A falta de renda fixa, escolaridade e educação financeira empurra jovens para ciclos longos de endividamento.
por
Maria Luiza Pinheiro Reining
|
24/06/2025 - 12h

Entre boletos parcelados, cartões de crédito e ofertas de empréstimos rápidos, jovens brasileiros têm se tornado protagonistas de um fenômeno crescente: o superendividamento. Sem renda fixa, sem vínculo formal com instituições financeiras e com pouca ou nenhuma educação financeira, parte expressiva dessa população vê no crédito imediato uma resposta à sobrevivência, ainda que, a longo prazo, isso signifique um acúmulo impagável de dívidas.

A especialista em consumo e pesquisa de mercado, Eduarda Barreto, 27, chama atenção para a complexidade do problema. Para ela, não se trata apenas de comportamento individual, mas de um contexto social e estrutural. “Em 2022, uma pesquisa do Banco Central mostrou que 22% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Isso representa cerca de 11 milhões de jovens sem renda fixa ou escolaridade mínima para acessar melhores oportunidades”, afirma.

Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP
Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP 

Esse grupo, segundo Eduarda, é o mais vulnerável a modalidades de crédito como empréstimos emergenciais ou cartões pré-aprovados. Com pouco conhecimento sobre juros e condições, esses jovens recorrem ao que está disponível mesmo que isso signifique aceitar taxas elevadas e prazos inflexíveis. Ela explica que não se trata de crédito para investir, mas para sobreviver. Muitas vezes, o empréstimo serve para pagar contas básicas como luz, gás e alimentação.

Eduarda destaca que esse ciclo é agravado pela ausência de políticas públicas consistentes de educação financeira desde os primeiros anos escolares. Jovens que não estão inseridos no mercado de trabalho ou na escola muitas vezes não têm qualquer orientação sobre orçamento, crédito ou endividamento. O resultado é um cenário em que decisões são tomadas no impulso da necessidade, sem planejamento ou capacidade de negociação com bancos.

A falta de vínculo estável com instituições financeiras também pesa. Quem não tem um histórico com o banco dificilmente acessa linhas de crédito com melhores condições. Barreto observa que, mesmo com juros altos, muitos jovens aceitam a única oferta disponível, pois não têm tempo nem suporte para tomar uma decisão mais estratégica. Eles precisam do dinheiro de forma imediata.

Embora programas de renegociação de dívidas e feirões "limpa nome" tenham ganhado força nos últimos anos, Eduarda pondera que eles não atacam o problema na raiz. O superendividamento juvenil é reflexo direto de um sistema que oferece crédito sem oferecer estabilidade, informação ou perspectivas.

Chris Martin terá apresentação aberta ao público em Belém para promover a COP 30
por
Victória Miranda
Ana Julia Mira
|
10/06/2025 - 12h

No dia primeiro de novembro, o cantor do grupo musical Coldplay, estará se apresentando no Mangueirão (Estádio Olímpico do Pará). O estado também será palco da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) e o festival, que contará com outros grandes nomes da música, faz parte da promoção da campanha #ProtejaAAmazônia.

Os shows gratuitos têm sido ferramentas poderosas do governo brasileiro para promover turismo e projetos nacionais. Mesmo sendo totalmente abertos ao público, essas apresentações movimentam a economia brasileira em diversos aspectos. Entenda mais sobre o assunto e confira as falas da doutora em Comunicação e Cultura e professora titular do programa de pós-graduação em Economia Criativa, Lucia Santa-Cruz, em entrevista em vídeo para a AGEMT. 

 

 

Esse é o maior índice desde 2006
por
Marcelo Barbosa Prado Filho
|
12/05/2025 - 12h

Na última quarta-feira (7), o Comitê de Política Monetária (Copom) subiu a taxa básica de juros para 14,75% por ano, um aumento de 0,5%.

 

De acordo com um comunicado lançado pelo Comitê, os fatores que colaboraram para a decisão foram o tarifaço de Donald Trump e a política econômica do presidente Lula: “Cenário de elevada incerteza, aliado ao estágio avançado do ciclo de ajuste e seus impactos acumulados por serem observados, demanda cautela adicional na atuação da política monetária e flexibilidade para incorporar os dados que impactem a dinâmica de inflação”, declarou o informe. 


A Selic tem um papel fundamental na economia. Ela é o parâmetro para definir todas as outras taxas no país e serve como referencial para os bancos precificarem seus créditos. Essa é a sexta elevação consecutiva da taxa e coloca a Selic em maior patamar desde julho de 2006. 

 

De acordo com a economista Cristina Helena, a taxa de juros tem um impacto considerável na economia: “Quando a taxa de juros aumenta, uma das coisas que acontecem é tornar mais atrativo o investimento externo para dentro do país. Essa entrada de capital ajuda na queda do dólar, porque tem maior oferta de moeda estrangeira”. Por outro lado, a economista pontua que a elevação da taxa pode acarretar em menor consumo familiar: “Alguns podem aumentar os recursos e consumo, mas vão ter famílias que vão ficar mais pobres.”.  

Reprodução: Getty Images
Reprodução:Getty Images

Com isso, o Brasil passou a compor a lista dos países com os maiores juros reais do mundo, ficando em terceiro lugar no âmbito internacional. Em primeiro lugar está a Turquia, com 10,47%, e em segundo a Rússia, que tem  9,17%.

 

No entanto, junto com a elevação, houve uma queda do dólar diante do real.  A elevação da taxa não foi o único fator que influenciou, visto que a perspectiva de um acordo comercial entre EUA e o Reino Unido aumentou. 

 

Para a próxima reunião, há expectativas, mas não parece ser diferente do cenário atual. Em nota, a Copom afirmou: “Para a próxima reunião, o cenário de elevada incerteza, aliado ao estágio avançado do ciclo de ajuste e seus impactos acumulados ainda por serem observados, demanda cautela adicional na atuação da política monetária e flexibilidade para incorporar os dados que impactem a dinâmica de inflação”.


 

Como o governo Trump afeta a economia no Brasil
por
Chloé Dana
|
05/05/2025 - 12h

A guerra comercial entre Estados Unidos e China, embora tenha começado ainda no primeiro mandato de Donald Trump, ganhou contornos oficiais em fevereiro deste ano, quando o então presidente norte-americano declarou combate aberto aos produtos "made in China". A partir de março, Trump começou a colocar em prática sua política de “América em primeiro lugar”, com foco em fortalecer a indústria nacional, mesmo que isso significasse limitar as importações.

Uma das primeiras ações foi a imposição de tarifas de 10% sobre produtos chineses. A resposta veio rapidamente: a China retaliou com barreiras comerciais contra mercadorias americanas. Mas o episódio que mais chamou atenção aconteceu no dia 1º de abril, com o chamado “tarifaço” de Trump. Nesse dia, ele anunciou aumentos significativos nas alíquotas de importação, atingindo diversos países — inclusive aliados. A China foi a mais afetada, vendo suas exportações para os EUA sofrerem taxações de até 154%. 

No dia 7 de abril, as ações da Ásia voltaram a despencar sob os efeitos do tarifaço. O resultado representa o terceiro pregão consecutivo de quedas generalizadas e expressivas nas bolsas de valores pelo mundo inteiro. Na última semana, as bolsas de Wall Street derreteram até 10%, com o mercado reagindo mal às medidas de Trump. Os mercados caíram porque as tarifas podem aumentar os preços significativamente para empresas e consumidores americanos. Isso porque os importadores pagam as tarifas, não os países que exportam os bens que Trump tem como alvo.

O motivo é claro: tarifas elevadas encarecem os produtos importados. E quem paga essa conta são os importadores — ou seja, as empresas norte-americanas. Muitas delas acabam repassando esse custo ao longo da cadeia, atingindo os varejistas e, por fim, o consumidor final. Nem todas conseguem absorver esse impacto, o que gera inflação e instabilidade econômica. Segundo o professor Gilmar Masiero, professor de Administração de Empresas e Economia na USP, em entrevista à AGEMT, o retorno de Trump ao poder pode agravar ainda mais esse cenário.

“No primeiro mandato, o governo iniciou em 2016 o que ficou conhecido como guerra comercial com a China, marcada por sucessivas elevações e tensões políticas. Trump já sinalizou que pretende ampliar as tarifas sobre produtos chineses, com o objetivo declarado de reduzir a dependência americana da manufatura asiática e trazer parte da produção de volta ao território norte-americano” afirma Masiero. 

Essa postura, no entanto, não ocorre sem reações do outro lado. A China, embora evite um confronto direto — já que os EUA ainda são um dos seus maiores mercados consumidores —, têm adotado uma estratégia de diversificação comercial. “A tendência é que as exportações chinesas percam competitividade no mercado norte-americano. Em resposta, acredito que a China continuará acelerando sua política de diversificação, buscando acordos com mercados da Ásia, Europa e Sul Global. Além disso, empresas chinesas já vêm alocando fábricas para países como Vietnã e Indonésia para contornar tarifas”, explica o professor.

Apesar disso, Masiero lembra que a substituição total da China como “fábrica do mundo” não é simples: “a China tem uma base industrial sofisticada e infraestrutura difícil de replicar. O deslocamento será parcial e, principalmente, em setores de menor valor agregado. Mas a diversificação comercial chinesa parece inevitável”, ressalta. 

Diante dessa reconfiguração global, surge a pergunta: onde o Brasil entra nesse jogo? O professor aponta que, historicamente, o Brasil tem sido um ator passivo no comércio internacional. “Exportamos basicamente quando somos demandados, especialmente commodities. Falta uma estratégia comercial estruturada. Isso nos deixa com pouca força de barganha em disputas comerciais mais amplas.

"Com o deslocamento parcial das cadeias produtivas e o redirecionamento dos fluxos comerciais globais, o Brasil deveria buscar ampliar suas relações com países asiáticos. Podemos nos posicionar como fornecedores estratégicos ou parceiros tecnológicos, principalmente com Índia, Vietnã, Indonésia e Coreia do Sul”, diz.  

 No fim das contas, o que está em jogo é muito mais do que uma disputa comercial entre duas potências. Trata-se de uma mudança estrutural nas dinâmicas do comércio internacional — e países como o Brasil precisam escolher se vão apenas reagir ou se posicionar de forma estratégica nesse novo tabuleiro global.

(Narração de 4 minutos) . Escute o áudio

 

Grandes marcas enfrentam críticas sobre métodos de produção e as reais práticas do mercado de luxo
por
Isabelli Albuquerque
Vitória Nascimento
|
22/04/2025 - 12h

No começo do mês de abril, o jornal americano Women's Wear Daily (WWD) divulgou em suas redes sociais um vídeo que mostrava os bastidores da fabricação da bolsa 11.12, um dos modelos mais populares da histórica francesa Chanel. Intitulado “Inside the Factory That Makes $10,000 CHANEL Handbags” (“Dentro da Fábrica que Produz Bolsas Chanel de US$10.000”), o material buscava justificar o alto valor do acessório, mas acabou provocando controvérsia ao exibir etapas mecanizadas do processo, incluindo a costura.

N/A
Imagem do vídeo postado pelo WWD que foi deletado em seguida. Foto: Reprodução/Tiktok/@hotsy.magazine

Embora o vídeo também destacasse momentos artesanais, como o trabalho manual de artesãs, a revelação de uma linha de produção mais automatizada do que o esperado causou estranhamento entre o público nas redes sociais. A repercussão negativa levou à exclusão do conteúdo poucas horas após a publicação, mas o vídeo continua circulando por meio de republicações. 

Além do material audiovisual, a WWD publicou uma reportagem detalhada sobre o processo de confecção das bolsas. Foi a primeira vez que a maison fundada por Coco Chanel, em 1910, abriu as portas de uma de suas fábricas de artigos em couro. A iniciativa está alinhada ao Regulamento de Ecodesign para Produtos Sustentáveis, que visa ampliar a transparência ao oferecer informações claras sobre a origem dos produtos, os materiais utilizados, seus impactos ambientais e orientações de descarte através de um passaporte digital dos produtos.

Em entrevista à publicação, Bruno Pavlovsky, presidente de moda da Chanel, afirmou: “Se não mostrarmos por que é caro, as pessoas não saberão”. Ao contrário do vídeo, as imagens incluídas na matéria priorizam o trabalho manual dos artesãos, reforçando a narrativa de exclusividade e cuidado artesanal.

Para a jornalista de moda Giulia Azanha, a polêmica evidencia um atrito entre a imagem construída pela marca e a realidade do processo produtivo. “Acaba criando um rompimento entre a qualidade percebida pelo cliente e o que de fato é entregue”, afirma. Segundo ela, a reação negativa afeta principalmente os consumidores em potencial, ainda seduzidos pelo imaginário construído pela grife, enquanto os compradores habituais já estão acostumados com o funcionamento e polêmicas do mercado de luxo.

Atualmente, a Chanel administra uma série de ateliês especializados em ofícios artesanais por meio de sua subsidiária Paraffection S.A., reunidos no projeto Métiers d’Art, voltado à preservação de técnicas manuais tradicionais. A marca divulga sua produção feita à mão como um de seus pilares. No entanto, ao longo dos anos, parte da fabricação tornou-se mais automatizada — sem que isso tenha sido refletido nos preços finais.

Em 2019, a bolsa 11.12 no tamanho médio custava US$ 5.800. Hoje, o mesmo modelo é vendido por US$ 10.800 — um aumento de 86%. Para Giulia, não é o produto em si que mantém o caráter exclusivo, mas sim a história da marca, a curadoria estética e seu acesso extremamente restrito: “No final, essas marcas não vendem bolsas, roupas, sapatos, mas sim a sensação de pertencimento, de sofisticação e inacessibilidade, mesmo que seja simbólico”.

A jornalista de moda acredita que grande parte das outras grifes também adota um modelo híbrido de produção, que combina processos artesanais e mecanizados. Isso se justifica pela alta demanda de modelos como as bolsas 11.12 e 2.55, os mais vendidos da Chanel, o que exige uma produção em escala. No entanto, Giulia ressalta que a narrativa em torno do produto é tão relevante quanto sua fabricação: “O conceito de artesanal e industrial no setor da moda é uma linha muito mais simbólica do que técnica”, afirma.

Na mesma reportagem da WWD, Pavlovsky afirmou que a Chanel pretende ampliar a divulgação de informações sobre o processo de fabricação de seus produtos. A iniciativa acompanha a futura implementação do passaporte digital, que será exigido em produtos comercializados na União Europeia. A proposta é detalhar como os itens são produzidos, incluindo dados voltados ao marketing e à valorização dos diferenciais que tornam as peças da marca únicas. A matéria da WWD foi uma primeira tentativa nesse sentido, mas acabou não gerando a repercussão esperada.

“O não saber causa um efeito psicológico e atiça o desejo por consumo, muito mais rápido do que a transparência”, observa Giulia, destacando o papel do mistério no universo do luxo. Para ela, as marcas enfrentam o dilema de até que ponto devem revelar seus processos sem comprometer a aura de exclusividade. Embora iniciativas como a da Chanel pareçam valorizar aspectos como a responsabilidade ambiental e o trabalho manual — atributos bem recebidos na era das redes sociais, a jornalista acredita que a intenção vai além da educação do consumidor: “A ideia é parecer engajado e preocupado com a produção e seus clientes, mas a intenção por trás está muito mais ligada a humanizar a grife do que, de fato, educar o público”.

 

Até onde as práticas de fabricação importam?

 

Também no início de abril, diversos perfis chineses foram criados no aplicativo TikTok. Inicialmente, vídeos aparentemente inocentes mostrando a fabricação de bolsas e outros acessórios de luxo foram postados. Porém, com o aumento das taxas de importação causada pelo presidente americano, Donald Trump, estes mesmos perfis começaram a postar vídeos comprovando que produtos de diversas grifes de luxo são fabricados na China.

Estes vídeos se tornaram virais, arrecadando mais de 1 milhão de visualizações em poucos dias no ar. Um dos perfis que ganharam mais atenção foi @sen.bags_ - agora banido da plataforma -, usado para expor a fabricação de bolsas de luxo. Em um dos vídeos postados no perfil, um homem mostra diversas “Birkin Bags” - bolsas de luxo fabricadas pela grife francesa Hermés, um dos itens mais exclusivos do mercado, chegando a custar entre US$200 mil e US$450 mil - que foram produzidas em sua fábrica.

As bolsas Birkin foram criadas em 1981 em homenagem à atriz Jane Birkin por Jean-Louis Dumas, chefe executivo da Hermés na época. O design da bolsa oferece conforto, elegância e praticidade, ganhando rapidamente destaque no mundo da moda.

N/A
Jane Birkin usando a bolsa em sua homenagem. A atriz era conhecida por carregar diversos itens em sua Birkin, personalizando a bolsa com penduricalhos e chaveiros. Foto:Jun Sato/Wireimage.

A Hermés se orgulha em dizer que as Birkin são produtos exclusivos, principalmente devido ao lento processo de produção. De acordo com a marca, todo o processo de criação de uma Birkin é artesanal e o produto é fabricado com couros e outros materiais de difícil acesso. Porém, com a revelação do perfil @sen.bags_, o público começou a perceber que talvez a bolsa não seja tão exclusiva assim.

No mesmo vídeo mencionado anteriormente, o homem diz que tudo é fabricado na China, com os mesmos materiais e técnica, mas as bolsas são enviadas à Europa para adicionarem o selo de autenticidade da marca. Essa fala abriu um debate on-line, durante todo esse tempo, as pessoas só vêm pagando por uma etiqueta e não pelo produto em si?

Para Giulia, polêmicas desse nível não afetam de forma realmente impactante as grandes grifes de luxo, já que “A elite não para de consumir esses produtos, porque como já possuem um vínculo grande [com as marcas] não se trata de uma polêmica que afete sua visão de produto, afinal além de venderem um simples produto, as grifes vendem um estilo de vida compatível com seu público.

A veracidade destes vídeos não foi comprovada, mas a imagem das grifes está manchada no imaginário geral. Mesmo que a elite, público alvo destas marcas, não deixe de consumi-las, o resto dos consumidores com certeza se deixou afetar pelo burburinho.

Nas redes sociais, diversos internautas brincam dizendo que agora irão perder o medo de comprar itens nos famosos camelôs, alguns até pedem o nome dos fornecedores, buscando os prometidos preços baixos.

Financeiramente, a Chanel e outras marcas expostas, podem ter um pequeno baque, mas por conta de suas décadas acumulando capital, conseguiram se reequilibrar rapidamente. “Elas podem sentir um impacto imediato, mas que em poucos anos são contidos e substituídos por novos temas, como a troca repentina de um diretor criativo ou um lançamento de uma nova coleção icônica.”, acrescentou Giulia.

Outras grandes grifes já enfrentaram escandâlos, até muito maiores do que esse como menciona Giulia “A Chanel, inclusive passou por polêmicas diretamente ligadas a sua fundadora, até muito mais graves do que seu processo produtivo”, se referindo ao envolvimento de Coco Chanel com membros do partido nazista durante a Segunda Guerra. Porém, como apontado anteriormente, essas marcas conseguiram se reerguer divergindo a atenção do público a outro assunto impactante.

Esse caso foi apenas um de muitos similares na história da indústria da moda, mas, como apontado por Giulia: “A maior parte das grifes em questão tem ao menos 100 anos de história e já se reinventaram diversas vezes em meio a crises, logo a transformação será necessária.”

 

Para além dos ganhos financeiros, iniciativas buscam promover transformações sociais
por
Gabriella Lopes
|
24/11/2020 - 12h

“Precisamos começar [a pensar] pela perspectiva de que o capital é apenas uma ferramenta que pode ser usada para criar algo de bom na sociedade ou algo de ruim." Esse foi um comentário curioso de Andrea Armeni, cofundador e diretor-executivo da Transform Finance, feito no episódio três da websérie "Finanças do Bem".

A Transform Finance Investor Network é uma comunidade (como declaram em seu site) que une profissionais de finanças com o interesse em utilizar o capital para transformações sociais. A ideia de que o capital pode e deve ser usado como fomentador das ações de impacto socioambiental tem sido cada vez mais debatida entre os investidores e a classe alta. Investidores como Armeni e companhias como a Transform Finance surgem cada vez mais.

A preocupação com o meio ambiente e a sociedade fizeram com que as novas gerações cobrassem das empresas posicionamento e atitudes em relação ao assunto, o que levou ao crescimento do ramo nos últimos dez anos. O Relatório GIIN (Global Impact Investing Network) de 2019 mostra que nos últimos oito anos os investimentos de impacto aumentaram anualmente. Os dados mostram que, no mundo, são US$ 502 bilhões de ativos sob gestão retidos em 1.340 investidores de todos os tipos.

No Brasil, esse número é menos expressivo. Não só porque se fala em escala nacional, mas porque o assunto é ainda mais recente nas pauta daqueles que investem no país. De acordo com o Relatório 2020 da Ande (Aspen Network of Development Entrepreneurs), o investimento de impacto no Brasil saltou de US$ 343 milhões para US$ 785 milhões no período de dois anos. Um crescimento considerável em um intervalo de tempo tão curto.

Esses números não incluem qualquer empresa que se encaixe nos padrões ESG ("Environmental, Social and Corporate Governance", em português: “Governança Ambiental, Social e Corporativa”). São três parâmetros usados para medir o impacto ambiental e social de uma empresa ou ativo. Esses parâmetros passaram a entrar no espectro do investimento há mais tempo, mas não quer dizer que todos os investimentos sustentáveis são de impacto.

Em uma live promovida no início de agosto pelo Citi Brasil, o diretor-executivo da Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto, Beto Scretas, explicou que, dentro do espectro do investimento, empresas e fundos passaram a avaliar seu impacto socioambiental, principalmente para gerar valor ao preencher as novas demandas do mercado moderno, mas não são, necessariamente, investimentos de impacto.

“No mundo dos investimentos ESGs e sustentáveis, estamos falando de todo o universo de empresas. Qualquer empresa em qualquer setor pode ter um padrão ESG elevado. No caso de investimentos de impacto, estamos falando de empresas que têm como missão resolver um problema social e ambiental”, comentou Scretas. 

Curiosamente, uma matéria de Rafael Gregório, publicada no site Valor Investe, do Valor Econômico, mostrou que os maiores “fiscalizadores” de empresas ESG e investidores de impacto são parte da classe de super-ricos brasileiros. A matéria conta que, para as gerações mais novas das famílias ricas do país, não basta os gestores de riquezas darem retorno financeiro. Agora “é preciso desenhar e pôr em prática maneiras de deixar marcas na comunidade”, escreveu Gregório.

Ainda resta uma questão: os investimento de impacto realmente fazem diferença? Ainda é cedo para ter resultados a médio e longo prazo. O que realmente se sabe é que cada vez mais investidores estão cobrando isso das empresas e elas têm atendido. Existem vertentes da esquerda política e econômica que nem sequer acreditam que o sistema capitalista pode salvar aquilo que ele mesmo vem destruindo. Ao mesmo tempo, existem pessoas como Andrea Armeni, que acreditam que o capitalismo pode ser usado para o bem, tanto quanto é usado para o mal. Esse é o “quê” do investimento de impacto: o retorno financeiro junto de ações socioambientais.

Na pandemia, o assunto se acentuou ainda mais. Percebendo a fragilidade financeira dos governos, empresas pelo mundo todo se viram pressionadas a ajudar a população para a qual vendem seus produtos. Um exemplo no Brasil foi da Ambev, junto da Gerdau e do hospital particular Albert Einstein, que construíram uma expansão para tratar a Covid-19 no Hospital Municipal M’Boi Mirim, no Morumbi, bairro da capital paulista. Foram 100 leitos com equipamentos de ponta entregues em apenas 40 dias no mês de março.

A crise revelou que gestos como esses mostraram o potencial e a eficácia da iniciativa privada o que incentivou ainda mais o investimento de impacto. Ainda não dá para considerar esse fenômeno como evidência concreta de uma mudança radical do capitalismo. Ao mesmo tempo que se fala bastante do “novo” normal pós-pandemia, também se fala que, quando o momento atual passar, tudo voltará a ser como antes.

Por outro lado, em julho, o índice S&P 500 ESG (índice composto por 500 ativos cotados na Bolsa de Nova York e na Nasdaq)  mostrou alta de 0,6% em relação ao índice S&P 500 ativos normais. A Morningstar apontou que 51 dos 57 índices de sustentabilidade superaram seus equivalentes normais no mercado no primeiro trimestre de 2020. Os dados mostram uma tendência favorável para os investimentos de impacto e os governos também têm comprado essa ideia.

Segundo Beto Scretas, a CVM (Comissão de Valores Imobiliários), principal órgão regulador do mercado de capitais no Brasil, está aberta a discussões. “A CVM está superaberta para fazer mudanças que possam criar um campo regulatório mais favorável para o setor”, comentou.

Beto contou também que um grande passo foi tomado para o país. Medidas regulatórias sobre os investimentos de impacto chegaram ao nível estadual. Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Minas Gerais já possuem regulamentações para o setor e São Paulo, o maior estado do país, já está pensando no assunto.

 

Na disputa pela prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno foi o único a não incluir medida em seu plano de governo
por
Henrique Sales Barros
|
24/11/2020 - 12h

Faltando uma semana para as eleições municipais em 2016, quatro candidatos estavam com mais de 10% nas pesquisas de intenção de voto do Datafolha e do Ibope em São Paulo: João Doria (PSDB), Celso Russomanno (PRB, hoje Republicanos), Marta Suplicy (PMDB, hoje MDB) e Fernando Haddad (PT).

Durante o pleito, que ocorreu no auge do antipetismo e da rejeição à esquerda política - Dilma Rousseff (PT) havia sido impeachmada há pouco menos de dois meses -, propostas de renda mínima ainda eram bandeiras de candidatos mais progressistas, que ainda a defendiam de forma tímida.

Na época, Doria, Russomanno e Marta não citavam propostas do gênero em seus planos de governo. Haddad era o único que defendia “avançar na transição do programa Bolsa Família em direção à Renda Básica de Cidadania”, sem mais detalhes sobre como isto seria feito.

Nas eleições deste ano, o cenário foi diferente. Entre os quatro candidatos com mais de 10% nas últimas pesquisas Datafolha e Ibope, três defenderam uma política de renda mínima em seus planos de governo - Bruno Covas (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Márcio França (PSB) -, e o único que não a incluiu no plano - Russomanno - aderiu a ela ao longo da campanha.

Em seu plano de governo, Boulos falou em criar o programa “Renda Solidária”,  que seria uma reestruturação do já existente Renda Mínima Municipal, regulamentado durante a gestão Marta Suplicy (2001-2005).

No início de outubro, Boulos realizou um evento com líderes sociais no bairro da Santa Cecília, no centro, para lançar as diretrizes do programa. Segundo o psolista, o “Renda Solidária” beneficiaria um milhão de famílias na capital com valores que iriam de R$ 200 a R$ 400.

França, que foi governador interino de São Paulo entre abril e dezembro de 2018, propôs em seu plano criar, “de forma permanente”, um auxílio para “grupos vulneráveis” e profissionais de aplicativos de transporte.

Em entrevista para a rádio Eldorado no fim de outubro, França defendeu uma proposta de renda básica mesclada com uma frente de trabalho. O ex-governador propôs contratar 200 mil jovens e adultos para fazer manutenção de áreas públicas que, em troca, receberiam R$ 600 trabalhando em jornada reduzida, por apenas três dias por semana.

Russomanno citou a proposta pela primeira vez em um encontro com motoristas de aplicativos  sindicalizados no fim de setembro. Na ocasião, o candidato republicano afirmou que seu programa seria um complemento ao auxílio emergencial, que está garantido apenas até dezembro pelo governo federal, sem definir o valor do benefício.

Atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas falou apenas em ampliar o Renda Mínima Municipal em seu plano de governo. Durante a campanha, o tucano agiu para acelerar a discussão e aprovação de um projeto que institui uma renda mínima provisória durante a pandemia do novo coronavírus na Câmara.

O projeto foi aprovado no fim de outubro pelos vereadores paulistanos, mas Covas sancionou o projeto apenas em novembro, quando o transformou em lei publicando-o no Diário Oficial da Cidade de São Paulo.

Os beneficiários, que são os mesmos do Bolsa Família e famílias de trabalhadores ambulantes,  receberão R$ 100 por membro do grupo familiar durante três meses, com periodicidade mensal - porém, Covas não especificou quando o benefício começará a ser pago.

Sites de segunda mão apostam em grifes internacionais e veem retorno de seu público limitado
por
Beatriz Aguiar
|
20/11/2020 - 12h

A Gucci anunciou recentemente uma parceria com o site internacional de revenda de roupas de segunda mão The RealReal. O site possui mais de 17 milhões de usuários e atualmente vale US$ 28 bilhões. Até 2025, espera-se que esse valor cresça para US$ 64 bilhões. Tal atitude de uma das grifes mais procuradas e desejadas do mundo mostra que o negócio de revenda de peças de luxo veio para ficar.

Segundo o Boston Consulting Group (BCG), o crescimento desse mercado, hoje avaliado entre US$ 30 e US$ 40 bilhões, será impulsionado, principalmente, pela acessibilidade e pela consciência ambiental. Se, em 2020, 21% de um closet é composto por roupas usadas, em três anos será 27%. No Brasil, sites de revenda de peças de luxo movimentam esse mercado desde o começo da década.

O Troc, criado em 2016 pela advogada Luanna Toniolo Domakoski, tem preços para todas as faixas de renda, uma vez que não revende exclusivamente marcas de luxo. A fórmula deu certo: em 2019 faturou R$ 10 milhões e, em setembro, o grupo Reserva fez um investimento na startup de um valor não revelado, tornando-se sócio minoritário. Uma nova rodada de investimentos é esperada até o fim do ano para a empresa, que registrou aumento de 42% nas vendas durante a pandemia.

Para a especialista em tendências e comportamento de consumo de moda, Andréia Meneguete, a alta na procura por brechós de luxo veio após uma mudança de comportamento do consumidor. “Décadas atrás, o brechó era sinônimo de consumo de oportunidade. Quem não tinha dinheiro ou queria poupar, ia até um brechó e comprava roupas com um valor mais acessível (...) O contexto mudou, o mundo mudou e valores diante do consumo foram colocados em xeque. Diante das tendências de comportamento de um novo mundo, novas práticas de consumo surgem. Por isso, agora temos um consumo de segunda mão ressignificado.”

A pandemia trouxe recessão e desemprego em massa para o país, porém o empobrecimento da população não impulsionará este negócio em especial. Para Meneguete, o consumo de produtos de segunda mão vinga somente entre adeptos da prática sustentável ou entre os que desejam consumir produtos de luxo, mas não têm condições de comprar novos.  De fato, este não é um negócio inclusivo. Uma bolsa Gucci Jacki O, um dos modelos mais famosos da marca, custa R$ 3.200 no site Etiqueta Única, outro comércio de segunda mão de luxo. Na promoção, R$ 1.390. O salário mínimo no Brasil está em R$ 1.045 e, segundo o IBGE, no ano passado um em cada cinco brasileiros recebia menos da metade de um salário mínimo.

O comércio de luxo de segunda mão é uma realidade no Brasil, e intensifica-se pela geração Z, que tem em Greta Thunberg e suas “Sextas pelo Futuro” sua maior representante. Porém, é limitado a uma parte da população, e para aqueles cujo orçamento não permite tais aquisições, mesmo que mais baratas, resta o sonho. 

Em vigor desde 16 de novembro, ferramenta promete aumentar a competitividade no mercado dos bancos
por
Daniel Gateno
|
20/11/2020 - 12h

O Banco Central anunciou a criação do Pix no início de outubro deste ano. O Pix é um sistema de pagamento instantâneo que visa facilitar e agilizar as transações financeiras. O novo sistema permite que uma transferência financeira seja feita em menos de dez segundos e sem restrições de horário.

“O Pix é um meio facilitador, ele dá mais rapidez às transações e traz o conceito de pagamento instantâneo ao Brasil, um mecanismo que já é amplamente utilizado em outros países”, avalia Rafael Bianchini, professor do departamento de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Bianchini explica que o Pix foi criado pelo Banco Central, mas que as instituições financeiras irão oferecer a nova ferramenta. “Os bancos e fintechs serão responsáveis pelo Pix, que tende a democratizar o acesso.”

Atualmente é possível realizar transações financeiras por meio de transferência eletrônica disponível (TED) e documento de ordem de crédito (DOC). Ambas as ferramentas só permitem operações durante o horário comercial e dependem de intermediários.

“O mercado deve ficar mais competitivo por causa do Pix”, acredita o docente. “A população não precisa ter conta em banco, nem se locomover para alguma agencia bancária e isso vai quebrar um pouco o restrito mercado dos bancos.” O acadêmico analisa que empresas que não têm função de banco, como a Nubank, podem aproveitar a oportunidade do Pix.

A inauguração oficial do Pix ocorreu no dia 16 de novembro, porém os consumidores puderam registrar as suas chaves desde o início de outubro.

Segundo dados do Banco Central, o Pix recebeu mais de 50 milhões de registros de chaves. O mecanismo identifica o usuário e a sua conta bancária a partir de dados simples dos clientes como número de celular, CNPJ, CPF ou e-mail. Contudo, clientes reclamaram que algumas instituições financeiras obtiveram as chaves da nova ferramenta sem o consentimento dos donos das contas.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) questiona internamente a quantidade de chaves cadastradas por fintechs, segundo matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo no dia 15 de outubro. Nubank, Mercado Pago e PagSeguro, três fintechs, lideram o número de chaves cadastradas. O Procon-SP notificou a Nubank e o Mercado Pago após as reclamações de uso indevido dos dados de clientes.

Bianchini opina que, apesar do recente sucesso das fintechs, elas ainda oferecem pouquíssimos serviços comparado aos bancos e não necessariamente de mais qualidade: “Todos os cinco principais bancos do país continuam sendo soberanos e também oferecem o Pix, além de múltiplos serviços adicionais às fintechs”.

Apesar da popularidade e da quantidade expressiva de registros, apenas 13% da população brasileira conhece o Pix. A sondagem feita pela TV Globo demonstra uma dificuldade de comunicação e aumenta os questionamentos sobre a ferramenta. “A falta de conhecimento do brasileiro sobre o Pix é natural, ainda não está disponível para a população e pode sofrer mudanças nos próximos meses. Ao longo do tempo as pessoas vão conhecer mais”, reflete Bianchini.

 

 

 

Com eleições americanas e nova tecnologia chinesa, o final de 2020 poderá definir o futuro das relações entre as duas potências
por
Giulia Pezarim de Angelo
|
20/11/2020 - 12h

As primeiras semanas de novembro foram marcadas por eventos decisivos para a geopolítica internacional: enquanto o continente europeu enfrenta uma segunda onda de Covid-19, mudanças ocorrem nos dois sentidos do globo. No Ocidente, os Estados Unidos encerram suas eleições presidenciais com Joe Biden, do Partido Democrata, eleito. No Oriente, a China lança, com sucesso, o primeiro satélite de teste da conexão 6G, ultrapassando significativamente o adversário americano na corrida tecnológica mundial.

Ainda que Europa e África estejam geograficamente localizadas entre as duas maiores potências atuais, a globalização coloca todas as nações “no meio” da disputa entre China e Estados Unidos – cenário que já foi chamado até de “segunda guerra fria”. A tensão entre os países é marcada pela tecnologia: o que chamam de “corrida” é, num sentido prático, o alto investimento que essas e demais nações estão realizando em pesquisas da área. Os avanços tecnológicos poderão impactar o rumo da sociedade em diversos sentidos: consumo, cotidiano, indústria, política, segurança nacional e, entre outros tópicos, a economia dos dados digitais.

Em um artigo publicado em 2017 com o título The world’s most valuable resource is no longer oil, but data (“O recurso mais valioso do mundo não é mais o petróleo, e sim os dados”), a revista inglesa The Economist observou que “conforme aparelhos, de relógios até carros, se conectam à internet, o volume [de informação] está crescendo”, o que será um fator crucial na economia das próximas décadas. “Algoritmos podem prever quando um consumidor está pronto para comprar, uma turbina precisa de conserto, ou uma pessoa está com risco de doença”, afirmou a revista.

Se a internet é crucial para a economia de hoje (e tende a ser cada vez mais importante), ser pioneiro nas inovações digitais fará toda diferença para os gigantes da economia. Assim, o primeiro teste de conexão 6G é um grande passo para a China, e um marco na disputa entre ela e seu adversário ocidental – o qual, atualmente, luta para garantir exclusividade na venda da rede 5G, que começa a chegar no mercado mundial. Segundo o portal Eurasian Times, “o 6G chinês pode ser 100 vezes mais rápido que a tecnologia americana atual”.

Enquanto o mundo lida com a pandemia e os Estados Unidos começam a deixar para trás o turbulento processo eleitoral, a China parece acelerar seus passos na corrida: além do novo 6G, intensificou o controle de Hong Kong – território crucial na tensão entre Pequim e Washington.

Apesar do momento incerto, a análise dos especialistas pós-eleições não é tão pessimista: com Biden eleito, a tendência é de abertura para uma relação mais diplomática entre os países, com maior espaço para o diálogo. Para Shi Yinhong, diretor do Centro de Estudos Americanos na Universidade do Povo da China, o novo presidente democrata pode tornar as relações entre EUA e China mais previsíveis e estáveis. “Comparada a Trump, Biden-Harris é [uma chapa] muito menos ousada, muito menos vulgar, e muito menos errática”, escreveu Shi Yinhong, em um artigo publicado pelo website chinês Ifeng News.

O novo chefe de Estado americano trouxe um discurso rígido em comparação ao último presidente democrata eleito, Barack Obama, de quem foi vice em seus dois mandatos (2008 e 2012). O político promete agir em parceria com democracias aliadas (entre elas Japão, Coreia do Sul e Austrália) para “confrontar o comportamento abusivo da China e suas violações aos direitos humanos”, mas também “cooperar com Pequim em questões onde seus interesses convergem, tais como as mudanças climáticas e saúde global”. Biden afirmou que irá priorizar a diplomacia na política internacional. O governo chinês foi um dos últimos que o parabenizaram após a sua vitória, levando dias para se pronunciar.

Seu antecessor direto, o ainda presidente Donald Trump, teve governo e campanha marcados por um forte posicionamento contra o gigante do Oriente, dando início à notória “guerra comercial” com a China em 2018. O governante atuou como antagonista das principais empresas de tecnologia chinesas – em especial a Huawei, maior produtora de equipamento 5G para aparelhos móveis –, sob acusações de espionagem. Seu mandato foi marcado por discursos ofensivos à nação rival – em especial durante o surto do novo coronavírus, que chegou a chamar de “vírus chinês”.

Com o resultado das eleições americanas, os próximos quatro anos serão decisivos para a relação entre China e Estados Unidos: elas poderão aumentar a já significativa tensão entre os países, ou amenizá-la, com uma tendência mais diplomática.

A tecnologia estará no centro desse cenário. “Estamos observando um dos momentos mais interessantes para se vivenciar no sistema internacional: pela primeira vez, numa transição hegemônica, um país do Sul – até pouco tempo camponês e pobre – está se equiparando, por meio de investimentos pesadíssimos em inovação e tecnologia, à grande potência [EUA], podendo fazer a ultrapassagem”, afirma a professora Cristina Soreanu Pecequilo, do curso de relações internacionais da Unifesp. Segundo ela, “projeções mostram que, se continuar nesse ritmo, a China dominará o mercado de inteligência artificial até 2024”.

Mas algo também é certo: os americanos não pretendem abrir mão do posto de “primeira economia” tão cedo. Cabe a Biden descobrir como mantê-lo – com sorte, da forma mais diplomática que conseguir.

Imagem da capa: Joe Biden cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, durante visita a Pequim enquanto era vice-presidente Foto: POOL New / REUTERS / 4-11-2013