Sem orientação adequada, donas de pequenos negócios relatam dificuldades para entender as mudanças na economia e veem sua renda ameaçada
por
Manuela Dias
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28/11/2025 - 12h

A falta de informação qualificada tem se tornado uma das principais barreiras para microempreendedoras brasileiras que dependem de insumos importados ou de produtos cujo preço varia conforme fatores globais. Em meio a mudanças recentes nas taxas, oscilações cambiais e aumento da burocracia para transações internacionais, muitas afirmam que não sabem onde buscar apoio técnico. É o caso de Danielle Nayara, maquiadora e microempreendedora, que iniciou seu negócio após deixar o emprego formal para trabalhar com eventos.

“Eu sempre gostei de maquiagem, mas nunca tinha pensado em maquiar outras pessoas. Só comecei depois de uma sugestão, fiz um curso e acabei me apaixonando pela profissão”, conta. Hoje, ela atende clientes em casa, em eventos e até pernoita em residências para preparar noivas e madrinhas. Mas apesar da agenda cheia, manter o negócio funcionando tem se tornado cada vez mais complexo.

Um desafio diário

Para Danielle, o principal custo do seu trabalho é a compra de materiais: produtos que sofrem variações constantes de preço, muitas delas impactadas por fatores externos. “Um produto que eu comprei por um valor semana passada já está mais caro hoje. Quando isso acontece, eu preciso ajustar meus preços, porque se não aumento, perco margem”, explica.

Ela relata que, muitas vezes, não entende o motivo dessas oscilações nem encontra informação clara sobre o que está influenciando o aumento. Esse descompasso entre preço e explicação não só dificulta o planejamento, como a impede de aproveitar oportunidades.

“A qualidade dos produtos é essencial. Se o material é ruim, não adianta eu ser boa. Só que para comprar produtos bons, eu preciso pesquisar muito. E os preços mudam rápido demais”, diz.

A falta de informação também interfere na profissionalização. Em eventos como a Beauty Fair, Danielle conseguiu adquirir produtos de alta qualidade com preço reduzido, mas admite que depende do acaso: “Eu fico sabendo por redes sociais. Se eu não vejo no Instagram ou no TikTok, eu perco a chance.”

Redes sociais como principal fonte

Como muitas microempreendedoras, Danielle se informa principalmente pelas redes sociais. “É onde está tudo hoje: Instagram, TikTok, WhatsApp. É ali que vejo notícias, promoções e mudanças”, afirma. O problema, segundo especialistas, é que essa dependência de canais informais deixa empreendedoras vulneráveis. Notícias sobre variações cambiais, tarifas, mudanças em importações ou novas regras para comercialização de cosméticos dificilmente chegam a essas mulheres de forma clara e estruturada. Isso faz com que muitas decisões sejam tomadas às cegas.

Economistas e organizações ligadas ao empreendedorismo feminino têm reiterado que a falta de informação clara é hoje um dos maiores riscos para pequenos negócios liderados por mulheres. À medida que insumos sofrem com oscilações globais, e que o comércio exterior se torna mais complexo, milhares de empreendedoras enfrentam um mercado imprevisível sem apoio técnico.

No caso de Danielle, o impacto ainda é administrável, mas ela admite a preocupação: “Eu tento acompanhar tudo, mas é difícil saber o que realmente vai afetar meu trabalho. Às vezes, descubro um aumento só quando chego na loja para comprar”, relata.

Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”.
“Qualidade e confiança são os dois principais pilares do trabalho de uma maquiadora”. Reprodução: arquivo pessoal 

Força para manter o negócio! 

Apesar dos desafios impostos pela falta de informação, pelos custos instáveis e pelas mudanças constantes no mercado, mulheres como Danielle continuam sustentando seus negócios com esforço diário, intuição e dedicação. A realidade que enfrentam é marcada por incertezas, mas também por uma determinação que atravessa jornadas longas, madrugadas de trabalho e decisões tomadas sem o suporte adequado.

No fim das contas, o que sustenta esses negócios não é apenas acesso a crédito ou políticas públicas: é a força de mulheres que, todos os dias, escolhem continuar. A luta feminina, silenciosa ou coletiva, segue sendo a certeza em meio ao cenário incerto e continua provando que, quando essas mulheres resistem, elas transformam não só suas próprias histórias, mas também o futuro do empreendedorismo no país.

 

Transformando a vida de milhões de pessoas todo ano, merece mais reconhecimento e recursos para manter o Brasil vivo
por
Vítor Nhoatto
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28/11/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

Uma das poucas certezas de todo ser humano, tal qual a morte, é a doença. Sabe aquele resfriado que vem junto ao seco do frio, uma ferida que infecciona depois de cair de bicicleta, até aquelas mais sérias que podem aparecer. Fato é que sem saúde não se vive, sendo um direito constitucional não por acaso. Sendo assim, é preciso que o acesso a essa necessidade tão básica quanto respirar e se alimentar seja universal, e não um bem a se comprar apenas por aqueles que podem.

Para isso então que existe o Sistema Único de Saúde (SUS), tão falado e muito mais presente na vida do que alguns podem sequer imaginar, ou querer. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador dos medicamentos disponíveis no país, de controle alimentar e hídrico, faz parte do SUS. Regulamentado em 1990, é responsável pelas vacinas e desenvolvimento científico ainda, e sabe os planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde (ANS), que os regula, também é integrante do sistema.

Para falar dessa diferença real na vida, antes é preciso até olhar nos papéis para lembrar já a quanto tempo ele é médico, enfermeiro, farmácia. De cabelos curtos hoje, depois de uma repaginada no visual devido ao câncer de pulmão que teve justamente na pandemia de COVID-19, Léia Marisa celebra que há dois anos consegue receber na AME Maria Zélia o micofenolato de Mofetila. Pois é, muitas vezes quando o nome é chique o preço é alto, uns R$500 por caixa, mil reais por mês gastos antes da papelada ficar pronta e ser aceita em 30 de novembro de 2023, já que a doença não espera os trâmites e filas.

A ex-professora, atual dona de casa e empresária a distância do seu restaurante, conta como o período de descoberta e tratamento do câncer, que levou até questões reumatológicas, e ajudou a descobrir uma artrite reumatoide, foi muito difícil. Entre dezenas de idas ao hospital de 2020 até 2023 até chegar ao diagnóstico, foram dias desgastantes, assustadores, e toda ajuda foi essencial, principalmente com os custos de sobreviver à doença. No caso dela, o tratamento do tumor foi feito em rede privada graças ao seu plano de saúde empresarial, que custa salgados R$5 mil reais ao mês. Só aqui são quase quatro salários mínimos, um privilégio muito grande, como ela destaca, olhando para um país em que apenas 7,60% da população ganha entre 5 e 10 salários como o Censo de 2022 do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística revela. 

Se aprofundando mais ainda nos fatos, de acordo com o estudo “Quanto custa o câncer” de 2023 do Observatório de Oncologia, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) e do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, os custos de tratamento da doença quadruplicaram nos últimos três anos. Uma sessão de radioterapia ou quimioterapia custava quase R$800 em 2022, e dezenas são necessárias na maioria das vezes. Acrescentando nessa conta, consultas, tomografias e biópsias, mil reais ali e cinco acolá, o custo chega facilmente ultrapassa dezenas de milhares de reais. Isso é ainda mais preocupante tendo em conta a incidência do câncer na população, que segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) entre 2023 e 2025, 704 mil pessoas terão a doença como Marisa. 

E com isso que o SUS se mostra como algo tão relevante, oferecendo tratamento integral e gratuito contra todos os tipos de cânceres. Claro que muitos problemas existem, como destaca Marisa ao lembrar que quando estava no meio do tratamento enfrentou problemas com o plano de saúde, mas que só o medo de depender da demora do SUS caso fosse preciso, a preocupava muito. A saúde é o bem mais precioso para, o que para todos provavelmente deva ser, e por isso justamente que em 2012 a lei 12.732/12 obriga que o tratamento contra o câncer tem que ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico. 

Mas além disso, com os olhos marejados depois de navegar novamente no mar agitado que foi a jornada até a vida que tem hoje, curada e com o diagnóstico da sua doença crônica, ela volta e lembra que a diferença que não ter que pagar pelo Micofenolato que a mantém respirando faz.  Quando tinha que arcar com as despesas era como um fardo a mais imposto a ela, que considera a saúde hoje como o bem mais valioso. As idas mensais  ao posto são um alívio hoje para ela, destacando que o seu medicamento nunca faltou até então, mas que já presenciou pessoas na situação contrária e que não tinham como arcar pessoalmente com os gastos. Essa é uma realidade infelizmente, segundo fiscalização de 2023 da secretaria de contas do Estado de São Paulo, em quase metade dos postos visitados faltavam algum medicamento.

papéis
A cada seis meses Marisa tem que renovar a receita e toda a papelada para solicitação do seu medicamento junto a AME - Foto: Vítor Nhoatto

Milhões de uns

Mesmo que falte muito, afinal, só 4,16% do orçamento federal foi destinado à saúde em 2024 segundo o Painel do Orçamento Federal, a porcentagem vem aumentando desde 2022, e milhões de brasileiros são atendidos todos os dias. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema universal de saúde, e 213 milhões dependem diretamente do SUS, segundo o Ministério da Saúde, que contabiliza em média 2,8 bilhões de atendimentos por ano, empregando 3,5 milhões de profissionais.

E mais um desses uns é Valdir Sousa, que do alto de seus 63 anos de idade é um típico caso brasieleiro. Com diabetes do tipo II há 20 anos e hipertenso, conta que se não fosse o acesso ao sistema gratuito, sua vida seria muito diferente, obviamente pelo lado financeiro, e muito também pelo bem-estar. O mineiro nascido em São João do Paraíso e que vive em São Paulo há décadas já viu tanto na vida, e com o passar do tempo o que todos querem e merecem é justamente qualidade de vida. Essa no caso, em grande parte possível graças a insulina que busca no posto na Freguesia do Ó e os comprimidos que cuidam do seu coração acelerado.

Justamente essa hipertensão que é a doença mais presente nos peitos animados dos brasileiros, e 52% da população é diagnosticada com alguma DCNTs, como revela a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Além disso, segundo dados de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) como as de Valdir são tecnicamente chamadas, são as mais comuns no mundo e no Brasil, com o diabetes inclusive tendo aumentado 70% entre 2000 e 2019. 

Para contextualização, nos Estados Unidos existe há alguns anos o movimento nas redes sociais insulin4all, criado pela organização sem fins lucrativos T1 International, que denuncia os altos custos da insulina no país, onde um frasco de 10ml gira em torno de U$330. Tal situação vem levando inclusive pessoas a racionarem o medicamento, o que pode levar a complicações e até a morte em casos mais graves. Já no Brasil, o mesmo remédio é disponibilizado pelo SUS, e o preço máximo permitido por lei é de R$125,30. 

Diante desses dados e o envelhecimento da população fica claro como a saúde vai ser cada vez mais necessária, tal qual destaca o jovem de espírito Valdir, que já foi pedreiro e auxiliar de manutenção geral em uma lanchonete, justamente no Hospital das Clínicas. As histórias que já viu na maior referência de saúde pública brasileira enchem a sua mente, e as palavras saem inquietas sobre as melhorias que o SUS precisa e as pessoas merecem. Ele conta em meio a suspiros que quando precisa de exames mais urgentes, ou consultas em meio a crises, tem que recorrer ao plano de saúde da sua esposa, do qual é dependente, já que as unidades de saúde estão sempre cheias e a fila de espera passa de meses algumas vezes. 

Foi nessas passagens obrigadas pela rede privada que ele inclusive descobriu mais um integrante do seu pacote, a doença renal crônica há um ano. Porém, é no SUS que o acompanhamento com nutricionista, nefrologista e endocrinologista foi possível, uma rotina de cuidados essenciais para uma boa qualidade de vida para quem tem a condição. É graças a essa rede de profissionais e a farmácia popular que Valdir vai aproveitando com os dois filhos e a mulher os seus dias, frisando com a voz até meia trêmula, que sem isso não poderia se ter o seu direito de viver com saúde exercido plenamente.

medicamentos
São graças a compostos como esses que tanto Marisa ou Valdir, e os mais de 100 milhões de brasileiros com doenças crônicas podem viver bem tal qual a constituição garante - Foto: Vítor Nhoatto

 

Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
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14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Modelo que combina aulas remotas e presenciais atrai empresas, mas é visto com ressalvas por educadores
por
Isabela Cagliari
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01/06/2021 - 12h

Em meio à pandemia do coronavírus, a educação foi uma das áreas mais afetadas. Sendo assim, o ensino, que antes era presencial, passou a ser remoto ou, em alguns casos, foi suspenso por falta de recursos. Diante do panorama, uma nova proposta educacional começou a emergir: o ensino híbrido.

Falta de acesso à internet e baixo investimento governamental foram algumas das barreiras que o ensino público enfrentou com a epidemia no Brasil. Enquanto escolas e universidades privadas conseguiram ingressar no modelo on-line, faculdades públicas de renome – como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – chegaram a ter suas aulas paralisadas.

Na contramão disso, grandes empresas privadas do setor educacional cresceram no mercado durante o período. A Ser Educacional, por exemplo, viu seu lucro aumentar 21% em 2020. Outras gigantes do ramo, como Yduqs e Cogna, também chamaram a atenção em seus indicadores lucrativos, mas tiveram queda de, respectivamente, 30,3% e 85,3% no lucro do ano passado.

Perante as dificuldades provocadas pela Covid-19, o ensino híbrido visa mesclar a educação presencial com a remota. O método surge como uma alternativa possível para o futuro educacional do país. Com a compreensão dos ganhos e perdas de cada modelo, busca unir os pontos positivos de cada modalidade. 

Mesclando aulas on-line e presenciais, o ensino híbrido tende a ganhar espaço na educação.| Foto: Reprodução.
Mesclando aulas on-line e presenciais, o ensino híbrido tende a ganhar espaço na educação. | Foto: Reprodução.

Ensino híbrido é aposta das grandes empresas educacionais

Com a pandemia, a educação presencial perdeu espaço para o modo on-line de aprendizagem. Embora vista com resistência por professores e alunos, a aula remota foi uma opção viável em meio à nova realidade imposta pelo vírus.

No entanto, para um futuro próximo, o modelo deve sofrer alterações para atender às demandas de profissionais e estudantes. Entre as possibilidades consideradas, destaca-se o desenvolvimento de conhecimentos práticos nos espaços acadêmicos e teóricos de maneira on-line.

Pensando em grandes empresas do setor, o analista de educação Marcel Zambello afirma que o ensino a distância, nesse contexto, aparece como uma opção mais rentável financeiramente. “A transição para o EAD é muito mais vantajosa para as companhias de educação por alguns motivos: (I) margens maiores, (II) menor necessidade de investimento, (III) crescimento exponencial da base de alunos. Os únicos pontos negativos seriam a maior concorrência e comoditização do serviço de educação”, diz Zambello em entrevista concedida.

Por outro lado, os ensinos híbrido e presencial tendem a ser mais interessantes do que o EAD ou o remoto, na avaliação da fonoaudióloga Diana Faria. Afinal, os dois primeiros métodos propiciam uma interação direta entre alunos e professores, o que é um ponto positivo quando a questão é o desenvolvimento do estudante. “O ensino presencial realmente tem elementos que são fundamentais: o próprio uso dos espaços externos, das percepções que [o aluno] pode adquirir a partir do contato com a natureza, do contato com o colega, tudo isso é muito importante para o desenvolvimento cognitivo e emocional.”

Pensando em um período pós-pandemia, Zambello delimita os prováveis rumos da educação superior: “Teremos os dois formatos: híbrido e EAD. Em relação ao EAD, o foco continuará sendo na camada social menos privilegiada e que exerce atividade remunerada durante o dia”.

Dilema da rede de ensino pública

Apesar de o mercado educacional movimentar cerca de R$ 174 bilhões por ano, a rede pública acaba por não ser uma das prioridades do governo. Mesmo que o Brasil invista em torno de 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB), tendo uma porcentagem acima da média de 4,4% de outros países, o valor destinado por aluno ainda é baixo, conforme uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2019.

Nesse sentido, o ensino superior surge como o segmento da educação que mais recebe investimento no país, contabilizando um gasto anual por aluno de US$ 14,2 mil. Enquanto isso, na média de gasto anual, o Brasil soma US$ 4,5 mil por aluno. Em contrapartida, Suécia, Bélgica e Finlândia aparecem como os maiores investidores em educação, liderando o ranking de países da OCDE com um valor próximo a US$ 9,3 mil por aluno. Na América Latina, Chile e Argentina também contam com maior investimento médio, contabilizando US$ 7,7 mil e US$ 5,6 mil.

Aliás, essa diferença de investimento é vista na aprendizagem dos alunos. “As escolas públicas tiveram muito mais dificuldades para se reorganizarem, logo, estamos destacando uma defasagem ainda maior entre o aprendizado na relação público/privado”, destaca a pedagoga Daniele Ferreira Giordano. Para ela, a situação se estende para o campo universitário, considerando a dificuldade de acesso à internet por estudantes e professores de baixa renda.

Por mais que o ensino híbrido seja uma das maiores apostas das grandes empresas educacionais, isso não quer dizer que a rede pública adotará o modelo em um futuro posterior à pandemia. Afinal, as instituições que não são privadas dependem de verbas e incentivos governamentais para implementar o método. Como o ensino remoto não teve o êxito que se esperava por conta da falta de recursos, analistas e professores esperam que o modelo fique restrito às escolas e faculdades particulares.

Imagem da capa: https://blog.coursify.me/pt/ensino-hibrido-em-escolas/

 

Como a crise sanitária e política afetou a maior pesquisa estatística brasileira e o que tem sido feito para mudar essa realidade
por
Victor Paulino
|
01/06/2021 - 12h

 

Foto: Dreamtime
Ilustração: Dreamstime

Nos últimos meses, uma intensa movimentação entre as entidades de pesquisa tem acontecido por conta da incerteza com relação ao Censo Demográfico do IBGE. Assim como em diversos contextos diante da pandemia causada pelo coronavírus, é com o cenário futuro indefinido que a instituição pública precisa trabalhar para exercer suas funções sociais. Aos trancos e barrancos, o mais importante estudo estatístico do país, responsável por dizer quem são os brasileiros e como vivem, foi atrasado por dois anos e as consequências da sua não realização são agravadas em decorrência da crise sanitária enfrentada no Brasil.

Regulamentada para acontecer a cada dez anos, a pesquisa deveria ter sido feita no ano passado, levando em conta que sua última realização foi em 2010. Entretanto, a pandemia no país não apresentou sinais de melhora efetiva na época e, para respeitar o distanciamento social implementado nos estados e não colocar em risco os respondentes e os profissionais do Instituto, o estudo foi adiado para o ano seguinte, com sua verba (R$ 2,3 bilhões) destinada para o combate à Covid-19. 

Em março, o Orçamento da União para 2021 foi aprovado pelo Congresso Nacional com vetos  do governo Bolsonaro e não reservou recursos suficientes para a realização do Censo. Apesar de haver promessa para que a pesquisa acontecesse ainda este ano, a redução no orçamento prevista na sanção do governo – de R$ 2 bilhões para R$ 71 milhões –  impediu que o estudo, que  já havia sido adiado,  acontecesse. 

Com recursos que não chegam perto dos  R$ 3,4 bilhões projetados pelo IBGE, troca de comando do Instituto e um futuro cada dia mais incerto, um movimento motivado pela indignação de profissionais pesquisadores com relação ao tratamento dado à classe pelo governo  surgiu a fim de garantir a realização da pesquisa em 2022 e como forma de fazer com que a função social exercida pelo IBGE seja cumprida.

Para a Assibge/SN, o sindicato nacional de trabalhadores do IBGE, a operação para a garantia do Censo em 2022 acontece não somente pelo orçamento reduzido em mais de 90%, mas também pela crise sanitária no país.

“Dentro do sindicato, a posição pela realização do Censo em 2022 é unânime, tendo como prioridade a vida e a saúde dos nossos trabalhadores e da população que nos receberá em suas casas. Com a pandemia como está, sabemos ser indefensável uma operação de tal porte em 2021”, afirma a associação.

Matheus Canário, servidor do IBGE e ex-membro da direção nacional da Assibge/SN, também falou sobre essa questão em suas redes sociais, afirmando que coordenadores do Censo no país ameaçaram entregar seus cargos caso a pesquisa acontecesse e que manter o estudo seria um risco para a população.

“Estamos no meio de uma pandemia, no ápice do número de mortes ‘diários’ [sic], que sobem a cada dia. Estados e municípios tendo colapso nos seus sistemas de saúde, e sem previsão de vacinação total da população. A orientação é de isolamento. [...] Os recenseadores irão em todas as casas. Poderão, então, ser um vetor de disseminação do vírus.”

Para tanto, no último dia 14, o Supremo Tribunal Federal determinou a obrigação do governo em tomar as medidas cabíveis para que a realização do Censo aconteça em 2022. Os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármem Lúcia, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski votaram a favor da decisão que garante que a União adote medidas a favor do esforço para a pesquisa no ano que vem. A maioria venceu os votos dos ministros Marco Aurélio Mello e Edson Fachin, que votaram pela realização ainda este ano, e também de Nunes Marques, que rejeitou a decisão com a justificativa de que o Censo “não revela urgência”.

A movimentação no Supremo veio de uma ação do governo do Maranhão, que argumentou que “a falta do estudo sobre o perfil da população tem consequências na repartição de receitas tributárias, além de prejuízos para as estatísticas do país, além de ferir a Constituição”. 

De acordo com a Assibge, o próximo passo é a manifestação em prol do orçamento. “O sindicato, ainda antes do julgamento dessa liminar, reivindicou juridicamente, perante este tribunal, que sejam garantidos 240 milhões de reais ainda este ano, para garantir a continuidade dos preparativos para o Censo, além da recomposição orçamentária completa, conforme previsto em 2019, de 3,1 bilhões de reais, em 2022. Esta é a frente de luta agora, pois não se poderá garantir um Censo de qualidade com o orçamento defasado”, afirmou o sindicato na entrevista.

Para a Assibge, “um país sem o Censo é um país cego. Onde reina o negacionismo e políticas públicas são feitas na base do achismo e das fake news. Algo em acordo com a proposta do Governo Bolsonaro e destruidor para o Brasil”. 

Casos praticamente dobram no atual cenário de incertezas econômicas, perdas de familiares e medo de contágio
por
Rafaela Thomaz
|
01/06/2021 - 12h

A depressão é um transtorno mental comum e estima-se que mais de 300 milhões de pessoas no mundo todo sofram dela, as mulheres sendo mais afetadas do que os homens. Quem tem essa doença geralmente sente tristezas profundas, perda de interesse, oscilações de humor e falta de ânimo. Ela, no entanto, deve ser bem tratada através de psicólogos e psiquiatras, porque em casos mais sérios pode levar ao suicídio. Além disso, esse transtorno pode fazer com que a pessoa tenha uma disfunção no trabalho, escola ou até mesmo no meio familiar. Calcula-se que uma em cada quatro pessoas na América vai sofrer de algum transtorno mental ou fará uso de substâncias ilícitas durante a vida.

De acordo com dados divulgados pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), de 2012 a 2017, 12,3% dos afastamentos por doenças no Brasil ocorreram por transtornos mentais. Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) de 2017 mostram que 5,8% dos brasileiros sofrem de depressão, o que correspondem a 11,5 milhões de casos. Trata-se da maior taxa da América Latina e a segunda maior de toda a América, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Estima-se que 20% da população brasileira teve ou terá depressão, sendo esse o transtorno mais recorrente no país.

Imagem: Dados sobre a depressão no Brasil e no mundo | Fonte: Telavita
Imagem: Dados sobre a depressão no Brasil e no mundo | Fonte: Telavita

Durante a pandemia, a situação da saúde mental da população se agravou. Estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) constatou um aumento de 90% dos casos de depressão no país. "O isolamento social, o medo de contágio e a perda de membros da família são agravados pelo sofrimento causado pela perda de renda e, muitas vezes, de emprego", afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

A ausência de normas regulamentadoras que visem auxiliar o profissional que tenha algum transtorno mental também presentes é um problema. A norma que chega mais perto é a NR17 que se propões “estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente”. Ou seja, a norma fala apenas sobre uma readaptação do trabalho quando ele é ergonômico.

Segundo a revista Health, professores estão entre os dez profissionais mais propensos a terem depressão. Simone Fernandes, professora afastada do município de Taboão da Serra (SP), recebeu seu diagnóstico em 2012 após sofrer uma crise de pânico na escola em que dava aula e ter sido levada ao hospital. Simone levava uma rotina intensa, dando aulas no período da manhã em uma escola e logo em seguida indo para a outra. Mal tinha tempo para almoçar, mas ela dizia que fazia isso porque “almejava alguns objetivos e para isso precisava ganhar mais.”

A professora conta que demorou a aceitar que precisava de um tratamento psicológico e psiquiátrico, passando por vários outros médicos que já haviam dado indícios de que ela tinha depressão. Após o susto na escola, conseguiu uma consulta através do convênio do marido e foi afastada dos empregos por ordens da psicóloga que afirmou que ela não estava mais em condições de dar aula. Desde então, ela tentou voltar, porém as crises voltavam e até hoje continua afastada.

Simone diz que ela precisa dispor de boa parte de seu salário para pagar seu tratamento. “No SUS (Sistema Único de Saúde) não tem condições. A gente paga o Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual), mas não consegue vaga.” Além disso, Simone ainda precisa pagar por seus remédios que são caros porque, segundo ela, os que são oferecidos pelo SUS têm muitos efeitos colaterais.

Para obter seu salário, a professora precisa entregar todo mês uma nova licença e passar por uma perícia. Às vezes, contudo, a licença é indeferida e ela acaba não recebendo. Simone diz que recorreu à Justiça para tentar reverter as recusas, mas sem sucesso até o momento. “Eu não recebi até hoje.”

As consequências econômicas, segundo a professora, se multiplicam. “Eu não vou conseguir exercer minha profissão e não posso fazer outra coisa enquanto e não for readaptada.”, diz. Ela termina afirmando que sua saúde mental durante a pandemia piorou, saindo da estabilidade que tinha alcançado após anos de terapia.

A professora Simone precisou, e ainda precisa, pagar por seus tratamentos. Porém muitas empresas têm mudado, começando a oferecer ajuda para os trabalhadores cuidarem da saúde mental. A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) é uma delas.

Conforme a professora de psicologia, Paula Peron, que coordena a Rede de Apoio e Acolhimento em Saúde Mental da PUC-SP, os professores que precisarem podem usar a Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic da Universidade, onde eles realizam uma triagem específica e acelerada para toda a comunidade – incluindo alunos e outros funcionários). “Há também um projeto desenvolvido no início da pandemia, com parceria entre a Clínica e a Procrc (Pró Reitoria de Cultura e Relações Comunitárias) e seu Grupo de Trabalho de Saúde Comunitária, para acolhimento online, também extensivo à toda comunidade PUC.” Todos os serviços são gratuitos.

Já no Colégio COC Santa Rosália de Sorocaba, interior de São Paulo, a situação é outra. De acordo com a coordenadora Annaluci Corrrêa, a escola não oferece tratamento psicológico gratuito, apenas um convênio médico que os professores podem aderir ou não. Porém, há um impacto econômico direto e indireto quando o professor está apto a dar aulas. Primeiro, a qualidade do serviço cai. Segundo, quando o professor precisa se ausentar por problemas de saúde mental, a escola precisa encontrar outro profissional, o que representa um custo. “O magistério já é uma profissão que suga muita energia emocional e física, mas em tempos de pandemia isso está ainda mais exacerbado”, afirma Annaluci.

Imagem da capa: luxorphoto via Shutterstock

Em um cenário com maior número de pessoas jurídicas e investidores, tendência é que o segmento seja cada vez mais procurado
por
Thiago Pereira
|
01/06/2021 - 12h

Dia 18 de maio de 2021. Não parece, mas há um ano já enfrentávamos a maior crise de saúde pública dos tempos modernos: a pandemia de Covid-19. O coronavírus, causador da doença, e a situação de isolamento social trazida por ele exigiram que o mundo repensasse muitas coisas: gastos foram cortados, relações interrompidas e vínculos remanejados. Está provado que as medidas de distanciamento tomadas para conter a disseminação do vírus foram, e em alguns países ainda são, essenciais para ajudar o sistema de saúde  a lidar com a sobrecarga em uma pandemia. Contudo, embora necessárias, essas ações acabam por causar outros problemas, como o aumento do nível de desemprego.        

Seja por vontade própria ou por necessidade, a deterioração do mercado de trabalho foi um dos fatores principais que fizeram o brasileiro buscar novas alternativas de renda para o seu dia a dia, e o empreendedorismo e a interação no mundo dos investimentos vêm se destacando. Segundo Carlos Melles, diretor-presidente do Sebrae, para a revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, “o desemprego está levando as pessoas a se tornarem empreendedoras. Não por vocação genuína, mas pela necessidade de sobrevivência”. Segundo pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) com dados da Receita Federal, o número de novos registros como Microempreendedor Individual (MEI) bateu recorde em 2020, por exemplo. Foram 2,6 milhões de formalizações, a maior adesão dos últimos 5 anos. Junto das 7,5 milhões de micro e pequenas empresas, esse setor da economia representa 99% dos negócios privados do país. Ao mesmo tempo, no mesmo período, o total investido no Brasil por pessoas físicas não só cresceu, como bateu seu recorde: R$ 3,7 trilhões. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), o ritmo de crescimento do estoque dos investidores em 2020 foi de 13,4%, um dos maiores da história.

Mesmo que tenha crescido o número, isso não quer dizer que a aplicação deu resultado para o investidor. O mercado pode ser enganoso e traiçoeiro às vezes, e por isso é importante estar atento a alguns pontos antes de se investir em uma empresa, como as demonstrações financeiras, o balanço patrimonial e a relação entre a dívida bruta e o patrimônio líquido.

Além desses, outros fatores também influenciam na hora de estudar possíveis investimentos, e, dentro desse mercado, existe quem seja especialista nessa matemática não tão precisa. São os bancos de investimento. Os bancos de investimento têm um foco diferente dos bancos “convencionais”, e para ajudar a entender melhor como atuam, convidamos Lucas Bordonco, analista de mercado de capitais de dívida do Br Partners, um banco de investimentos independente brasileiro, fundado em 2019. Confira:

Como atua um banco de investimentos?

Existem dois tipos de banco: o tradicional e o de investimentos, que são chamados também de banco de varejo e banco de atacado, respectivamente. O banco tradicional atende, em sua maioria, pessoas físicas, enquanto o banco de investimentos foca em pessoas jurídicas. As áreas em que um banco de investimento atua são: investment banking, onde existe uma assessoria para bancos que estudam compras e fusões e um auxílio para empresas que desejam abrir capital na bolsa; debt capital markets, onde eu atuo ajudando a estruturar produtos específicos de dívida para empresas que querem e precisam de crédito para se financiar, fazendo a ponte entre essas empresas e os investidores. Tem também a área de sales e trading, que trabalha bastante com mercado de moedas, com produtos de juros e inflação, a mesa de operações. Essa parte oferece para o cliente proteção contra a variação dos preços de moeda, entre outras coisas. Enfim, existem diversas áreas, mas o principal ponto do banco de investimentos é realizar operações estruturadas, seja de crédito, seja de fusões ou aquisições, seja para combater a variação do câmbio, e geralmente sempre movendo grandes volumes.

 

Como a pandemia afetou o mercado de investimentos produtivos?

No momento em que a pandemia surgiu, assim como em outros grandes períodos de crise da história, o principal fator para o mercado como um todo se tornar menos produtivo é o fato de que os investidores, num ato para se proteger dos riscos altos de alguns tipos de investimento, acabam vendendo os mesmos e estes perdem valor, atingindo a bolsa de diversos países como um todo e fazendo cair as taxas de juros. No momento de retomada atual, já com a vacina, a inflação tem subido bastante, elevando novamente as taxas de juros e recuperando o mercado. Quem injetou dinheiro lá em março, logo após o início da pandemia, já ganhou muito com a valorização de ações, por exemplo.

Hoje, existe algum ramo de atividade que dê certeza de retorno para o investidor? Se sim, isso continua no futuro?

Essa é uma pergunta delicada, mas é seguro dizer que não existe um ramo que dê certeza absoluta de retorno, pois por maior e mais rica que seja a empresa em questão, são milhares os fatores que nós não podemos controlar e que podem interferir no valor dela. O que eu posso afirmar é que analisando o mercado e seus setores, fica mais fácil optar pelo investimento certo no momento certo. Por exemplo: atualmente, o dólar está nas alturas, então, investir em empresas que exportam provavelmente é um bom negócio, pois seus custos são cobrados em real e sua receita vem em dólar, ou seja, “valendo cinco vezes mais”. Como já disse, não existe uma empresa que dê certeza de retorno para o investidor, o que existe são oportunidades a serem aproveitadas. Apesar disso, o mercado de ações, se pensarmos no longo prazo, sempre tende a subir; mesmo que tenha existido um momento em que o coronavírus atingiu e derrubou a bolsa, no longo prazo, isso representa só uma pequena onda. Por isso, acho que o foco do investidor deve ser sempre no longo prazo, sempre balanceando sua carteira e não focando apenas em um tipo de ativo. É muito importante você ter um mix completo para o seu perfil como investidor.

Créditos da imagem: Advantus Media, Inc. and Quoteinspector.com

Relatório "O vírus da desigualdade", produzido pela Oxfam Brasil, disseca disparidades agravadas pela Covid
por
Sofia Paiva
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31/05/2021 - 12h

Fonte: Shutterstock

É fato que a pandemia não está sendo emocionalmente fácil para ninguém. Muitos perderam familiares e amigos para o vírus ou até mesmo foram contaminados e estão sofrendo consequências físicas da doença. Porém, as repercussões econômicas e sociais não afetam todos de forma igualitária. Muito pelo contrário, a Covid-19 apenas evidenciou as desigualdades já existentes em nossa sociedade.

De acordo com o relatório da Oxfam Brasil “O vírus da desigualdade”, as mulheres, a população negra e integrantes de grupos étnicos minoritários são os mais afetados pela doença. “A pandemia expôs, alimentou e aumentou as desigualdades econômicas, de raça e gênero por toda parte”, diz o relatório.

“Quando se fala que a pandemia afeta todos de forma igual, porque o vírus não distingue se a pessoa é homem ou mulher, negra ou branca, isso é apenas parcialmente verdade, porque a questão da forma do contágio está pautada em indicadores sociais”, afirma Jefferson Nascimento, coordenador da área de justiça social e econômica da Oxfam Brasil. “Esses indicadores sociais não estão diretamente ligados à pandemia, mas criam condições para que um determinado perfil de pessoa esteja mais exposto a ela.”

O relatório da Oxfam Brasil mostra que a população negra foi a que mais se contaminou e teve maior índices de mortes devido à Covid-19. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de junho de 2020 mostram que negros têm 40% mais chance de morrer pelo vírus do que brancos.

Além disso, em todo o mundo os índices de contaminação e mortes pelo vírus são maiores entre a população mais pobre. Na Inglaterra, por exemplo, as taxas das áreas pobres chegam a ser o dobro das áreas mais ricas. 

A explicação para todos esses dados está nos indicadores sociais que Jefferson menciona. “A população da periferia, por exemplo, é em sua maioria negra e de baixa renda, e essas pessoas têm que se deslocar para as partes mais centrais da cidade para poder trabalhar. Isso faz com que essa desigualdade pré-existente seja potencializada nesse contexto de pandemia, porque a pessoa não tem opção exceto se expor ao vírus”, afirma ele.

Não foi apenas a desigualdade social e racial que cresceu durante a pandemia. O abismo da desigualdade de gênero também ganhou uma nova profundidade. Apesar de o desemprego ter sido global, as mulheres foram as que mais perderam empregos em todo o mundo. Segundo uma análise feita pela consultoria McKinsey no ano passado, para cada homem que ficou desempregado havia quase o dobro de mulheres na mesma situação. 

Jefferson explica que, como a maioria das pessoas que estão em trabalhos informais são mulheres, e esses foram os primeiros empregos a serem perdidos na pandemia, elas acabam sendo desproporcionalmente afetadas por esse contexto, por isso a alta taxa de desemprego.

Adrielle Constantino é uma dessas mulheres. Ela trabalhava na área de atendimento em um museu no Rio de Janeiro quando o lockdown foi decretado em março do ano passado. O turismo foi um dos primeiros setores a ser afetado pelo decreto. Inicialmente nenhum funcionário foi demitido, mas se tornou impossível manter os salários e benefícios com a instituição fechada. Então a maior parte dos funcionários da área de atendimento foi despedida. “Eu não recebia muito, mas era um emprego muito bom, do qual eu sinto muita falta”, diz Adrielle. Agora desempregada, ela vive com o irmão (ainda empregado) na casa de sua tia e recebe ajuda de familiares quando necessário. 

Em contrapartida, segundo a Oxfam Brasil, os dez homens mais ricos do mundo acumularam cerca de US$500 bilhões desde que a pandemia começou. Isso é mais que o suficiente para pagar a vacina da Covid-19 para todos. 

Além disso, os 1000 maiores bilionários do mundo recuperaram as perdas da pandemia em apenas nove meses. Os mais pobres levarão mais de uma década para voltar ao nível que estavam antes do vírus.

Jefferson afirma que a pandemia vai passar, mas que é necessário aproveitar essa fase para não voltar a uma realidade igual à que tínhamos antes da crise. “A ideia é que a gente aproveite esse momento de grande mudança no mundo para assentar a economia do planeta em novas bases”, diz ele. 

Segundo Jefferson, há uma forte correlação entre o investimento em políticas públicas sociais e a redução da desigualdade. Saúde, educação, seguridade social e moradia, Jefferson acredita que o financiamento dessas áreas foi gravemente impactado nos últimos anos, mas principalmente em 2016 , a partir da aprovação da Emenda Constitucional 95, que estabelece um teto de gastos públicos federais por um prazo de 20 anos.

O funcionário da Oxfam afirma que essa emenda impacta os investimentos em políticas públicas sociais, e que isso se reflete na reversão da tendência de redução da desigualdade social e econômica observada entre 2000 e 2015, graças ao maior orçamento para políticas como as citadas anteriormente. 

Porém, ele acredita que, mesmo sem o teto de gastos, é necessário ter um fortalecimento fiscal do Estado para que possam existir os recursos necessários para financiar uma política de educação e saúde de qualidade. Por isso, a Oxfam Brasil propõe que se faça uma reforma tributária progressiva, que deve pesar mais sobre as pessoas mais ricas e menos nas pessoas mais pobres, ao contrário do que acontece atualmente. 

“É importante levar em consideração o quão demorado é esse processo de redução das desigualdades, pois ele depende de uma multiplicidade de fatores. Os ganhos na luta contra a desigualdade são muito facilmente reversíveis", completa Jefferson.