Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
por
Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Felipe trabalha como motorista de aplicativo e não paga INSS, mas diz que passará a contribuir no futuro
por
Mayara Pereira
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31/10/2025 - 12h

Por Mayara Pereira

 

Felipe Silva é um motorista de aplicativo há 4 anos. Ele conta que após perder o emprego de repositor em um pequeno mercado perto de onde morava, teve que buscar alternativas para sustentar ele e a família, já que é o provedor da casa. Tentou procurar emprego em outros setores, mas sem sucesso. Com suas tentativas frustradas, resolveu virar motorista de aplicativo. Quando começou não tinha um carro que era aceito para fazer as viagens, então com o dinheiro que conseguiu depois de ser demitido, deu de entrada, junto com o seu carro e comprou um melhor para conseguir rodar. Hoje a única fonte de renda de Felipe são as corridas. Ele passa cerca de 10 horas por dia trabalhando, durante 6 dias da semana e as vezes até 7. Mesmo sem os direitos trabalhistas básicos ele diz que gosta de ser “livre” e não ter patrão. Felipe não paga INSS, mas diz que passará a pagar futuramente e segundo ele, possuí uma poupança para custear gastos futuros dele e de sua família.

Os números da economia informal no Brasil são indicadores complicados no mercado de trabalho. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que no primeiro trimestre de 2025 perto de 32 milhões de brasileiros estão trabalhando informalmente. Quase um terço de trabalhadores operam sem carteira assinada, nem CNPJ, muito menos acesso a direitos básicos. No Norte e Nordeste essa taxa supera os 50%, levantando desigualdades históricas e estruturais no país. Motoristas de aplicativo e motoboys surgem como os maiores exemplos de uma informalidade, influenciada por discursos morais e “flexibilidade”, mas na prática percebemos a precarização desses trabalhadores.  

As plataformas digitais mudaram a maneira de trabalhar e gerar renda. O IBGE calculou que, em 2022, cerca de 2 milhões de brasileiros usavam apps para trabalhar e representam 77% autônomos. A maioria atua em serviços de entrega ou transporte, com jornadas extensas, muitas vezes ultrapassando 10 horas de trabalho por dia. Motoboys e entregadores, por exemplo, trabalham em média mais de 45 horas semanais, conforme o instituto, quase cinco horas a mais que trabalhadores de funções similares fora das plataformas. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que mais de 55% destes trabalhadores estão completamente na informalidade, sem nenhum tipo de contribuição para a previdência ou segurança social. 

A ausência de um vínculo formal mostra um dilema presente no mercado de trabalho atual, a autonomia e liberdade prometida se juntam com a instabilidade e falta de direitos. Muitos motoristas e entregadores, dizem gostar desse sistema, já que podem definir horários e ganhos. Apesar disso, essa independência, traz consigo muitos perigos que não são assumidos pelas empresas. Custos com gasolina, consertos do veículo, comida e equipamentos de segurança, são todos por conta do trabalhador. Caso fiquem doentes ou se acidentem, não têm direito a auxílio-doença, FGTS ou seguro-desemprego. A contribuição para o INSS, quando rola, acontece de forma voluntária e as vezes, o que dificulta o acesso a aposentadorias e benefícios. A maioria dessas pessoas simplesmente não contribuem, seja por não saber como, por ter dificuldade em pagar, ou por causa da renda irregular.  

Essa situação mostra que, por um lado, a economia informal é considerada como um motor que mantém o País indo para frente. Por exemplo, na pandemia, os entregadores e motoristas de aplicativo foram muito importantes para garantir os serviços básicos, como a entrega de comida e remédios, quando quase tudo parou, e, por outro, mesmo sendo vistos como essenciais, esses trabalhadores continuam marginalizados pelo Estado e pela sociedade. Existe uma mistura de admiração e estigma: eles são vistos como guerreiros que "não param", mas também como profissionais que fazem "bicos", sem estabilidade ou um futuro garantido. O efeito da informalidade na economia é incerto. Ela absorve milhões de pessoas que, de certa forma, estariam sem emprego, aliviando os números de desocupação e assegurando uma pequena circulação de dinheiro. 

Em áreas remotas e cidades pequenas, o trabalho sem registro é o pilar do comércio e dos serviços locais. No entanto, essa situação traz um preço elevado, diminuindo a receita fiscal e fragilizando a Previdência Social. Esses trabalhadores sofrem mais com as crises, imprevistos e enfermidades, sobrecarregando os sistemas públicos de saúde e ajudas sociais. Além disso, a produtividade é reduzida, visto que a instabilidade financeira dificulta planos. Em 2024, o IBGE apontou que mais de 25% dos trabalhadores do setor privado não possuíam carteira assinada. O Dieese revelou também que os salários de motoboys e entregadores de aplicativos são, em média, 40% abaixo dos de quem trabalha formalmente em funções parecidas. Esses números evidenciam que, mesmo com a tendência nova economia e da "liberdade de empreender", a verdade é que acontece um maior esgotamento desses trabalhadores.  

A ausência de uma regulamentação correta para os trabalhadores de aplicativo é um dos maiores problemas. Em 2024, o governo começou algumas propostas para fazer uma lei, para dar direitos mínimos, como a previdência social e seguro contra acidentes. O projeto pensava em colocar as plataformas para colaborar pagando uma parte do INSS, pelo tempo de trabalho que o sujeito presta serviços a essas empresas. Mas o projeto encontra dificuldades pois as empresas terão menos lucro e vendem a ideia da perda de liberdade. Fora a lei, alguns especialistas falam em criar políticas públicas para ajudar na previdência e dar cursos de capacitação de forma gratuita.  

Simplificar o processo de contribuição ao INSS, ajustar a renda variável e irregular dos trabalhadores autônomos, seria um passo importante para esse problema. Oferecer linhas de crédito acessíveis, juntamente com seguros específicos para motoboys e motoristas, poderia diminuir custos operacionais e reduzir o risco de dívidas. Também é importante investir em infraestrutura urbana, locais de apoio e políticas de saúde ocupacional. Tais medidas poderiam ajudar na redução de acidentes e no melhoramento das condições de trabalho, sobretudo nas grandes metrópoles. 

O entregador de aplicativo, o motorista do Uber, e o vendedor ambulante, são parte significativa da economia brasileira. Eles impulsionam e estimulam o consumo, e sustentam inúmeras famílias. Reconhecer estes profissionais significa admitir que o Brasil de verdade é construído, em grande parte, por gente que vive na informalidade. 

Dessa forma, a economia vai muito além de simples dados estatísticos, é o pilar da subsistência de milhões de brasileiros. Ela expõe as diferenças de uma país em ascensão, que não garante condições decentes para todos. Sem políticas estruturais que envolvam esses trabalhadores sobre os direitos sociais, o País continuará preso em um ciclo de desigualdade e precarização. Formalizar, é bem mais que só um contrato, é garantir que o trabalho, em qualquer área, seja sinônimo de dignidade. 

Especialistas comentam eficácia e limites da nova atualização
por
Marcelo Barbosa
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06/10/2025 - 12h

No início de outubro, o Banco Central do Brasil divulgou uma nova ferramenta para promover confiança nas transações bancárias. Chamado de “Botão de contestação”, o instrumento faz parte da série de medidas “autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED)”  e poderá ser acionado em casos de fraude, golpe e coerção.

O MED foi criado em 2021 pelo Banco Central. Ele estabelece que a vítima solicite, em até 80 dias da data em que o PIX foi realizado, a devolução do dinheiro ao Banco. Funciona assim: Após receber a reclamação, a instituição avalia o caso. Se o banco entender que o MED se aplica, o golpista pode ter a conta bloqueada. As instituições deverão analisar a denúncia em até sete dias e, se for constatada fraude, a pessoa pode receber o dinheiro de volta em até 96h, caso haja dinheiro na conta do suspeito.

Com a nova funcionalidade, quem precisar fazer o pedido de devolução do dinheiro poderá realizar o processo de forma digital e assim, agilizar o bloqueio de recursos do golpista. Antes, o procedimento era intermediado por uma pessoa que fazia o atendimento.

De acordo com Heluan Santos, especialista em tecnologia da Valios Capital e autor dos livros “Além das Criptomoedas” e “Sempre Alerta” – ambos sobre segurança com dinheiro no ambiente on-line – o botão, apesar de aumentar a segurança e trazer mais confiança, ainda pode ser usado de maneira indevida, assim como ocorre em outras inovações.

Porém, segundo Santos, a expectativa é de que, com filtros e monitoramento, o novo recurso traga muito mais benefícios do que riscos, ainda que a centralização do sistema possa desembocar em decisões unilaterais. “A maior preocupação deve estar voltada para a engenharia social, que hoje é responsável pela maioria dos golpes. Esse tipo de fraude torna o processo de validação mais difícil e continua sendo o grande desafio”, destacou.

O termo "engenharia social" refere-se a uma técnica de manipulação usada por criminosos virtuais para convencer pessoas a revelarem informações pessoais.

Reprodução: Banco Central do Brasil | Imagem oficial do PIX
reprodução: Banco Central do Brasil | Logo oficial do PIX


Renato Cunha, especialista em meios de pagamento e segurança digital e proprietário da 3RMS, empresa de tecnologia para o varejo, lembrou que, mesmo no sistema anterior em que era preciso ligar para o correntista, essas tentativas de contestação fraudulentas já eram praticadas, assim como as tentativas de cancelar compras no cartão diariamente.

Segundo ele, os bancos e operadoras conseguem identificar comportamentos suspeitos e a maior parte dessas contestações sequer chega ao cliente final, pois são barradas antes pelos sistemas antifraude, com exceção de casos em que os criminosos estão dentro dos próprios bancos. "A facilidade na aplicação de golpes [ainda] será explorada. Porém, o número de sucesso nesses golpes é extremamente baixo. Geralmente, ele passa quando tem pessoas mal intencionadas de dentro dos bancos ou operadoras fazendo parte da quadrilha”, afirma Cunha.

Importante destacar que a contestação não poderá ser feita nos casos de desacordos comerciais, erros no envio do PIX ou quando houver arrependimento na transação. De acordo com o Banco Central, o novo botão será exclusivamente para evitar fraudes.
 

Dados apontam que mais de 116 milhões de brasileiros enfrentam insegurança alimentar
por
Heloísa Lisboa
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24/05/2021 - 12h

Em meio à pandemia da Covid-19, a insegurança alimentar entre os brasileiros impulsionou campanhas de doações de alimentos por ONGs e outras entidades que, em alguns casos, já nasceram nesse cenário.

Segundo estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, realizado em 2.180 domicílios das cinco regiões do país entre 5 e 24 de dezembro de 2020, 116,8 milhões de brasileiros não têm acesso pleno e permanente a alimentos.

Em 55,2% dos domicílios, os habitantes convivem com insegurança alimentar. Um levantamento feito entre novembro e dezembro de 2020, com uma amostra de 2.000 pessoas, pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia aponta um número ainda maior: 59,4% dos domicílios entrevistados enfrentavam a insegurança alimentar.

Os números representam um aumento de 54% em relação a 2018, conforme a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) realizada entre 2017 e 2018.

Pessoas procuram emprego no centro de São Paulo. Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Pessoas procuram emprego no centro de São Paulo. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Criada em 2016, a Liga do Bem executou projetos educacionais, em saúde, empreendedorismo feminino, reformas e construções sustentáveis em instituições e comunidades de Salvador (BA) através de trabalho voluntário. A União Bahia é uma campanha da entidade para combater a fome que atende favelas da região metropolitana da Bahia e do sertão do estado.

Dados da Liga do Bem mostram que mais de 300 toneladas, que somam alimentos, material de limpeza e de higiene pessoal e máscaras, foram doadas, desde a primeira semana de isolamento no Brasil, decretado em 24 de março, até dezembro do ano passado.

O arrecadamento de dinheiro é feito por meio de doadores únicos ou de apadrinhamentos de pessoas físicas ou jurídicas que doam mensalmente. A campanha União Bahia conta com a ajuda de mais de 800 voluntários e a parceria de outras ONGs.

A Ondan (Organização Negra de Alcance Nacional), por outro lado, foi criada em 2020 e tem como foco a população negra e periférica. Segundo uma de suas fundadoras, Jusianne Castilho, “esse período de pandemia exigiu dos movimentos socioculturais uma readaptação. Hoje se tem uma necessidade maior de trabalhar as ações pelas redes sociais”.

Na logística de arrecadação e doação da Ondan, as pessoas que mais precisam de sua ajuda são selecionadas, bem como existem aqueles que procuram a entidade. Isso é feito por meio de cadastros.

Para fazer o cadastro, é preciso fornecer informações como a quantidade de pessoas que vivem na casa, se é uma mãe solo ou se a família tem renda fixa. Esses dados ajudam no momento de priorizar aqueles que mais precisam ser contemplados pelas doações de alimentos, cestas básicas, roupas e produtos de higiene e limpeza. A ONG arrecada tanto doações de produtos, quanto de dinheiro, que é convertido em itens.

Às quartas-feiras, parte dos voluntários da Liga faz as compras em atacadistas, porque, segundo o presidente-fundador da ONG, Nélio Chagas, é financeiramente mais vantajoso montar as cestas básicas do que comprá-las prontas. As compras são retiradas às quintas-feiras e às sextas e, aos sábados, as cestas são montadas. Aos domingos, as entregas são feitas às famílias indicadas no cadastramento realizado pelos líderes das comunidades. A escolha de quem mais precisa da ajuda da entidade é decisão desses líderes.

De acordo com Chagas, existem diferenças entre as necessidades de habitantes de comunidades próximas de cidades grandes e de quem vive nas comunidades do sertão. Ele afirma que a proximidade com centros urbanos permite, com mais facilidade, que pessoas pobres consigam empregos temporários. Já aqueles que moram no sertão, vivem em comunidades isoladas em cidades também isoladas.

Segundo o Siga Brasil, portal de transparência sobre a execução orçamentária, o governo federal gastou mais de R$ 509,1 bilhões em despesas para ações de combate à pandemia no ano passado. Do valor, 57,71% foram destinados para cidadãos com o auxílio emergencial de R$ 600 e, posteriormente R$300, até dezembro de 2020. Para estados e municípios, R$ 63,15 bilhões do montante foram transferidos para ações em meio à pandemia.

O BEm (Benefício Emergencial de Manutenção em Emprego e Renda), criado em 2020, foi relançado neste ano com a assinatura de medidas provisórias pelo presidente Jair Bolsonaro. O programa permite corte de salários e jornadas e, até dezembro do ano passado, custou R$ 32,35 bilhões ao governo. Segundo o IBGE (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de desemprego atingiu 14,2% no trimestre móvel terminado em fevereiro. Em 2020, a média da taxa de desocupação foi de 13,5%, o maior patamar da série histórica da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, iniciada em 2012.

Para Chagas, o combate à fome também é responsabilidade da sociedade civil. “O governo tem suas responsabilidades, mas a gente acredita que cada um tem que fazer sua parte e sem ficar acusando, apontando dedo”, ele afirma. Por isso, no entendimento do presidente da ONG, o trabalho de entidades como a Liga do Bem pode ter mais eficácia e ser mais ágil do que políticas públicas.

Castilho, porém, argumenta que, no Distrito Federal, a maior parte das pessoas mais vulneráveis são negras e não recebem apoio estatal. Além da fome, famílias negras enfrentam outras dificuldades com a falta de saneamento básico e moradias inadequadas, por exemplo. Ainda que a Ondan tenha um papel importante no combate à desigualdade, seu alcance é restrito. Portanto, “é necessário fomentar políticas emergenciais de enfrentamento à fome”, afirma Jusianne.

Ao contrário da Liga do Bem, com alguns anos a mais de funcionamento, a Ondan enfrenta alguns impasses. Por não ser institucionalizada, não tem acesso a certos recursos e,  por não ter CNPJ, “existem doadores e parcerias que a organização não pode alcançar por não preencher os requisitos necessários para a prestação de contas”, de acordo com Castilho.

Há outras diversas entidades que têm trabalhado no combate à fome em diferentes regiões do Brasil. A Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), por exemplo, dedica-se ao auxílio para comunidades de povos indígenas da região amazônica, enquanto o Movimento Panela Cheia, união de esforços da Cufa (Central Única das Favelas) e da Gerando Falcões, auxilia mais de 5 mil comunidades pelo país. O Qual Máscara, criado inicialmente para informar internautas sobre o uso correto e a escolha de máscaras mais eficazes, também formou uma campanha para arrecadar dinheiro e doar máscaras e cestas básicas. Foram mais de R$ 30 mil em doações, que foram interrompidas por impasses jurídicos.

Doações para a Liga do Bem podem ser feitas só por meio do site da ONG: aligadadobem.org. Para a Ondan, é possível fazer doações contatando a entidade no telefone (61) 98251-6286 ou no e-mail ondaondan365@gmail.com. Outras formas de arrecadar dinheiro, como rifas solidárias, também são feitas pela Ondan. 

Perspectiva econômica para a região fica abaixo do índice mundial de 6%; prognóstico para o Brasil é de apenas 3,7%
por
Giuliano Formoso
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24/05/2021 - 12h

As projeções para a economia mundial estão melhorando. Ao menos é o que diz o relatório Perspectivas da Economia Mundial (World Economic Outlook, em inglês) publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no mês de abril. O organismo financeiro prevê 4,6% de crescimento para a América Latina em 2021, o que melhora em 0,5 ponto percentual a última estimativa para a região, publicada em janeiro.

A atualização e o otimismo decorrem principalmente da evolução da vacinação em massa. Outros fatores englobam a adaptação de parte da população ao trabalho à distância e o forte apoio fiscal das principais potências econômicas mundiais, sobretudo os Estados Unidos. A recuperação econômica da América Latina, no entanto, será “leve e em velocidades diferentes”, conforme o relatório do FMI, que alerta para o “potencial de danos econômicos persistentes” e para a “eficácia com que políticas econômicas implementadas sob incerteza podem limitar os danos dessa crise sem precedentes".

No Webinar “Perspectivas para a economia brasileira (2021-2022)”, realizado pela Fundação Getúlio Vargas em 6 de abril, o professor de economia Mauro Rochlin comentou sobre os fatores que estimularam uma melhoria nas projeções econômicas: “O mundo vai andar muito mais rápido do que se esperava há pouco tempo atrás. Houve uma mudança significativa nas previsões de crescimento econômico para o mundo todo, com as principais condicionantes sendo a evolução da imunização, a reabertura do setor de serviços e a retomada do emprego. São fatores que dependem uns dos outros para moldar qualquer tipo de previsão”.

Com diversos países registrando altos índices de óbitos per capita decorrentes de Covid-19, a América Latina teve retração econômica de 7% em 2020. Foi o maior recuo entre as regiões do mundo e mais do que o dobro da média global de 3,3% - variação que já significou a pior recessão em tempos de paz desde a crise de 1929. A economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, ressalta na introdução do relatório que “o colapso poderia ter sido ao menos três vezes maior, não fossem as rápidas respostas governamentais”.

O emprego formal e a renda proveniente do trabalho tiveram queda acentuada. Os setores mais afetados pela pandemia, tais como hotéis, restaurantes, serviços pessoais e estabelecimentos comerciais, absorveram uma parcela desproporcional da perda de empregos, assim como as famílias de baixa renda. A renda mais baixa, por sua vez, contribuiu para a insegurança alimentar, impulsionada pela inflação dos preços em alguns países. O resultado é a reversão nos avanços na redução da pobreza. As economias caribenhas, dependentes do turismo, estão entre as mais afetadas.

O FMI estima que cerca de 95 milhões de pessoas entraram na faixa da pobreza extrema em 2020, sendo 19 milhões na América Latina. Já a desigualdade, medida pelo coeficiente de Gini, cresceu 5% em comparação ao cenário pré-pandemia na região. Especialistas do organismo também alertam para um problema pouco comentado, destacando que a crise sanitária “deixará danos duradouros no capital humano devido ao fechamento das escolas, que foi mais prolongado do que em outras regiões do mundo”.

A expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) global é de 6%, 1,4 ponto percentual acima da América Latina e 2,3 pontos percentuais superior à do Brasil, que registrou no ano passado uma retração de 4,1%, a terceira maior desde 1901. Segundo país com mais mortes por Covid-19 no mundo, o Brasil vem tendo a recuperação retardada pelo atraso no programa de vacinação e a gestão conturbada da crise sanitária, agora no foco de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado. Em 2021, mais uma vez, o país deve ficar abaixo da média de crescimento mundial e da região.

Para além de 2021, o FMI alerta que as perspectivas a longo prazo seguirão dependendo do rumo que a pandemia tomar em cada região, destacando que a vacinação lenta aumenta o risco de agravamento de novos focos do vírus, além de promover aumento da desigualdade entre os países ricos e pobres.

No caso da América Latina, especificamente, com exceção de Chile, Costa Rica e México, os países ainda não garantiram vacinas suficientes para cobrir todas as respectivas populações, apesar dos apelos da Organização Mundial da Saúde (OMS) para uma melhor distribuição dos imunizantes pelo planeta. México (5%), Argentina (5,8%) e Chile (6,2%) estão na frente do Brasil na corrida de crescimento econômico para o ano, segundo o relatório do organismo. O FMI destacou o Chile como “um dos programas de vacinação mais avançados do mundo”, para justificar a previsão de recuperação a curto prazo.

Em termos de renda per capita, o retorno aos níveis pré-pandemia na região está previsto apenas para 2024, o que culminará na perda acumulada de 30% em relação à projeção anterior à crise. “As pessoas e as economias ainda precisam de uma dose de reforço a curto prazo para sair da crise da Covid-19, enquanto o agravamento de fragilidades estruturais subjacentes impõe desafios a longo prazo”, destaca um grupo de especialistas do FMI. O Brasil deve recuperar o nível de seu PIB de 2019 apenas em 2022.

O órgão ainda recomenda que os governantes tenham prudência ao decidirem os próximos passos, visando amenizar os efeitos da crise e alcançar as previsões positivas futuras, destacando: prioridade aos gastos com saúde, fortalecimento de políticas de proteção social, facilitação de falências e investimento em educação.

Segmento concentra mais de 70% dos desligamentos na rede particular; ao menos 700 mil docentes são demitidos
por
Milena Flor Tomé
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24/05/2021 - 12h

Ela se arrumou como de costume. Vestiu uma roupa bonita e passou maquiagem. Dessa vez, para esconder a tristeza. Não adiantou. Professora de educação infantil, Vivian Medeiros Campos percorreu os trinta minutos da sua casa ao trabalho com lágrimas no rosto. Era terça-feira, quatro de maio de 2021, o seu último dia na Escola Piccolino, localizada no Alto de Pinheiros, zona oeste da cidade de São Paulo. Chegou às 9h e bateu o ponto às 13h. A jornada caiu pela metade, assim como o salário. Os cortes não evitaram a demissão. “Nós tínhamos berçário com 18 bebês, agora com a pandemia nós não tínhamos nenhum.” Vivian era coordenadora do berçário e sabia que o rompimento era inevitável.

Cerca de 300 mil professores da educação básica de colégios privados já foram demitidos durante a pandemia, segundo estimativa da Fenep (Federação Nacional de Escolas Particulares). Os dados se referem aos docentes que atendem crianças de até 5 anos de idade. Sem a obrigatoriedade do ingresso escolar antes dos 4 anos – conforme a legislação –, os impactos são sentidos no cancelamento das matrículas e na demissão de professores. A educação infantil tem concentrado mais de 70% dos desligamentos de profissionais na rede particular, que procuram novas fontes de renda.

Silvia Maria perdeu o emprego numa creche pouco antes de a pandemia ter início. Pedagoga, ela sobrevive com a média de R$ 500 por mês com a revenda de cosméticos e utensílios para casa. São 4 milhões de pessoas nessa atividade, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (Abevd). Os revendedores usam como alternativa para complementar a renda. Para Silvia não está sendo um complemento, pois ainda não conseguiu recolocação no mercado. “Já entreguei vários currículos, por e-mail e pessoalmente. Eles sempre falam que não dá por causa da pandemia”, diz.

Foto: arquivo pessoal de Luiz
Foto: Arquivo pessoal de Luiz

A lona estendida na frente da casa faz sombra numa grande mesa sustentada por tijolos. Em cima da mesa, vários livros de estudo. Nas cadeiras, nenhum aluno. É nesse ambiente improvisado no bairro 17 de março, em Aracaju (Sergipe), que o professor Luiz Carlos Nascimento dava aulas de reforço escolar e tirava um extra. Com a pandemia, a atividade parou. Não só o reforço em sua casa, como o emprego no colégio particular. Luiz está entre os 14,4 milhões de desempregados no Brasil, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No trimestre encerrado em fevereiro, o desemprego ficou em 14,4%, a maior taxa registrada desde o começo da pesquisa.

“Professor é a única identidade que encontro em todos lugares que eu vou.” Filho mais velho entre cinco irmãos, Luiz é o único com ensino superior. Desde cedo, ele sabe da importância dos estudos na sua vida e tenta ajudar as crianças do seu bairro com um projeto social de contação de histórias e o reforço com um valor simbólico de R$ 30 por aluno. Sem essas atividades, ele vende geladinhos por R$ 1 cada. No mês que dá uma venda boa, ele tira R$ 100, que se somam ao auxílio de R$ 150 do Bolsa Família, que permite nada mais que o básico nesse contexto pandêmico

Quando questionado sobre o motivo de continuar na profissão mesmo com as dificuldades, Luiz faz questão de responder. “A gente tenta fugir do ócio do ofício, mas ensinar não é para qualquer um. Ensinar é um dom. Já tentei ‘n’ outras coisas, mas no meu coração sempre diz o seguinte: você precisa ensinar. É a sua arte.”

Com poucas ofertas de vagas de trabalho em sua área de formação, jovens repensam a carreira
por
Guilherme Lima Alavase
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23/05/2021 - 12h

Logo após o primeiro caso de contaminação pela Covid-19 no Brasil, assistimos uma ampliação do desemprego e do desalento da população, sobretudo os mais jovens. Não basta apenas lutar para não ser contaminado pelo vírus, na maior crise sanitária que já enfrentamos. A luta diária no meio da pandemia é a luta da sobrevivência, manter o emprego e a renda para passar por essa turbulência.


Para os jovens o desafio é ainda maior. Como se colocar no mercado de trabalho estagnado, com trabalhadores qualificados e experientes perdendo os seus postos de trabalho e, para sobreviver, aceitando salários menores em uma nova colocação.  É neste contexto que os mais novos estão disputando uma vaga de trabalho. Antes, o fato de ter pouca ou nenhuma experiência era um facilitador para conseguir um emprego com salário mais baixo, agora concorre com pessoas experientes pelos poucos empregos mal remunerados que existem. O Nube (Núcleo Brasileiro de Estágios) informa que de cada dez novos profissionais formados em 2019 e 2020, metade deles estão sem trabalho, ou seja, com uma taxa de desemprego muito maior que a média do país, que gira em torno de 14,2 %, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).


A pesquisa, realizada pelo Nube, mostra que dos jovens formados que conseguiram emprego neste período de pandemia, apenas 20% estão exercendo atividades correlatas ao que estudaram na universidade. Para a recém-formada em Publicidade e Propaganda, Grazielly Irene da Conceição Cunha, que cansou de procurar emprego em sua área e neste momento trabalha na empresa da família em atividades administrativas e paralelamente faz cursos de EAD (Ensino à distância), o curso visa prepará-la para quando o mercado aquecer novamente.

Para Mariana Nobrega, formada em Engenharia de Produção, "o mercado está exigindo muita experiência em diversas áreas do conhecimento, dificultando a entrada dos inexperientes no mundo do trabalho. Quando resolveu estudar engenharia, não imaginava que iria encontrar tantas dificuldades para se inserir na profissão, pois as atividades em que o engenheiro de produção pode atuar são amplas, mas, devido à crise econômica e as incertezas relativas à pandemia deram uma travada no mercado de trabalho. Hoje, ela tem realizado trabalhos informais e está se preparando, inclusive para mudar de área, fazendo um novo curso. 
 

Os resultados de um governo despreparado e ineficaz traduzidos nos números recordes de desempregados
por
Guilherme Campos
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17/04/2021 - 12h

   Não há dúvidas do quão cruel foi o ano de 2020 por conta das consequências ocasionadas pela pandemia de Covid-19, e infelizmente para nós brasileiros a previsão é de que 2021 não traga notícias muito diferentes. Vidas de centenas de milhares de famílias foram corrompidas drasticamente de uma hora para a outra sem ter como jamais serem reparadas, e o governo do atual presidente, Jair Bolsonaro, vêm acumulando vexames e atos genocidas contra o Brasil por conta de seu descaso com a vida de nós todos.

   

Foto: Economia G1 Fonte: IBGE
Foto: Economia G1
Fonte: IBGE

 

   O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou dados em assombrosos durante a pandemia, mostrando a dura realidade da enorme crescente do número de desempregados ao redor do país, totalizando cerca de 14,3 milhões de pessoas até janeiro de 2021 – maior número já registrado desde o início da série de pesquisas realizadas pelo instituto em 2012 - sem contar as pessoas desalentadas -, assim destacando o Brasil como a 14ª maior taxa de desemprego do mundo.  

 

Foto: Wagner Amorim
Foto: Wagner Amorim

Da mesma forma que centenas de outras pessoas tiveram seus serviços interrompidos repentinamente, Wagner Amorim, que antes trabalhava no setor de eventos, segmento parado desde 16 de março de 2020 concedeu uma entrevista à AGEMT, contando o momento divergente em que percebeu que teria que mudar de profissão, nem que fosse por um momento, seus últimos meses trabalhando no novo ramo e como a mudança profissional severa tem se comportado nos últimos tempos:

“O momento da pandemia que fez mudar a chave para “vou me virar a partir de agora” foi na metade do ano passado pra frente, em que toda uma economia que foi feita durante anos começou a ir embora devido à falta de serviço”. “Fazer isso de uma atividade fixa vai decorrer de como ela vai se portar, pois todo começo é bem difícil. Eu estou esperando, porque a principal ideia de trabalho que eu tenho é evento, é o que eu sei fazer com maestria e espero que volte, mas enquanto não voltar eu tenho que fazer valer essa segunda opção que eu fiz que é a fabricação de linguiça”.

 

   Um dos sócios do restaurante Valentinas Grill, Edson Riedo, também teve que mudar de estratégia para manter o estabelecimento: “Em vez de fechar as portas, nós tivemos que usar a inteligência para poder sobreviver”. “A pandemia praticamente parou com os negócios, e aí nós arriscamos um restaurante delivery, pois era a opção que nós tínhamos. Investimos um dinheiro que nem tínhamos, e foi o que salvou os negócios no restaurante, mas tivemos que arriscar, que pensar e trabalhar muito”.

 

   Querendo ou não, no final das contas o Brasil ainda vive um processo lento ao extremo de “desenvolvimento” - se é que podemos nomear assim. O despreparo do atual governo colocou em xeque a vida de milhões de brasileiros, tendo em vista que, não só bastando o número absurdo de desempregados, o fim do auxílio emergencial em 31 de dezembro de 2020 pode ser traduzido na vida de milhões como uma redução de sua renda total à zero. Com isso, cada vez mais o desespero bate à porta do cidadão brasileiro, e a pandemia e seus efeitos colaterais, que antes pareciam serem difíceis de controlar, agora estão gerando ondas e ondas cada vez mais catastróficas, e nem nós sabemos onde isso tudo pode parar.