Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
por
Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Felipe trabalha como motorista de aplicativo e não paga INSS, mas diz que passará a contribuir no futuro
por
Mayara Pereira
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31/10/2025 - 12h

Por Mayara Pereira

 

Felipe Silva é um motorista de aplicativo há 4 anos. Ele conta que após perder o emprego de repositor em um pequeno mercado perto de onde morava, teve que buscar alternativas para sustentar ele e a família, já que é o provedor da casa. Tentou procurar emprego em outros setores, mas sem sucesso. Com suas tentativas frustradas, resolveu virar motorista de aplicativo. Quando começou não tinha um carro que era aceito para fazer as viagens, então com o dinheiro que conseguiu depois de ser demitido, deu de entrada, junto com o seu carro e comprou um melhor para conseguir rodar. Hoje a única fonte de renda de Felipe são as corridas. Ele passa cerca de 10 horas por dia trabalhando, durante 6 dias da semana e as vezes até 7. Mesmo sem os direitos trabalhistas básicos ele diz que gosta de ser “livre” e não ter patrão. Felipe não paga INSS, mas diz que passará a pagar futuramente e segundo ele, possuí uma poupança para custear gastos futuros dele e de sua família.

Os números da economia informal no Brasil são indicadores complicados no mercado de trabalho. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que no primeiro trimestre de 2025 perto de 32 milhões de brasileiros estão trabalhando informalmente. Quase um terço de trabalhadores operam sem carteira assinada, nem CNPJ, muito menos acesso a direitos básicos. No Norte e Nordeste essa taxa supera os 50%, levantando desigualdades históricas e estruturais no país. Motoristas de aplicativo e motoboys surgem como os maiores exemplos de uma informalidade, influenciada por discursos morais e “flexibilidade”, mas na prática percebemos a precarização desses trabalhadores.  

As plataformas digitais mudaram a maneira de trabalhar e gerar renda. O IBGE calculou que, em 2022, cerca de 2 milhões de brasileiros usavam apps para trabalhar e representam 77% autônomos. A maioria atua em serviços de entrega ou transporte, com jornadas extensas, muitas vezes ultrapassando 10 horas de trabalho por dia. Motoboys e entregadores, por exemplo, trabalham em média mais de 45 horas semanais, conforme o instituto, quase cinco horas a mais que trabalhadores de funções similares fora das plataformas. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que mais de 55% destes trabalhadores estão completamente na informalidade, sem nenhum tipo de contribuição para a previdência ou segurança social. 

A ausência de um vínculo formal mostra um dilema presente no mercado de trabalho atual, a autonomia e liberdade prometida se juntam com a instabilidade e falta de direitos. Muitos motoristas e entregadores, dizem gostar desse sistema, já que podem definir horários e ganhos. Apesar disso, essa independência, traz consigo muitos perigos que não são assumidos pelas empresas. Custos com gasolina, consertos do veículo, comida e equipamentos de segurança, são todos por conta do trabalhador. Caso fiquem doentes ou se acidentem, não têm direito a auxílio-doença, FGTS ou seguro-desemprego. A contribuição para o INSS, quando rola, acontece de forma voluntária e as vezes, o que dificulta o acesso a aposentadorias e benefícios. A maioria dessas pessoas simplesmente não contribuem, seja por não saber como, por ter dificuldade em pagar, ou por causa da renda irregular.  

Essa situação mostra que, por um lado, a economia informal é considerada como um motor que mantém o País indo para frente. Por exemplo, na pandemia, os entregadores e motoristas de aplicativo foram muito importantes para garantir os serviços básicos, como a entrega de comida e remédios, quando quase tudo parou, e, por outro, mesmo sendo vistos como essenciais, esses trabalhadores continuam marginalizados pelo Estado e pela sociedade. Existe uma mistura de admiração e estigma: eles são vistos como guerreiros que "não param", mas também como profissionais que fazem "bicos", sem estabilidade ou um futuro garantido. O efeito da informalidade na economia é incerto. Ela absorve milhões de pessoas que, de certa forma, estariam sem emprego, aliviando os números de desocupação e assegurando uma pequena circulação de dinheiro. 

Em áreas remotas e cidades pequenas, o trabalho sem registro é o pilar do comércio e dos serviços locais. No entanto, essa situação traz um preço elevado, diminuindo a receita fiscal e fragilizando a Previdência Social. Esses trabalhadores sofrem mais com as crises, imprevistos e enfermidades, sobrecarregando os sistemas públicos de saúde e ajudas sociais. Além disso, a produtividade é reduzida, visto que a instabilidade financeira dificulta planos. Em 2024, o IBGE apontou que mais de 25% dos trabalhadores do setor privado não possuíam carteira assinada. O Dieese revelou também que os salários de motoboys e entregadores de aplicativos são, em média, 40% abaixo dos de quem trabalha formalmente em funções parecidas. Esses números evidenciam que, mesmo com a tendência nova economia e da "liberdade de empreender", a verdade é que acontece um maior esgotamento desses trabalhadores.  

A ausência de uma regulamentação correta para os trabalhadores de aplicativo é um dos maiores problemas. Em 2024, o governo começou algumas propostas para fazer uma lei, para dar direitos mínimos, como a previdência social e seguro contra acidentes. O projeto pensava em colocar as plataformas para colaborar pagando uma parte do INSS, pelo tempo de trabalho que o sujeito presta serviços a essas empresas. Mas o projeto encontra dificuldades pois as empresas terão menos lucro e vendem a ideia da perda de liberdade. Fora a lei, alguns especialistas falam em criar políticas públicas para ajudar na previdência e dar cursos de capacitação de forma gratuita.  

Simplificar o processo de contribuição ao INSS, ajustar a renda variável e irregular dos trabalhadores autônomos, seria um passo importante para esse problema. Oferecer linhas de crédito acessíveis, juntamente com seguros específicos para motoboys e motoristas, poderia diminuir custos operacionais e reduzir o risco de dívidas. Também é importante investir em infraestrutura urbana, locais de apoio e políticas de saúde ocupacional. Tais medidas poderiam ajudar na redução de acidentes e no melhoramento das condições de trabalho, sobretudo nas grandes metrópoles. 

O entregador de aplicativo, o motorista do Uber, e o vendedor ambulante, são parte significativa da economia brasileira. Eles impulsionam e estimulam o consumo, e sustentam inúmeras famílias. Reconhecer estes profissionais significa admitir que o Brasil de verdade é construído, em grande parte, por gente que vive na informalidade. 

Dessa forma, a economia vai muito além de simples dados estatísticos, é o pilar da subsistência de milhões de brasileiros. Ela expõe as diferenças de uma país em ascensão, que não garante condições decentes para todos. Sem políticas estruturais que envolvam esses trabalhadores sobre os direitos sociais, o País continuará preso em um ciclo de desigualdade e precarização. Formalizar, é bem mais que só um contrato, é garantir que o trabalho, em qualquer área, seja sinônimo de dignidade. 

Como e porquê o principal furo na carteira é, atualmente, a conta do mercado, e as outras opções que temos para esse problema inevitável
por
Maria Eduarda dos Anjos
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26/04/2022 - 12h

Na mesa de toda família, antes mesmo da comida, está a discussão sobre seu preço. Além das comparações costumeiras entre qual mercado cobra mais barato em um produto, momentos de crise econômica e política forçam a deliberação do que entrará ou não na lista daquele mês. As restrições impostas pelo surto de Covid-19 nos últimos dois anos limitaram a exportação de alimentos e dos fatores que tornam possível a produção, como grãos e fertilizantes. Durante a pandemia, a Agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, responsável por acompanhar o aumento do valor nominal (preço de venda entre países, sem considerar o impacto da inflação) dos produtos, registrou aumento de 24% entre fevereiro de 2021 e fevereiro de 2022. Isso sem contar a inflação interna do país, que molda o que os economistas chamam de preço real e estão nas prateleiras do mercado. Nem tudo é política externa e preço do dólar- inclusive, muito tem a ver com os impostos internos que vão em cima do preço de produção e a orientação do mercado brasileiro quanto à preferência à exportação. Dentro de casa, o Agro só é Pop na TV.

O esqueleto da maçã

Da semente ao caixa do mercado, há fazendeiros, fatores climáticos, disponibilidade de energia e inflação. O preço nominal conta com o impacto dos fatores pré-inflação. No Brasil, a crise hídrica pesou tanto na conta de luz quanto na de mercado, como relata o professor Tiago Sayão, da Ibmec, para o Jornal Extra. “Em prol de manter a integridade do sistema, todo o custo está sendo repassado ao consumidor”.

Imagem de reprodução

Além disso, a inflação supera o aumento do salário. Em capitais como São Paulo o salário mínimo de 2022 de R $1.212,00 não cobre o valor de duas cestas básicas, cuja estimativa é durar, em uma família de quatro pessoas, por 10 dias. De mãos dadas, os impostos sobre produtos recheiam as etiquetas. Aqueles com a mudança mais alarmante, que tem ligação direta com o comércio do produto, é o ICMS (Imposto sobre Consumo de Mercadorias e Serviços) e o IPI (Imposto sobre produtos Industrializados). Em 2021, no estado de São Paulo, o nutricionista Alexander Marcellus Carregosa apurou que orgânicos carregam entre 10% e 25% de ICMS. Isso quer dizer que, com o quilo do tomate por volta de R$10 e o ICMS de 22%, R $2,20 são do governo pelo simples ato da compra. Conforme o passar dos anos, essas alíquotas foram desaparecendo das Notas Fiscais para não assustar o cliente com a disparidade do valor de compra do fornecedor e a quantia cobrado no mercado.

Qual galinha enche o papo?

Do macro pro micro, a posição do Brasil como um mercado de commodities global também interfere no valor dos alimentos. O modo de produção do Agronegócio e a Agricultura Familiar têm tamanhos desproporcionais à sua importância na segurança alimentar nacional. O Agro, jóia preciosa do PIB - ano passado, participou em 27,4 % do Produto total- é focado no mercado externo, que têm demanda o suficiente para sustentarem uma monocultura para vender em altíssimas quantias. O que há na fruteira dos brasileiros vem da agricultura familiar,que abastece 70% do consumo interno segundo o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Mesmo com tal importância não possui metade do investimento em infraestrutura. As commodities, frutos da monocultura, tiveram um boom durante a pandemia e se tornaram predatórias à existência das famílias do campo. Elias, pequeno produtor de tomates na região de Itapecerica da Serra, relata que teve sua produção reduzida pela metade por falta de público nas feiras livres. “ Eu estava lá, com máscara, com luva, tudo certo, só que as pessoas não queriam sair de casa, então a feira não rendia. Aí dependendo da distância eu nem ia; à feira de quinta e segunda eu larguei ” O período pós pandêmico não promete recuperação instantânea; Veruza, produtora de hortaliças de Biritiba Mirim, conta que “no pós-pandemia, tudo foi aumentando: insumo, combustível, tudo. A entrega mais próxima que faço é 100 KM de onde eu moro, então aumentou muito, e não é um valor que eu possa repassar no meu produto, então está sendo mais difícil administrar o pós-pandemia do que durante [a pandemia]” . A valorização alta do dólar em relação ao real fez ainda mais preferível a venda externa do que interna, que causa escassez e encarecimento da dieta brasileira, consequentemente contribuindo para o aumento de insegurança alimentar, como apresenta o estudo o Agro não é pop e muito menos tudo, da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) em parceria com a FES Brasil.

Outras opções na mesa

A Agricultura Familiar resiste e vive nas brechas e organizações que as permitem. A produção carrega a principal diferença do Agro em sua filosofia, que vê a comida como base da vida, não moeda de troca. As famílias do campo dependem integralmente da renda gerada por seu cultivo e comercializam em menor escala, sem a adição de alguns dos impostos pagos por supermercados e aquela margem de lucro das grandes lojas, que pode chegar a quintuplicar o valor agregado. Cooperativas, institutos e assentamentos de terra como o MST, que tratam a dieta com respeito, são alternativas mais econômicas e saudáveis para os preços galopantes dos mercados. Em São Paulo, o Instituto Feira Livre, na República, põe nas gôndolas o preço exato cobrado pelo produtor e pede por uma doação voluntária de 35% do valor da compra no caixa, para manter bancar a manutenção do local.“ O Feira Livre surgiu da ideia de fazer uma economia solidária, de colocarmos nossos produtos à mostra e não barganha-los [com os fornecedores]”. E o mais importante é vender sem veneno. Então tudo que temos aqui é de pequenos produtores, tudo vem da agricultura familiar”, explica Michele, uma das associadas do Instituto. "A gente quer ter uma economia limpa, em que as pessoas consigam entender como funcionamos. Aqui temos uma lousa que fica exposta ao público, para saberem para onde vai os 35% da contribuição]. Ainda na capital, o CEAGESP abre sua feira livre nos finais de semana para o público, e o Raizs, que expande sua cobertura para produtos orgânicos de limpeza e utensílios domésticos, entrega a domicílio.

Instituto Feira Livre. Foto autoral. 

Entender as políticas de terra dos quatro cantos no Brasil é importante para saber o porquê a fome cresce e os preços aumentam em um país cuja exportação aumentou durante a Pandemia. As crises nos mais diversos setores durante 2020 e 2021 prometem reverberar pelos próximos anos a vir. Enquanto não se atinge a normalidade, cabe à população garantir o prato na mesa da forma que for possível e para o futuro, entender a alimentação pelo que é: um ato político.

*imagem 1: Plantação de soja.Reprodução. Fonte.

"É um trabalho minucioso, feito com muito amor. Cada peça é muito importante para a gente", diz a curadora do I Need Brechó
por
Clara Maia
Flavia Cury
Larissa Soler
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26/04/2022 - 12h

Estima-se que só da região do Brás, em São Paulo, 16 caminhões por dia de lixo têxtil saem com destino a aterros sanitários, equivalente a 45 toneladas. Em escala mundial esse número torna-se insustentável para o planeta. Urge uma mudança na escala de produção de tecidos. Como resposta, brechós e varejos se tornam cada vez mais comuns juntamente com o discurso de uma moda consciente e inteligente. 
O vídeo a seguir compara preços, qualidade e a importância dada as roupas entre fast fashion (lojas comuns de alta produção e baixa qualidade) e brechós. Marcas que aparecem nos vídeos: Lojas fast fashion no shopping Bourbon em São Paulo, Brechó Capricho a toa, e I Need Brechó.

 

Araras do brechó
Araras de roupas do I Need Brechó / Foto: Clara Maia

 

Nos últimos 12 meses, comer no Brasil ficou 11,71% mais caro
por
Vitor Simas Ribeiro da Costa, Lucca Fresqui, João Pico
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05/04/2022 - 12h

O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de março mostrou pela primeira vez com clareza os impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia sobre a inflação no Brasil. A alta da inflação dos alimentos compromete o poder de compra dos brasileiros e dificulta cada vez mais o acesso à cesta básica. 

Nos últimos 12 meses, comer no Brasil ficou 11,71% mais caro, destaca o IBGE. Entre os itens que foram mais afetados, a cenoura mostrou a maior variação mensal, de 45,65%, seguida de tomate (15,46%) e das frutas (6,34%). 

Foto: Lucas Fresqui

Foto por Lucas Fresqui
Foto por Lucca Fresqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em fevereiro deste ano, a inflação da cesta básica, medida pela variação no preço de 13 alimentos que a compõem, atingiu 2,02%, o dobro do IPCA registrado no mês, de 1,01%. Os maiores aumentos de preços registrados foram da batata inglesa (23,49%) e do feijão (4,77%). A alta nos preços de alimentos é uma tendência global de instabilidade econômica e política, A inflação é agravada por problemas internos de cada país, como a desvalorização cambial e a negligência sobre questões ambientais.

O aumento dos combustíveis também pressionou o índice, com aceleração da gasolina (2,34% para 4,99%) e etanol (-2,18% para 1,13%). Na ponta, critério que indica a tendência dos preços, os itens sobem 9,63% e 6,0%, respectivamente, e sinalizam pressão para abril. Saiba mais

 

Impacto já chega à tarifa de ônibus e supera crises históricas, dificultando ainda mais a rotina dos brasileiros
por
Carolina Raciunas, Henrique Baptista e Isabela Gama
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29/03/2022 - 12h

Em meio à crise econômica e à guerra entre Rússia e Ucrânia, os brasileiros têm visto um forte aumento no preço dos combustíveis. De acordo com uma pesquisa feita pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), na última semana de março de 2022, o preço máximo do litro da gasolina vendida no Brasil chegou a quase R $9,00. Especialistas apontam que o Preço de Paridade Internacional (PPI) adotado pela Petrobras desde 2016 também colabora para o impacto negativo na mobilidade urbana do País.

Após o dia 24 de fevereiro, quando foi anunciado o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, os preços dos combustíveis sofreram impacto em todo o mundo, já que o país presidido por Putin é responsável pela exportação diária de cerca de 7 milhões de barris de petróleo. Na segunda semana do mês de março, o valor do barril chegou a quase US$140, o que indica forte aumento quando em comparação com o preço anterior à escalada do conflito, que era de US$ 101,29.

A importância da Rússia para a venda internacional do combustível fóssil se dá pelo fato de que o país é o terceiro maior produtor mundial de petróleo, e o segundo maior exportador. Com isso, mudanças geopolíticas impactam diretamente o comércio mundo afora, como aconteceu em 2014, durante a anexação da Crimeia ao território russo. Segundo o especialista da Valor Investimentos, Davi Lelis, na época, o valor do barril chegou ao que hoje seria equivalente a US $112. A atual tensão entre a Rússia e a Ucrânia tem sido amplamente observada e a expectativa é de que haja queda nos preços conforme o conflito seja amenizado. 

Pesquisadores apontam que, apesar da guerra ter alavancado o preço dos combustíveis no Brasil, o País já enfrentava uma crise. Tal fator está diretamente relacionado à postura adotada pelo Oriente Médio de diminuir a oferta de petróleo para conter os preços frente à menor demanda devido ao isolamento social adotado como medida de contenção da pandemia de Covid-19.

Com o avanço da vacinação, a maior flexibilização dessas ações e consequente aumento da mobilidade urbana, a retomada da oferta não conseguiu acompanhar o intenso aumento da demanda, elevando os preços dos combustíveis. No Brasil, a organização adotada colabora para a escalada de preços. Desde 2016, a Petrobras utiliza a política do Preço de Paridade Internacional, que é quando as refinarias vendem os combustíveis para as distribuidoras a partir de um valor paralelo ao mercado internacional, definido pela cotação do barril e pelo câmbio. A companhia argumenta que a política é seguida para maximizar o lucro e manter o mercado competitivo.

Frentista abastece carro/ Getty Images
Frentista abastece carro/ Getty Images 

Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Petrobras fornece 70% dos combustíveis consumidos pelo Brasil. Dessa forma, em meio à crise gerada pela pandemia, à instabilidade internacional impulsionada pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia, e ao atual quadro político nacional, os preços sofrem aumento ainda maior no Brasil.

A PPI não tem sido negativamente debatida como um dos principais desencadeadores do aumento do preço dos combustíveis apenas atualmente. Em 2018, a alta no valor gerou a greve dos caminhoneiros, a qual suspendeu temporariamente a atividade de diversos setores da economia brasileira.

Além disso, a mobilidade urbana tem sido limitada, afetando também motoristas de carro, moto e quem trabalha com serviços de transporte por aplicativo.  Sérgio*, motorista da Uber, contou que o aumento da gasolina impactou fortemente seu trabalho, diminuindo o lucro obtido em cada corrida. Além disso, ele relatou que a empresa comunicou uma mudança na política de repasse do valor adquirido nas corridas: “A Uber divulgou que nós receberíamos um acréscimo de 60 centavos a cada dez reais de lucro, mas, na prática, nós não sentimos diferença, principalmente porque está cada vez mais caro abastecer o carro”.

Agora, os brasileiros que dependem do transporte público também estão sentindo no bolso o impacto dessa crise. No dia 10 de março, a Petrobras comunicou um reajuste de 24,9% do óleo diesel nas distribuidoras. Segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), os aumentos acumulados pelo combustível já elevaram em 10,6% os custos da locomoção por ônibus só neste ano, e podem crescer ainda mais, caso o poder público não compense a correção do diesel.

*O entrevistado não quis informar seu nome completo.

 

Busca de modelos capazes de conter a degradação ambiental cresce enquanto pesquisas preveem 10 bilhões de pessoas no planeta até 2100
por
Allan Henrique
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10/07/2021 - 12h

A população mundial tende a aumentar nos próximos anos a níveis alarmantes, de acordo com pesquisa da da ONU. Embora positivo para a economia, esse crescimento preocupa muito ambientalmente. O nível de desmatamento, queima de combustíveis e emissão de gás carbônico na Terra vem aumentando cada vez mais e muitos estudos já indicam que os danos ao meio ambiente caminham a passos largos para serem insustentáveis. Sendo assim, diversas medidas já vêm sendo discutidas em prol de um desenvolvimento sustentável, gerando pautas como o Acordo de Paris e a Agenda da ONU. Essas ações, entretanto, podem não chegar a tempo. Uma outra alternativa muito discutida entre analistas é o decrescimento econômico, que consiste na diminuição da população e da economia.

A pesquisa da Organização das Nações Unidas, de 2019, previa que a população mundial alcançaria 10,9 bilhões de pessoas até 2100. Um outro estudo, do Instituto de Medição e Avaliação de Saúde (IHME), da Universidade de Washington, indica dados mais otimistas, com a população crescendo para 9,7 bilhões até 2064 e depois caindo para 8,8 bilhões até 2100. Ainda assim, as duas pesquisas mostram um aumento populacional em comparação aos atuais 7,6 bilhões. Uma população mundial maior representa mais emissões de carbono e maior pressão na produção de alimentos, ambos sendo extremamente prejudiciais ao planeta e intensificando o Efeito Estufa. Além disso, o avanço tecnológico, traduzido por exemplo na produção de carros e aparelhos eletrônicos, também demanda muito desmatamento, com diversas árvores sendo derrubadas, extração de minerais que exigem quantidades absurdas de água etc.

Com a urgência de renovar os recursos naturais antes de os danos se tornarem irreversíveis, diversas medidas já foram discutidas e tomadas a fim de iniciar um desenvolvimento sustentável. Em 2015, 195 países assinaram o Acordo de Paris, que visa reduzir a emissão de gases de efeito estufa. O Brasil ratificou sua entrada em setembro de 2016, com suas principais metas sendo diminuir até 2025 os níveis de emissão de gases de efeito estufa em 37% comparado aos níveis de 2005 e em 43% até 2030. Em junho de 2017, porém, os Estados Unidos, um dos maiores poluidores do planeta, saíram do acordo, gerando grande preocupação mundial. Também em 2015, 193 nações assinaram a Agenda 2030, pela ONU, com objetivos mais amplos, como erradicar a pobreza, alcançar a paz mundial, mas também com o tópico de desenvolvimento sustentável: “Proteger o planeta da degradação, sobretudo por meio do consumo e da produção sustentáveis, da gestão sustentável dos seus recursos naturais e tomando medidas urgentes sobre a mudança climática, para que ele possa suportar as necessidades das gerações presentes e futuras”.

O cumprimento desses acordos, no entanto, vai na contramão do processo de crescimento econômico mundial, que depende da extração exagerada de recursos naturais e não está pronto para uma transição em prol de um desenvolvimento sustentável antes dos danos ao meio ambiente se tornarem irreversíveis, como diz o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves:

São iniciativas muito bonitinhas, muito bem intencionadas, só que não têm funcionado. O que a gente fala é que esse desenvolvimento sustentável é um oximoro, porque, se tem desenvolvimento, não é sustentável, não existe nenhum exemplo no mundo de desenvolvimento econômico que seja sustentável. Todo desenvolvimento é degradador do meio ambiente. Se a economia continuar crescendo e a população continuar crescendo, o meio ambiente vai ser destruído. Por isso digo uma frase: o enriquecimento do ser humano se dá às custas do empobrecimento do meio ambiente, e essa equação tem que ser mudada”.

Alguns analistas indicam que a economia já atingiu seu ápice e não há espaço para crescimento sem a degradação da natureza, e propõem um novo modelo de economia, o decrescimento demo-econômico.

Em artigo para o site Ecodebate, José Eustáquio explica que esse decrescimento significa pensar na diminuição da população mundial e da economia:

“Numa situação hipotética, vamos imaginar que haja uma redução da população de 0,3% ao ano e uma redução de 0,1% ao ano do PIB entre 2024 e 2100. Haveria um aumento da renda per capita de US$ 18,4 mil para US$ 21,5 mil, em 76 anos, um aumento de 17%. No mesmo período a população mundial cairia de 8 bilhões para 6,4 bilhões de habitantes (uma queda de 20% em 76 anos) e o PIB teria uma queda de US$ 147,3 trilhões para US$ 136,4 trilhões (uma redução de 7,4% em 76 anos). Ou seja, se a redução da população acontecer em ritmo mais rápido do que a queda do montante de bens e serviços produzidos anualmente, então o decrescimento demo-econômico poderia acontecer com prosperidade e aumento da renda per capita e aumento do bem-estar social e ambiental”.

Pixabay
Pixabay

Aliado a uma distribuição de renda adequada e a medidas sustentáveis, o decrescimento econômico poderia fazer com que o planeta avançasse social e ecologicamente. Além da óbvia diminuição de poluição gerada pelo ser humano individualmente, medidas como reflorestamento, mudança da dieta alimentar  para o veganismo e a eliminação de agrotóxicos e fertilizantes na agricultura também devem estar em pauta.