Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
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14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
por
Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Segundo técnica do Dieese, a cada R$ 1 de reajuste, há um impacto de mais de R$ 730 milhões no repasse à população
por
Aline Freitas
Luan Leão
Tábata Santos
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03/07/2023 - 12h

No último dia 1º de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou, em ato organizado pelas centrais sindicais no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, o aumento do salário mínimo de R$ 1.302 para R$ 1.320. O reajuste de R$ 18  garante um aumento real (descontada a inflação) de 2,8% em 2023. De acordo com o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), enviado pelo governo ao Congresso, a previsão é de que o salário mínimo seja de R$ 1.389 em 2024.

Além do aumento real no salário mínimo, houve a alteração do valor por hora trabalhada para R$ 6 e o diário para R$ 44. O Imposto de Renda também sofreu mudanças: agora, apenas as pessoas que recebem mais de dois salários mínimos, o equivalente a R$ 2.640, deverão declarar à Receita Federal.

Apesar das medidas anunciadas e das falas do presidente contrapondo o reajuste à falta de aumento  anual durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), entidades políticas, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), classificaram o aumento como abaixo do esperado.
 

Em nota, a CUT afirmou: “Os cálculos do Dieese [Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos] mostram que, se o Programa de Valorização do Salário Mínimo não tivesse sido interrompido, hoje o valor deveria ser de R$ 1.382,71. O que significa uma valorização de 6,2%”.

Já a CTB declarou que o anúncio "fere as expectativas do movimento sindical". "Não dá para silenciar diante dos fatos e nós não devemos nos calar. O salário mínimo vigente no Brasil está anos-luz de distância do que deveria ser, com base no cálculo do Dieese (R$ 6.641,58). Temos que considerar o estágio de profunda desigualdade em que estamos, com uma realidade que assusta a milhões de famílias, dada a insegurança alimentar e o flagelo social. É urgente que o governo tome para si essa bandeira fundamental que foi utilizada como moeda forte na campanha", disse o presidente Adilson Araújo.

 

Os R$ 18 na prática

Adriana Marcolino, socióloga e técnica do Dieese, afirmou à Agência Maurício Tragtemberg que, a cada R$ 1 de reajuste, há um impacto de mais de R$ 730 milhões no repasse para a população.

“Considerando que todo esse recurso vá ser utilizado no mercado interno, a cada R$ 1 de reajuste há a possibilidade de gerar cerca de 18.383 mil empregos, o que também adiciona ao PIB (Produto Interno Bruto) um valor de R$ 1,3 bilhão", explica. "Em relação à arrecadação tributária, esse valor significa um incremento de R$ 333 milhões. Já em relação à massa salarial, o aumento é de R$ 476 milhões”, completa a socióloga.

Ainda de acordo com um estudo do Dieese, cerca de 54 milhões de pessoas serão afetadas pelo aumento real, das quais 22,7 milhões   diretamente. Nesse grupo, o departamento considera os empregados do setor público e privado registrados em carteira, servidores públicos, aposentados, pensionistas e beneficiários de programas sociais. Outros 31,3 milhões de brasileiros serão afetados indiretamente. Nesses casos, o estudo considera pessoas que residem em domicílios onde pelo menos uma delas é diretamente beneficiada pelo reajuste. 

Ainda sobre os impactos, Júlio Pires, economista e professor da PUC-SP, afirma que o setor de trabalho informal também é atingido. “Existe uma espécie de efeito sinalização mediante o qual, através do aumento do salário mínimo real, os trabalhadores do setor informal também são beneficiados. Isso porque esse aumento serve como referência para esse setor”, avalia.

 

Histórico

Ao comentar a insatisfação sobre o baixo valor do aumento neste início de governo, o economista relembra o primeiro mandato do presidente Lula. "O primeiro reajuste no governo de 2003 também foi baixo, e, com o avanço da economia, foi aumentando com o tempo", explica Pires.

No primeiro e segundo governo do atual presidente, entre os anos de 2003 e 2010, o salário mínimo passou de R$ 240 para R$ 510, mantendo um histórico de reajuste acima da inflação.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi apenas em 2015, no governo Dilma Rousseff (PT), que o reajuste do salário mínimo ficou abaixo da inflação, com o valor de R$ 788, um aumento de 8,84%, contra  10,67% registrados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Durante o período de Michel Temer na presidência, entre 2016 e 2019,  o salário subiu de R$ 880 para R$ 998, e mesmo assim não acompanhou a inflação durante o período, que chegou a marcar 9,32% ao final do mandato, a inflação era de 2,76%.

Nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, os dois índices estavam praticamente equiparados, com um leve sobressalto do mínimo, que estava em R$ 1.039 em 2020, ante uma inflação de 4,52%. Em 2021, a inflação atingiu dois dígitos (10,06%) e era quase o dobro do aumento de 5,26%, que elevou o salário para R$ 1.100.

O último aumento real do salário mínimo ocorreu em 2019, o único dos últimos seis anos.

No dia 5 de maio, o presidente Lula enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei (PL) que estabelece uma nova política de valorização do salário mínimo. De acordo com o PL, o salário mínimo seria corrigido pela variação do Índice Nacional dos Preços ao Consumidor (INPC) acumulado nos 12 meses encerrados em novembro do ano anterior. O projeto prevê ainda que, caso seja positiva, haja um acréscimo da taxa de crescimento real do PIB.

A expectativa do governo é de que a política beneficie cerca de 40 milhões de pessoas. O impacto fiscal orçamentário esperado para 2024 foi de R$ 18,1 bilhões. Para 2025, a expectativa é de R$ 25,2 bilhões e em 2026, de R$ 39,1 bilhões.

De janeiro a junho, moeda recuou 9,27%; especialistas discutem efeitos na economia brasileira
por
Enrico Souto
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02/07/2023 - 12h
Fotografia de seis notas de 100 dólares alinhadas.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O dólar tem registrado repetidas quedas em seu valor. Desde o início do governo Lula, em janeiro, até o fim de junho, a moeda norte-americana caiu 9,27%, terminando o primeiro semestre em R$ 4,7889.

A queda do dólar no primeiro semestre contraria a tendência dos quatro últimos anos, quando a moeda norte-americana saltou de R$ 3,87, no início do governo Bolsonaro, para R$ 5,28, no fim de 2022, um avanço de 36,4%. Nesse mesmo período, a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), alcançou 26,93%, a maior variação desde o primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014)

Contudo, a conjuntura brasileira entrou em metamorfose, o que também alterou as perspectivas econômicas do país. André Luis Campedelli, doutor e especialista em macroeconomia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afere como Bolsonaro  adotava uma política internacional isolacionista, que priorizava países que seguissem sua mesma agenda ideológica e rompia com uma tradição de décadas de diplomacia do Brasil – o que também afetava o investimento externo no real. Um indício disso se apresenta em um levantamento encomendado pelo Correio Braziliense, que aponta que, em cinco meses de mandato, Lula se reuniu com o dobro de chefes de estado que Bolsonaro no mesmo período.

“Uma maior segurança em relação à estabilidade política nacional também faz com que a entrada de capital seja maior para o Brasil”, afirma Campedelli. O economista ainda menciona a alta do Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, como um indício da desvalorização do dólar. O índice registrou um avanço de 7,61% de janeiro a junho, o melhor desempenho para um primeiro semestre desde 2019.

Estados Unidos e a economia externa

Segundo Campedelli, a instabilidade da economia internacional, causada sobretudo pela Guerra da Ucrânia, faz com que o mercado procure por novas fontes de investimento. O economista afirma que a Rússia era considerada um importante porto seguro de capital especulativo e, apesar de ter sido uma decisão repudiada pelo presidente Lula, a manutenção da taxa básica de juros, a taxa Selic, a valores elevados faz do Brasil uma nova alternativa para este tipo de aplicação. “A combinação de problemas em outros países com um cenário brasileiro favorável fez com que o atual governo expandisse as políticas de exportação, o que impulsiona nossa moeda”, aponta.

O dólar também é fortemente influenciado pelas movimentações da economia estadunidense. No dia 14 de junho, o Federal Reserve (Fed), banco central norte-americano, anunciou que manteria a atual taxa de juros do país, entre 5% e 5,25%. A decisão foi tomada após dez aumentos seguidos, que ocorreram desde março de 2022.

Segundo Claudemir Galvani, mestre e professor de economia política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a estabilização dos juros estadunidenses têm efeitos positivos para o Brasil: “Os Estados Unidos passam por um período de alta inflação e desemprego”. O especialista ainda comenta como, agora que a taxa de juros do país se firmou, com intuito de controlar os gastos públicos, os recursos que seriam aplicados lá, por ser considerado um mercado mais seguro, começam a ser direcionados a países de terceiro mundo, como Brasil, México e Chile, com taxas mais elevadas.

O futuro da moeda

Mas, afinal de contas, a baixa no valor do dólar é um efeito circunstancial ou uma tendência para os próximos anos? Para Campedelli, ainda que possam existir incertezas, a taxa de câmbio deve continuar caindo. “Como os Estados Unidos manterão uma política de não aumentar seus juros por um tempo, ao mesmo tempo que a taxa Selic no Brasil deve ser mantida ao menos até a próxima reunião do Banco Central, continuaremos observando uma queda vertiginosa no dólar para os próximos meses.”

O impacto mais perceptível dessa movimentação será na inflação, que já tem observado quedas. O IPCA de maio ficou em 0,23% – menor que o de abril deste ano e o de maio de 2022 (0,61% e 0,47%, respectivamente). “Como a inflação do Brasil é baseada em custos, e vários de nossos insumos são importados, o dólar caro contribuía muito para as altas desse índice. Agora que temos visto uma decaída, o preço de outros produtos, como combustíveis, também deve diminuir”, avalia Campedelli.

Porém, para Galvani, ainda não é suficiente. Para ele, o real poderá ser considerado uma moeda valorizada assim que alcançar valores entre R$ 4,40 e R$ 4,50: “É importante que tenhamos uma moeda forte, pois isso significa que ela acumula maior valor para o exterior, dando ao Brasil e ao brasileiro um maior poder de compra. Entretanto, é necessário que haja um equilíbrio, pois, quanto menor o valor de uma moeda em relação ao dólar, mais prejudicadas são as exportações, visto que outros países lucrarão menos com a compra de seus produtos”.

Já Campedelli concorda com o perigo, mas acredita que essa não deva ser uma preocupação a curto prazo. “Nossa taxa de câmbio estava extremamente elevada, muito acima do que podemos observar historicamente com o real. Mesmo que tenhamos nosso mercado perdendo certa competitividade, acredito que o custo da produção nacional irá compensar essas circunstâncias. Não adianta fomentar a competição se você não tem o valor necessário para produzir no país”, finaliza.

Especialistas alertam para possíveis impactos nas vendas externas caso doença se espalhe
por
Thomaz Cintra
João Serradas
Otávio Preto
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30/06/2023 - 12h

Na segunda-feira (12/6), o Ministério da Agricultura e Pecuária confirmou mais um caso de gripe aviária com alta patogenicidade (H5N1), desta vez no estado do Rio de Janeiro. Ao todo, até aquele momento, foram diagnosticadas 31 aves com a doença, além de outras 11 que estavam em observação.  

Cada novo diagnóstico de H5N1 acende mais ainda a luz vermelha no mercado avícola, já que a doença é famosa por se propagar com facilidade dentre as aves, com alto índice de mortalidade.  

O ministério responsável pela área declarou emergência zoossanitária em todo o território nacional. De acordo com o comunicado, a medida tem como objetivo evitar que a doença chegue à produção de aves de subsistência e comercial, além de preservar a fauna e a saúde humana.  

Além de declarar estado de alerta, o ministério publicou no Diário Oficial da União a Medida Provisória (MP) 1.177, que disponibilizou crédito de R$ 200 milhões para o enfrentamento da Influenza Aviária de Alta Patogenicidade (IAAP). 

“Com o estado de emergência zoossanitária em vigor no país e a confirmação de casos de Influenza Aviária em aves silvestres em quatro estados, as ações de controle e contenção da doença serão intensificadas. Assim, o crédito extraordinário será aplicado no Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa). A MP é assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet”, disse o ministério, em nota. 

Esse setor em específico da economia, movimentou mais de R$ 215 milhões em 2022, e exportou aproximadamente 4.800 milhões de toneladas de aves para diversos países, segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABBA). 

Em 2023, até abril, já foram exportadas 435 mil toneladas de frango.  

Vale ressaltar que o Brasil é maior exportador de frangos do mundo;  

Confira a tabela abaixo (mil ton):

tabela gripe aviária

 

Professor de economia da Anhembi Morumbi e da FMU, Marcos Henrique do Espírito Santo, explicou que a gripe aviária está muito concentrada em animais silvestres, mas é justamente por conta do alto índice da doença que o país está em fase emergencial. Segundo ele, caso muitas aves de abate passem a ser contaminadas, o Brasil teria um problema internacional, pois muitos países importadores criariam uma barreira sanitária, suspendendo as importações de aves brasileiras. 

Para contornar esse grande obstáculo que o país enfrentaria, seria necessário investir em um amplo processo de vacinação para os animais, porém, ainda sem a possibilidade de exportar aos países que teriam fechado suas portas ao Brasil. E tudo isso, como o próprio professor diz, “geraria um pandemônio no setor”. Mas este cenário ainda está distante, muito por conta do sistema de vigilância sanitária. 

No meio de maio, quando foram confirmados os primeiros casos de gripe aviária em território nacional, os principais frigoríficos listados no Ibovespa despencaram: Marfrig (MRFG3) desabou 10,07% nos últimos 12 meses; JBS (JBSS3), dona da Seara e Friboi, chegou a cair 5,78%; Minerva Foods (BEEF3) -5,89%; BRF, dona da Sadia e Perdigão, chegou a afundar 9,17%. 

De acordo com Guto Gioielli, especialista em commodities, a gripe aviária só afetará significativamente o mercado de proteínas do Brasil, caso contamine de forma expressiva os principais produtos relacionados à exportação, como galinhas poedeiras, frangos, perus, e, de modo geral, aves que são criadas em confinamento para industrialização. Ele comenta que, ainda no mês de junho, não houve nenhum problema em termos de produção que possa afetar esse negócio, apesar do estado de alerta. Marcos também observa que o Brasil não é visto pelo resto do mundo como um país que detém a H5N1, por conta de a doença estar em sua fase inicial em solo brasileiro, por isso, ainda é possível que as empresas nacionais, produzam, abatam e exportem as aves. 

Guto ainda diz que, se, em algum momento, tivermos um crescimento grande nos casos da doença, terão de ser suspensas as exportações de produtos avícolas, e, consequentemente, as aves terão de ser abatidas. E não somente isso: depois que as aves, já mortas, forem retiradas, os aviários terão de ficar vazios por ao menos 60 dias para que o local seja desinfetado, gerando um prejuízo ainda maior para os avicultores, que, além de perderem seus produtos, irão perder também muito tempo até poderem começar a criação das aves novamente. 

Se o Brasil realmente atingir um ponto crítico em relação à doença, os consumidores também terão muitos problemas, pois, além de não poder mais consumir frango, por exemplo, terão que ir atrás de outra fonte de proteína, como os ovos. E, quando as pessoas começarem a comprar ovos em massa, os preços do produto aumentarão.  

Diante da preocupação crescente em relação à gripe aviária e seu potencial de se tornar uma nova pandemia, o Instituto Butantan iniciou o desenvolvimento de uma vacina contra a doença. O primeiro lote já está pronto para os testes pré-clínicos, que serão realizados em laboratório. No entanto, é importante destacar que o processo de desenvolvimento de uma vacina é demorado e passa por diversas etapas, incluindo os testes clínicos em humanos, que demandam autorização da Anvisa. 

 A influenza aviária é altamente contagiosa e, embora a transmissão para humanos seja atualmente limitada, o aumento de casos tem deixado as autoridades sanitárias em alerta. A doença pode ser grave e tem alta taxa de mortalidade. Portanto, o desenvolvimento de uma vacina eficaz é essencial para prevenir a propagação da gripe aviária e proteger a saúde pública. É fundamental que as autoridades e instituições de pesquisa continuem dedicando esforços para o avanço do desenvolvimento da vacina e o aprimoramento das estratégias de prevenção e controle da doença. 

Se taxa de juros não cair, mais lojas podem ser afetadas, afirma economista, que aponta conexão entre crises no varejo brasileiro
por
Barbara Ferreira
Marina Laurentino
Michelle Gonçalves
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30/06/2023 - 12h

Fundada por Bernardo Goldfarb e sendo hoje uma das maiores redes de moda feminina e lingerie do Brasil, a Marisa anunciou no mês de maio o fechamento de 91 lojas em todo o Brasil até o final de junho de 2023. A varejista afirma que a decisão faz parte de um programa de eficiência operacional que tem como objetivo a regularização de sua situação financeira.

Em 2022, a empresa registrou prejuízo líquido de R$ 391 milhões, que atribuiu, entre outros fatores, aos efeitos da recessão de 2015 e 2016 e da pandemia da Covid-19. Em 2020 e 2021, o prejuízo acumulado havia superado R$ 500 milhões. Desde janeiro deste ano, a franquia lidou com a renúncia de cinco executivos que ocupavam os maiores cargos da empresa, entre eles o diretor-presidente, Adalberto Pereira Santos, e o conselheiro, Marcelo Adriano Casarin.

Há 75 anos no mercado, a Lojas Marisa designou, recentemente, João Pinheiro Nogueira Batista para assumir o comando. Além disso, manteve a renegociação de prazos e dívidas com fornecedores, credores e proprietários de imóveis, estimulou a redução de investimentos em estoques de seus produtos e providenciou corte em suas despesas operacionais.

A companhia contratou assessores externos, emitiu debêntures e renegociou dívidas com 90% de seus fornecedores e 65% de proprietários de imóveis. No primeiro trimestre deste ano, a Marisa registrou prejuízo líquido de R$ 148,9 milhões e, de acordo com informações do Estadão/Broadcast, possui dívidas de R$ 600 milhões. Os credores incluem Bradesco, Safra, Itaú, Caixa, entre.

A Marisa é uma das maiores redes de varejo de moda no Brasil, com uma história rica e um legado que remonta a mais de 70 anos. A empresa foi fundada em 1948, na cidade de São Paulo, com a proposta de atender às necessidades do público feminino oferecendo roupas de qualidade a preços acessíveis.

Nos primeiros anos, era uma loja especializada em moda íntima feminina, mas rapidamente expandiu seu catálogo para incluir uma variedade maior de produtos, como roupas, calçados e acessórios. Com um crescimento constante, a empresa abriu novas filiais e se estabeleceu como uma marca reconhecida e confiável.

Durante as décadas seguintes, a Marisa consolidou sua presença no mercado brasileiro, com a abertura de unidades em diferentes cidades e a implementação de estratégias inovadoras de varejo. Destacou-se por sua política de preços competitivos e pela oferta de produtos para todas as faixas etárias e tamanhos, tornando-se uma referência para mulheres de diferentes estilos e perfis.

Nos anos 2000, a Marisa passou por um processo de modernização e expansão ainda maior. A empresa adotou uma abordagem multicanal, integrando suas lojas físicas com uma forte presença online, criando uma plataforma de e-commerce e fortalecendo sua estratégia de marketing digital. Essa transformação digital permitiu à empresa atingir um público ainda mais amplo e diversificado, tornando-se uma das marcas de moda mais influentes e relevantes do Brasil.

Além disso, a Marisa também se envolveu em diversas iniciativas sociais e projetos de responsabilidade corporativa, lançando campanhas voltadas para o empoderamento feminino, apoiando causas sociais e ambientais e promovendo a inclusão e diversidade em suas campanhas publicitárias. Essas ações reforçaram o vínculo entre a Marisa e seu público, demonstrando um compromisso com valores que vão além do aspecto comercial.

Segundo o economista Marcos Henrique do Espírito Santo, o principal causador da crise, não só da Marisa, mas de outras lojas do varejo como a Americanas –, é a taxa de juros elevada. “Se a gente voltar para 2020, por exemplo, com uma taxa Selic de 2% ao ano, o consumidor tinha condições, mesmo na pandemia, de fazer as compras dele. Uma taxa de juros de 2% para financiar seu consumo é uma coisa. Agora, dois anos e meio depois, uma taxa de 13,75%, como a que a gente está vivendo, é outra coisa completamente diferente.”

A alta na taxa de juros afeta o mercado varejista não apenas de forma direta como, também, de forma indireta, quando esse aumento é um causador de endividamento e inadimplência dos consumidores, o que reduz o seu poder de compra.

Além disso, segundo o economista, outra questão-chave é a mudança tributária. “O diferencial de alíquota interestadual do ICMS, chamada Difal, ampliou a cobrança de tributos sobre bens comercializados por meio da internet. Isso vem sendo repassado aos poucos para os consumidores, o que vai fazendo com que a margem de lucro tenda a cair no médio-longo prazo.”

Com a atual postura do Banco Central frente a esses problemas, o endividamento, a inadimplência e o poder de compra reduzido, a previsão é de que novas crises apareçam dentro do setor varejista brasileiro. “Não descarto, no médio-longo prazo, mais crises de lojas do mesmo setor, e isso está muito relacionado ao papel do Estado neste cenário. A gente tem claramente um Banco Central que está agindo a reboque dos interesses da sociedade brasileira”, diz Espírito Santo. E completa: “Do ponto de vista da questão do crédito, do consumo, da capacidade de aumento da demanda agregada, isso, necessariamente, passa por uma redução da taxa de juros, que hoje é uma questão meramente política; não há mais um critério técnico que defenda essa taxa de juros no atual patamar”.

Mesmo com sua grande importância para a economia brasileira, o agronegócio pode ser prejudicial ao meio ambiente
por
Carolina Raciunas
Vitória Nunes
|
22/06/2023 - 12h

Por Vitória Nunes (texto) e Carolina Raciunas (audiovisual)
Foto de capa: Clarice Lissovsk

 

 

O agronegócio ganhou destaque pela sua elevada contribuição para o desenvolvimento econômico no País. Porém, este impulsionador da economia pode, muitas vezes, não ser sustentável." O setor é bastante importante para a economia no sentido de que, na produção de bens e serviços, o agro faz parte do setor primário. Nos últimos anos, tivemos uma queda nos demais setores, como indústria e serviços, o que acaba fazendo com que o PIB seja puxado principalmente pelo agro”, aponta a economista Renata Moura Sena.

O ciclo do agronegócio é formado pelos insumos, a produção, a distribuição e o consumo. E os produtos gerados são basicamente alimentos, biocombustíveis, têxteis e madeiras. Atualmente, a cadeia produtiva é responsável por mais da metade das exportações e por cerca de 26% do produto interno bruto brasileiro, mesmo considerando a crise instalada com a pandemia da COVID-19.

A atividade agrícola para exportação tem sido um importante propulsor para o crescimento do produto interno brasileiro. O agronegócio é responsável por 52,2% dos exportados no Brasil, e este resultado está ligado à alta produtividade motivada por incrementos tecnológicos usados no campo.

O setor é um dos mais dinâmicos do Brasil. A partir dele são criadas discussões sobre como sua expansão pode oferecer oportunidades para o desenvolvimento local. Equipamentos desenvolvidos com novas tecnologias facilitam a execução de tarefas.

Porém, não é apenas o agronegócio que movimenta a economia. A vendedora do Armazém do Campo, Rosangela Rodrigues, explica como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) contribui para a economia. “O MST é o maior produtor de arroz orgânicos do Brasil.  Hoje o MST conta com 160 cooperativas, 120 agroindústrias e 1900 associações em todo o Brasil, que atuam no fortalecimento da solidariedade Sem Terra e potencializam as melhorias na produção dos assentamentos, constroem relações de trabalho mais igualitárias e melhoram a renda das famílias assentadas.”

No entanto, o agronegócio também está diretamente relacionado ao elevado desmatamento e outros impactos ambientais que têm se mostrado, segundo pesquisadores, irreversíveis. Este é um dos principais argumentos usados por quem participa de lutas a favor do meio ambiente. Em abril, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou diversas invasões de terra em nome do movimento "Abril Vermelho". O mês marca iniciativas pela redistribuição de terras e, segundo representantes, invade apenas territórios improdutivos.

Rosangela Rodrigues explica a importância do trabalho do MST para a loja. “Somos fruto do MST. O espaço Armazém do Campo SP surgiu para expor e comercializar os produtos da reforma agrária, frutos de muita luta dos assentados e suas respectivas cooperativas, produtos vindos de todos os estados do Brasil.”

Enquanto o movimento busca mudar as estruturas do sistema produtivo agrícola brasileiro, diminuindo os impactos sociais e ambientais ruins, o agronegócio ganha destaque pela sua elevada contribuição para o desenvolvimento econômico no País.

Renata Moura esclareceu o paralelo entre a importância do agronegócio para a economia e a necessidade de um papel mais sustentável. "O agronegócio é bastante importante para a economia no sentido de que, na produção de bens e serviços, o agro faz parte do setor primário. Nos últimos anos, tivemos uma queda nos demais setores, de indústria e serviços, o que acaba fazendo com que o PIB seja puxado principalmente pelo agro."

Além disso, ela aponta para a relevância de práticas do agronegócio que promovam, além de benefícios econômicos, a sustentabilidade. “É importante ressaltar que, no agronegócio, há aqueles que são totalmente insustentáveis, que invadem áreas que não deveriam, que fazem processos poluentes e que se utilizam de trabalho análogo à escravidão. Porém, isso não é o todo. Existe uma parcela do agronegócio que é séria e visa sustentabilidade.”

A intensa exploração do ambiente pelo agronegócio causa vários impactos ambientais, que devem ser contidos por meio de um desenvolvimento sustentável da economia. Para tornar este setor mais favorável ao meio ambiente, algumas atitudes simples podem ser praticadas por produtores rurais, por exemplo: recuperar áreas degradadas, descartar embalagens corretamente, investir em tecnologias sustentáveis, utilizar água de reuso, reduzir a emissão de gases do efeito estufa, entre outros.