Sem orientação adequada, donas de pequenos negócios relatam dificuldades para entender as mudanças na economia e veem sua renda ameaçada
por
Manuela Dias
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28/11/2025 - 12h

A falta de informação qualificada tem se tornado uma das principais barreiras para microempreendedoras brasileiras que dependem de insumos importados ou de produtos cujo preço varia conforme fatores globais. Em meio a mudanças recentes nas taxas, oscilações cambiais e aumento da burocracia para transações internacionais, muitas afirmam que não sabem onde buscar apoio técnico. É o caso de Danielle Nayara, maquiadora e microempreendedora, que iniciou seu negócio após deixar o emprego formal para trabalhar com eventos.

“Eu sempre gostei de maquiagem, mas nunca tinha pensado em maquiar outras pessoas. Só comecei depois de uma sugestão, fiz um curso e acabei me apaixonando pela profissão”, conta. Hoje, ela atende clientes em casa, em eventos e até pernoita em residências para preparar noivas e madrinhas. Mas apesar da agenda cheia, manter o negócio funcionando tem se tornado cada vez mais complexo.

Um desafio diário

Para Danielle, o principal custo do seu trabalho é a compra de materiais: produtos que sofrem variações constantes de preço, muitas delas impactadas por fatores externos. “Um produto que eu comprei por um valor semana passada já está mais caro hoje. Quando isso acontece, eu preciso ajustar meus preços, porque se não aumento, perco margem”, explica.

Ela relata que, muitas vezes, não entende o motivo dessas oscilações nem encontra informação clara sobre o que está influenciando o aumento. Esse descompasso entre preço e explicação não só dificulta o planejamento, como a impede de aproveitar oportunidades.

“A qualidade dos produtos é essencial. Se o material é ruim, não adianta eu ser boa. Só que para comprar produtos bons, eu preciso pesquisar muito. E os preços mudam rápido demais”, diz.

A falta de informação também interfere na profissionalização. Em eventos como a Beauty Fair, Danielle conseguiu adquirir produtos de alta qualidade com preço reduzido, mas admite que depende do acaso: “Eu fico sabendo por redes sociais. Se eu não vejo no Instagram ou no TikTok, eu perco a chance.”

Redes sociais como principal fonte

Como muitas microempreendedoras, Danielle se informa principalmente pelas redes sociais. “É onde está tudo hoje: Instagram, TikTok, WhatsApp. É ali que vejo notícias, promoções e mudanças”, afirma. O problema, segundo especialistas, é que essa dependência de canais informais deixa empreendedoras vulneráveis. Notícias sobre variações cambiais, tarifas, mudanças em importações ou novas regras para comercialização de cosméticos dificilmente chegam a essas mulheres de forma clara e estruturada. Isso faz com que muitas decisões sejam tomadas às cegas.

Economistas e organizações ligadas ao empreendedorismo feminino têm reiterado que a falta de informação clara é hoje um dos maiores riscos para pequenos negócios liderados por mulheres. À medida que insumos sofrem com oscilações globais, e que o comércio exterior se torna mais complexo, milhares de empreendedoras enfrentam um mercado imprevisível sem apoio técnico.

No caso de Danielle, o impacto ainda é administrável, mas ela admite a preocupação: “Eu tento acompanhar tudo, mas é difícil saber o que realmente vai afetar meu trabalho. Às vezes, descubro um aumento só quando chego na loja para comprar”, relata.

Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”.
“Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”. Reprodução: arquivo pessoal 

Força para manter o negócio! 

Apesar dos desafios impostos pela falta de informação, pelos custos instáveis e pelas mudanças constantes no mercado, mulheres como Danielle continuam sustentando seus negócios com esforço diário, intuição e dedicação. A realidade que enfrentam é marcada por incertezas, mas também por uma determinação que atravessa jornadas longas, madrugadas de trabalho e decisões tomadas sem o suporte adequado.

No fim das contas, o que sustenta esses negócios não é apenas acesso a crédito ou políticas públicas: é a força de mulheres que, todos os dias, escolhem continuar. A luta feminina, silenciosa ou coletiva, segue sendo a certeza em meio ao cenário incerto e continua provando que, quando essas mulheres resistem, elas transformam não só suas próprias histórias, mas também o futuro do empreendedorismo no país.

 

Transformando a vida de milhões de pessoas todo ano, merece mais reconhecimento e recursos para manter o Brasil vivo
por
Vítor Nhoatto
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28/11/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

Uma das poucas certezas de todo ser humano, tal qual a morte, é a doença. Sabe aquele resfriado que vem junto ao seco do frio, uma ferida que infecciona depois de cair de bicicleta, até aquelas mais sérias que podem aparecer. Fato é que sem saúde não se vive, sendo um direito constitucional não por acaso. Sendo assim, é preciso que o acesso a essa necessidade tão básica quanto respirar e se alimentar seja universal, e não um bem a se comprar apenas por aqueles que podem.

Para isso então que existe o Sistema Único de Saúde (SUS), tão falado e muito mais presente na vida do que alguns podem sequer imaginar, ou querer. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador dos medicamentos disponíveis no país, de controle alimentar e hídrico, faz parte do SUS. Regulamentado em 1990, é responsável pelas vacinas e desenvolvimento científico ainda, e sabe os planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde (ANS), que os regula, também é integrante do sistema.

Para falar dessa diferença real na vida, antes é preciso até olhar nos papéis para lembrar já a quanto tempo ele é médico, enfermeiro, farmácia. De cabelos curtos hoje, depois de uma repaginada no visual devido ao câncer de pulmão que teve justamente na pandemia de COVID-19, Léia Marisa celebra que há dois anos consegue receber na AME Maria Zélia o micofenolato de Mofetila. Pois é, muitas vezes quando o nome é chique o preço é alto, uns R$500 por caixa, mil reais por mês gastos antes da papelada ficar pronta e ser aceita em 30 de novembro de 2023, já que a doença não espera os trâmites e filas.

A ex-professora, atual dona de casa e empresária a distância do seu restaurante, conta como o período de descoberta e tratamento do câncer, que levou até questões reumatológicas, e ajudou a descobrir uma artrite reumatoide, foi muito difícil. Entre dezenas de idas ao hospital de 2020 até 2023 até chegar ao diagnóstico, foram dias desgastantes, assustadores, e toda ajuda foi essencial, principalmente com os custos de sobreviver à doença. No caso dela, o tratamento do tumor foi feito em rede privada graças ao seu plano de saúde empresarial, que custa salgados R$5 mil reais ao mês. Só aqui são quase quatro salários mínimos, um privilégio muito grande, como ela destaca, olhando para um país em que apenas 7,60% da população ganha entre 5 e 10 salários como o Censo de 2022 do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística revela. 

Se aprofundando mais ainda nos fatos, de acordo com o estudo “Quanto custa o câncer” de 2023 do Observatório de Oncologia, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) e do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, os custos de tratamento da doença quadruplicaram nos últimos três anos. Uma sessão de radioterapia ou quimioterapia custava quase R$800 em 2022, e dezenas são necessárias na maioria das vezes. Acrescentando nessa conta, consultas, tomografias e biópsias, mil reais ali e cinco acolá, o custo chega facilmente ultrapassa dezenas de milhares de reais. Isso é ainda mais preocupante tendo em conta a incidência do câncer na população, que segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) entre 2023 e 2025, 704 mil pessoas terão a doença como Marisa. 

E com isso que o SUS se mostra como algo tão relevante, oferecendo tratamento integral e gratuito contra todos os tipos de cânceres. Claro que muitos problemas existem, como destaca Marisa ao lembrar que quando estava no meio do tratamento enfrentou problemas com o plano de saúde, mas que só o medo de depender da demora do SUS caso fosse preciso, a preocupava muito. A saúde é o bem mais precioso para, o que para todos provavelmente deva ser, e por isso justamente que em 2012 a lei 12.732/12 obriga que o tratamento contra o câncer tem que ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico. 

Mas além disso, com os olhos marejados depois de navegar novamente no mar agitado que foi a jornada até a vida que tem hoje, curada e com o diagnóstico da sua doença crônica, ela volta e lembra que a diferença que não ter que pagar pelo Micofenolato que a mantém respirando faz.  Quando tinha que arcar com as despesas era como um fardo a mais imposto a ela, que considera a saúde hoje como o bem mais valioso. As idas mensais  ao posto são um alívio hoje para ela, destacando que o seu medicamento nunca faltou até então, mas que já presenciou pessoas na situação contrária e que não tinham como arcar pessoalmente com os gastos. Essa é uma realidade infelizmente, segundo fiscalização de 2023 da secretaria de contas do Estado de São Paulo, em quase metade dos postos visitados faltavam algum medicamento.

papéis
A cada seis meses Marisa tem que renovar a receita e toda a papelada para solicitação do seu medicamento junto a AME - Foto: Vítor Nhoatto

Milhões de uns

Mesmo que falte muito, afinal, só 4,16% do orçamento federal foi destinado à saúde em 2024 segundo o Painel do Orçamento Federal, a porcentagem vem aumentando desde 2022, e milhões de brasileiros são atendidos todos os dias. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema universal de saúde, e 213 milhões dependem diretamente do SUS, segundo o Ministério da Saúde, que contabiliza em média 2,8 bilhões de atendimentos por ano, empregando 3,5 milhões de profissionais.

E mais um desses uns é Valdir Sousa, que do alto de seus 63 anos de idade é um típico caso brasieleiro. Com diabetes do tipo II há 20 anos e hipertenso, conta que se não fosse o acesso ao sistema gratuito, sua vida seria muito diferente, obviamente pelo lado financeiro, e muito também pelo bem-estar. O mineiro nascido em São João do Paraíso e que vive em São Paulo há décadas já viu tanto na vida, e com o passar do tempo o que todos querem e merecem é justamente qualidade de vida. Essa no caso, em grande parte possível graças a insulina que busca no posto na Freguesia do Ó e os comprimidos que cuidam do seu coração acelerado.

Justamente essa hipertensão que é a doença mais presente nos peitos animados dos brasileiros, e 52% da população é diagnosticada com alguma DCNTs, como revela a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Além disso, segundo dados de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) como as de Valdir são tecnicamente chamadas, são as mais comuns no mundo e no Brasil, com o diabetes inclusive tendo aumentado 70% entre 2000 e 2019. 

Para contextualização, nos Estados Unidos existe há alguns anos o movimento nas redes sociais insulin4all, criado pela organização sem fins lucrativos T1 International, que denuncia os altos custos da insulina no país, onde um frasco de 10ml gira em torno de U$330. Tal situação vem levando inclusive pessoas a racionarem o medicamento, o que pode levar a complicações e até a morte em casos mais graves. Já no Brasil, o mesmo remédio é disponibilizado pelo SUS, e o preço máximo permitido por lei é de R$125,30. 

Diante desses dados e o envelhecimento da população fica claro como a saúde vai ser cada vez mais necessária, tal qual destaca o jovem de espírito Valdir, que já foi pedreiro e auxiliar de manutenção geral em uma lanchonete, justamente no Hospital das Clínicas. As histórias que já viu na maior referência de saúde pública brasileira enchem a sua mente, e as palavras saem inquietas sobre as melhorias que o SUS precisa e as pessoas merecem. Ele conta em meio a suspiros que quando precisa de exames mais urgentes, ou consultas em meio a crises, tem que recorrer ao plano de saúde da sua esposa, do qual é dependente, já que as unidades de saúde estão sempre cheias e a fila de espera passa de meses algumas vezes. 

Foi nessas passagens obrigadas pela rede privada que ele inclusive descobriu mais um integrante do seu pacote, a doença renal crônica há um ano. Porém, é no SUS que o acompanhamento com nutricionista, nefrologista e endocrinologista foi possível, uma rotina de cuidados essenciais para uma boa qualidade de vida para quem tem a condição. É graças a essa rede de profissionais e a farmácia popular que Valdir vai aproveitando com os dois filhos e a mulher os seus dias, frisando com a voz até meia trêmula, que sem isso não poderia se ter o seu direito de viver com saúde exercido plenamente.

medicamentos
São graças a compostos como esses que tanto Marisa ou Valdir, e os mais de 100 milhões de brasileiros com doenças crônicas podem viver bem tal qual a constituição garante - Foto: Vítor Nhoatto

 

Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
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14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Nova rotina, em meio às dúvidas e temores do momento, aumenta problemas como ansiedade e depressão
por
João Henrique Maia
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28/05/2021 - 12h

 A pandemia teve início em dezembro de 2019 e, desde então, vem trazendo muitos problemas ao mundo do trabalho. A saúde mental é um deles. Pesquisa de 2020 realizada pela Workana, plataforma voltada para o trabalho remoto, mostrou que 43,7% dos trabalhadores distribuídos entre Europa e América já sofreram sintomas relacionados a problemas de saúde mental durante a pandemia.

Desse total, 24% tiveram dificuldades de concentração, 13,2% sofreram com ansiedade, 5,2% sentiram solidão e 0,8% tiveram que lidar com depressão e claustrofobia.

Os principais motivos que contribuem para essa situação são o home office, a impossibilidade de manter hábitos antigos, a adaptação às novas ferramentas de trabalho e a preocupação com os danos que o vírus pode causar em pessoas próximas.

As pessoas estão tendo que conciliar a vida particular com o trabalho, e isso, se não for bem controlado, pode ser muito prejudicial. O home office trouxe o ambiente da empresa para dentro de casa, fazendo com que as demandas pareçam não ter fim.

Gilberto Pamplona da Costa, professor de Geografia há mais de 30 anos, viu sua rotina mudar no último ano. “Comecei no home office em março de 2020, logo que a pandemia começou. Por mais que tenha a facilidade de não ter que me deslocar pela cidade, tive que lidar com novas rotinas, novos horários, além do cansaço das telas, que foi uma novidade para mim.”

Segundo Helena Rinaldi Rosa, professora de psicologia da USP, quando se pensa em pandemia relacionada ao trabalho, o principal fator a ser observado é a insegurança. Esta, de acordo com a professora, é provocada pela preocupação com o rendimento nas atividades, com o futuro e principalmente com o medo de pegar Covid e contaminar os familiares. De uma forma geral, o equilíbrio das pessoas foi perdido e tratar da saúde mental pode ajudá-las a resgatá-lo, conclui ela.

A psicóloga acha que o home office veio para ficar. Além de ser uma tendência, muitas pessoas acham o sistema cômodo e prático. O grande problema foi o momento em que este modelo foi inserido, em meio à pandemia. Rosa entende que aos poucos os trabalhadores vão se acostumando com esse modo de trabalho, pois ele irá se tornando comum.

Principais doenças e o prejuízo à economia global

Depressão e ansiedade aparecem como as principais doenças que afetam trabalhadores na pandemia. Foi o que apontou pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade de Valência (Espanha), o hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Segundo a pesquisa, realizada entre abril e maio de 2020, 47,3% dos trabalhadores de serviços essenciais do Brasil e da Espanha apresentam sintomas das duas doenças. Desse total, 27,4% sofrem simultaneamente de ansiedade e depressão.

Neste cenário, as mulheres são as que mais sofrem com problemas emocionais, segundo estudo conduzido pela equipe do neuropsicólogo Antônio de Pádua Serafim, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP entre maio e junho do último ano. Elas são responsáveis por 40,5% dos sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse.

O estudo, que contou com 3 mil voluntários de diferentes regiões do Brasil, não mostrou um motivo específico para as mulheres serem as mais afetadas, mas acredita-se que as tarefas domésticas e a atenção dada aos filhos, associadas ao trabalho, são fatores fundamentais. Por outro lado, mulheres que moravam sozinhas e que não tinham filhos também foram afetadas.

O reflexo desse momento conturbado acaba gerando muitos danos à economia. Só em 2020 foram registrados no Brasil 576 mil pedidos de afastamento do trabalho por conta de transtornos mentais, 26% a mais do que em 2019. Os dados são da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

Em nível global, o impacto é ainda mais chocante:  US$: 1 trilhão por ano é o valor estimado para o custo das principais doenças mentais à economia global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Como isso vem sendo tratado?

A saúde mental também pode ser evidenciada ao observar uma maior atenção por parte dos empresários em relação ao tema.  Entre as dez maiores tendências da área da psicologia para 2021, aparece a movimentação de empresas em busca de ofertar recursos destinados à saúde mental dos trabalhadores, conforme apontou a pesquisa realizada anualmente pela American Psychological Association (APA).

No Brasil, algumas empresas perceberam que cuidar dos seus funcionários seria um fator essencial para unir a equipe e evitar que a produção despencasse. Uma das que se movimentaram nesse sentido foi a Atrial Saúde, distribuidora de insumos médico-hospitalares. No ano passado, os colaboradores participaram de reuniões online com duração de 30 minutos para discutirem assuntos relacionados ao bem-estar e à qualidade de vida. As reuniões aconteciam semanalmente e trouxeram muitos temas importantes.

A Vittude, plataforma digital que oferece serviços de psicologia online, vem percebendo muito bem essa postura das empresas frente ao tema. Só em 2020 a receita da plataforma cresceu 540%.

Todas essas informações mostram muito bem o quanto a situação é delicada, e que o vírus é apenas um dos problemas dessa fase. Para que todos passem por isso tranquilos, é melhor procurar maneiras de manter a mente saudável.

Foto da capa: José Luis Navarro

Para Rafael Bianchini, professor da FGV/SP, recuperação econômica compensará perdas iniciais do setor farmacêutico
por
Dimitrius Vlahos
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28/05/2021 - 12h

A quebra das patentes, nome popular dado à chamada licença compulsória, voltou a ser debatida com a escassez de vacinas e medicamentos para tratamento da Covid-19. No dia 29 de abril, o Senado aprovou a autorização para que as licenças desses produtos sejam exigidas pelo governo, ampliando as opções de produção. O projeto ainda tem que passar pela Câmara dos Deputados.

Ao mesmo tempo em que a pauta é analisada internamente, no âmbito internacional, diversos países junto à OMC (Organização Mundial do Comércio) buscam agilizar a quebra de patentes firmando um acordo entre Estados que possuem empresas produtoras de vacinas. Diferente da posição adotada pelo Congresso até aqui, o Executivo brasileiro declarou ser contra a medida, destoando de outros países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento como a África do Sul e a Índia. Durante as conversas, os Estados Unidos, historicamente contra a quebra de patentes, mudaram de posição e sinalizaram apoio à proposta que pode tornar a distribuição de vacinas mais equilibrada. A maioria dos laboratórios detentores da tecnologia está situada no país norte-americano e na Europa.

Embora a solução se apresente como uma saída viável para o momento de exceção, há outros fatores a serem considerados, como os impactos gerados na economia após uma quebra de expectativas e projeções. Rafael Bianchini, doutor em direito comercial e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, explica que as empresas farmacêuticas serão afetadas negativamente, dando como exemplo a queda nas ações dessas indústrias  após a sinalização de concordância com a quebra de patentes por parte do governo americano.  Apesar disso, o economista ressalta que o mais importante a se analisar é a tendência deixada ao mercado, mirando uma recuperação global que, a longo prazo, pode ser mais benéfica para as empresas do que a manutenção do domínio sobre as tecnologias em contrapartida a uma baixa taxa de vacinação ao redor do mundo.

O direito à propriedade intelectual é o cerne da discussão do ponto de vista jurídico e nele estão apoiados aqueles que discordam da aplicação do método. Apesar disso, Bianchini aponta que a prática é legal e que não se trata de uma liberação de qualquer patente industrial, o que de fato geraria um descontrole no mercado. Além disso, na lei brasileira constam casos de exceção, como em uso abusivo do direito de patentes, que liberam a licença compulsória.

O posicionamento brasileiro, ao passo que o governo estadunidense abandonou a ideia de manter as restrições de propriedade intelectual, se torna cada vez mais injustificável, “uma completa insanidade”, segundo o economista. Ao revisar o alinhamento dos países, Bianchini os separa entre aqueles que possuem indústrias capazes de produzir as vacinas e aqueles com médio ou baixo capital e capacidade de produção nula. Sendo assim, os países que não contam com os elementos necessários para produzir seus próprios medicamentos não têm nada a perder com a licença compulsória, enquanto os que se enquadram no primeiro grupo teriam, em um primeiro momento, uma perda significativa no rendimento de suas empresas e, consequentemente, no PIB. O Brasil, embora possua o Instituto Butantan e a Fiocruz, até o momento ainda depende de insumos e tecnologia estrangeira, aproximando-se de países emergentes como Índia e África do Sul, que inclusive foram responsáveis por iniciar o processo junto à OMC.

Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

Outro fator a ser analisado com o licenciamento compulsório é o incentivo à pesquisa. Desde o início da pandemia foi possível notar uma corrida entre grandes laboratórios pelo desenvolvimento de uma vacina, tanto que diversas opções de imunizantes já estavam em fase final de testes no segundo semestre de 2020. A pesquisa em casos como esse é incentivada em grande parte pela possibilidade de lucro com a venda dos produtos resultantes do trabalho científico. Até mesmo a eficácia, número de doses necessárias para atingir a imunidade e condições de armazenamento serviram para dar vantagens a certas fabricantes na hora da compra em relação aos concorrentes.

Bianchini sugere que o sistema de saúde global, baseado nesse esquema de pesquisa, talvez não seja o mais adequado, uma vez que o dinheiro investido na compra de tecnologias e patentes estrangeiras poderia ser utilizado para fomentar a pesquisa no próprio país, gerando um retorno no âmbito econômico e da ciência e trazendo maior independência. A pesquisa científica também tem o Estado como grande investidor. Segundo o economista, há uma ilusão ao acreditar que somente o setor privado é responsável pelo desenvolvimento. “No fundo quem coloca mais dinheiro, quem arca com os riscos são os Estados, afirma Bianchini, qualificando o Estado como “um enorme investidor”. Ressaltando que, embora trabalhe no Banco Central, as opiniões de Bianchini não refletem o posicionamento da instituição.

Em um panorama geral, a quebra das patentes não significa somente vantagens ou desvantagens para os países e laboratórios produtores de vacinas. A economia pode se recuperar, inclusive superando lucros que deixaram de ser obtidos com a perda da exclusividade da tecnologia, com um ambiente mais propício no mercado global. Do ponto de vista epidemiológico, também não se pode descartar a possibilidade do surgimento de novas cepas com a vacinação lenta, o que pode prejudicar a eficácia dos imunizantes e levar até mesmo os países mais adiantados, como Estados Unidos e Israel, a uma nova crise. Bianchini ressalta que uma mudança no cenário global é a melhor solução para aplicar o licenciamento compulsório, alertando que o posicionamento rígido do Brasil “cada vez mais perde sentido”.

Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

Economia brasileira deve crescer 3,7%, abaixo da expansão média de 4,6% esperada para América Latina
por
Beatriz Lauerti
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25/05/2021 - 12h

Após uma forte recessão em 2020, as perspectivas para a economia mundial são mais otimistas neste ano.  O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta alta de 6% para o Produto Interno Bruto (PIB) do planeta. No ano passado, o indicador caiu 3,3%. Entre as razões para a melhoria está o avanço da vacinação contra a Covid-19, embora desigual entre os países.

Para 2022, o FMI prevê uma evolução de 4,4%. Com a recuperação, o comércio de bens e serviços no mundo vai se expandir em 8,4% em 2021 e 6,5% no próximo ano. Entre os países que cresceram em 2020, a China terá um PIB 8,4% maior em 2021.

Em relação à zona do euro, onde a campanha de vacinação está atrasada, o órgão calcula que o crescimento  será de 4,4% neste ano e avalia que a retomada foi prejudicada pela necessidade de adoção de medidas restritivas em diversos locais para frear a disseminação do coronavírus. Para o Japão, o fundo estima uma elevação de 3,3% em 2021.

Brasil

O FMI prevê um crescimento de 3,7% para o Brasil, mas destaca que as projeções dependem da evolução da crise de saúde. Analistas financeiros consultados pelo Banco Central acreditam que o PIB brasileiro aumente em 3,4%. A projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) sobre a inflação em 2021 é de 3,32%, abaixo da meta prevista, que é que é de 3,50%.

Ano passado, a economia brasileira sofreu uma contração de 4,1%, uma queda expressiva porém  menos intensa que a esperada no início da pandemia. De acordo com o FMI, no segundo semestre de 2020, o Brasil foi beneficiado pela recuperação do setor manufatureiro.

O auxílio emergencial fornecido pelo governo ajudou a manter a atividade econômica  até certo ponto, mas, quando o pagamento da assistência foi suspenso, houve um impacto na produção e no consumo.

O alto índice de desemprego e falências de empresas durante a pandemia, as demissões de ministros da Saúde, os problemas logísticos que impedem um maior avanço no programa de vacinação da população, resultaram em mais de 450 mil vidas perdidas no Brasil, aumento da instabilidade política e desgaste da imagem do presidente Jair Bolsonaro, além de diminuir os investimentos externos no país. Todas essas questões agravam o cenário de crise econômica, sanitária e política atravessado nacionalmente.

Para a economista e colunista da Uol, Yolanda Fordelone, a combinação de diversos fatores dita o ritmo de recuperação de cada lugar. “O primeiro ponto é por quanto tempo o país terá de conviver com a contenção da Covid-19. Países que estão em patamares mais avançados de vacinação e que respeitaram o isolamento social tendem a encurtar o tempo de convívio com a doença em seu estágio mais grave. Além disso, o tamanho de apoio público no combate à crise também é relevante. O auxílio foi diferente em cada território e, assim, veremos retomadas em ritmos distintos. Por fim, a recuperação é influenciada pela capacidade de gestão pública de problemas sociais que surgiram, como a fome e o desemprego. Do ponto de vista político, nós brasileiros vivemos um período conturbado e com gestores despreparados para lidar com todas as questões”, argumenta.

Na visão de Yolanda, a economia brasileira está  estagnada e, como se não bastasse, ameaçada pela inflação.  “No Brasil, já temos visto um aumento da taxa de juros para tentar conter a inflação. O cenário é de mais altas da taxa básica (Selic) e uma aceleração da alta dos preços, muito por conta de itens básicos como alimentos. A pressão de baixa oferta de produtos devido às paradas da economia em conjunto com o aumento de demanda após a reabertura de alguns países tem influenciado esta alta. Caminhamos para uma situação de estagflação: crescimento estagnado acompanhado de inflação”, explica.

A especialista prevê um processo lento de recuperação.  “ Acredito que a crise terá um impacto na economia por alguns anos. Não é possível dizer que teremos uma volta à normalidade, pois muitos hábitos irão se alterar, como ambientes de trabalho, presença mais forte do e-commerce, aceleração de uso de tecnologias de ensino à distância e deslocamentos populacionais para fora das grandes cidades. Tudo isso impacta no nosso dia a dia e, portanto, na economia”, destaca.

A recuperação será desigual ao redor do mundo

Segundo o professor de relações internacionais da PUC-SP Bruno Huberman, “o desempenho das economias industrializadas e desenvolvidas, que têm capacidade tecnológica para produzir seus próprios imunizantes e equipamentos de proteção individual, e instituem políticas eficientes de combate à Covid-19, como China, outras economias da região asiática, além da Austrália e Nova Zelândia, será melhor e essas nações têm mais condições de sair de maneira mais rápida da crise”. 

O professor afirma que países desenvolvidos, como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e França, apesar de terem sido bastante impactados pelo vírus, fazem altos investimentos no combate à pandemia e podem se restabelecer em menor tempo”.

Para Huberman, se recuperarão mais facilmente e obterão um crescimento acelerado em 2021 “as nações que conseguem combater de formas mais eficientes o vírus e têm uma capacidade industrial produtiva voltada para o investimento em tecnologias para essa luta e para manter a roda a partir do próprio desenvolvimento nacional”. De acordo com Bruno, isso ocorre em um contexto de crise do mercado internacional, no qual há uma escassez de vários produtos devido à interrupção que o comércio tem sofrido pelo impedimento de tráfegos entre os países. Ele diz que as perspectivas positivas não valem para o Brasil, pois “não há uma capacidade produtiva instalada e nem combate ao vírus”.

“A pandemia revelou que as políticas de austeridade fiscal e desajuste do investimento do Estado em bem-estar social, como educação, saúde, industrialização, tecnologia, ciência, são altamente maléficas para a população. Países com maior intervenção do Estado na sociedade conseguiram um melhor enfrentamento do vírus e uma recuperação mais rápida. Um exemplo são os Estados Unidos, com o modelo de retomada econômica do presidente Joe Biden, com o anúncio de diversas obras de infraestrutura para absorver o capital e a mão de obra excedentes, gerando empregos”, reflete Huberman.

A previsão do FMI para a economia americana neste segundo ano de pandemia é de alta de 6,4%. A agilidade da vacinação e o pacote fiscal implementados pelo governo Biden promovem uma aceleração da retomada no país.

Segundo Huberman,  é possível observar uma transformação no modelo de desenvolvimento econômico dominante no mundo.  “Nas últimas décadas a gente viu a recuperação de um neoliberalismo ortodoxo fundado na política de austeridade fiscal e no ajuste fiscal, no enxugamento das atuações sociais do Estado, com o fortalecimento das atuações securitárias como a consolidação de forças militares. A principal consequência da crise atual para várias nações será a maior valorização do bem-estar social pelo controle do Estado nesse sentido, para garantir a sobrevivência da população, porque se todos morrem não há economia.”

 “Muitos têm discutido o fim do neoliberalismo mas vejo mais uma transformação dessa vertente, com maior intervenção estatal. A lógica de austeridade fiscal máxima para o mercado ser o protagonista do desenvolvimento nacional vai perder a relevância. A elaboração da vacina da AstraZeneca, por exemplo, ocorreu com a maior parte de investimentos feitos com capital do governo britânico, não privado. O neoliberalismo radical, que é aprofundado no Brasil por Bolsonaro, está chegando ao fim, e o modelo passará a ser mais heterodoxo, daqui por diante, com as pessoas valorizando mais o bem-estar social e obrigando os governantes a valorizarem isso também”, avalia.

América Latina 

Quanto à América Latina, de acordo com o relatório “Perspectivas da Economia Mundial”, o FMI espera um crescimento de 4,6% em 2021, o que equivale a menos que a média global, que é de 6%.

O FMI aguarda um crescimento de 5% para o México em 2021 e de 3% em 2022, e o Chile, Argentina, Peru e Colômbia devem ter uma expansão de 6,2%, 5,8%, 8,5% e 5,1%, respectivamente, neste ano.

A organização destaca que as nações que não garantiram vacinas suficientes para suas populações sofreram com mais prejuízos econômicos e os países que dependem do turismo terão uma redução de 1,5 ponto percentual no crescimento, que será de aproximadamente 2,4% em 2021.

Foto Ilustrativa: Freepik

 

 

Saúde, educação, ciência e tecnologia perdem bilhões em relação ao ano passado; teto de gastos é uma das razões para cortes
por
Julia Machado Costa
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25/05/2021 - 12h

Após um atraso de 110 dias e impasses com o Congresso, o Orçamento Federal de 2021 foi sancionado no limite do prazo pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com vetos e contingenciamentos nas pastas da Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia – centrais para o combate à pandemia da Covid-19 no Brasil.

Para contornar o chamado “Orçamento inexequível” aprovado pela Câmara dos Deputados e o Senado Federal no fim de março, o presidente vetou R$ 10,5 bilhões nas emendas do relator, R$ 1,4 bilhão em emendas de comissão do Poder Legislativo e outros R$ 7,9 bilhões em gastos discricionários do Poder Executivo, além de bloquear R$ 9 bilhões em despesas previstas para este ano em vários órgãos federais. Com estes cortes, o governo abriu um espaço de R$ 28,8 bilhões no Orçamento.

De acordo com professora de economia da PUC-SP e especialista no setor de saúde Maria Cristina Sanches Amorim, os cortes se devem a dois grandes motivos. O primeiro deles é Lei do Teto de Gastos, aprovada em 2014 a partir da Emenda Constitucional 95 e conhecida pela oposição como "PEC da Morte". A proposição estabelece limites para os gastos governamentais por 20 anos, independentemente das necessidades da população. “Se rompido o teto, o Executivo estará mais vulnerável ao poder do Legislativo; se obedece à Lei, não consegue recurso para suas medidas, descontentando eleitores.”

O outro motivo é a composição política do Legislativo. “Expressando o poder de determinadas facções sociais, (o Legislativo) privilegia a redução de gastos, um suposto equilíbrio fiscal, em detrimento do bem-estar social”, aponta.

O texto original aprovado pelo Congresso subestimava os chamados gastos obrigatórios, como previdência e aposentadoria, mas ampliava o montante para as emendas, verbas para obras e programas escolhidos pelos parlamentares. Apesar dos vetos do presidente, parte da emenda foi mantida para agradar a base aliada.

Em meio à segunda onda da Covid-19 no país e alertas de uma terceira onda, a verba destinada à pasta da Saúde sofreu um corte de R$ 2,2 bilhões em relação ao Orçamento de 2020, primeiro ano da crise sanitária, totalizando o montante de R$ 125,7 bilhões. Na Fiocruz, empresa que produz a vacina Oxford/AstraZeneca no Brasil, três programas de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação sofreram redução de 10 milhões. 

Estes cortes afetam ações de enfrentamento à pandemia e o projeto de custeio para assistência hospitalar e ambulatorial, já que os governos estaduais e municipais dependem de repasses do Ministério da Saúde para a aquisição de equipamentos e insumos para o fortalecimento da estrutura do SUS.

Para Amorim, ​a EC 95/2014 é o pano de fundo responsável pela redução dos investimentos no SUS. “Jamais se imaginou que justamente a instância constitucionalmente responsável pelo combate à pandemia escolhesse, deliberadamente, aumentar o contágio até atingir a imunidade de rebanho. Jamais houve compromisso do Executivo com a vacinação e adesão das pessoas ao distanciamento social. Ao contrário, gastou dinheiro com o "kit cloroquina" e incentivou aglomerações.”

A economista afirma que o governo agiu deliberadamente para ampliar o contágio usando a teoria de que esta era a forma mais rápida de imunizar a população e retomar as atividades econômicas. “Além da falha ética, errou tecnicamente, a pandemia não cede e a crise econômica há de se arrastar até o final de 2022”, diz.

Enviado por Bolsonaro ao Congresso, o Projeto de Lei Nacional (PLN 28/2020) apresentava verba para o Ministério da Saúde ainda inferior ao período pré-pandemia, R$ 119,1 bilhões.

No Ministério da Educação, R$ 1,2 bilhão foi vetado em despesas, distribuídas entre programas de universidades e institutos federais. Nos bloqueios, este foi o Ministério mais atingido, com R$ 2,7 bilhões em gastos suspensos. 

Da pasta de Ciência e Tecnologia, o presidente Jair Bolsonaro cortou do Orçamento um total de R$ 372 milhões. Outros R$ 272 milhões foram bloqueados. Por conta do teto de gastos, os valores bloqueados só serão liberados se houver dinheiro para o pagamento ao longo do ano.

Enquanto recursos de combate à pandemia foram drenados do Orçamento, o montante previsto para as Forças Armadas foi inflado. Dos R$ 37,6 bilhões reservados para o Orçamento Fiscal e da Seguridade Social, o Ministério da Defesa ficará com R$ 8,8 bilhões – 22% do total. O texto também manteve o reajuste salarial de militares, com um impacto estimado de R$ 7,1 bilhões.

Conforme Amorim, esses cortes são responsáveis pelo agravamento das desigualdades sociais e do recuo na materialização da cidadania. Neste cenário, o país não possui perspectiva de crescimento. “O PIB brasileiro caiu 4,1% em 2020, comparativamente a 2019. Essa queda é uma monstruosidade. Ainda que o PIB cresça, segundo estimativa, 3% em 2021, será apenas efeito estatístico, pois o total de riqueza produzido ainda estará abaixo do valor de 2014”, explica.

O projeto que deveria ter sido votado em dezembro de 2020 corresponde ao maior período em 15 anos que o país ficou sem um Orçamento. De acordo com a economista, o atraso se deve à ​incapacidade de negociação entre o Executivo e o Legislativo. “Não há de fato unidade política, mas interesses específicos de parlamentares, que são negociados caso a caso”, afirma.

 

Crise econômica e avanço da pandemia exigem medidas governamentais mais enérgicas para conter aumento da fome e da pobreza
por
Camilo Mota
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25/05/2021 - 12h
A Fome Voltou
A Fome Voltou. Lambe lambe em muro na Avenida Paulista, altura da rua Haddock Lobo. São Paulo, SP. 16 de abril de 2021. Foto: Roberto Parizotti/FotosPublicas.

O governo Bolsonaro foi eleito com um programa baseado na figura do economista Paulo Guedes e no discurso de enxugamento do Estado. Grandes expectativas se formaram na esperança da recuperação econômica. Entretanto, a pandemia caiu como uma pedra e muitas promessas de campanha, inclusive favoráveis ao mercado, sequer saíram do papel – nenhuma privatização até hoje se concretizou.

Desde o primeiro ano de mandato, o presidente insiste na tecla de que o governo não tem recursos. Em janeiro de 2021, mesmo após mais de 7 milhões de infecções e 197 mil óbitos pela Covid-19, Bolsonaro disse: “Chefe, o Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada”. Mas, para o economista e professor da FMU Marcos Henrique do Espírito Santo não é bem assim. “O Estado insiste na tese de que está sem dinheiro, o que é completamente falso. “O Estado tem capacidade de emitir moeda.”

A emissão tem limitações macroeconômicas, porém o cenário é tão crítico que, para o professor da FMU, justificaria uma ação como essa. “Não dá para emitir dinheiro a qualquer momento, mas em momentos como o que a gente vive, com uma economia completamente estagnada, seria ideal para fazer isso. Literalmente expandir a dívida pública para ter recursos e gastar enquanto o setor privado não está gastando, aponta o economista.

O auxílio emergencial foi uma conquista para mais de 66 milhões de pessoas após a chegada da Covid-19. O valor proposto pelo governo, de R$ 200 mensais, foi fixado em R$ 600 somente após pressão da oposição. Medida possível graças ao ‘orçamento de guerra’ aprovado pelos congressistas, que abriu uma exceção para o governo gastar além do teto. 

Os sucessivos erros e atrasos no enfrentamento à Covid-19 e a piora da situação social do país exigiram a continuidade do benefício, dessa vez nos valores de R$150 e R$ 375,00 definidos pela Câmara dos Deputados sob liderança de Arthur Lira (PP-AL), alinhado ao Planalto. Os novos valores resultarão em um gasto de R$ 44 bilhões, inferior aos cerca de R$ 295 bilhões dispendidos em 2020, de acordo com dados do TCU.

Para Camila Ugino, professora de ciências econômicas da PUC-SP, a nova versão do então chamado ‘corona voucher’ é simplesmente insuficiente. “A proposta do auxílio emergencial que a gente tem não condiz com a nossa realidade social, muito menos fiscal.”

O orçamento de 2021 foi sancionado no dia 23 de abril com cortes em áreas fundamentais, como educação (27%) e meio ambiente (24%). Menos de um mês depois, o jornal O Estado de São Paulo divulgou uma série de reportagens denunciando o esquema que destinou R$ 3 bilhões a parlamentares via emendas de relator, instrumento no qual relatores do projeto de lei orçamentária introduzem alterações, geralmente de caráter técnico. Porém, as reportagens demonstraram uma quebra das leis de impessoalidade, isonomia e transparência, e isso aconteceu às vésperas da eleição dos presidentes da Câmara e do Senado. As alterações feitas pela relatoria teriam beneficiado individualmente parlamentares, inclusive os da oposição.

Simultaneamente, no dia 13 de maio, uma portaria foi assinada pela Secretaria de Gestão e Desempenho do Ministério da Economia, permitindo o aumento, para além dos limites constitucionais, do salário de militares e reservistas e beneficiando, inclusive, o presidente e o vice-presidente da República. O aumento, de quase 70%, teve como justificativa a necessidade de “adequar o cálculo do teto remuneratório constitucional aos entendimentos do STF e TCU”. A medida custará R$ 66 milhões.

Ainda de acordo com o professor da FMU, a lógica neoliberal, do enxugamento do Estado e redução de recursos para áreas sociais, é totalmente insustentável. “A ideia de que o orçamento é mínimo parte do suposto neoliberal de que esse orçamento é limitado. O orçamento é uma peça de disputa política. Se a gente gastar pouco com a eliminação da pobreza é porque a gente escolheu politicamente isso.”

Vários países têm adotado medidas de resgate econômico e subsídio – em alguns casos antes mesmo da pandemia, para enfrentar o aumento das desigualdades. “O neoliberalismo está morto do ponto de vista teórico. Do ponto de vista da teoria econômica, ele não responde mais às exigências de um mundo novo, de alta tecnologia, do padrão 4.0”, afirma Marcos Henrique. Para o economista, o maior exemplo da presença do Estado como catalisador de avanço econômico é a China. Na visão de Marcos, o gigante asiático está “engolindo todo mundo”, e os Estados Unidos “sacaram” isso. “A China está se tornando gigante com metas de longo prazo, induzindo o empresariado, e os EUA vão fazer a mesma coisa. Eles fizeram isso no New Deal, eles fizeram isso após a Segunda Guerra Mundial, acrescenta.

No país norte-americano, o governo Biden sancionou, em três meses à frente da Casa Branca, dois pacotes que somam US$ 4,15 trilhões – equivalentes a R$ 20,7 trilhões – para o enfrentamento à pandemia. O primeiro é um conjunto de recursos (US$ 1,9 tri) destinados às famílias mais pobres, incluindo extensão de seguro-desemprego e subsídio para planos de saúde. Entre as medidas, estão repasses aos estados e pagamento direto de US$ 1.400 à maioria dos americanos. O segundo pacote é um plano de investimentos em infraestrutura com fornecimento de internet nas áreas rurais do país, renovação de estradas e incentivo a pesquisa e desenvolvimento em energias limpas – financiado com o aumento do imposto corporativo.

Mas, no Brasil, a crença num modelo ultrapassado ainda é um entrave ao desenvolvimento. “Os meios mais eficientes para sair dessa cr0069se é romper essa lógica. Tem que romper com o discurso da Faria Lima, é preciso tirar o monopólio econômico. O Estado é um agente indutor fundamental. Ninguém se desenvolveu e se tornou gigante sem o Estado, aponta o economista.

Na avaliação de Marcos Henrique, é preciso que haja um governo forte e que não esteja refém da burguesia brasileira, que, segundo ele, vive há 40 anos da exportação para ganhar dinheiro no mercado financeiro. Enquanto o governo precisa conter as despesas previstas, maiores que a receita, o Congresso, hoje com maior força, também exige sua fatia. “Se eu vou aumentar a despesa com os parlamentares, eu tenho que diminuir gastos com investimento e políticas sociais para poder fechar o orçamento com déficit pequeno, eu tenho que diminuir dos investimentos com gastos sociais”, afirma o economista Claudemir Galvani, professor de teoria econômica da PUC-SP. 

“A dívida tem o limite que passa pelo Congresso. Na verdade, o governo (brasileiro) está muito preso ao Congresso, por isso é importante o governo ser forte. Hoje o presidente não tem nem partido”, afirma Galvani. Outro erro é o teto de gastos, estabelecido pela Emenda Constitucional 95, encaminhada pelo governo Michel Temer e promulgada pelo Senado em 15 de dezembro de 2016, que congela gastos públicos por 20 anos.

De acordo com Marcos Henrique, limitar o gasto público e colocar essa regra na Constituição foi uma violência, uma estratégia irracional do neoliberalismo, que posiciona a economia acima da política. E, assim, nenhum governo poderá alterar essa lógica mesmo que tenha sido eleito com projetos de aumento do gasto do Estado para a ampliação do desenvolvimento.

Para os economistas entrevistados, o caminho para sair da crise é ter uma responsabilidade fiscal sustentável, uma reforma tributária justa e que adote a progressividade – os impostos incidem proporcionalmente à renda do cidadão –, e uma reforma administrativa que reduza os gastos com o funcionalismo público, além de investimentos em educação, saúde e ciência. As urnas têm papel fundamental nisso.

Crédito da foto: A Fome Voltou. Lambe lambe em muro na Avenida Paulista, altura da rua Haddock Lobo. São Paulo, SP. 16 de abril de 2021. Foto: Roberto Parizotti/FotosPublicas. Disponível em: https://fotospublicas.com/a-fome-voltou-lambe-lambe-em-muro-na-avenida-paulista/