja para uma vaga de nível júnior. Um dos pré-requisitos é experiência de dois a três anos e conhecimentos específicos avançados. Não é por acaso que a cada ano surgem 160 milhões de novos casos de doenças relacionadas ao trabalho, conforme dados da Previdência Social relativos a 2017. 

Conforme a pesquisa do Grupo Abril, 54% das pessoas estão extremamente preocupadas com a situação atual do avanço da doença e 76% se preocupam com a superlotação dos hospitais. É o caso de Natália Barbosa, advogada de 25 anos, que continuou trabalhando presencialmente, já que sua  empresa não aderiu ao isolamento social e não permitiu o home office para os funcionários. Ela acabou pegando Covid-19 e transmitindo para os seus pais, já em idade mais avançada. 

"Nesse período, senti novos sintomas, como síndrome do pânico, junto com as crises de ansiedade e episódios depressivos que eu já tinha anteriormente", afirma Natália. Hoje, já curada e com os pais bem, continua trabalhando presencialmente e se cuidando com um psicólogo. De acordo com o Jornal do Campus, na semana de 29 de março a 4 de abril de 2020, as pesquisas no Google por atendimento psicológico aumentaram 88% e para o serviço online, 41%. 

O programa Mentalize foi criado pelo Ministério da Saúde com o objetivo de reforçar a necessidade do cuidado com a saúde mental e precaver o avanço de doenças mentais nesse momento delicado que estamos vivendo. O Ministério ofereceu materiais e atividades para reforçar que é necessário dar enfoque para isso e buscar avaliações médicas caso sinta algo diferente em relação à saúde mental. 

O canal do Youtube do Ministério transmitiu algumas lives com psicólogos e psiquiatras para falar sobre o assunto. Os grupos de enfoque eram crianças, idosos e trabalhadores. Mas, antes disso, o Ministério fez um questionário online para a população responder, com o objetivo de mediar o avanço da depressão, ansiedade e estresse, para também exercer um programa melhor e mais estruturado para as necessidades dos brasileiros.

Ana Oliveira, professora de 23 anos, é mais uma que percebeu um avanço de exaustão e falta de tempo durante a pandemia. No início de tudo, as quatro escolas em que trabalhava cancelaram seu contrato. Com a necessidade de renda, Ana optou por trabalhar para sua tia, tornando-se babá de uma criança de 5 meses e outra de 7 anos. Ela "se mudou" para a casa deles, evitando pegar transportes públicos. 

"Quando aceitei ser babá estava tudo indo bem, mas no decorrer dos dias duas escolas pediram pra eu retornar. Como precisava de dinheiro extra, aceitei." Mas isso começou a consumir grande parte do tempo de Ana. "De segunda a sexta fico na casa das crianças, me restando apenas o fim de semana para preparar e gravar as quatro aulas de inglês. Com tanta coisa acontecendo, deixei de ter um tempo só meu e quando tenho pausas acabo limpando meu quarto", afirma. 

Em 2018, o INSS concedeu 8.015 licenças para o tratamento de transtornos mentais e comportamentais adquiridos no ambiente de trabalho. Uma pesquisa feita em 2019 pela Talenses, empresa de recrutamento, relata que 44% dos trabalhadores brasileiros já sofreram de burnout (transtorno depressivo, gerado pelo esgotamento físico e mental).  

Para evitar ao máximo o avanço dos transtornos mentais durante a pandemia, a OMS divulgou um guia chamado "Cuidados para saúde mental durante a pandemia". Uma das recomendações é fazer pausas e descansar entre os turnos de trabalho ou até mesmo tirar um momento para relaxar dentro do expediente. 

Também não esquecer de prestar atenção na alimentação, já que passamos mais tempo em casa e não recusamos algumas bolachinhas, bolos ou pão, e manter o exercício físico e o contato com a família e amigos da maneira que for possível. E, é claro, evitar o uso de tabaco, álcool ou outras drogas para lidar com o estresse. Elas trazem uma ilusão passageira e, a longo prazo, diminuem o bem-estar físico e mental.

Projeto vem sendo discutido desde o ano passado, mas Covid e eleições complicam execução
por
Francisco Vóvio Segall
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22/09/2020 - 12h

O governo Bolsonaro tem, desde as eleições, a defesa às privatizações como grande modelo econômico para o Brasil. Inclusive com o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometendo que ocorrerão pelo menos “três ou quatro grandes privatizações” até o fim de 2020. 

Uma delas provavelmente seria a da Eletrobrás, empresa nacional de eletricidade. Porém, é necessária a aprovação do Congresso e Senado, com os quais Bolsonaro não cultiva uma boa relação, tendo discutido por meio da imprensa com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, mais de uma vez. Esse desgaste com a Câmara pode dificultar a evolução dessa proposta. Como mostra publicação do Jota, o apoio ao governo Bolsonaro na Câmara caiu cerca de 10 pontos em relação a 2019.  Durante o ano de 2020 esse projeto foi muito discutido, mas, a contragosto da Presidência, no mês de agosto Maia declarou que a privatização da Eletrobrás não iria ocorrer este ano. Outro impeditivo seria a situação de pandemia.

Entretanto, no dia 24/08, a Reuters divulgou que o governo tentava manobrar essa situação, com um acordo para que a tramitação do projeto começasse no Senado em vez da Câmara, o que adiantaria o processo. É importante frisar que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, é do Democratas, mesmo partido de Rodrigo Maia. Em entrevista dada ao UOL,  o senador Eduardo Braga (MDB-AM), que participou de uma reunião no Ministério de Minas e Energia no fim de agosto,  disse:  "O que estamos propondo é criar um mecanismo que vai ter recursos, que vai ter investimento, vai baixar tarifa... e vai gerar de R$ 15  a R$ 20 bilhões  para o Tesouro Nacional". O senador declarou que não acreditava que haveria resistência ao projeto por parte dos senadores.

Entretanto, para surpresa do senador, a movimentação nos bastidores gerou descontentamento entre os parlamentares, de acordo com matéria do Valor Econômico. Existem pontos do texto que ainda desagradam parlamentares.

A perspectiva de privatização da Eletrobrás este ano se torna cada vez mais  improvável, ainda mais com a chegada das eleições municipais, que foram adiadas de outubro para novembro. Apesar dos deslizes no meio do caminho, a perspectiva de que a  privatização da estatal de energia aconteça em 2021 são bastante reais. O próprio Rodrigo Maia se declarou a favor da efetivação do projeto.

Existem também questões constitucionais e acordos internacionais que complicam o projeto de privatização, envolvendo as usinas termonucleares de Angra dos Reis e a hidrelétrica de Itaipu. Para que fosse possível privatizar a Eletrobrás, o governo já reservou cerca de R$ 4 bilhões  para a criação de uma estatal que comandaria as usinas de Angra e Itaipu. Parece contraditório que seja necessária a criação de uma nova estatal para que outra seja privatizada, mas a Constituição brasileira proíbe que energia nuclear seja explorada por empresas privadas. Em relação a Itaipu, o acordo internacional com o Paraguai obriga que seja uma empresa em poder da União a controlar a usina.

Outro ponto dessa proposta é que parte desses R$ 4 bilhões seja usada para a finalização da Usina de Angra 3, cujas obras  estão paralisadas desde 2015. Também existe interesse dos Estados Unidos e da China em financiar parte da construção da usina. Russos e franceses também têm interesse em participar do negócio. Pelo alinhamento do governo Bolsonaro aos Estados Unidos e ao presidente Donald Trump, técnicos do Ministério de Minas e Energia procuram colocar entraves para a participação chinesa no empreendimento, de acordo com reportagem da Folha de S. Paulo publicada em  19 de agosto. A expectativa é que o custo de construção de Angra 3 chegue no valor de R$ 17 bilhões. Um fator importante para o financiamento desse projeto é o fato de que as dívidas de Itaipu vencem em 2023, o que também ajudaria a acumular capital para o empreendimento.

Um ponto a ser levado em conta ao discutir a privatização do setor de energia é o fato de vários países pensarem nesse setor como estratégico, garantindo que boa parte do mercado nacional seja abastecido pelas estatais. Entre os  países que compõem o Brics, por exemplo, China, Rússia e Índia têm a área de  energia com forte presença estatal. Para além desses, França e Coreia do Sul também têm estatais do setor com muita presença no mercado.