Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
por
Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Felipe trabalha como motorista de aplicativo e não paga INSS, mas diz que passará a contribuir no futuro
por
Mayara Pereira
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31/10/2025 - 12h

Por Mayara Pereira

 

Felipe Silva é um motorista de aplicativo há 4 anos. Ele conta que após perder o emprego de repositor em um pequeno mercado perto de onde morava, teve que buscar alternativas para sustentar ele e a família, já que é o provedor da casa. Tentou procurar emprego em outros setores, mas sem sucesso. Com suas tentativas frustradas, resolveu virar motorista de aplicativo. Quando começou não tinha um carro que era aceito para fazer as viagens, então com o dinheiro que conseguiu depois de ser demitido, deu de entrada, junto com o seu carro e comprou um melhor para conseguir rodar. Hoje a única fonte de renda de Felipe são as corridas. Ele passa cerca de 10 horas por dia trabalhando, durante 6 dias da semana e as vezes até 7. Mesmo sem os direitos trabalhistas básicos ele diz que gosta de ser “livre” e não ter patrão. Felipe não paga INSS, mas diz que passará a pagar futuramente e segundo ele, possuí uma poupança para custear gastos futuros dele e de sua família.

Os números da economia informal no Brasil são indicadores complicados no mercado de trabalho. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que no primeiro trimestre de 2025 perto de 32 milhões de brasileiros estão trabalhando informalmente. Quase um terço de trabalhadores operam sem carteira assinada, nem CNPJ, muito menos acesso a direitos básicos. No Norte e Nordeste essa taxa supera os 50%, levantando desigualdades históricas e estruturais no país. Motoristas de aplicativo e motoboys surgem como os maiores exemplos de uma informalidade, influenciada por discursos morais e “flexibilidade”, mas na prática percebemos a precarização desses trabalhadores.  

As plataformas digitais mudaram a maneira de trabalhar e gerar renda. O IBGE calculou que, em 2022, cerca de 2 milhões de brasileiros usavam apps para trabalhar e representam 77% autônomos. A maioria atua em serviços de entrega ou transporte, com jornadas extensas, muitas vezes ultrapassando 10 horas de trabalho por dia. Motoboys e entregadores, por exemplo, trabalham em média mais de 45 horas semanais, conforme o instituto, quase cinco horas a mais que trabalhadores de funções similares fora das plataformas. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que mais de 55% destes trabalhadores estão completamente na informalidade, sem nenhum tipo de contribuição para a previdência ou segurança social. 

A ausência de um vínculo formal mostra um dilema presente no mercado de trabalho atual, a autonomia e liberdade prometida se juntam com a instabilidade e falta de direitos. Muitos motoristas e entregadores, dizem gostar desse sistema, já que podem definir horários e ganhos. Apesar disso, essa independência, traz consigo muitos perigos que não são assumidos pelas empresas. Custos com gasolina, consertos do veículo, comida e equipamentos de segurança, são todos por conta do trabalhador. Caso fiquem doentes ou se acidentem, não têm direito a auxílio-doença, FGTS ou seguro-desemprego. A contribuição para o INSS, quando rola, acontece de forma voluntária e as vezes, o que dificulta o acesso a aposentadorias e benefícios. A maioria dessas pessoas simplesmente não contribuem, seja por não saber como, por ter dificuldade em pagar, ou por causa da renda irregular.  

Essa situação mostra que, por um lado, a economia informal é considerada como um motor que mantém o País indo para frente. Por exemplo, na pandemia, os entregadores e motoristas de aplicativo foram muito importantes para garantir os serviços básicos, como a entrega de comida e remédios, quando quase tudo parou, e, por outro, mesmo sendo vistos como essenciais, esses trabalhadores continuam marginalizados pelo Estado e pela sociedade. Existe uma mistura de admiração e estigma: eles são vistos como guerreiros que "não param", mas também como profissionais que fazem "bicos", sem estabilidade ou um futuro garantido. O efeito da informalidade na economia é incerto. Ela absorve milhões de pessoas que, de certa forma, estariam sem emprego, aliviando os números de desocupação e assegurando uma pequena circulação de dinheiro. 

Em áreas remotas e cidades pequenas, o trabalho sem registro é o pilar do comércio e dos serviços locais. No entanto, essa situação traz um preço elevado, diminuindo a receita fiscal e fragilizando a Previdência Social. Esses trabalhadores sofrem mais com as crises, imprevistos e enfermidades, sobrecarregando os sistemas públicos de saúde e ajudas sociais. Além disso, a produtividade é reduzida, visto que a instabilidade financeira dificulta planos. Em 2024, o IBGE apontou que mais de 25% dos trabalhadores do setor privado não possuíam carteira assinada. O Dieese revelou também que os salários de motoboys e entregadores de aplicativos são, em média, 40% abaixo dos de quem trabalha formalmente em funções parecidas. Esses números evidenciam que, mesmo com a tendência nova economia e da "liberdade de empreender", a verdade é que acontece um maior esgotamento desses trabalhadores.  

A ausência de uma regulamentação correta para os trabalhadores de aplicativo é um dos maiores problemas. Em 2024, o governo começou algumas propostas para fazer uma lei, para dar direitos mínimos, como a previdência social e seguro contra acidentes. O projeto pensava em colocar as plataformas para colaborar pagando uma parte do INSS, pelo tempo de trabalho que o sujeito presta serviços a essas empresas. Mas o projeto encontra dificuldades pois as empresas terão menos lucro e vendem a ideia da perda de liberdade. Fora a lei, alguns especialistas falam em criar políticas públicas para ajudar na previdência e dar cursos de capacitação de forma gratuita.  

Simplificar o processo de contribuição ao INSS, ajustar a renda variável e irregular dos trabalhadores autônomos, seria um passo importante para esse problema. Oferecer linhas de crédito acessíveis, juntamente com seguros específicos para motoboys e motoristas, poderia diminuir custos operacionais e reduzir o risco de dívidas. Também é importante investir em infraestrutura urbana, locais de apoio e políticas de saúde ocupacional. Tais medidas poderiam ajudar na redução de acidentes e no melhoramento das condições de trabalho, sobretudo nas grandes metrópoles. 

O entregador de aplicativo, o motorista do Uber, e o vendedor ambulante, são parte significativa da economia brasileira. Eles impulsionam e estimulam o consumo, e sustentam inúmeras famílias. Reconhecer estes profissionais significa admitir que o Brasil de verdade é construído, em grande parte, por gente que vive na informalidade. 

Dessa forma, a economia vai muito além de simples dados estatísticos, é o pilar da subsistência de milhões de brasileiros. Ela expõe as diferenças de uma país em ascensão, que não garante condições decentes para todos. Sem políticas estruturais que envolvam esses trabalhadores sobre os direitos sociais, o País continuará preso em um ciclo de desigualdade e precarização. Formalizar, é bem mais que só um contrato, é garantir que o trabalho, em qualquer área, seja sinônimo de dignidade. 

Crise econômica e sanitária fortalece paradigmas sociais que submetem as mulheres à síndrome da impostora
por
Luíza Feniar Migliosi
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04/07/2021 - 12h
Ilustração: Icons 8 from Ouch!
Ilustração: Icons 8 from Ouch!

A desigualdade de gênero antecede o surgimento da Covid-19, mas a pandemia evidenciou a fragilidade que o mercado de trabalho representa para as mulheres. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgados em abril de 2021, o percentual de mulheres que trabalhavam foi de 45,8% no terceiro trimestre de 2020, aproximando-se do nível mais baixo já registrado desde 1990, que corresponde a 44,2%.

Ao comparar esse trimestre do ano passado com o mesmo período de 2019, que registrava 53,3% na participação, a queda das mulheres no mercado de trabalho foi de 7,5 pontos percentuais. Para os homens, no mesmo período, houve um recuo de 6,1 pontos percentuais – de 71,8% para 65,7%.

A equidade de gênero encontrou uma barreira inconciliável com a pandemia. A segregação ocupacional foi um dos parâmetros mais evidenciados durante esse período. Segundo dados do Ipea, as áreas em que há mais mulheres trabalhando foram as que mais perderam população ocupada. As trabalhadoras femininas estão mais presentes em categorias específicas, como, por exemplo, estética, serviços de limpeza doméstica e empresarial, comércio, turismo e serviços em geral. A divisão na área de atuação reforça os padrões sociais.

A crise sanitária e econômica acentuou as distâncias salariais entre os gêneros. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada pelo IBGE, revelou que, ao ocupar cargos de gerência ou direção, o rendimento médio das mulheres foi de R$ 32,35 por hora em 2020. Para os homens, R$ 45,83. A diferença de R$ 13,48 superou a observada em 2019, que correspondia a R$ 9,21. Os dados também comprovam que os salários inferiores permaneceram para cargos com formação em nível superior, com pagamentos em torno de R$ 5 mil para mulheres e R$ 8 mil para os homens.

Para a psicóloga Fernanda Reis, a sociedade contribui para falta de confiança das mulheres. “Por décadas, as mulheres viveram em rotinas em que se expor de maneira espontânea e assertiva trazia muitos prejuízos, como rótulos de promiscuidade e, até mesmo, punições sociais, por motivos financeiros, de classes entre outros. Além disso, nota-se em maior intensidade a necessidade de agradar e de aceitação”, conclui.

Artigo publicado na Harvard Business Review, que viralizou na internet, escrito por Ruchika Tulshyan, premiada estrategista de inclusão, escritora e contribuinte do New York Times, e Jodi-Ann Burey, escritora e oradora, mostrou que o ambiente de trabalho tem influência direta nas discrepâncias de desempenho e responsabilidades entre os gêneros. Essa falta de autoconfiança pode ser resultado da chamada síndrome da impostora.

Conceito desenvolvido pelas psicólogas Pauline Rose Clance e Suzanne Imes, foi denominado, originalmente, como “imposter phenomenon” (“fenômeno impostor”, em tradução livre), em 1978. A pesquisa concluiu que as mulheres duvidavam de suas habilidades e sentiam-se como fraudes, questionando seu desempenho, conquistas e elogios. “Apesar das notáveis ​​realizações acadêmicas e profissionais, as mulheres que vivenciam o fenômeno impostor persistem em acreditar que realmente não são brilhantes e enganam quem pensa o contrário”, postula o estudo publicado pela Georgia State University.

Para a analista júnior de atendimento ao cliente, Geysa Losovoi, a ansiedade começou com os processos seletivos no final da graduação. Quando conquistou o estágio, foi obrigada a lidar com situações em que as questões de gênero eram predominantes. “Eu atuava na área de manutenção predial de um banco e presenciei diversos eventos que colocavam minha capacidade em prova. Não pelos meus superiores, mas, por vezes, pelos meus pares e pelos operadores.”

Apesar do seu trabalho atual ter um ambiente mais acolhedor e apresentar muitas referências de liderança feminina, Geysa ainda se sente insegura. Durante as conversas com sua chefe, ainda questiona suas atitudes e a possibilidade de ser demitida. “Inclusive, no primeiro dos feedbacks, não consegui conter meu medo e chorei na frente dela”, relata a analista.

A maioria das mulheres experimentam a síndrome da impostora durante grande parte da vida. Na faculdade, seja pela procura do primeiro estágio ou por participar das associações estudantis, o período de início de carreira coloca em xeque a bagagem desenvolvida durante a vida acadêmica. “A sensação de incapacidade, como podemos dizer, ou também senso de desvalia, pode nos impedir e lentificar algumas decisões e mudanças que precisam ser feitas em nossas vidas. Pensamos em um comprometimento maior se há prejuízo em vários eixos da vida da pessoa, como trabalho, família e relacionamentos”, conclui a psicóloga Fernanda Reis.

Lívia* é analista júnior da área comercial e relatou que, durante o final do segundo ano do seu curso, iniciou uma depressão leve e precisou procurar ajuda psicológica, o que a fez perceber que “a faculdade criou questões com a síndrome da impostora, não se achar capaz o bastante para lidar com tudo, se sentir inferior”. A experiência do primeiro estágio também contribuiu para que permanecesse receosa nos trabalhos futuros. “Principalmente, porque meu primeiro estágio foi no banco, um ambiente muito masculino. Sofri por ser mulher e estagiária. Senti que era menor e criei um medo de me desenvolver lá dentro.” 

Todavia, essa não é a única área marcada pela segregação ocupacional. Para Aline*, arquiteta recém-formada, por trabalhar em um campo de criatividade, a comparação acompanha todos os processos. “Acredito que foi quando fui idealizar o primeiro projeto da minha carreira que me deparei com a síndrome de impostora de fato, porque era a primeira vez que eu estava desenhando algo que era fruto da minha própria bagagem”, diz.

Além disso, a arquiteta relata que as redes sociais são fatores de grande impacto para as inseguranças. O Instagram, meio muito utilizado para divulgar projetos, foi a principal ferramenta que a fez questionar sua capacidade, já que a realidade da mídia transmite uma fluidez sem esforços que, segundo Aline, contribui para reforçar a sensação de impostora. “Não se mostra o lado B da coisa, mas, mesmo sabendo disso, é difícil não comparar com a minha realidade. Como meus colegas estão tão bem-sucedidos, tão seguros, e eu estou aqui, mergulhada na ansiedade sem conseguir dar um passo nos meus projetos?”, questiona.

“Uma vez que a síndrome está instaurada, ela irá repercutir em todos os eixos psicológicos, bem como a forma de enfrentamento sobre eles. É por essa razão que é importante o esclarecimento de altas expectativas e formação de uma comunicação e ação assertiva com si mesma e com os outros. Respeitando seus limites e buscando autocuidado”, conclui a psicóloga Fernanda Reis.

Livia acabou saindo do estágio para iniciar um intercâmbio em 2019. Retornou em julho do ano passado e, devido à crise sanitária, não encontrou o emprego que queria. “Acho que, inclusive, a própria pandemia me influenciou a não terminar processos que seriam bons para mim por esgotamento emocional. A pandemia afetou muito as minhas oportunidades e situações a que me submeti”. Ela teve que aceitar um contrato de trabalho por MEI (Microempreendedor Individual), recebendo menos do que no primeiro estágio e trabalhando por mais horas.

Para Helena*, estagiária de comunicação corporativa, o ambiente atual de trabalho ajudou a restaurar a seu segurança, apesar de acreditar que só poderá confirmar caso seja efetivada. Porém, a experiência de desvalorização aconteceu na empresa júnior no início da faculdade. “Nesse caso em específico, acredito que o que pegou foi que era uma primeira experiência profissional e que eu já estava lidando com o desafio de construir um cargo do zero, mas ao longo da gestão, muitas vezes, eu sentia que minha opinião não era ouvida ou levada a sério por ser mulher, o que também acabava influenciando.” Ao mesmo tempo, Helena enfrentou uma sobrecarga, já que seus colegas tinham em mente que ela poderia lidar com todo trabalho.

O Informe de Percepção de Gênero, feito pelo LinkedIn em 2019, apontou que as mulheres sentem que precisam preencher todos os requisitos para se candidatar a uma vaga. Para os homens, preencher 60% dos requisitos já é suficiente. Jhenyffer Coutinho descobriu esse dado, em 2018, durante um workshop de liderança feminina. Aliando-o ao fato de que aproximadamente 7 milhões de mulheres perderam seus empregos durante a pandemia, ela fundou a “Se Candidate, Mulher!”, empresa de capacitação comportamental que ajuda com segurança e performance no processo seletivo.

“A gente também teve a menor taxa de participação da mulher nos últimos 30 anos. Quando uma empresa tem que priorizar um homem ou uma mulher, entende que a dedicação do homem vai ser maior porque ele não tem outras coisas para tomar conta. Esse dado foi reflexo de tudo que aconteceu desde o início da pandemia globalmente, mas com bastante força no Brasil”, reforça a CEO. Além disso, Jhenyffer evidencia o trabalho que espera a mulher depois do seu expediente, que, segundo a filósofa Silvia Federici, pode ser designado como “trabalho não remunerado”, como cuidado da casa, dos filhos ou do marido, destinados socialmente às mulheres.

Apesar das mulheres demonstrarem força e ambição, ser rotulada com a síndrome da impostora é um fardo para carregar. Essa dinâmica de cobrar da mulher autoconfiança não é significativa se o ambiente de trabalho e a sociedade não possibilitam espaço e segurança para seu desenvolvimento.

 

*Nomes Fictícios

As duas maiores administradoras do ramo, brMalls e Iguatemi, apontaram queda de faturamento no primeiro trimestre
por
Thalisson Luan
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04/07/2021 - 12h
Juntas, Iguatemi e brMalls contam com 19 shoppings no estado de São Paulo (Imagem: divulgação)
Juntas, as administradoras contam com 19 shoppings no estado de São Paulo (Imagem: divulgação)

 

Os shopping centers sofreram grandes impactos em seu faturamento durante a pandemia. Com o fechamento de centros comerciais imposto por alguns estados, o setor encerrou 2020 com queda de 33% na receita,  segundo dados da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce).

Para a Abrasce, a digitalização por meio de marketplace nos shoppings é um caminho a ser seguido. Segundo dados obtidos pela associação, 59% pretendem instalar marketplaces em até dois anos.

"Os shoppings estão evoluindo e as plataformas de marketplace estão mais confortáveis de usar. Imagino que em cinco anos todos os shoppings estarão em ambiente digital", afirmou Glauco Humai, presidente da Abrasce, em coletiva realizada para a divulgação dos números do setor.

A administradora Iguatemi, que faz o gerenciamento de shoppings como JK Iguatemi, Shopping Pátio Higienópolis e Market Place, teve uma queda de 28,4% nas vendas totais no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior. Já o valor arrecadado com aluguéis de lojas diminuiu 4,2%.

O Shopping Pátio Higienópolis, inaugurado em 1999, viu o seu design de interiores ser tomado por tapumes ao longo dos corredores. O estabelecimento tem cerca de 35 mil metros quadrados, contendo aproximadamente 300 lojas espalhadas por seis andares. Segundo funcionários mais antigos ouvidos pela reportagem, o local nunca viu tantas lojas fechando como neste período.

 

Segundo funcionários, o número de lojas fechadas no Higienópolis passa de 30. (Reprodução: Asbraf)
Segundo funcionários, o número de lojas fechadas no Higienópolis passa de 30. (Reprodução: Asbraf)

 

A brMalls, outra administradora de shopping centers, que tem no portfólio o Shopping Villa-Lobos, Mooca Plaza Shopping e Shopping Metrô Santa Cruz, também viu o seu faturamento cair. Conforme o levantamento do primeiro trimestre, as vendas tiveram uma redução de 26,2%, em comparação com o ano anterior. Contudo, a empresa aponta uma retomada gradual olhando o índice de 1% no aumento do aluguel de lojas.

 

Foto: Divulgação.

 

Franquia de loja cresce em meio à pandemia

Indo na contramão da maioria dos lojistas, a franquia de lojas de cultura geek Piticas aumentou o número de estabelecimentos, com uma estratégia de oferecer experiência imersiva aos clientes e apostar na conversa com as administradoras dos shoppings.

Em entrevista à Agemt, Felipe Rossetti, sócio-diretor da Piticas, conta que a franquia está chegando a 500 lojas, sendo 470 só em shoppings, incluindo galerias e shoppings menores. No começo da pandemia a empresa sentiu o impacto das lojas fechando, visto que sua atuação é majoritariamente física. No entanto, como a Piticas tem uma fábrica de vestuário própria, com cerca de 900 funcionários, decidiu lançar mão desses recursos para ajudar hospitais e segurar o impacto.

“Pegamos essa produção e viramos a fábrica inteira para fazer avental hospitalar e máscaras para hospitais, isso ajudou a gente a conseguir manter um pouco do faturamento”, comenta Rossetti.

Felipe Rossetti em loja da marca de vestuário e produtos geek (Imagem: divulgação Piticas)
Felipe Rossetti em loja da marca de vestuário e produtos geek (Imagem: divulgação Piticas)

O empresário conta que o contato com os franqueados foi frequente no ano passado, para entender a necessidade de cada um e ajudar da melhor maneira, tratando cada caso em separado. Uma das iniciativas que ele aponta para manter as lojas foi a parceria com as administradoras dos shoppings, que considera muito boa.

“A gente conseguiu negociações muito boas para esse período, o que ajudou os franqueados a se manterem nos pontos de venda”, afirma Rossetti, dizendo ter contato direto com executivos de administradoras como Multiplan e brMalls.

Para a Piticas não houve grandes fechamentos de pontos, mas sim repasse para outros franqueados interessados. Foram, segundo Rossetti, 30 repasses, que se deram porque alguns donos de franquias não se mostraram alinhados com a política da empresa e as diretrizes de expansão. “O franqueado não quer expandir,  não quer crescer,  fica ali no faturamentozinho dele e não enxerga tudo isso que a gente tá fazendo. Aí para a gente não faz sentido ter esse cara”,  complementa Rossetti.

“Para a gente faz mais sentido pôr um cara com gás, um cara que você vê que é fã da cultura pop ou da marca, o cara que tá ali com tesão todos os dias dentro do quiosque e dentro da loja, porque isso faz uma diferença”, afirma o empresário.

Sobre o futuro, o sócio-diretor da Piticas projeta que as lojas com experiências para o consumidor vão desbancar o varejo tradicional, onde há uma pessoa na porta esperando para atender o cliente, que compra e vai embora imediatamente. “A gente acredita que a experiência, ela primeiro, faz com que o consumidor fique mais próximo da marca. Segundo, os nossos números mostram que, quando tem uma experiência em loja, o tempo de permanência do cliente é maior e os números também mostram que onde tem experiência o tíquete médio também é maior”, diz Rossetti.

No entanto, o empresário ressalta que essas experiências têm que colocar o cliente dentro da temática proposta, pensando alto e usando a criatividade.

“Eu sempre falo com o pessoal: essa experiência tem que ser realmente uma experiência. Você colocar um boneco de papelão 2D, isso não é uma experiência. Uma experiência é você replicar a nave de Star Wars em 3D e colocar lá dentro o cara sentado dentro da nave brincar e fazer barulho e ter a música. Isso é experiência.”

 

Imagem da experiência da nave de Star Wars que chegará na loja do Center Shopping Uberlândia (Imagem: Instagram @ferossetti)
Imagem da experiência da nave de Star Wars que chegará na loja do Center Shopping Uberlândia (Imagem: Instagram @ferossetti)

 

Mais da metade da população não sabe se terá o que comer no dia seguinte; interrupção e corte do auxílio emergencial agravaram situação
por
Beatriz Girão e Laura Ré
|
03/07/2021 - 12h
Foto: Giovanna Colossi, especial para a Agemt
Fila para receber as marmitas distribuídas pela Tenda Franciscana, no Centro de São Paulo. Foto: Giovanna Colossi 

 

O Brasil está de volta ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU). Mais da metade da brasileira não sabe se terá o que comer no dia seguinte. O país estava fora do levantamento desde 2014, mas, com a pandemia, a deterioração social que já vinha ocorrendo se agravou ainda mais, expondo a ausência de políticas públicas voltadas a combater a pobreza.

De acordo com Fernando Burgos, professor de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e especialista em desigualdade social, a fome no Brasil é uma questão histórica e sempre foi uma realidade. A implementação de políticas públicas como Fome Zero e Bolsa Família contribuiu para a queda dos índices de extrema pobreza e a melhora na qualidade de vida. Contudo, Burgos afirma que a crise econômica do segundo governo Dilma vem sendo agravada desde então. “Com Bolsonaro pré-pandemia em 2019, o Brasil começou a voltar para o Mapa da Fome.” 

O auxílio emergencial foi um dos recursos adotados pela gestão federal para tentar amenizar a crise e instaurar uma proteção social para a população mais pobre do país. De início, o aporte foi de R$ 600, destinado a maiores de 18 anos (exceto mães de famílias monoparentais), trabalhadores sem carteira assinada, autônomos, microempreendedores individuais (MEI) e desempregados. Era necessário também estar dentro do limite de renda por pessoa da família de até R$ 522,50 ou renda familiar de até R$ 3.135,00. Esse modelo inicial ficou em vigência até dezembro de 2020. 

Para Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), o auxílio emergencial foi capaz de recompor as finanças de grande parte daqueles que perderam as fontes de renda. "Com sua grande cobertura e um alto valor do benefício, não seria de se surpreender que o auxílio emergencial tivesse sido um impacto significativo sobre a taxa de pobreza agregada no país”, explica. Duque ressalta que, se a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), ferramenta do IBGE que acompanha as flutuações da força de trabalho, for observada ao longo de quatro semanas, seria uma possibilidade para ajudar a reduzir a pobreza no país.

De dezembro de 2020 até maio deste ano, a população ficou desamparada, sem auxílio emergencial. A renovação em 2021 foi definida com um valor reduzido para R$ 375,00. Entretanto, Duque afirma que não será o suficiente e que, com a extinção do auxílio emergencial de janeiro a abril deste ano, houve um impacto sobre a massa de rendimentos, pobreza e desigualdade. “A incapacidade do governo de imunização em massa prejudica também a melhora da economia e a volta do mercado de trabalho. Se o auxílio não for aumentado ou permanecer por mais tempo, será necessário, por exemplo, a aprovação de aumento do orçamento do Bolsa Família", avalia. 

Fernando Burgos também adverte sobre as consequências do valor menor para o auxílio e aponta que a tendência até o final deste ano é que muitas famílias entrem em uma situação grave do ponto de vista social. "Quem está sendo contemplado agora, provavelmente, vai ter mais dificuldade. Lembrem-se que R$ 75 é R$ 12 e pouquinho por dia.”, ressalta.

O retorno do Brasil ao Mapa da Fome é uma consequência da pandemia da Covid-19 e da má gestão e distribuição, principalmente da segunda parcela, do auxílio emergencial oferecido pelo governo federal. Com esse cenário, o movimento “Tem Gente Com Fome”, apoiado pela Anistia Internacional e diversas outras ONGs, usa as redes sociais de artistas e recebe o apoio de empresas para clamar por ajuda e arrecadar doações para famílias vulneráveis. O resultado prévio deste trabalho identificou 222.895 famílias a serem auxiliadas e mobilizadas em periferias, favelas, comunidades quilombolas, populações ribeirinhas e palafitas em todo o território nacional.

“Para mim, as empresas doarem, eu acho legal, acho um gesto importante. Todos nós estamos no mesmo barco. Então, foi uma onda de solidariedade bacana por um lado. Por outro lado, tem muita solidariedade condicionada, que vai dar naquilo que eu, elite, entendo que tem que ser dado.”, critica Burgos. O professor aponta as ONGs que precisam receber financiamento como as que serão mais prejudicadas ao longo desta segunda, e em uma eventual terceira, onda da Covid-19, pois “não adianta você dar o saco de feijão, se você não der o gás”. Como diz Burgos, é preciso fornecer condições para uma melhor qualidade de vida como um todo para as famílias vulneráveis.

Imagens: Giovanna Colossi, especial para a Agemt

Introduzida no Brasil na década de 1980, equoterapia é utilizada como complemento de tratamentos físicos e psicológicos
por
Beatriz Pugliese
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30/06/2021 - 12h

A equoterapia foi trazida para o Brasil, no final dos anos 80, pela Ande, Associação Nacional de Equoterapia. Seu objetivo principal é complementar o tratamento dos praticantes, através de exercícios com equinos, estimulando tanto o lado físico quanto psicológico. Hoje, a Ande, cuja sede é em Brasília, atua em todo o território nacional como centro regularizador da equoterapia. Existem centros filiados, que seguem todas as normas decretadas pela entidade, e os centros agregados, que seguem parcialmente as normas. 

Estima-se que existam, hoje, 6,5 milhões de deficientes visuais no Brasil, 2 milhões de casos de autismo, 1,4 milhão de paralisia cerebral e 300 mil de Síndrome de Down. Esses são alguns dos principais praticantes de equoterapia. 

A Equovita é um dos 280 centros filiados da Ande e se situa em Jundiaí, no interior de São Paulo. O centro, que era 100% dedicado à equoterapia, hoje possui uma agenda mais diversificada e equilibrada. O tratamento com equinos representa 45% de seu faturamento, enquanto as aulas de equitação respondem por 55%. Roberto Aprigliano, proprietário e professor da Equovita, conta que ambos os serviços oferecidos tiveram um crescimento acentuado nos últimos anos, principalmente durante a pandemia. 

Roberto explica que a equoterapia vem se tornando mais conhecida entre os brasileiros desde 2018. Em cinco anos, a Equovita dobrou o número de alunos da modalidade, totalizando 63 atualmente. Entretanto, o distanciamento social exigido pelo novo coronavírus também teve grande participação nesse crescimento. “A maior parte das terapias era em sala, o que foi proibido e restrito”, diz Roberto. “A equoterapia entrou como um contrapeso: ar livre, sem aglomeração, equipe protegida.” É importante destacar que a equoterapia é um tratamento complementar, nunca o principal. “O objetivo é a manutenção do que eles já têm. Nós sabíamos que alguns poderiam não ter evolução, mas só de não ter involução já era um ganho.”  

Uma questão muito presente em qualquer serviço com equinos é o custo. Na equoterapia, particularmente, além dos custos do cavalo, como alimento e vacinas, também há o custo dos profissionais. De acordo com as normas da Ande, uma sessão de equoterapia exige o acompanhamento do terapeuta específico (fisioterapeuta, fonoaudióloga, psicóloga etc), um auxiliar e um guia para o cavalo. Para suprir a soma de todos esses gastos, as mensalidades na Equovita são a partir de R$ 495. 

Entretanto, existem formas de contornar essa situação financeira. “O cidadão pode entrar na Justiça”, conta Roberto. O equoterapeuta explica que já atendeu diversos casos em que a verba vem da prefeitura ou dos planos de saúde, após uma decisão judicial.  

Foi exatamente esse desejo de tornar a equoterapia mais acessível que motivou a fisioterapeuta Carla Natucci a criar a ONG Abraahce (Associação Brasileira de Relacionamento Homem, Animal, Meio Ambiente e Centro de Equoterapia).

A Abraahce é uma organização sem fins lucrativos e totalmente focada em equoterapia. “Nosso pensamento nunca foi gerar lucro, mas precisamos sobreviver”, conta Carla. “Tem algumas pessoas que mediante ações liminares acionaram os próprios convênios ou a prefeitura do município, mas são poucos.” 

A fisioterapeuta explica que a ONG possui um programa de bolsas, mas que qualquer pessoa que procure a Abraahce passará por uma entrevista, na qual os valores da terapia podem ser negociados. “Nós temos, hoje, 20% do nosso público com atendimento 100% gratuito. Foi a forma que a gente encontrou de manter o nosso propósito.” Para priorizar o atendimento acessível, a Abraahce criou um projeto de voluntariado, no qual os próprios integrantes da equipe realizam trabalho não remunerado, desde o marketing até o manejo dos cavalos (funções exclusivas para estudantes da área ou pessoas treinadas). 

Assim como a Equovita, a Abraahce também teve um grande aumento na procura por seus serviços. Carla explica que a pandemia trouxe uma nova categoria de clientes para a equoterapia: jovens com ansiedade ou até mesmo depressão. A fisioterapeuta diz que, atualmente, 50% dos praticantes são adolescentes que procuram um tratamento complementar para questões psicológicas e emocionais. Outra parcela significativa dos alunos é composta por crianças diagnosticadas com autismo, representando, aproximadamente, 30% do público da Abraahce. 

Quanto mais reconhecimento a equoterapia recebe, mais acessível ela se torna. Os resultados positivos do contato com equinos têm atraído cada vez mais pessoas, com as mais diversas condições físicas e psíquicas. Para Carla e outros equoterapeutas, o objetivo é nítido: “É para que as pessoas possam ter, realmente, a vida transformada através do cavalo”.

Busca de soluções naturais para auxiliar no combate à ansiedade impulsiona aromaterapia, que já vinha em alta antes da pandemia
por
Soffy Soares
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29/06/2021 - 12h

Foto: Shutterstock

 

Durante a pandemia, diversos brasileiros começaram a  buscar soluções naturais para o controle de ansiedade, estresse e episódios depressivos. Um estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) detectou o  aumento de 90% nos casos de depressão e de 50% nas crises de ansiedade ou sintomas de estresse agudo entre março e abril de 2020. Sendo assim, uma das alternativas que mais ganharam destaque foi a aromaterapia, um ramo da fitoterapia que utiliza óleos essenciais extraídos das plantas para auxiliar tratamentos físicos, emocionais e energéticos.

As essências são comercializadas em lojas de produtos naturais ou através de representantes de marcas. E desde 2006, são oferecidas através do Sistema Único de Saúde (SUS), podendo ser encontradas nas unidades básicas de atendimento. Entretanto, a aromaterapia serve apenas como suporte, o tratamento de transtornos da mente deve ser sempre conduzido por profissionais da saúde.

Segundo dados divulgados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a produção mundial de óleos essenciais é de aproximadamente 45 mil toneladas, avaliadas em US$ 700 milhões. Estima-se que a produção nacional de óleos essenciais seja equivalente a 13,5% da produção total, posicionando o Brasil como o quarto maior exportador em comparação aos outros países. A consultoria Euromonitor projeta que haverá um crescimento global de quase 12% no uso de óleos essenciais até 2023. Na América Latina, a expectativa de crescimento é de cerca de 10% nos próximos quatro anos.

De acordo com  levantamento disponibilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumidor no país vem aumentando seu interesse no setor a níveis consideráveis, antes mesmo da pandemia. O informe aponta que os óleos essenciais (cítricos, excluindo os de laranja) apresentaram um crescimento de um total de 600.000 em toneladas vendidas, no ano de 2014, para um total de 900.000, também em toneladas, no ano de 2017. A demanda é em grande parte para as áreas de produtos de perfumaria e indústria cosmética, mas também é destinada às indústrias alimentícias e farmacêuticas.

A proprietária da Anber Aromas, Lea Berezutchi, teve a ideia de comercializar óleos essenciais durante a quarentena. “Senti muita falta do cheiro da natureza, da minha conexão com ela, enchi minha casa de plantas, e aí veio a ideia de manipular os aromas." A microempresária conta que as vendas superaram o esperado. Logo no primeiro mês de seu e-commerce, totalizou mais de 30 vendas. “Não conhecia muito sobre o assunto, fui me inteirar de como era feito, quais aromas existiam e depois de dois meses iniciei as vendas’’, completa.

O preço desses óleos encontra-se, hoje, em patamar econômico mundial elevado. Entretanto, a valorização durante a pandemia das chamadas práticas integrativas e complementares (PICS) – tratamentos que utilizam recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais –, vem oferecendo novas oportunidades para produtos naturais crescerem ainda mais no mercado nacional e internacional.

Foto da capa: Shutterstock