Após uma forte recessão em 2020, as perspectivas para a economia mundial são mais otimistas neste ano. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta alta de 6% para o Produto Interno Bruto (PIB) do planeta. No ano passado, o indicador caiu 3,3%. Entre as razões para a melhoria está o avanço da vacinação contra a Covid-19, embora desigual entre os países.
Para 2022, o FMI prevê uma evolução de 4,4%. Com a recuperação, o comércio de bens e serviços no mundo vai se expandir em 8,4% em 2021 e 6,5% no próximo ano. Entre os países que cresceram em 2020, a China terá um PIB 8,4% maior em 2021.
Em relação à zona do euro, onde a campanha de vacinação está atrasada, o órgão calcula que o crescimento será de 4,4% neste ano e avalia que a retomada foi prejudicada pela necessidade de adoção de medidas restritivas em diversos locais para frear a disseminação do coronavírus. Para o Japão, o fundo estima uma elevação de 3,3% em 2021.
Brasil
O FMI prevê um crescimento de 3,7% para o Brasil, mas destaca que as projeções dependem da evolução da crise de saúde. Analistas financeiros consultados pelo Banco Central acreditam que o PIB brasileiro aumente em 3,4%. A projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) sobre a inflação em 2021 é de 3,32%, abaixo da meta prevista, que é que é de 3,50%.
Ano passado, a economia brasileira sofreu uma contração de 4,1%, uma queda expressiva porém menos intensa que a esperada no início da pandemia. De acordo com o FMI, no segundo semestre de 2020, o Brasil foi beneficiado pela recuperação do setor manufatureiro.
O auxílio emergencial fornecido pelo governo ajudou a manter a atividade econômica até certo ponto, mas, quando o pagamento da assistência foi suspenso, houve um impacto na produção e no consumo.
O alto índice de desemprego e falências de empresas durante a pandemia, as demissões de ministros da Saúde, os problemas logísticos que impedem um maior avanço no programa de vacinação da população, resultaram em mais de 450 mil vidas perdidas no Brasil, aumento da instabilidade política e desgaste da imagem do presidente Jair Bolsonaro, além de diminuir os investimentos externos no país. Todas essas questões agravam o cenário de crise econômica, sanitária e política atravessado nacionalmente.
Para a economista e colunista da Uol, Yolanda Fordelone, a combinação de diversos fatores dita o ritmo de recuperação de cada lugar. “O primeiro ponto é por quanto tempo o país terá de conviver com a contenção da Covid-19. Países que estão em patamares mais avançados de vacinação e que respeitaram o isolamento social tendem a encurtar o tempo de convívio com a doença em seu estágio mais grave. Além disso, o tamanho de apoio público no combate à crise também é relevante. O auxílio foi diferente em cada território e, assim, veremos retomadas em ritmos distintos. Por fim, a recuperação é influenciada pela capacidade de gestão pública de problemas sociais que surgiram, como a fome e o desemprego. Do ponto de vista político, nós brasileiros vivemos um período conturbado e com gestores despreparados para lidar com todas as questões”, argumenta.
Na visão de Yolanda, a economia brasileira está estagnada e, como se não bastasse, ameaçada pela inflação. “No Brasil, já temos visto um aumento da taxa de juros para tentar conter a inflação. O cenário é de mais altas da taxa básica (Selic) e uma aceleração da alta dos preços, muito por conta de itens básicos como alimentos. A pressão de baixa oferta de produtos devido às paradas da economia em conjunto com o aumento de demanda após a reabertura de alguns países tem influenciado esta alta. Caminhamos para uma situação de estagflação: crescimento estagnado acompanhado de inflação”, explica.
A especialista prevê um processo lento de recuperação. “ Acredito que a crise terá um impacto na economia por alguns anos. Não é possível dizer que teremos uma volta à normalidade, pois muitos hábitos irão se alterar, como ambientes de trabalho, presença mais forte do e-commerce, aceleração de uso de tecnologias de ensino à distância e deslocamentos populacionais para fora das grandes cidades. Tudo isso impacta no nosso dia a dia e, portanto, na economia”, destaca.
A recuperação será desigual ao redor do mundo
Segundo o professor de relações internacionais da PUC-SP Bruno Huberman, “o desempenho das economias industrializadas e desenvolvidas, que têm capacidade tecnológica para produzir seus próprios imunizantes e equipamentos de proteção individual, e instituem políticas eficientes de combate à Covid-19, como China, outras economias da região asiática, além da Austrália e Nova Zelândia, será melhor e essas nações têm mais condições de sair de maneira mais rápida da crise”.
O professor afirma que países desenvolvidos, como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e França, apesar de terem sido bastante impactados pelo vírus, fazem altos investimentos no combate à pandemia e podem se restabelecer em menor tempo”.
Para Huberman, se recuperarão mais facilmente e obterão um crescimento acelerado em 2021 “as nações que conseguem combater de formas mais eficientes o vírus e têm uma capacidade industrial produtiva voltada para o investimento em tecnologias para essa luta e para manter a roda a partir do próprio desenvolvimento nacional”. De acordo com Bruno, isso ocorre em um contexto de crise do mercado internacional, no qual há uma escassez de vários produtos devido à interrupção que o comércio tem sofrido pelo impedimento de tráfegos entre os países. Ele diz que as perspectivas positivas não valem para o Brasil, pois “não há uma capacidade produtiva instalada e nem combate ao vírus”.
“A pandemia revelou que as políticas de austeridade fiscal e desajuste do investimento do Estado em bem-estar social, como educação, saúde, industrialização, tecnologia, ciência, são altamente maléficas para a população. Países com maior intervenção do Estado na sociedade conseguiram um melhor enfrentamento do vírus e uma recuperação mais rápida. Um exemplo são os Estados Unidos, com o modelo de retomada econômica do presidente Joe Biden, com o anúncio de diversas obras de infraestrutura para absorver o capital e a mão de obra excedentes, gerando empregos”, reflete Huberman.
A previsão do FMI para a economia americana neste segundo ano de pandemia é de alta de 6,4%. A agilidade da vacinação e o pacote fiscal implementados pelo governo Biden promovem uma aceleração da retomada no país.
Segundo Huberman, é possível observar uma transformação no modelo de desenvolvimento econômico dominante no mundo. “Nas últimas décadas a gente viu a recuperação de um neoliberalismo ortodoxo fundado na política de austeridade fiscal e no ajuste fiscal, no enxugamento das atuações sociais do Estado, com o fortalecimento das atuações securitárias como a consolidação de forças militares. A principal consequência da crise atual para várias nações será a maior valorização do bem-estar social pelo controle do Estado nesse sentido, para garantir a sobrevivência da população, porque se todos morrem não há economia.”
“Muitos têm discutido o fim do neoliberalismo mas vejo mais uma transformação dessa vertente, com maior intervenção estatal. A lógica de austeridade fiscal máxima para o mercado ser o protagonista do desenvolvimento nacional vai perder a relevância. A elaboração da vacina da AstraZeneca, por exemplo, ocorreu com a maior parte de investimentos feitos com capital do governo britânico, não privado. O neoliberalismo radical, que é aprofundado no Brasil por Bolsonaro, está chegando ao fim, e o modelo passará a ser mais heterodoxo, daqui por diante, com as pessoas valorizando mais o bem-estar social e obrigando os governantes a valorizarem isso também”, avalia.
América Latina
Quanto à América Latina, de acordo com o relatório “Perspectivas da Economia Mundial”, o FMI espera um crescimento de 4,6% em 2021, o que equivale a menos que a média global, que é de 6%.
O FMI aguarda um crescimento de 5% para o México em 2021 e de 3% em 2022, e o Chile, Argentina, Peru e Colômbia devem ter uma expansão de 6,2%, 5,8%, 8,5% e 5,1%, respectivamente, neste ano.
A organização destaca que as nações que não garantiram vacinas suficientes para suas populações sofreram com mais prejuízos econômicos e os países que dependem do turismo terão uma redução de 1,5 ponto percentual no crescimento, que será de aproximadamente 2,4% em 2021.
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Após um atraso de 110 dias e impasses com o Congresso, o Orçamento Federal de 2021 foi sancionado no limite do prazo pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com vetos e contingenciamentos nas pastas da Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia – centrais para o combate à pandemia da Covid-19 no Brasil.
Para contornar o chamado “Orçamento inexequível” aprovado pela Câmara dos Deputados e o Senado Federal no fim de março, o presidente vetou R$ 10,5 bilhões nas emendas do relator, R$ 1,4 bilhão em emendas de comissão do Poder Legislativo e outros R$ 7,9 bilhões em gastos discricionários do Poder Executivo, além de bloquear R$ 9 bilhões em despesas previstas para este ano em vários órgãos federais. Com estes cortes, o governo abriu um espaço de R$ 28,8 bilhões no Orçamento.
De acordo com professora de economia da PUC-SP e especialista no setor de saúde Maria Cristina Sanches Amorim, os cortes se devem a dois grandes motivos. O primeiro deles é Lei do Teto de Gastos, aprovada em 2014 a partir da Emenda Constitucional 95 e conhecida pela oposição como "PEC da Morte". A proposição estabelece limites para os gastos governamentais por 20 anos, independentemente das necessidades da população. “Se rompido o teto, o Executivo estará mais vulnerável ao poder do Legislativo; se obedece à Lei, não consegue recurso para suas medidas, descontentando eleitores.”
O outro motivo é a composição política do Legislativo. “Expressando o poder de determinadas facções sociais, (o Legislativo) privilegia a redução de gastos, um suposto equilíbrio fiscal, em detrimento do bem-estar social”, aponta.
O texto original aprovado pelo Congresso subestimava os chamados gastos obrigatórios, como previdência e aposentadoria, mas ampliava o montante para as emendas, verbas para obras e programas escolhidos pelos parlamentares. Apesar dos vetos do presidente, parte da emenda foi mantida para agradar a base aliada.
Em meio à segunda onda da Covid-19 no país e alertas de uma terceira onda, a verba destinada à pasta da Saúde sofreu um corte de R$ 2,2 bilhões em relação ao Orçamento de 2020, primeiro ano da crise sanitária, totalizando o montante de R$ 125,7 bilhões. Na Fiocruz, empresa que produz a vacina Oxford/AstraZeneca no Brasil, três programas de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação sofreram redução de 10 milhões.
Estes cortes afetam ações de enfrentamento à pandemia e o projeto de custeio para assistência hospitalar e ambulatorial, já que os governos estaduais e municipais dependem de repasses do Ministério da Saúde para a aquisição de equipamentos e insumos para o fortalecimento da estrutura do SUS.
Para Amorim, a EC 95/2014 é o pano de fundo responsável pela redução dos investimentos no SUS. “Jamais se imaginou que justamente a instância constitucionalmente responsável pelo combate à pandemia escolhesse, deliberadamente, aumentar o contágio até atingir a imunidade de rebanho. Jamais houve compromisso do Executivo com a vacinação e adesão das pessoas ao distanciamento social. Ao contrário, gastou dinheiro com o "kit cloroquina" e incentivou aglomerações.”
A economista afirma que o governo agiu deliberadamente para ampliar o contágio usando a teoria de que esta era a forma mais rápida de imunizar a população e retomar as atividades econômicas. “Além da falha ética, errou tecnicamente, a pandemia não cede e a crise econômica há de se arrastar até o final de 2022”, diz.
Enviado por Bolsonaro ao Congresso, o Projeto de Lei Nacional (PLN 28/2020) apresentava verba para o Ministério da Saúde ainda inferior ao período pré-pandemia, R$ 119,1 bilhões.
No Ministério da Educação, R$ 1,2 bilhão foi vetado em despesas, distribuídas entre programas de universidades e institutos federais. Nos bloqueios, este foi o Ministério mais atingido, com R$ 2,7 bilhões em gastos suspensos.
Da pasta de Ciência e Tecnologia, o presidente Jair Bolsonaro cortou do Orçamento um total de R$ 372 milhões. Outros R$ 272 milhões foram bloqueados. Por conta do teto de gastos, os valores bloqueados só serão liberados se houver dinheiro para o pagamento ao longo do ano.
Enquanto recursos de combate à pandemia foram drenados do Orçamento, o montante previsto para as Forças Armadas foi inflado. Dos R$ 37,6 bilhões reservados para o Orçamento Fiscal e da Seguridade Social, o Ministério da Defesa ficará com R$ 8,8 bilhões – 22% do total. O texto também manteve o reajuste salarial de militares, com um impacto estimado de R$ 7,1 bilhões.
Conforme Amorim, esses cortes são responsáveis pelo agravamento das desigualdades sociais e do recuo na materialização da cidadania. Neste cenário, o país não possui perspectiva de crescimento. “O PIB brasileiro caiu 4,1% em 2020, comparativamente a 2019. Essa queda é uma monstruosidade. Ainda que o PIB cresça, segundo estimativa, 3% em 2021, será apenas efeito estatístico, pois o total de riqueza produzido ainda estará abaixo do valor de 2014”, explica.
O projeto que deveria ter sido votado em dezembro de 2020 corresponde ao maior período em 15 anos que o país ficou sem um Orçamento. De acordo com a economista, o atraso se deve à incapacidade de negociação entre o Executivo e o Legislativo. “Não há de fato unidade política, mas interesses específicos de parlamentares, que são negociados caso a caso”, afirma.

O governo Bolsonaro foi eleito com um programa baseado na figura do economista Paulo Guedes e no discurso de enxugamento do Estado. Grandes expectativas se formaram na esperança da recuperação econômica. Entretanto, a pandemia caiu como uma pedra e muitas promessas de campanha, inclusive favoráveis ao mercado, sequer saíram do papel – nenhuma privatização até hoje se concretizou.
Desde o primeiro ano de mandato, o presidente insiste na tecla de que o governo não tem recursos. Em janeiro de 2021, mesmo após mais de 7 milhões de infecções e 197 mil óbitos pela Covid-19, Bolsonaro disse: “Chefe, o Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada”. Mas, para o economista e professor da FMU Marcos Henrique do Espírito Santo não é bem assim. “O Estado insiste na tese de que está sem dinheiro, o que é completamente falso. “O Estado tem capacidade de emitir moeda.”
A emissão tem limitações macroeconômicas, porém o cenário é tão crítico que, para o professor da FMU, justificaria uma ação como essa. “Não dá para emitir dinheiro a qualquer momento, mas em momentos como o que a gente vive, com uma economia completamente estagnada, seria ideal para fazer isso. Literalmente expandir a dívida pública para ter recursos e gastar enquanto o setor privado não está gastando”, aponta o economista.
O auxílio emergencial foi uma conquista para mais de 66 milhões de pessoas após a chegada da Covid-19. O valor proposto pelo governo, de R$ 200 mensais, foi fixado em R$ 600 somente após pressão da oposição. Medida possível graças ao ‘orçamento de guerra’ aprovado pelos congressistas, que abriu uma exceção para o governo gastar além do teto.
Os sucessivos erros e atrasos no enfrentamento à Covid-19 e a piora da situação social do país exigiram a continuidade do benefício, dessa vez nos valores de R$150 e R$ 375,00 definidos pela Câmara dos Deputados sob liderança de Arthur Lira (PP-AL), alinhado ao Planalto. Os novos valores resultarão em um gasto de R$ 44 bilhões, inferior aos cerca de R$ 295 bilhões dispendidos em 2020, de acordo com dados do TCU.
Para Camila Ugino, professora de ciências econômicas da PUC-SP, a nova versão do então chamado ‘corona voucher’ é simplesmente insuficiente. “A proposta do auxílio emergencial que a gente tem não condiz com a nossa realidade social, muito menos fiscal.”
O orçamento de 2021 foi sancionado no dia 23 de abril com cortes em áreas fundamentais, como educação (27%) e meio ambiente (24%). Menos de um mês depois, o jornal O Estado de São Paulo divulgou uma série de reportagens denunciando o esquema que destinou R$ 3 bilhões a parlamentares via emendas de relator, instrumento no qual relatores do projeto de lei orçamentária introduzem alterações, geralmente de caráter técnico. Porém, as reportagens demonstraram uma quebra das leis de impessoalidade, isonomia e transparência, e isso aconteceu às vésperas da eleição dos presidentes da Câmara e do Senado. As alterações feitas pela relatoria teriam beneficiado individualmente parlamentares, inclusive os da oposição.
Simultaneamente, no dia 13 de maio, uma portaria foi assinada pela Secretaria de Gestão e Desempenho do Ministério da Economia, permitindo o aumento, para além dos limites constitucionais, do salário de militares e reservistas e beneficiando, inclusive, o presidente e o vice-presidente da República. O aumento, de quase 70%, teve como justificativa a necessidade de “adequar o cálculo do teto remuneratório constitucional aos entendimentos do STF e TCU”. A medida custará R$ 66 milhões.
Ainda de acordo com o professor da FMU, a lógica neoliberal, do enxugamento do Estado e redução de recursos para áreas sociais, é totalmente insustentável. “A ideia de que o orçamento é mínimo parte do suposto neoliberal de que esse orçamento é limitado. O orçamento é uma peça de disputa política. Se a gente gastar pouco com a eliminação da pobreza é porque a gente escolheu politicamente isso.”
Vários países têm adotado medidas de resgate econômico e subsídio – em alguns casos antes mesmo da pandemia, para enfrentar o aumento das desigualdades. “O neoliberalismo está morto do ponto de vista teórico. Do ponto de vista da teoria econômica, ele não responde mais às exigências de um mundo novo, de alta tecnologia, do padrão 4.0”, afirma Marcos Henrique. Para o economista, o maior exemplo da presença do Estado como catalisador de avanço econômico é a China. Na visão de Marcos, o gigante asiático está “engolindo todo mundo”, e os Estados Unidos “sacaram” isso. “A China está se tornando gigante com metas de longo prazo, induzindo o empresariado, e os EUA vão fazer a mesma coisa. Eles fizeram isso no New Deal, eles fizeram isso após a Segunda Guerra Mundial”, acrescenta.
No país norte-americano, o governo Biden sancionou, em três meses à frente da Casa Branca, dois pacotes que somam US$ 4,15 trilhões – equivalentes a R$ 20,7 trilhões – para o enfrentamento à pandemia. O primeiro é um conjunto de recursos (US$ 1,9 tri) destinados às famílias mais pobres, incluindo extensão de seguro-desemprego e subsídio para planos de saúde. Entre as medidas, estão repasses aos estados e pagamento direto de US$ 1.400 à maioria dos americanos. O segundo pacote é um plano de investimentos em infraestrutura com fornecimento de internet nas áreas rurais do país, renovação de estradas e incentivo a pesquisa e desenvolvimento em energias limpas – financiado com o aumento do imposto corporativo.
Mas, no Brasil, a crença num modelo ultrapassado ainda é um entrave ao desenvolvimento. “Os meios mais eficientes para sair dessa cr0069se é romper essa lógica. Tem que romper com o discurso da Faria Lima, é preciso tirar o monopólio econômico. O Estado é um agente indutor fundamental. Ninguém se desenvolveu e se tornou gigante sem o Estado”, aponta o economista.
Na avaliação de Marcos Henrique, é preciso que haja um governo forte e que não esteja refém da burguesia brasileira, que, segundo ele, vive há 40 anos da exportação para ganhar dinheiro no mercado financeiro. Enquanto o governo precisa conter as despesas previstas, maiores que a receita, o Congresso, hoje com maior força, também exige sua fatia. “Se eu vou aumentar a despesa com os parlamentares, eu tenho que diminuir gastos com investimento e políticas sociais para poder fechar o orçamento com déficit pequeno, eu tenho que diminuir dos investimentos com gastos sociais”, afirma o economista Claudemir Galvani, professor de teoria econômica da PUC-SP.
“A dívida tem o limite que passa pelo Congresso. Na verdade, o governo (brasileiro) está muito preso ao Congresso, por isso é importante o governo ser forte. Hoje o presidente não tem nem partido”, afirma Galvani. Outro erro é o teto de gastos, estabelecido pela Emenda Constitucional 95, encaminhada pelo governo Michel Temer e promulgada pelo Senado em 15 de dezembro de 2016, que congela gastos públicos por 20 anos.
De acordo com Marcos Henrique, limitar o gasto público e colocar essa regra na Constituição foi uma violência, uma estratégia irracional do neoliberalismo, que posiciona a economia acima da política. E, assim, nenhum governo poderá alterar essa lógica mesmo que tenha sido eleito com projetos de aumento do gasto do Estado para a ampliação do desenvolvimento.
Para os economistas entrevistados, o caminho para sair da crise é ter uma responsabilidade fiscal sustentável, uma reforma tributária justa e que adote a progressividade – os impostos incidem proporcionalmente à renda do cidadão –, e uma reforma administrativa que reduza os gastos com o funcionalismo público, além de investimentos em educação, saúde e ciência. As urnas têm papel fundamental nisso.
Crédito da foto: A Fome Voltou. Lambe lambe em muro na Avenida Paulista, altura da rua Haddock Lobo. São Paulo, SP. 16 de abril de 2021. Foto: Roberto Parizotti/FotosPublicas. Disponível em: https://fotospublicas.com/a-fome-voltou-lambe-lambe-em-muro-na-avenida-paulista/
O quadro de insegurança alimentar já atinge mais da metade dos brasileiros. Os efeitos da instabilidade econômica, agravada pela pandemia de Covid-19, trouxeram consequências sociais que afetam em sua maioria a parcela mais pobre da população, que já sofria com uma crescente tendência de insegurança alimentar.
Em junho de 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) estimava que, até o fim do ano, mais de 130 milhões de pessoas no mundo estariam em situação de insegurança alimentar. Os dados convergiam com os de diversos movimentos sociais que analisavam o Mapa da Fome no Brasil. A convergência motivou o grupo Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia a desenvolver uma pesquisa, em nível nacional, para entender os efeitos da pandemia na alimentação dos lares brasileiros.
A pesquisa revela que mais de 125 milhões de brasileiros estavam ou passaram pelo quadro de insegurança alimentar no último trimestre de 2020. Do grupo de entrevistados, 31,7% estavam em grau de insegurança leve, 12,7% em insegurança moderada e 15% em insegurança grave – o maior dos níveis, quando existe falta de comida.
Os efeitos da má alimentação – ou da falta dela – em um indivíduo são vários. O nutricionista Matheus Silva destaca a deterioração da saúde física causada pela desnutrição. Ela pode ser provocada pela falta de nutrientes decorrente de uma alimentação de baixa qualidade ou de nenhuma alimentação. Matheus afirma que a realidade social, cultural e financeira da população influencia em sua alimentação e que o cenário político e econômico do Brasil colabora para o atual quadro de insegurança alimentar. “A falta de um nutriente na alimentação, seja no desenvolvimento no útero ou no decorrer da vida, pode causar inúmeras doenças, sejam reversíveis ou irreversíveis”, comenta.
Tendo em vista o cenário preocupante, movimentos de trabalhadores organizados agem em combate ao caos instaurado pela instabilidade econômica a partir de campanhas solidárias. As iniciativas tornaram-se um auxílio a inúmeras pessoas que passaram a ocupar o quadro de insegurança alimentar no Brasil.
“Vendo a inércia do Estado e a redução dos auxílios emergenciais, entendemos que era momento de se organizar como uma rede para que, com o apoio da sociedade, pudéssemos atender algumas pessoas que estão em situação de insegurança alimentar. Entendemos que é dever do Estado atender essas pessoas, mas, sabendo que o próprio nega a gravidade da pandemia, tínhamos que nos movimentar”, diz Ana Moraes, militante do coletivo Resistência, corrente interna do PSOL, e da campanha É Tudo Pra Ontem.
A rede de solidariedade surgiu a partir de uma proposta dos coletivos que atualmente compõem a bancada feminista do PSOL em São Paulo e atende as regiões do estado com menos assistência do governo. Lançada em abril de 2021, a É Tudo Pra Ontem já arrecadou mais de 1.600 quilos de alimentos para as comunidades, mas Ana pondera: “A demanda está cada vez maior, estamos recebendo cada dia mais uma nova demanda e, devido à situação do país, as colaborações estão diminuindo”.

O cenário econômico também afetou a demanda de doações da campanha Lute Como Quem Cuida, parceria entre o MST São Paulo (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro). Edouard Fraipont, fotógrafo e militante do MSTC, conta que a iniciativa tem pouco mais de um ano, iniciada logo no começo da pandemia. Pouco tempo depois, a campanha teve de buscar novas formas de organização para seguir em frente com o avanço da pandemia no estado. “Com a campanha a gente conseguiu ficar seis meses, até que uma hora as doações ficam mais rareadas, rarefeitas, a própria campanha acaba se cansando de certa forma, as pessoas vão doando menos, e a gente tem que se reinventar. Aí a gente inventou o delivery.”
A campanha recentemente se uniu ao movimento dos Entregadores Antifascistas para resistir por um maior período, e tem convidado todo domingo um chef de cozinha para fazer as quentinhas que vão para entrega. O preparo é realizado na cozinha da Ocupação 9 de Julho. “A gente está ampliando esse grupo dos Entregadores Antifascistas junto com os moradores da ocupação que também fazem entrega. Eles estão construindo um jeito coletivo de fazer essas entregas. É uma forma coletiva de pensar, e parte do trabalhador a organização”, diz Fraipont.

Já no sul do país o cenário é um pouco mais reconfortante. Lá, há pouco mais de um ano, o MST Paraná iniciou a campanha Marmitas da Terra e tem se mantido firme na luta pelas famílias que precisam de auxílio, conta Jade Azevedo, jornalista, produtora audiovisual e voluntária na campanha. “Começamos no dia 02 de maio de 2020 com 300 marmitas e na semana seguinte veio a necessidade de aumentar a produção para 700” e continua sobre o decorrer da campanha: “O ano virou e a quantidade de pessoas em situação de rua e em situação de risco alimentar só aumentou e sentimos a necessidade de aumentar também a produção semanal de marmitas. Por isso, em 2021 passamos a entregar 1.100 marmitas por semana. Para que esse número não abaixe, existe toda uma campanha de solidariedade que envolve as famílias do MST, que seguem doando alimentos e seus espaços para plantarmos, instituições, sindicatos, parceiros e pessoas que participam”.
A ação também traz à tona o debate da importância de uma reforma agrária popular e da agroecologia na produção de alimentos sem veneno e sem agressão à terra.
Dezenas de outras campanhas se espalharam pelo país em reação não apenas à pandemia, mas às medidas socioeconômicas adotadas no último ano. Muitas delas são projetadas para continuar em vigor depois deste período, visto que inflação e Covid-19 podem empurrar o Brasil de volta ao Mapa da Fome, posto que o país deixou de ocupar em 2014, mas do qual tem se aproximado cada vez mais nos últimos anos.

Como apoiar as campanhas solidárias
É Tudo Pra Ontem
Financiamento coletivo: vaquinha no Abacashi
Chave PIX: redeetudopraontem@gmail.com
Lute Como Quem Cuida
Quentinhas da semana: link no Iperum
Cozinha da Ocupação 9 de Julho: sacola no PagSeguro
Marmitas da Terra
Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (ACAP)
CNPJ: 02.881.494/0001-96Banco do Brasil
Agência: 4500-4
Conta corrente: 108973-0
Banco Itaú
Agência: 3834
Conta Corrente: 25030-4
Chave PIX: acap.pr@gmail.com
Em meio à pandemia da Covid-19, a insegurança alimentar entre os brasileiros impulsionou campanhas de doações de alimentos por ONGs e outras entidades que, em alguns casos, já nasceram nesse cenário.
Segundo estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, realizado em 2.180 domicílios das cinco regiões do país entre 5 e 24 de dezembro de 2020, 116,8 milhões de brasileiros não têm acesso pleno e permanente a alimentos.
Em 55,2% dos domicílios, os habitantes convivem com insegurança alimentar. Um levantamento feito entre novembro e dezembro de 2020, com uma amostra de 2.000 pessoas, pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia aponta um número ainda maior: 59,4% dos domicílios entrevistados enfrentavam a insegurança alimentar.
Os números representam um aumento de 54% em relação a 2018, conforme a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) realizada entre 2017 e 2018.

Criada em 2016, a Liga do Bem executou projetos educacionais, em saúde, empreendedorismo feminino, reformas e construções sustentáveis em instituições e comunidades de Salvador (BA) através de trabalho voluntário. A União Bahia é uma campanha da entidade para combater a fome que atende favelas da região metropolitana da Bahia e do sertão do estado.
Dados da Liga do Bem mostram que mais de 300 toneladas, que somam alimentos, material de limpeza e de higiene pessoal e máscaras, foram doadas, desde a primeira semana de isolamento no Brasil, decretado em 24 de março, até dezembro do ano passado.
O arrecadamento de dinheiro é feito por meio de doadores únicos ou de apadrinhamentos de pessoas físicas ou jurídicas que doam mensalmente. A campanha União Bahia conta com a ajuda de mais de 800 voluntários e a parceria de outras ONGs.
A Ondan (Organização Negra de Alcance Nacional), por outro lado, foi criada em 2020 e tem como foco a população negra e periférica. Segundo uma de suas fundadoras, Jusianne Castilho, “esse período de pandemia exigiu dos movimentos socioculturais uma readaptação. Hoje se tem uma necessidade maior de trabalhar as ações pelas redes sociais”.
Na logística de arrecadação e doação da Ondan, as pessoas que mais precisam de sua ajuda são selecionadas, bem como existem aqueles que procuram a entidade. Isso é feito por meio de cadastros.
Para fazer o cadastro, é preciso fornecer informações como a quantidade de pessoas que vivem na casa, se é uma mãe solo ou se a família tem renda fixa. Esses dados ajudam no momento de priorizar aqueles que mais precisam ser contemplados pelas doações de alimentos, cestas básicas, roupas e produtos de higiene e limpeza. A ONG arrecada tanto doações de produtos, quanto de dinheiro, que é convertido em itens.
Às quartas-feiras, parte dos voluntários da Liga faz as compras em atacadistas, porque, segundo o presidente-fundador da ONG, Nélio Chagas, é financeiramente mais vantajoso montar as cestas básicas do que comprá-las prontas. As compras são retiradas às quintas-feiras e às sextas e, aos sábados, as cestas são montadas. Aos domingos, as entregas são feitas às famílias indicadas no cadastramento realizado pelos líderes das comunidades. A escolha de quem mais precisa da ajuda da entidade é decisão desses líderes.
De acordo com Chagas, existem diferenças entre as necessidades de habitantes de comunidades próximas de cidades grandes e de quem vive nas comunidades do sertão. Ele afirma que a proximidade com centros urbanos permite, com mais facilidade, que pessoas pobres consigam empregos temporários. Já aqueles que moram no sertão, vivem em comunidades isoladas em cidades também isoladas.
Segundo o Siga Brasil, portal de transparência sobre a execução orçamentária, o governo federal gastou mais de R$ 509,1 bilhões em despesas para ações de combate à pandemia no ano passado. Do valor, 57,71% foram destinados para cidadãos com o auxílio emergencial de R$ 600 e, posteriormente R$300, até dezembro de 2020. Para estados e municípios, R$ 63,15 bilhões do montante foram transferidos para ações em meio à pandemia.
O BEm (Benefício Emergencial de Manutenção em Emprego e Renda), criado em 2020, foi relançado neste ano com a assinatura de medidas provisórias pelo presidente Jair Bolsonaro. O programa permite corte de salários e jornadas e, até dezembro do ano passado, custou R$ 32,35 bilhões ao governo. Segundo o IBGE (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de desemprego atingiu 14,2% no trimestre móvel terminado em fevereiro. Em 2020, a média da taxa de desocupação foi de 13,5%, o maior patamar da série histórica da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, iniciada em 2012.
Para Chagas, o combate à fome também é responsabilidade da sociedade civil. “O governo tem suas responsabilidades, mas a gente acredita que cada um tem que fazer sua parte e sem ficar acusando, apontando dedo”, ele afirma. Por isso, no entendimento do presidente da ONG, o trabalho de entidades como a Liga do Bem pode ter mais eficácia e ser mais ágil do que políticas públicas.
Castilho, porém, argumenta que, no Distrito Federal, a maior parte das pessoas mais vulneráveis são negras e não recebem apoio estatal. Além da fome, famílias negras enfrentam outras dificuldades com a falta de saneamento básico e moradias inadequadas, por exemplo. Ainda que a Ondan tenha um papel importante no combate à desigualdade, seu alcance é restrito. Portanto, “é necessário fomentar políticas emergenciais de enfrentamento à fome”, afirma Jusianne.
Ao contrário da Liga do Bem, com alguns anos a mais de funcionamento, a Ondan enfrenta alguns impasses. Por não ser institucionalizada, não tem acesso a certos recursos e, por não ter CNPJ, “existem doadores e parcerias que a organização não pode alcançar por não preencher os requisitos necessários para a prestação de contas”, de acordo com Castilho.
Há outras diversas entidades que têm trabalhado no combate à fome em diferentes regiões do Brasil. A Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), por exemplo, dedica-se ao auxílio para comunidades de povos indígenas da região amazônica, enquanto o Movimento Panela Cheia, união de esforços da Cufa (Central Única das Favelas) e da Gerando Falcões, auxilia mais de 5 mil comunidades pelo país. O Qual Máscara, criado inicialmente para informar internautas sobre o uso correto e a escolha de máscaras mais eficazes, também formou uma campanha para arrecadar dinheiro e doar máscaras e cestas básicas. Foram mais de R$ 30 mil em doações, que foram interrompidas por impasses jurídicos.
Doações para a Liga do Bem podem ser feitas só por meio do site da ONG: aligadadobem.org. Para a Ondan, é possível fazer doações contatando a entidade no telefone (61) 98251-6286 ou no e-mail ondaondan365@gmail.com. Outras formas de arrecadar dinheiro, como rifas solidárias, também são feitas pela Ondan.