Fake News e discurso de ódio são dois temas que estão em evidência na atualidade. Impulsionados pelas eleições estadunidenses de 2016 e pelas posses de governos de extrema-direita ao redor do globo, estes assuntos são constantemente alvos de debate. Esses assuntos geram discussões em vários âmbitos, mas principalmente considerando sua presença cada vez maior nas redes sociais. Até pouco tempo atrás, não existia no Brasil uma legislação que pudesse amparar vítimas de crimes cibernéticos A primeira lei sancionada é a de n° 12737 de 2012.
Mas a falta de controle por parte dos governos em relação ao que é publicado na internet é apenas uma parte do problema, já que muitos dos sites onde ocorrem essas práticas não as condenam e não buscam maneiras efetivas de coibir essas atitudes. Também ocorrem casos em que marcas, de todos os tamanhos e alcances, acabam tendo seus anúncios veiculados em sites ou páginas que contêm conteúdo falso ou preconceituoso. Isso se dá tanto pelo algoritmo utilizado por mecanismos de pesquisas, como o Google, que publicam as propagandas e pop-ups em sites sem realizar uma filtragem prévia quanto pela falta de monitoramento por parte das empresas anunciantes.
Temendo as consequências do problema – e o limitado poder da internet de contê-lo com seus mecanismos de regulação –, grupos ativistas foram criados com o objetivo de trazer à tona essa questão. Em uma tentativa de conscientizar as marcas de que anunciar em páginas com esse tipo de conteúdo não é uma prática rentável e benéfica para a sociedade, o movimento Stop Hate for Profit (SHFP) foi formado nos Estados Unidos. Tendo como objetivo principal a denúncia de empresas que se mantinham caladas após ter publicações expostas, aos poucos o movimento foi migrando para diversos países com a colaboração de ativistas que aderiram à causa. Lançando comunicados e posts nas redes sociais, o grupo conseguiu atingir certa notoriedade, mas só após iniciar campanhas de boicote contra várias marcas multinacionais, sendo a de maior repercussão a do Facebook, que o SHFP alcançou um número expressivo de internautas. Atualmente, mais 1.100 de diversos segmentos, instituições não lucrativas e inúmeros consumidores apoiam o movimento.
O boicote contra o Facebook passou de uma ameaça e se tornou realidade. A campanha se iniciou após a rede social se recusar a apagar um post do presidente estadunidense, Donald Trump, em que o estadista pregava discurso de ódio contra minorias, mas atingiu seu ápice após o assassinato de George Floyd, homem negro que foi brutalmente morto por um oficial de polícia branco, gerando diversas manifestações antirracistas pelos EUA. Segundo os organizadores do movimento, a rede permitiu a incitação de violência contra os manifestantes e cedeu espaço a notícias falsas que tinham como objetivo enfraquecer e deslegitimar os protestos. Depois disso várias multinacionais começaram a ceder à pressão feita pelo movimento, como a Coca- Cola, Vans, Microsoft, Puma, Reebok e Unilever. O boicote causou a perda de US$ 75 bilhões no valor da companhia, como resultado da desvalorização de suas ações. Após diversas tentativas de diálogo, o Facebook finalmente cedeu e atendeu às exigências dos grupos ativistas, comprometendo-se a realizar uma filtragem minuciosa em todas as postagens feitas na plataforma, a fim de coibir o discurso de ódio e a disseminação de Fake News.
Para o professor da PUC-SP Claudir Segura, doutor em processos cognitivos em ambientes digitais, mestre em design e education leader da Adobe no Brasil, o posicionamento de uma marca perante essas situações nunca pode ser de isenção;
“Como empresa se porta é de uma importância fundamental já que as coisas runs se replicam mais rápido do que as atitudes positivas feitas e veiculadas por essas marcas. As pessoas não ficam quietas com algo errado, elas sempre buscam o culpado por aquela atitude de alguma forma. Então quem trabalha no marketing de imagem dessas marcas sempre deve se perguntar ‘estamos fazendo algo de errado? ’”
Ele cita casos em que as marcas de fato conseguem lidar com a pressão por parte dos movimentos ativistas e se recuperam de maneira para ele, correta;
“ O consumidor generaliza a empresa, não busca responsáveis específicos por aquele deslize dentro da corporação. Um exemplo é o Carrefour, onde após uma abordagem completamente indevida e racista a um senhor negro que estava aguardando sua filha retornar da loja para irem embora, a marca começou a sofrer uma ‘onda hater’ por grande parte dos consumidores, tendo impacto negativo no seu faturamento. A solução encontrada foi o posicionamento público. Posicionamento de aprendizado. Não demitiram o segurança, mas o enviaram para uma oficina de reciclagem de profissionais para que fosse conscientizado sobre questões sociais e não cometesse os mesmos erros, além de se posicionar ao lado da família vítima do racismo, oferecendo auxilio jurídico e moral”.
O Brasil registrou alta acumulada de 6,1% no preço dos alimentos entre janeiro e agosto de 2020, segundo dados divulgados no início de setembro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Tubérculos, raízes e legumes, como a cebola, tiveram alta de 20,8% em seu preço. Cereais, leguminosas e oleaginosas, como o arroz, subiram 18,9% segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação no país.
O arroz, que acumulou alta de 19,2% nos oito primeiro meses do ano, tem sido o rosto do recente avanço da inflação.
Na internet, o meme de um homem assustando uma criança gritando “olha o preço do arroz subindo ai, ó” viralizou. No programa “Encontro com Fátima Bernardes”, da TV Globo, Ana Maria Braga usou um colar feito com o produto para protestar.
"Até arrumei um cofre. Quando terminar o programa, vou guardar a minha joia aqui dentro”, disse a apresentadora.
Junto à criação da nota de R$ 200 pelo Banco Central, a alta no preço dos bens alimentícios fez com que os brasileiros relembrassem o período hiperinflacionário, entre o fim da década de 1980 e começa da de 1990.
Naquela época, o Brasil viveu um período de forte alta nos preços de todos os bens da economia. Entre a virada de décadas, a inflação chegou a atingir mais de 6000% ao ano.
O período foi repleto de fatos históricos. Os ‘fiscais do Sarney’ denunciavam mercados que praticavam preços acima do tabelado pelo Plano Cruzado, instituído em 1986. Já o Plano Collor confiscou por volta de 30% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro na época e levou empresas à falência e pessoas ao suicídio.
Mas há algo de paralelo entre o que o ocorreu naquele período e o que vivemos hoje? O dragão da hiperinflação bate na porta do brasileiro?
Para entender melhor as peculiaridades daquela época, convidamos quatro pessoas para contarem suas experiências e exporem suas visões sobre a recente alta no preço dos alimentos. Afinal, para elas, há algo parecido entre os dois períodos? Abaixo, você confere as respostas.
Eliana Paula, 51 anos, desempregada. Durante o período da hiperinflação, era solteira e morava com os pais e os irmãos. Trabalhava em um depósito de materiais na época.
"Foi um período muito difícil, talvez o pior até o momento. Inflação desgovernada, preços que chegavam a dobrar de um mês para o outro.
Eu trabalhava no setor de comércio, em um depósito de materiais, justamente na parte de cálculo de preços. Eu lembro que chegava a alterar o preço do mesmo produto no mesmo dia de duas a três vezes.
Se a gente quisesse adquirir um produto ou um bem, se não fosse possível naquele momento, a gente não tinha certeza se ia conseguir obter aquele bem no mês seguinte, no dia seguinte.
Eu me sinto na obrigatoriedade de economizar. Os produtos [em] que senti maiores aumentos foram o açúcar, o óleo e a carne.
Eu acredito sim que podemos ter uma hiperinflação novamente. Eu percebo que o governo está perdendo o controle sobre os preços. Eu tenho medo."
Jorge Callado Cury, 64 anos, dono de restaurante. Durante o período da hiperinflação, já trabalhava e morava sozinho. Em 1991, teve sua primeira filha.
“Os trabalhadores tinham uma proteção chamada ‘gatilho salarial’, em que a inflação do mês anterior era jogada para o mês posterior, então você estava teoricamente ‘garantido’, mas não muito.
Foi uma situação bastante complicada, para tudo. Você não sabia que preço iria pagar nas coisas. Às vezes, um quilo de queijo era mais caro que uma batedeira. Você perdia a noção de valor e preço das coisas.
Os supermercados tinham um profissional chamado remarcador: todo dia ele remarcava os preços. Todos os planos (econômicos do governo para conter a hiperinflação) da época - Cruzado, Bresser e Verão - fracassaram. Era uma vida muito dura.
Hoje estamos sofrendo um problema de desabastecimento. A China está comprando muita coisa do Brasil: é arroz, óleo de soja, trigo, feijão…
Eu não acredito em volta da hiperinflação porque acho que a gente tem um mercado mais maduro, uma economia mais madura. Na época do Sarney, a gente não tinha noção de nada, o país era muito chucro.”
Paulo Cezar Legramandi, 52 anos, oficial de justiça no TJSP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo). Morava com os pais no período da hiperinflação. Em 1988, começou a trabalhar no Banco Noroeste de Bauru, no interior de São Paulo.
"A hiperinflação foi o ápice de um descontrole iniciado com as políticas econômicas equivocadas adotadas no período militar. A inflação era tão alta que quem conseguia ficar com algum dinheiro saía correndo e comprava dólar.
Os preços subiam 30%, 40% ao mês, chegando no fim do governo [José] Sarney a 80%. O que você conseguia comprar no começo do mês, não conseguia mais no final. Havia saques e desabastecimento.
Eu lembro que, quando saí do Banco Noroeste, eu peguei a minha rescisão e comprei três linhas telefônicas porque, se você ficasse com o dinheiro parado de um mês para o outro, ele perdia metade do poder aquisitivo.
Antes do Plano Real, ninguém tinha coragem de financiar um carro, por exemplo. Mas demorou um bom tempo para que tivéssemos realmente confiança na estabilidade monetária.
O dólar vantajoso e a política econômica neoliberal do atual governo incentivando os grandes produtores a venderem para o exterior estão causando um colapso no sistema.
A nossa economia está caminhando para um colapso. Essa história da nota de R$ 200 foi para facilitar a vida do [Fabrício] Queiroz. Daqui a pouco vai ter a nota de R$ 89 mil em homenagem à primeira dama (Michelle Bolsonaro) também."
Roberto de Oliveira, 49 anos, desempregado. Durante o período da hiperinflação, morava com os pais. Começou a graduação no curso de Ciências Contábeis na época.
“O que mais me lembro da época da hiperinflação era a remarcação de preços. De manhã, você ia no mercado comprar um pacote de café e, vamos falar nos valores de hoje: se de manhã estava R$ 5, de tarde estava R$ 7.
Era um roubo o que era feito na época. O pessoal pegava e botava o preço que estava na cabeça deles. Se você tinha ou não condição de comprar, isso não era problema deles.
Era muito difícil porque nunca se conseguia vencer a inflação e ter uma estabilidade econômica. Você sabia que conseguia comprar hoje mas, amanhã, não. Você vivia o dia mas, amanhã, não sabia se ia conseguir trazer pão para dentro de casa.
Vem preocupando muito a alta do arroz, do óleo. São produtos básicos, do dia a dia, que precisamos ter em nossa mesa, e que estão extremamente complicados [para comprar].
A hiperinflação está voltando, o governo não tem controle de nada e hoje você precisa rever o financeiro da sua família para conseguir sobreviver. Até o final do ano, que preço vai estar o quilo de carne, que já estão cobrando quase R$ 30?”
Mas, afinal, há o que temer?
Para Jefferson Mariano, doutor em desenvolvimento econômico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e analista socioeconômico do IBGE, não. “O contexto era outro. Havia expectativas inflacionárias, estado quebrado sem nenhuma capacidade de rolagem de dívida no médio e longo prazo”, diz.
Segundo o economista, o boom inflacionário ainda está restrito aos bens alimentícios, que passaram a ser mais demandados com o aumento do consumo desses produtos pelas famílias com o benefício do auxílio emergencial - “que já está minguando”, acrescenta.
Jefferson explica que “o aumento generalizado nos preços dos alimentos nos últimos meses ocorreu em razão de uma combinação de fatores”.
“A elevada taxa de câmbio fez com que as commodities produzidos pelo país ficassem mais competitivas no mercado externo. Antes do aumento do IPCA, o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado, que incorpora a variação cambial) já havia captado esse comportamento”, diz.
“Além disso, fatores climáticos e o período de entressafra de algumas culturas também contribuíram para esse comportamento. É importante destacar que itens como o arroz sempre sofrem mais pressões para elevação de preços no segundo semestre. Ocorre que em 2017 e 2018, em razão da recessão, esse processo não ocorreu”, acrescenta.
“Lamentavelmente”, explica Jefferson, o Estado não pode fazer muita coisa para frear o aumento no preço de produtos como o arroz. “Atualmente, em função da nova orientação de política econômica [do governo], há pouco a se fazer”, diz.
“Se não fosse essa nova orientação, a atuação poderia ocorrer por meio do monitoramento desses preços, estoques reguladores e políticas de preços mínimos aos produtores, pelo menos no que se refere aos alimentos básicos”, pontua.
O setor da aviação enfrenta a pior crise financeira da história. As empresas aéreas, do dia para a noite, cancelaram até 100% dos voos quando as fronteiras internacionais foram fechadas e os países adotaram o lockdown para impedir a propagação do novo coronavírus. Esta é a principal causa das perdas do setor. Segundo dados da Iata, (Associação Internacional de Transporte Aéreo), no ápice da crise, em abril, as viagens aéreas globais ficaram cerca de 95% abaixo dos níveis do mesmo mês de 2019. A entidade estima para este ano uma queda de 44% na receita do setor, um decréscimo de US$ 252 bilhões. Apesar dos indícios de retomada – por enquanto lenta – o tráfego aéreo de 2020 deve cair 54,7% em relação a 2019.
A falta de previsibilidade sobre o comportamento do dólar nos próximos meses é outra questão preocupante. Com queda das viagens espera-se preços mais competitivos para atrair os passageiros. Empresas como agências de viagens e prestadoras de serviços de
solo nos aeroportos, como abastecimento, limpeza, segurança e raio x, também correm risco de parar devido à queda de demanda. Este efeito dominó evidencia, de maneira nítida, os impactos que a crise do setor aéreo provoca na economia como um todo.
O que será da aviação depois da crise?
Embora já tenha passado por situações difíceis, como a crise financeira de 2008 e o período posterior ao 11 de Setembro, a conjuntura atual é considerada ainda mais grave. A esperança do setor aéreo é extrair algum aprendizado deste momento. As pessoas vão demorar para ganhar confiança para entrar em um avião sem medo de ser contaminadas. Muita gente nem imaginava que poderia trabalhar em casa e agora está conseguindo através do home office.
Em relação a entrar no setor da aviação, será que agora é o momento de realizar o sonho de ser piloto, mecânico de aeronaves ou comissário de voo? Em entrevista à Agemt, o diretor da Escola de Aviação de
Congonhas (Eacon), José Alberto Cesar Bertulucci, relata as mudanças na rotina dos estudantes.
Como a pandemia afetou os cursos em andamento e qual a solução
encontrada para não perder alunos?
Afetou impedindo a realização de qualquer atividade presencial, que é controlada pela Anac, (Agência Nacional da Aviação Civil). A Anac cobra que as atividades sejam presenciais, e, não podendo ser realizadas, tiveram que ser suspensas no início, até a agência liberar uma nova saída através das atividades remotas, que também encontraram
uma série de dificuldades em relação à tecnologia. Assim sendo, abrimos uma série de concessões aos alunos que não puderam aderir. Dividimos as turmas e os grupos, mantivemos atividades de fornecimento de conteúdos conforme necessidade de cada aluno.
Houve desistência de alunos?
Houve sim, mas não sabemos ainda a proporção, pois estamos voltando
às atividades agora.
Houve algum tipo de desconto nas mensalidades, tendo em
vista a redução de renda dos alunos?
Nós flexibilizamos dentro do possível, dentro do que nos foi requerido,
mas não houve uma ação no âmbito geral.
Precisou demitir funcionários?
A Eacon está aqui desde 1974 e eu estou na direção desde essa época, junto com outros colegas. Em situações mais problemáticas que essa, não demitimos ninguém por esse motivo, e apesar de tudo conseguimos uma ajuda do governo e não houve essa necessidade.
Como está sendo a retomada das aulas?
É uma experiência nova para todos nós. Estamos aprendendo juntos através da necessidade de cada grupo, observando a característica do curso, principalmente em atividades como sobrevivência na selva, que deverá ser adaptado.
O impacto da pandemia na economia está sendo medido e divulgado incansavelmente. Um recorte, porém, pouco feito é do impacto que a desigualdade de gênero aliada à pandemia tem e terá na economia.
Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, referentes ao segundo trimestre deste ano, os homens eram a maioria dos ocupados no país, apesar de as mulheres serem maioria na idade de trabalho. Elas também são as que mais estavam fora da força de trabalho, ou seja, nem empregadas nem desempregadas.
E o que esses dados podem significar?
Segundo o estudo “Violência doméstica e o desemprego” de Julia Seno de Assis, estudante do Insper, quanto maior o desemprego entre mulheres, maior a violência doméstica. O número de boletins de ocorrência (BOs). no estado de São Paulo entre os meses de abril e junho deste ano mostram um quadro alarmante. Foram quase 30 mil BOs de violência doméstica e no estado vizinho, Rio de Janeiro, houve aumento de 13% nas ligações de denúncia de crimes contra a mulher. O aplicativo de compras “Magazine Luiza”, por exemplo, indicou um aumento de 450%, em maio deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, dos acionamentos de seu botão especial de denúncia a violência doméstica.
Mulheres fora da força de trabalho pode se dar pela sobrecarga de trabalho doméstico durante a pandemia. As ONGs “Gênero e Número” e “Sempreviva Organização Feminista”, em parceria, divulgaram um estudo mostrando que 50% das brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia. 72% daquelas que já se encarregavam dos cuidados de alguém, como crianças e idosos, viram sua carga de trabalho doméstico aumentar. Tradicionalmente, afazeres domésticos são delegados às mulheres, mesmo que elas trabalhem fora de casa. O IBGE no ano passado já havia demonstrado em pesquisa que mulheres gastavam mais horas de sua semana do que seus parceiros (8,2 horas a mais). E embora algumas pesquisas feitas durante o isolamento mostrem que a carga de trabalho masculina aumentou, elas continuam a trabalhar mais. E isso pode significar desistência de promoções e, eventualmente, de seus empregos, para dar conta da gerência da casa.
Embora não existam ainda previsões de perdas econômicas baseadas no aumento da disparidade de gênero durante a pandemia, podemos ter certeza de que afetarão relevantemente as mulheres brasileiras, chefes de 45% dos lares no país (Ipea, 2018).
No dia 21 de agosto, a Associação de Economistas pela Democracia (Abed) publicou um manifesto contrário ao teto de gastos e às regras fiscais vigentes no país. No texto, intitulado “Teto de gastos, a âncora da estagnação brasileira e da crise social”, os autores, além de defenderem a revogação da Emenda Constitucional (EC) 95, afirmam que a narrativa utilizada para a sua manutenção é equivocada.
A EC 95 foi promulgada em dezembro de 2016, no início do governo Temer, e prevê o congelamento dos gastos públicos por um período de 20 anos. Desse modo, o aumento das despesas primárias do governo ― ou seja, as despesas não relacionadas ao pagamento de juros da dívida ― é limitado apenas à inflação do ano anterior, calculada pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), fazendo com que eventuais aumentos de receita sejam destinados somente ao estabelecimento do superávit primário (a diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta, também excluindo despesas com juros).
Para André Paiva Ramos, professor de economia na Universidade Paulista e um dos autores do manifesto, os setores mais afetados pela existência do teto são aqueles que dependem do financiamento público. “Como o governo tem despesas obrigatórias, o teto de gastos faz com que ele corte os investimentos. Em períodos de crise, os investimentos públicos são a principal forma de política anticíclica na economia, além de serem essenciais para garantir a melhoria de infraestrutura.”
A narrativa à qual o manifesto se refere é a de que o desequilíbrio fiscal do setor público é o responsável pela crise na economia brasileira. Os autores do texto afirmam que, de acordo com essa visão, o crescimento da despesa primária, ainda que acompanhado de um aumento de tributação, provocaria um colapso na economia, causando a necessidade de um ajuste fiscal. Além disso, os economistas que assinam o manifesto rebatem o argumento de que a falta de investimento no setor produtivo em meio à crise seja proveniente do aumento de gastos sociais do governo.
Para os autores do texto, esse crescimento nas despesas não ocorreu nos anos que antecederam a crise. Segundo o manifesto “o biênio 2015-16 caracterizou-se não pela suposta ‘gastança’ do governo, mas pelo mergulho da economia, das receitas e pelo aumento da conta de juros já em meio à austeridade”.
Além disso, o primeiro governo Dilma, anterior ao biênio analisado no manifesto, foi marcado pela diminuição dos investimentos públicos e pelo aumento de desonerações às indústrias e ao setor de serviços, com o intuito de alavancar o setor produtivo. Em fevereiro de 2014, segundo dados da Receita Federal, essas duas categorias representavam, respectivamente, 44,8% e 42,8% do total renunciado em decorrência dos benefícios fiscais.
Apesar disso, o setor de indústrias é o mesmo que corrobora a narrativa ― que, na visão dos autores, é falaciosa ― de que foram apenas “as despesas primárias de cunho social as responsáveis pela inibição das ações dos governos no apoio e fomento dos investimento s nos projetos produtivos da economia”.
André Paiva Ramos afirma que a criação da EC está diretamente ligada ao processo de impeachment aberto contra a ex-presidente Dilma Rousseff. “A justificativa para o impeachment foi a adoção da agenda neoliberal, junto com uma precarização da mão de obra. Essa agenda tem se mostrado um equívoco. Não só a economia não cresce, como o mercado de trabalho está altamente deteriorado.”
O manifesto publicado pelos economistas foi produzido em um contexto em que a discussão sobre a viabilidade do teto de gastos voltou a estar em pauta. Isso ocorre por conta da crise causada pela pandemia do coronavírus, que desestabilizou uma economia que já se recuperava lentamente da recessão de 2015 e reacendeu o debate sobre o papel do Estado na indução da atividade econômica.
Com os gastos para tentar conter a crise ― destinados, entre outras medidas, ao auxílio emergencial e ao financiamento a pequenas e média empresas ― setores do governo, ligados principalmente à ala militar, acenaram com a ideia de furar o teto de gastos para possibilitar a retomada da economia com o aumento dos investimentos públicos.
É a partir desse raciocínio que os economistas ligados à Abed alertam para a insustentabilidade do teto de gastos. Para eles, a Emenda Constitucional 95 impede o investimento necessário para a execução de políticas públicas em áreas que já sofrem com insuficiência de verbas. Com a promulgação da emenda, as despesas do governo cresceram apenas 0,5% no período entre 2015 e 2018 em relação ao intervalo observado entre 2011 e 2014, o menor índice de crescimento desde 1997, de acordo com números divulgados pelo Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira).
Além disso, os autores culpam o teto pela lenta recuperação econômica observada nos últimos quatro anos. Segundo o manifesto, “a introdução de uma restrição fiscal exógena e autoimposta, que não decorre da incapacidade de financiamento do governo, coincidiu, passada a crise de 2015-2016, com um ritmo de crescimento de apenas 1,2% ao ano no período 2017-2019, valor 57% inferior ao observado entre 1980-2014”.
O economista também afirma que, assim como propõe o manifesto, as atuais regras fiscais devem ser revistas. Para ele, a extinção do teto de gastos é a ação mais urgente a ser tomada. “O teto é completamente impraticável, qualquer economista que acompanhe a economia brasileira já apontava isso. Já nasceu dessa forma.” Além disso, Paiva Ramos diz ser possível também “um aprimoramento da regra de resultado primário, principalmente quando a economia está em crise”.
Ainda dialogando com as propostas apresentadas no texto que assinou, o professor diz ser necessária uma reforma tributária progressiva. “Entre as propostas que tramitam no Legislativo, apenas a Reforma Justa e Solidária tem essa progressividade como meta. Ela visa à ampliação da arrecadação sobre renda e patrimônio e à diminuição dos impostos sobre consumo.”