Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
por
Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Felipe trabalha como motorista de aplicativo e não paga INSS, mas diz que passará a contribuir no futuro
por
Mayara Pereira
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31/10/2025 - 12h

Por Mayara Pereira

 

Felipe Silva é um motorista de aplicativo há 4 anos. Ele conta que após perder o emprego de repositor em um pequeno mercado perto de onde morava, teve que buscar alternativas para sustentar ele e a família, já que é o provedor da casa. Tentou procurar emprego em outros setores, mas sem sucesso. Com suas tentativas frustradas, resolveu virar motorista de aplicativo. Quando começou não tinha um carro que era aceito para fazer as viagens, então com o dinheiro que conseguiu depois de ser demitido, deu de entrada, junto com o seu carro e comprou um melhor para conseguir rodar. Hoje a única fonte de renda de Felipe são as corridas. Ele passa cerca de 10 horas por dia trabalhando, durante 6 dias da semana e as vezes até 7. Mesmo sem os direitos trabalhistas básicos ele diz que gosta de ser “livre” e não ter patrão. Felipe não paga INSS, mas diz que passará a pagar futuramente e segundo ele, possuí uma poupança para custear gastos futuros dele e de sua família.

Os números da economia informal no Brasil são indicadores complicados no mercado de trabalho. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que no primeiro trimestre de 2025 perto de 32 milhões de brasileiros estão trabalhando informalmente. Quase um terço de trabalhadores operam sem carteira assinada, nem CNPJ, muito menos acesso a direitos básicos. No Norte e Nordeste essa taxa supera os 50%, levantando desigualdades históricas e estruturais no país. Motoristas de aplicativo e motoboys surgem como os maiores exemplos de uma informalidade, influenciada por discursos morais e “flexibilidade”, mas na prática percebemos a precarização desses trabalhadores.  

As plataformas digitais mudaram a maneira de trabalhar e gerar renda. O IBGE calculou que, em 2022, cerca de 2 milhões de brasileiros usavam apps para trabalhar e representam 77% autônomos. A maioria atua em serviços de entrega ou transporte, com jornadas extensas, muitas vezes ultrapassando 10 horas de trabalho por dia. Motoboys e entregadores, por exemplo, trabalham em média mais de 45 horas semanais, conforme o instituto, quase cinco horas a mais que trabalhadores de funções similares fora das plataformas. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que mais de 55% destes trabalhadores estão completamente na informalidade, sem nenhum tipo de contribuição para a previdência ou segurança social. 

A ausência de um vínculo formal mostra um dilema presente no mercado de trabalho atual, a autonomia e liberdade prometida se juntam com a instabilidade e falta de direitos. Muitos motoristas e entregadores, dizem gostar desse sistema, já que podem definir horários e ganhos. Apesar disso, essa independência, traz consigo muitos perigos que não são assumidos pelas empresas. Custos com gasolina, consertos do veículo, comida e equipamentos de segurança, são todos por conta do trabalhador. Caso fiquem doentes ou se acidentem, não têm direito a auxílio-doença, FGTS ou seguro-desemprego. A contribuição para o INSS, quando rola, acontece de forma voluntária e as vezes, o que dificulta o acesso a aposentadorias e benefícios. A maioria dessas pessoas simplesmente não contribuem, seja por não saber como, por ter dificuldade em pagar, ou por causa da renda irregular.  

Essa situação mostra que, por um lado, a economia informal é considerada como um motor que mantém o País indo para frente. Por exemplo, na pandemia, os entregadores e motoristas de aplicativo foram muito importantes para garantir os serviços básicos, como a entrega de comida e remédios, quando quase tudo parou, e, por outro, mesmo sendo vistos como essenciais, esses trabalhadores continuam marginalizados pelo Estado e pela sociedade. Existe uma mistura de admiração e estigma: eles são vistos como guerreiros que "não param", mas também como profissionais que fazem "bicos", sem estabilidade ou um futuro garantido. O efeito da informalidade na economia é incerto. Ela absorve milhões de pessoas que, de certa forma, estariam sem emprego, aliviando os números de desocupação e assegurando uma pequena circulação de dinheiro. 

Em áreas remotas e cidades pequenas, o trabalho sem registro é o pilar do comércio e dos serviços locais. No entanto, essa situação traz um preço elevado, diminuindo a receita fiscal e fragilizando a Previdência Social. Esses trabalhadores sofrem mais com as crises, imprevistos e enfermidades, sobrecarregando os sistemas públicos de saúde e ajudas sociais. Além disso, a produtividade é reduzida, visto que a instabilidade financeira dificulta planos. Em 2024, o IBGE apontou que mais de 25% dos trabalhadores do setor privado não possuíam carteira assinada. O Dieese revelou também que os salários de motoboys e entregadores de aplicativos são, em média, 40% abaixo dos de quem trabalha formalmente em funções parecidas. Esses números evidenciam que, mesmo com a tendência nova economia e da "liberdade de empreender", a verdade é que acontece um maior esgotamento desses trabalhadores.  

A ausência de uma regulamentação correta para os trabalhadores de aplicativo é um dos maiores problemas. Em 2024, o governo começou algumas propostas para fazer uma lei, para dar direitos mínimos, como a previdência social e seguro contra acidentes. O projeto pensava em colocar as plataformas para colaborar pagando uma parte do INSS, pelo tempo de trabalho que o sujeito presta serviços a essas empresas. Mas o projeto encontra dificuldades pois as empresas terão menos lucro e vendem a ideia da perda de liberdade. Fora a lei, alguns especialistas falam em criar políticas públicas para ajudar na previdência e dar cursos de capacitação de forma gratuita.  

Simplificar o processo de contribuição ao INSS, ajustar a renda variável e irregular dos trabalhadores autônomos, seria um passo importante para esse problema. Oferecer linhas de crédito acessíveis, juntamente com seguros específicos para motoboys e motoristas, poderia diminuir custos operacionais e reduzir o risco de dívidas. Também é importante investir em infraestrutura urbana, locais de apoio e políticas de saúde ocupacional. Tais medidas poderiam ajudar na redução de acidentes e no melhoramento das condições de trabalho, sobretudo nas grandes metrópoles. 

O entregador de aplicativo, o motorista do Uber, e o vendedor ambulante, são parte significativa da economia brasileira. Eles impulsionam e estimulam o consumo, e sustentam inúmeras famílias. Reconhecer estes profissionais significa admitir que o Brasil de verdade é construído, em grande parte, por gente que vive na informalidade. 

Dessa forma, a economia vai muito além de simples dados estatísticos, é o pilar da subsistência de milhões de brasileiros. Ela expõe as diferenças de uma país em ascensão, que não garante condições decentes para todos. Sem políticas estruturais que envolvam esses trabalhadores sobre os direitos sociais, o País continuará preso em um ciclo de desigualdade e precarização. Formalizar, é bem mais que só um contrato, é garantir que o trabalho, em qualquer área, seja sinônimo de dignidade. 

Especialistas comentam eficácia e limites da nova atualização
por
Marcelo Barbosa
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06/10/2025 - 12h

No início de outubro, o Banco Central do Brasil divulgou uma nova ferramenta para promover confiança nas transações bancárias. Chamado de “Botão de contestação”, o instrumento faz parte da série de medidas “autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED)”  e poderá ser acionado em casos de fraude, golpe e coerção.

O MED foi criado em 2021 pelo Banco Central. Ele estabelece que a vítima solicite, em até 80 dias da data em que o PIX foi realizado, a devolução do dinheiro ao Banco. Funciona assim: Após receber a reclamação, a instituição avalia o caso. Se o banco entender que o MED se aplica, o golpista pode ter a conta bloqueada. As instituições deverão analisar a denúncia em até sete dias e, se for constatada fraude, a pessoa pode receber o dinheiro de volta em até 96h, caso haja dinheiro na conta do suspeito.

Com a nova funcionalidade, quem precisar fazer o pedido de devolução do dinheiro poderá realizar o processo de forma digital e assim, agilizar o bloqueio de recursos do golpista. Antes, o procedimento era intermediado por uma pessoa que fazia o atendimento.

De acordo com Heluan Santos, especialista em tecnologia da Valios Capital e autor dos livros “Além das Criptomoedas” e “Sempre Alerta” – ambos sobre segurança com dinheiro no ambiente on-line – o botão, apesar de aumentar a segurança e trazer mais confiança, ainda pode ser usado de maneira indevida, assim como ocorre em outras inovações.

Porém, segundo Santos, a expectativa é de que, com filtros e monitoramento, o novo recurso traga muito mais benefícios do que riscos, ainda que a centralização do sistema possa desembocar em decisões unilaterais. “A maior preocupação deve estar voltada para a engenharia social, que hoje é responsável pela maioria dos golpes. Esse tipo de fraude torna o processo de validação mais difícil e continua sendo o grande desafio”, destacou.

O termo "engenharia social" refere-se a uma técnica de manipulação usada por criminosos virtuais para convencer pessoas a revelarem informações pessoais.

Reprodução: Banco Central do Brasil | Imagem oficial do PIX
reprodução: Banco Central do Brasil | Logo oficial do PIX


Renato Cunha, especialista em meios de pagamento e segurança digital e proprietário da 3RMS, empresa de tecnologia para o varejo, lembrou que, mesmo no sistema anterior em que era preciso ligar para o correntista, essas tentativas de contestação fraudulentas já eram praticadas, assim como as tentativas de cancelar compras no cartão diariamente.

Segundo ele, os bancos e operadoras conseguem identificar comportamentos suspeitos e a maior parte dessas contestações sequer chega ao cliente final, pois são barradas antes pelos sistemas antifraude, com exceção de casos em que os criminosos estão dentro dos próprios bancos. "A facilidade na aplicação de golpes [ainda] será explorada. Porém, o número de sucesso nesses golpes é extremamente baixo. Geralmente, ele passa quando tem pessoas mal intencionadas de dentro dos bancos ou operadoras fazendo parte da quadrilha”, afirma Cunha.

Importante destacar que a contestação não poderá ser feita nos casos de desacordos comerciais, erros no envio do PIX ou quando houver arrependimento na transação. De acordo com o Banco Central, o novo botão será exclusivamente para evitar fraudes.
 

Com altos e baixos há mais de um ano, pequenos estabelecimentos buscam novas estratégias de venda para se manter lucrativos
por
Eduardo Moura
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29/05/2021 - 12h

A pandemia de Covid-19 tem impacto em vários setores e trouxe mudanças para comerciantes e consumidores paulistanos. 

Segundo uma pesquisa realizada pelo SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), das empresas que permaneceram abertas no país, 41,9% realizam apenas entregas via atendimento on-line. Outros 41,2% reduziram a carga horária e outros 21,6% estão trabalhando de modo remoto. https://datasebrae.com.br/wp-content/uploads/2020/04/Impacto-do-coronav%C3%ADrus-nas-MPE-2%C2%AAedicao_geral-v4-1.pdf 

A situação financeira já não era boa antes mesmo da pandemia, segundo 73,4% das empresas. Porém um dado curioso, foi que quase metade dos comerciantes que responderam a pesquisa, (49%) disseram que a situação financeira está razoável, enquanto apenas 24,4% disseram que a situação está ruim. 

Essa razoabilidade apontada em março do ano passado pelos comerciantes é, em alguma medida, confirmada pela Pesquisa Mensal do Comércio, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo o levantamento, em março deste ano, as vendas do varejo ampliado ( que abrange todos os segmentos), tiveram alta de 10,01% sobre o mesmo mês de 2020. https://acsp.com.br/publicacao/s/temas-em-analise-307-varejo-tambem-surpreende-em-marco-apesar-do-recrudescimento-da-pandemia 

Esse aumento é consequência da mudança de hábitos dos consumidores, que, durante a pandemia, estão dando preferência para comércios de bairros. O principal motivo é a segurança, pois os estabelecimentos são menores e têm uma rotatividade menor. Segundo o instituto Kantar, 75% dos brasileiros têm comprado em comércios perto de casa a fim de evitar aglomerações. 

Entre os aspectos mais relevantes que atraem os consumidores aos negócios de bairro estão o fato de ter poucas pessoas no local (60,2%), a proximidade de casa (59,6%), preços acessíveis (53,3%), cumprimento das medidas sanitárias (47,8%) e ausência de filas para entrar (44,9%). https://www.kantaribopemedia.com/mesmo-com-o-fim-da-quarentena-consumidores-afirmam-que-devem-manter-habitos/ 

A  Agemt conversou com dois pequenos comerciantes do bairro da Mooca em São Paulo  – Patrícia, dona de uma loja de grãos, e Paulo, gerente de um pet shop – para saber como tem sido a experiência deles durante a pandemia. Os dois têm seus estabelecimentos na mesma rua.  

Houve uma queda de movimento no seu comércio? 

Patrícia: No início da pandemia sim, porém a partir do segundo semestre do ano passado voltou à normalidade e agora, por incrível que pareça, as vendas estão aumentando. 

Paulo: Não sentimos nenhuma diferença nas vendas em nenhum momento. Não fechamos nenhum dia sequer. 

Vocês fizeram alguma adaptação no comércio de vocês para que as vendas não fossem tão prejudicadas? 

Patrícia: A única mudança foi o delivery, que já era um projeto nosso mesmo antes da pandemia e que teve que ser antecipado. Isso ajudou bastante. 

Paulo:  A única adaptação foi adotar com rigor os métodos de prevenção contra o vírus. Como estamos localizados em um bairro de uma faixa etária mais alta, já estamos acostumados a fazer entregas e retiradas de animais para banho e tosa na residência dos clientes. Claro que houve um aumento desse serviço com a chegada da pandemia. 

Como tem sido trabalhar com atendimento ao público no meio de uma pandemia? Vocês sentem medo de ser infectados? 

Patrícia: Sentia mais medo no início. Agora, com as pessoas começando a se vacinar e mais adaptadas aos métodos de prevenção, me sinto um pouco mais segura. 

Paulo: Eu peguei Covid-19 logo no início da pandemia, mas tive apenas sintomas leves. Sei que ainda corro o risco de pegar mas também é fato que o risco de infecção é menor para quem já pegou. Por isso hoje estou mais tranquilo para atender o público. 

Como você vê a atuação do estado no apoio ao comerciante? 

Patrícia: Qual apoio (risos)? Não foi feito nada que viesse para ajudar os pequenos comerciantes, foi cada um por si. Temos sorte de não termos fechado nosso negócio. Um governo que quer o comércio aberto mas sem imunizar a população não pode ser levado a sério, temos que nos virar. 

Paulo: Não teve apoio. Vemos a todo momento o governador e o prefeito falando que estão tomando medidas para ajudar os pequenos empresários, mas essas medidas não chegam nunca. Enquanto o povo não estiver vacinado não estaremos totalmente seguros financeiramente. 

 

 

 

 

 

 

 

Estatísticas indicam inversão das curvas de natalidade e mortalidade com avanço da pandemia; fenômeno é visto como pontual
por
Gabriel Janeiro
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28/05/2021 - 12h

Do dia 1º a 8 de abril, pela primeira vez na história, o número de mortes foi maior do que o número de nascimentos na região sudeste do Brasil, de acordo com dados preliminares do Portal da Transparência do Registro Civil. O fenômeno deu-se pela associação entre a redução da natalidade e a explosão da taxa de óbitos no auge da pandemia no país.

O portal de Transparência do Registro Civil é o canal oficial da Arpen Brasil (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais), e reúne informações e dados estatísticos com live acesso. Os dados são preliminares, uma vez que os cartórios do país têm o prazo de 10 dias para registrar nascimentos e óbitos, mas desde o ano passado a tendência é de alta de mortes em relação aos nascimentos.

Os números apontam para 13.998 registros de nascimentos contra 15.967 registros de óbitos na primeira semana do mês, totalizando 4.818 mortes a mais do que nascimentos. No mesmo período do ano passado, pouco depois de o vírus instaurar-se em território nacional, foram registrados 37.075 nascimentos a mais do que mortes.

Desde o início da série histórica, este fenômeno nunca havia sido constatado. Nos últimos 120 anos, a população do Brasil só cresceu.

Na virada para o século 20, eram menos de 20 milhões de brasileiros. Nessa época, as políticas populacionais na América Latina eram explícitas ou implicitamente expansionistas e pró-natalistas, ou seja, incentivavam o crescimento demográfico através de um grande número de filhos por casal.  Atualmente, são 212.9 milhões de brasileiros, de acordo com uma projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mesmo com a redução do número de integrantes por família nas últimas décadas, o país continuou crescendo. Pode-se observar que a taxa de nascimentos começou a cair de forma gradual, ou seja, a diferença entre nascimentos e óbitos passou a ficar cada vez menor.

Isso porque, em 1974, vários países da América Latina se uniram através da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento de Bucareste, criando organismos ocupados com assuntos de população e desenvolvimento.  No final da década de 1970, a nova realidade demográfica da América Latina se traduzia em políticas para redução do alto crescimento populacional ou em políticas de planejamento familiar para atender à demanda de regulação da fecundidade.

Ainda assim, com o número de nascimentos se aproximando cada vez mais do número de óbitos, a previsão do IBGE era que as curvas de mortalidade e natalidade só se encontrassem em 2047, para que então o país entrasse em um quadro de decrescimento populacional. Com a chegada da pandemia, entretanto, a previsão pode ser adiantada em várias décadas. Isso porque, segundo pesquisadores, o encontro das curvas deve extrapolar os limites territoriais do Sudeste, atingindo o país todo ainda neste mês.

De acordo com o doutor em demografia José Eustáquio Diniz Alves, os impactos da pandemia agiram duplamente no aumento de óbitos e na redução da taxa de natalidade no país, com ênfase na região Sudeste. Isso porque, de acordo com o demógrafo, a situação de descontrole do sistema de saúde e da economia provocou um adiamento dos planos de aumentar a família.

"Primeira coisa a se considerar sobre a pandemia é que ela fez crescer violentamente o número de óbitos no Brasil.  Houve uma consideração sobre um suposto baby boom por causa do confinamento, mas isso se provou falso. Pelo contrário, temos um baby bust, ou seja, uma redução da natalidade do Brasil. Isso porque o sistema hospitalar está um colapso e o desemprego cresceu, de modo que está havendo um adiamento das previsões de ter filho.”

Em entrevista realizada com a geógrafa e mestre em Geografia Humana pela USP, Alice de Oliveira, ela afirma que a inversão permanente das taxas de mortalidade e natalidade deve acontecer antes do esperado, apesar de a evolução da pandemia ser imprevisível. Alice ainda disse que as previsões das dinâmicas populacionais ficam comprometidas no Brasil e no mundo.

José Eustáquio, por sua vez, apresenta uma perspectiva mais otimista. De acordo com ele, trata-se de um caso excepcional. “Eu acredito que, se a gente conseguir controlar a pandemia, diminuir o número de mortos, promover uma vacinação em massa, teremos uma recuperação do número de natalidade para o padrão de nossa geração. Entretanto, a partir de 2047, com a segunda metade do século 21, a tendência é as curvas se inverterem e a população brasileira começar a diminuir. Sobre isso, há muito debate na busca por incentivar ou evitar esse fenômeno, mas fato é que a população se comporta de acordo com suas próprias vontades."

Em sua fala, o especialista refere-se ao debate entre natalistas e controlistas. Os primeiros, que sempre predominaram na história brasileira, consideram que a população deve continuar crescendo e que, ao invés de limitá-la, precisamos acelerar o desenvolvimento. Já os controlistas e neomalthusianos consideram que o alto crescimento populacional prejudica o desenvolvimento econômico, dificulta o combate à pobreza e pode provocar impactos nocivos ao meio ambiente. 

Fato é que o nivelamento ou a inversão das curvas marcaria o fim da transição demográfica no Brasil, e, consequentemente, do bônus demográfico.

O bônus demográfico é um momento em que a demografia facilita o crescimento da economia, e ocorre dentro do processo transição demográfica. A transição demográfica é um conceito que descreve a dinâmica do crescimento populacional, decorrente dos avanços da medicina, urbanização, desenvolvimento de novas tecnologias, entre outros fatores.

Seu criador, o demógrafo estadunidense Warren Thompson (1887-1973), observou as mudanças nas taxas de natalidade e de mortalidade experimentadas pelas sociedades industrializadas de seu tempo nos últimos duzentos anos, e as dividiu em quatro fases:

Créditos: Ourworldindata.org Licenciado sob CC-BY-SA por Max Roser
Créditos: Ourworldindata.org. Licenciado sob CC-BY-SA por Max Roser

Fase 1

Fase com elevadas taxas de natalidade compensadas por altas taxas de mortalidade, com baixa expectativa de vida em contraste com um grande número de filhos por casal. Assim, o crescimento vegetativo é equilibrado. Nesta fase, muitas crianças morrem antes de atingir a idade adulta, principalmente por causa de doenças, fome e da falta de saneamento básico. Esta etapa ocorre antes do processo de industrialização/urbanização.

Fase 2

Queda dos índices de mortalidade motivada pela melhoria nas condições sanitárias, a evolução da medicina e a urbanização, aumentando a expectativa de vida. Em contrapartida, inicia-se um processo de explosão demográfica, superpopulação e aumento do desemprego. Hoje em dia, muitos países subdesenvolvidos vivem essa fase.

Fase 3

Ocorre um declínio na taxa de natalidade devido ao acesso aos métodos anticoncepcionais, ao elevado custo de vida nas cidades, e à difusão da ideia de planejamento familiar. O resultado é um crescimento vegetativo reduzido em relação à segunda fase.

Fase 4

As taxas de natalidade e mortalidade se encontram muito baixas. É criada uma estabilização no crescimento vegetativo, tendo por consequência uma taxa de crescimento natural nula ou negativa.

Para uma fase 5?

Enquanto o modelo original de transição demográfica descrito por Warren Thompson apresenta só quatro fases, atualmente se aceita uma quinta fase, onde a mortalidade superará a natalidade, devido ao alto custo de se criar filhos. Assim, famílias optam por ter um número muito reduzido (entre 1 e nenhum) de filhos para manter o padrão de vida.

Esse efeito é muito temido por analistas, e já está acontecendo em países como a Alemanha, Japão e Itália. Com o decréscimo populacional, o número de idosos tende a superar o de jovens, o que pode acarretar problemas econômicos em relação à falta de uma população economicamente ativa sustentando a atividade produtiva e custeando a previdência social.

A pirâmide etária passa por enorme transformação no Brasil. Na maior parte do século passado, ela tinha uma base larga e um topo muito estreito, mas na virada para o século 21 a base se estreitou e houve um alargamento do meio da pirâmide.

Estes dados indicam que o Brasil vive um período de bônus demográfico, com a redução da taxa de fecundidade ocorrendo simultaneamente à diminuição da mortalidade da população. Isso aumenta a proporção de pessoas em idade ativa em relação à população dependente, elevando a arrecadação de recursos pelo Estado e favorecendo o crescimento da economia.

O encorpamento do topo da pirâmide e o fim definitivo do bônus demográfico estavam previstos para ocorrer, principalmente, na segunda metade do atual século. Com o advento da pandemia, entretanto, uma grande incerteza permeia a questão.

Em meio a esse panorama, José Eustáquio Diniz Alves atenta para o desperdício do bônus brasileiro: “A China já tinha mais de um bilhão de habitantes em 1980, em uma situação de pobreza muito maior do que a do Brasil. Na década de 70, existe a busca por acelerar um processo de decaimento da natalidade, que já se observava, pra fazer a economia crescer e gerar empregos para todos, e foi isso que eles fizeram. O resultado foi sensacional, acabou-se com a pobreza absoluta na China e a renda per capta do país já é bem maior que a do Brasil. Avançaram a educação, avançaram a tecnologia, etc. Isso tudo foi aproveitando o bônus demográfico.”

Segundo o demógrafo, todos os países que aproveitaram esse bônus deram um salto. O ponto central, entretanto, é que seu aproveitamento depende de políticas públicas de pleno emprego, de saúde, de educação, entre outras.

“O Brasil está desperdiçando grande parte do bônus. Um país só pode enriquecer e ter alto índice de desenvolvimento humano antes de a população envelhecer. O desenvolvimento tem que dar um salto nesses 50/60 anos de crescimento demográfico.”

Dependendo do tratamento da pandemia, essas cinco ou seis podem se tornar alguns anos. De acordo com a professora de demografia e membro do Centro de Estudos para População e Desenvolvimento de Harvard, Márcia Castro, em entrevista concedida ao site G1, “o impacto do excesso de mortes é nítido, preocupante, e um reflexo da falta coordenada de controle, o que gera uma condição totalmente inédita. Espera-se que seja temporária, mas depende do que será feito para conter essa alta mortalidade sendo observada”.

Para o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, também em entrevista ao G1, as medidas para conter o elevado número de óbitos no país devem passar por uma mudança de comportamento social e de medidas mais rígidas de isolamento, para que o cenário não seja irreversível.

“Por isso que eu e mais boa parte da comunidade cientifica brasileira temos pedido medidas rígidas, lockdown nacional, bloqueio do fluxo de pessoas, vacinação aumentada e uma coordenação nacional da pandemia. Para que a gente evite esses efeitos estruturais que levam o país para uma situação de não retorno. Essa é uma demonstração cabal sobre os efeitos atuais e futuros da pandemia na vida do Brasil”, disse Nicolelis.

Foto de capa: Xavier Donat
Direitos autorais: Copyright (c) 2009 Xavier Donat

IBGE pede R$ 250 milhões para a realização de atividades necessárias à pesquisa, como renovação de contratos
por
Leonardo Suzuki
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28/05/2021 - 12h

Após o governo federal informar que o orçamento de 2021 não reservava recursos para o Censo, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a pesquisa deverá ocorrer no ano que vem. Apesar de a votação representar uma vitória em relação ao atraso do recenseamento, os recursos para a sua realização ainda levantam dúvidas e acendem alertas para diretores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo o instituto, a proposta original encaminhada no ano passado ao Congresso Nacional previa uma verba de R$ 2 bilhões para a realização do Censo em 2021. Na tramitação do orçamento, os parlamentares já haviam cortado esses valores para R$ 71 milhões. A readequação dessa verba é a principal preocupação do IBGE, que teme pela impossibilidade de realizar todas as atividades necessárias e garantir a segurança dos recenseadores, se os recursos não forem complementados. 

Em nota, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE comemorou a decisão plenária do STF que obrigou o governo a realizar o Censo em 2022, classificando-a como “uma luz no fim do túnel do apagão estatístico que o país vive”. Apesar disso, exigiu um montante de R$ 250 milhões para a pesquisa, para que o cumprimento do cronograma seja feito de maneira plena. Esses recursos deveriam ser disponibilizados ainda neste ano, para a realização de atividades preparatórias.

“A pesquisa censitária não comporta imprevistos e experiências compartilhadas de outros órgãos da América Latina prenunciam os problemas que podem decorrer da não realização adequada da pesquisa”, disse a nota do Sindicato, que defendeu também a realização presencial do Censo no próximo ano. 

A influência da Covid-19 no recenseamento

O adiamento do Censo em 2020 ocorreu justamente devido à pandemia, para que os recursos fossem realocados para o combate ao coronavírus. Apesar disso, especialistas defendem que o momento vivido pelo país atualmente reforça ainda mais a necessidade da pesquisa, visto que os dados levantados pelo recenseamento influenciam diretamente na distribuição de recursos para os estados e municípios, especialmente na área da saúde e de políticas públicas.

Luanda Botelho, diretora de pesquisas do IBGE, destacou que “as próprias campanhas de vacinação ficam com planejamento prejudicado”, sem a realização do Censo. “Os grupos em maior desvantagem na sociedade acabam sendo os mais prejudicados”,  completou.

Por outro lado, alguns defendem que um país em meio à pandemia não é um retrato fiel para ser usado como base para o planejamento de uma década. “A pandemia criou mudanças: desemprego, pessoas empregadas em casa, pessoas que mudaram de endereço para se protegerem, e outras questões que não sabemos. Por isso seria razoável adiar”, disse Roberto Olinto Ramos, presidente do IBGE entre 2017 e 2019, em entrevista à emissora alemã DW.

Segundo o especialista em estatística, realizar o Censo em um ano com maior estabilidade na população seria o mais adequado.

Recenseadora em campo durante a coleta do Censo 2010. Foto: Licia Rubinstein/Agência IBGE Notícias
Recenseadora em campo durante a coleta do Censo 2010. Foto: Licia Rubinstein/Agência IBGE Notícias

Os possíveis efeitos de um recenseamento com poucos recursos

Caso os R$ 250 milhões requisitados pelo IBGE para realizar atividades prévias ao Censo não sejam liberados, o planejamento da década de estados e municípios pode ser comprometido. “A contagem da população não é realizada desde 2010 e é crucial para a correta distribuição de recursos. Municípios menores, sem a atualização dessa contagem, podem estar recebendo menos recursos do que o que seria devido”, explica Luanda Botelho.         

O Censo não apenas conta a população, como também identifica a distribuição dela por sexo, idade, cor ou raça, deficiência e outras características. Reduzir o orçamento da pesquisa prejudica também as políticas públicas que dependem dessa distribuição, afetando ainda mais as minorias da população.

As condições dos domicílios, acesso à educação, mercado de trabalho e muitos outros temas também são investigados pelo recenseamento. Até mesmo as próprias pesquisas amostrais do IBGE dependem desse trabalho para terem suas amostras definidas.

Por isso os R$ 250 milhões são tão pedidos pelo IBGE, para “ter condições de renovar contratos de funcionários e dar sequência às licitações necessárias para a consecução das atividades prévias à realização do Censo”, como explica Luanda Botelho. A diretora de pesquisa do instituto ainda completa: “Se abandonarmos esse debate agora e só retomarmos em 2022, chegaremos no ano que vem sem condições de fazer o Censo com qualidade”.

Foto da capa: Simone Mello/Agência IBGE

 

Só na cidade de São Paulo, 12 mil estabelecimentos fecharam; delivery tem sido a salvação para comerciantes
por
Rafael Oliva
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28/05/2021 - 12h

Desde o começo da crise da Covid-19em março de 2020, 12 mil bares e restaurantes fecharam só na cidade de São Paulo, de acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-SP). Segundo a entidade, a principal causa dos fechamentos foram as restrições impostas pela pandemia.

A Abrasel indica uma perda de R$ 20 bilhões no faturamento de bares e restaurantes para este ano no país, passando de R$ 235 bilhões para R$ 215 bilhões. A instituição também destaca que o número de empregos formais, durante a pandemia, caiu de 3 milhões para 1 milhão.

Ao todo, 2,5 milhões de trabalhadores do setor perderam o emprego. Ainda segundo a entidade, 50 mil estabelecimentos fecharam as portas no estado de São Paulo e 300 mil no Brasil.

A associação aponta que 85% dos estabelecimentos da capital paulista correm risco de fechar caso não haja um auxílio financeiro. Além disso, 20% do comércio não deve retomar as atividades presenciais, já que os custos não compensam, pois o faturamento de bares e restaurantes não deve atingir 25% do que era antes da pandemia.

A saída para os comerciantes tem sido o sistema de delivery, segmento que cresceu muito em São Paulo. De março a dezembro do ano passado, o número de novos bares e restaurantes cadastrados no Ifood cresceu 78%, por exemplo.

Na contramão da crise, empreendedores tentam abrir novos estabelecimentos na capital. Julio Sant’Anna, de 33 anos, trabalhava como barman e garçom e sonhava em ter o seu próprio comércio. Mesmo em meio à pandemia, Julio abriu o Tocandira Lab, bar localizado na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo.

“Estou na área de bares e restaurantes há dez anos. Cheguei a receber uma proposta boa de emprego antes da pandemia, mas neguei e resolvi que não iria trabalhar para mais ninguém. Eu sei fazer bem uma coisa: deixar as pessoas felizes e bêbadas, então resolvi abrir o bar, mesmo no meio da pandemia”, conta o barman

A ideia inicial de Julio era abrir o bar com uma loja de roupas e uma tabacaria, mas a pandemia dificultou os planos de prestar os serviços de forma presencial. Segundo o empreendedor, não é o momento ideal de abrir o comércio e promover aglomerações, então ele foi mais um a investir no delivery, por enquanto centrado em cervejas artesanais. O barman também está reformando o espaço físico e a cozinha para incluir hambúrgueres entre as opções de entrega.

“Não posso atender as pessoas (presencialmente), então estou buscando alternativas até que eu possa abrir o bar.”

Foto: Reprodução (Igor Starkov/Pexels)
Foto: Reprodução (Igor Starkov / Pexels)

Outro novo empreendedor do setor de bares e restaurantes é Pedro Henrique Reis, de 22 anos. Ele é estudante de jornalismo e viu uma nova oportunidade de começar um negócio em agosto de 2020. Em meio à pandemia, o estudante, juntamente com seu irmão, comprou dois bares na região de Diadema, local onde mora, por um valor abaixo do comum devido à crise. Os estabelecimentos ficam no mesmo local e foram batizados de Sra. Espelunca e Boteco do Henrique. “Vimos a oportunidade boa de crescer aproveitando uma ótima proposta. Um lugar que valia meio milhão estava valendo 200 (mil). Tinha que aproveitar a oportunidade”, conta o estudante.

No momento em que Pedro comprou os imóveis, o estado de São Paulo flexibilizava as medidas de isolamento e caminhava para a reabertura de bares e restaurantes com capacidade reduzida. Neste período, os bares do estudante contavam com um bom fluxo de pessoas, então foi possível lucrar com o comércio.

Porém, em março deste ano, devido ao agravamento da pandemia, o estado entrou na Fase Emergencial do Plano São Paulo e estabelecimentos comerciais foram obrigados a fechar, mas Pedro conseguiu manter os bares através de economias e com a venda de bebidas alcoólicas.

“Como todo comércio, você precisa ter um fluxo de caixa. Um dinheiro guardado. Economizamos luz, água, desligamos tudo e vendemos as mercadorias que tínhamos através dos contatos que eu já tinha. Com isso, deu pra segurar as contas até que as coisas voltem a abrir.”

Entretanto, o estudante não conseguiu pagar os salários como antes aos três funcionários dos bares devido à falta de lucro. Porém, com o dinheiro guardado, foi possível não deixá-los desamparados. Pedro não deixou de fornecer uma ajuda de custo e eles seguirão trabalhando nos bares.

Tanto Julio como Pedro têm planos para abrir seus negócios ao público assim que possível, mas, até lá, são obrigados a se reinventar para se manter na ativa. Atualmente, bares e restaurantes do estado de São Paulo estão autorizados a funcionar das 6h às 21h, com somente 30% da capacidade.

Nova rotina, em meio às dúvidas e temores do momento, aumenta problemas como ansiedade e depressão
por
João Henrique Maia
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28/05/2021 - 12h

 A pandemia teve início em dezembro de 2019 e, desde então, vem trazendo muitos problemas ao mundo do trabalho. A saúde mental é um deles. Pesquisa de 2020 realizada pela Workana, plataforma voltada para o trabalho remoto, mostrou que 43,7% dos trabalhadores distribuídos entre Europa e América já sofreram sintomas relacionados a problemas de saúde mental durante a pandemia.

Desse total, 24% tiveram dificuldades de concentração, 13,2% sofreram com ansiedade, 5,2% sentiram solidão e 0,8% tiveram que lidar com depressão e claustrofobia.

Os principais motivos que contribuem para essa situação são o home office, a impossibilidade de manter hábitos antigos, a adaptação às novas ferramentas de trabalho e a preocupação com os danos que o vírus pode causar em pessoas próximas.

As pessoas estão tendo que conciliar a vida particular com o trabalho, e isso, se não for bem controlado, pode ser muito prejudicial. O home office trouxe o ambiente da empresa para dentro de casa, fazendo com que as demandas pareçam não ter fim.

Gilberto Pamplona da Costa, professor de Geografia há mais de 30 anos, viu sua rotina mudar no último ano. “Comecei no home office em março de 2020, logo que a pandemia começou. Por mais que tenha a facilidade de não ter que me deslocar pela cidade, tive que lidar com novas rotinas, novos horários, além do cansaço das telas, que foi uma novidade para mim.”

Segundo Helena Rinaldi Rosa, professora de psicologia da USP, quando se pensa em pandemia relacionada ao trabalho, o principal fator a ser observado é a insegurança. Esta, de acordo com a professora, é provocada pela preocupação com o rendimento nas atividades, com o futuro e principalmente com o medo de pegar Covid e contaminar os familiares. De uma forma geral, o equilíbrio das pessoas foi perdido e tratar da saúde mental pode ajudá-las a resgatá-lo, conclui ela.

A psicóloga acha que o home office veio para ficar. Além de ser uma tendência, muitas pessoas acham o sistema cômodo e prático. O grande problema foi o momento em que este modelo foi inserido, em meio à pandemia. Rosa entende que aos poucos os trabalhadores vão se acostumando com esse modo de trabalho, pois ele irá se tornando comum.

Principais doenças e o prejuízo à economia global

Depressão e ansiedade aparecem como as principais doenças que afetam trabalhadores na pandemia. Foi o que apontou pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade de Valência (Espanha), o hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Segundo a pesquisa, realizada entre abril e maio de 2020, 47,3% dos trabalhadores de serviços essenciais do Brasil e da Espanha apresentam sintomas das duas doenças. Desse total, 27,4% sofrem simultaneamente de ansiedade e depressão.

Neste cenário, as mulheres são as que mais sofrem com problemas emocionais, segundo estudo conduzido pela equipe do neuropsicólogo Antônio de Pádua Serafim, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP entre maio e junho do último ano. Elas são responsáveis por 40,5% dos sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse.

O estudo, que contou com 3 mil voluntários de diferentes regiões do Brasil, não mostrou um motivo específico para as mulheres serem as mais afetadas, mas acredita-se que as tarefas domésticas e a atenção dada aos filhos, associadas ao trabalho, são fatores fundamentais. Por outro lado, mulheres que moravam sozinhas e que não tinham filhos também foram afetadas.

O reflexo desse momento conturbado acaba gerando muitos danos à economia. Só em 2020 foram registrados no Brasil 576 mil pedidos de afastamento do trabalho por conta de transtornos mentais, 26% a mais do que em 2019. Os dados são da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

Em nível global, o impacto é ainda mais chocante:  US$: 1 trilhão por ano é o valor estimado para o custo das principais doenças mentais à economia global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Como isso vem sendo tratado?

A saúde mental também pode ser evidenciada ao observar uma maior atenção por parte dos empresários em relação ao tema.  Entre as dez maiores tendências da área da psicologia para 2021, aparece a movimentação de empresas em busca de ofertar recursos destinados à saúde mental dos trabalhadores, conforme apontou a pesquisa realizada anualmente pela American Psychological Association (APA).

No Brasil, algumas empresas perceberam que cuidar dos seus funcionários seria um fator essencial para unir a equipe e evitar que a produção despencasse. Uma das que se movimentaram nesse sentido foi a Atrial Saúde, distribuidora de insumos médico-hospitalares. No ano passado, os colaboradores participaram de reuniões online com duração de 30 minutos para discutirem assuntos relacionados ao bem-estar e à qualidade de vida. As reuniões aconteciam semanalmente e trouxeram muitos temas importantes.

A Vittude, plataforma digital que oferece serviços de psicologia online, vem percebendo muito bem essa postura das empresas frente ao tema. Só em 2020 a receita da plataforma cresceu 540%.

Todas essas informações mostram muito bem o quanto a situação é delicada, e que o vírus é apenas um dos problemas dessa fase. Para que todos passem por isso tranquilos, é melhor procurar maneiras de manter a mente saudável.

Foto da capa: José Luis Navarro