Ao longo dos séculos, pessoas com deficiência foram impedidas de participar ativamente da vida social e do mercado de trabalho. Estas barreiras, longe de estar superadas, são visíveis ainda hoje. É difícil encontrar pessoas com deficiência que tenham experiências profissionais.
Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos apresentou o primeiro avanço. A partir desse documento, as pessoas com deficiência passaram a ser vistas como parte da sociedade e foram, pouco a pouco, conquistando seus direitos como cidadãs. Mais de quatro décadas depois, em 1991, surgiu no Brasil a Lei de Cotas, que obriga empresas com 100 ou mais funcionários a terem um percentual de 2% a 5% de empregados com deficiência.
Porém, ainda hoje, as mulheres com deficiência são vistas através de uma postura assistencialista que as mantém como ´reservas de mão de obra´. “Infelizmente, nas empresas pelas quais passei, a deficiência física representa uma má qualificação de serviço. O que eu faço nunca vai ser o suficiente, sempre vão achar que tem alguém sem deficiência que faz melhor”, afirmou Simone Monteiro da Cunha, em uma entrevista para o site Universa.
Outro panorama muito triste é o abandono do profissional com deficiência em seu ambiente de trabalho. Algumas PCDs (sigla para pessoa com deficiência) precisam de adaptações para conseguir trabalhar com 100% de sua eficiência. Muitas empresas contratam só para cumprir a cota e não pensam no bem-estar desse funcionário, não disponibilizando os recursos necessários. “Eu trabalhei dois anos no RH de uma empresa. As tarefas eram divididas entre as funcionárias, mas não eram passadas para mim. Eu era sempre enviada para cuidar do arquivo, o que impedia que eu me desenvolvesse”, contou Kelly Tavares Dias para o Universa.
O Brasil possui mais de 45 milhões de pessoas com deficiência, das quais a maioria, 53,58%, são mulheres. Mesmo assim, segundo a mais recente pesquisa do IBGE, apenas 43,1% dessas mulheres conseguem atingir o trabalho formal. Considerando deficiências motoras severas ou intelectuais, o número de mulheres economicamente ativas caí para 34,8% e 20,8%, respectivamente.
Apesar dessa realidade desanimadora, movimentos em prol dessa inclusão vêm ganhando cada vez mais força. Um exemplo recente é o programa da Prefeitura de São Paulo para contratação de estagiários com deficiência. Para o jovem com deficiência, é uma oportunidade de ter um primeiro contato com trabalho formal e mostrar competência para desenvolver atividades como qualquer outro profissional dentro da empresa. Se os resultados forem positivos, ele pode crescer profissionalmente dentro desse ambiente. Isso acontece, desde que sejam respeitadas suas limitações e lhe sejam oferecidas condições de acessibilidade ou recursos para esse fim.
Para a empresa, é mais do que uma oportunidade de cumprir uma obrigação legal. Constitui também um estratégico exercício de responsabilidade social. A melhor forma de desconstruir preconceitos é dando oportunidade para que essas pessoas possam mostrar sua competência.
Em meio a pandemia, transportadoras ao longo do Brasil continuam operando enquanto são obrigadas a se adaptar à queda de desempenho e aos cuidados necessários para a prevenção da doença.
‘‘Não paramos. O mercado não parou e dependem muito da gente.’’, revela Djonatas Nascimento, gerente da unidade localizada em São Paulo da transportadora Solução Transporte e Logísticas. Nascimento, que contraiu a Covid-19 durante o período, também conta que no início da quarentena foi implementado um sistema de rodízio de funcionários e que alguns trabalhadores tiveram a opção de praticar o home office, mas ao longo dos meses o funcionamento voltou a ser totalmente presencial. Apesar de não se sentir totalmente seguro durante o expediente, Nascimento diz que buscou ‘‘trabalhar e enfrentar a Covid-19’’.
O gerente relata que foram seguidas as recomendações para a prevenção da doença, como o uso de máscaras por parte de todos os funcionários, a disponibilidade de álcool em gel em todos os pontos da empresa e uma quantidade maior de sabão nos lavatórios. Sobre o período em que esteve contaminado, Nascimento relata que teve todo o suporte necessário: ‘‘a empresa foi muito fiel comigo e me ajudou bastante’’. O gerente também diz não saber se contraiu a doença no local de trabalho.
Segundo o levantamento feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), apesar das transportadoras não pararem, a crise gerada pela pandemia desencadeou uma queda de 11,3% no valor adicionado ao transporte de cargas e passageiros no Brasil. O levantamento também avalia que a queda registrada em 2020 foi duas vezes maior que a ocorrida no auge da recessão entre 2014 a 2016 e que os índices são os piores desde o primeiro semestre de 1996.
Em relação aos empregos, a CNT avalia que houve uma perda de mais de 68 mil postos de trabalho no setor de transportes desde o início da pandemia, e que apenas a partir do mês de agosto houve uma estabilização na situação. Entre 40,6% dos transportadores que demitiram, 55,3% não pretendem realizar novos cortes, e 83,8% dos que não reduziram seus empregados não possuem a intenção de mandar embora. Em relação aos últimos meses do ano e as medidas de relaxamento do distanciamento social, a CNT encara o período como uma incógnita. Entre os índices de saldo mais negativo em relação ao emprego na área, Abril e Maio assumem a liderança, com -34.857 e -20.744 postos de trabalho, respectivamente.
Os setores mais afetados foram o de transporte de cargas e passageiros, o de comércio e o de outras atividades - que inclui serviços de alojamento, alimentação, saúde e educação. Já a agropecuária manteve um crescimento positivo de 1,6%, apesar de ainda abaixo do esperado. A Solução Transporte, empresa em que Nascimento trabalha, atua na área de agricultura, transportando seus produtos do estado do Mato Grosso, onde o setor agrícola é muito forte e não foi amplamente afetado pela quarentena. ‘‘No início, com a paralisação, tivemos uma queda, mas logo em seguida houve um crescimento muito grande durante a pandemia’’.
Em relação a ajuste e adaptações de logística decorrentes da pandemia, Nascimento cita que o único segmento que sofreu algum tipo de reinvenção foi a coleta dos produtos junto aos clientes, que passaram a ser feitas por agendamento específico e horário marcado, pelo fato de serem feitas em locais fechados.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou no dia 21 de julho a proposta do governo federal para a reforma tributária. O governo de Bolsonaro tem sido marcado por reformas que o meio político brasileiro tem debatido há anos, mas que outros governos não levaram à frente, como a reforma da Previdência – já aprovada – e agora a reforma tributária. Contudo, a proposta apresentada por Guedes tem sofrido críticas.
Apresentada aos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, a proposta será entregue em quatro partes. A primeira propõe a fusão do PIS e da Confins, unindo em um único imposto chamado CBS (Contribuição Sobre Bens e Serviços).
Em entrevista ao Agemt, o economista Eduardo Fagnani, professor da Unicamp e coordenador de um projeto alternativo centrado na defesa de maior tributação sobre os ricos, diz que não vê nenhuma vantagem na reforma entregue por Guedes.
“A questão central do problema tributário brasileiro é que nós tributamos muito o consumo e pouco a renda e o patrimônio. Quando você tributa muito o consumo, penaliza mais os pobres. Primeiro, porque os pobres consomem tudo o que eles ganham e os ricos consomem uma parte. Segundo, porque o peso do tributo na renda do pobre é muito maior do que o peso na renda do rico. O grande problema do Brasil é esse,” explica Fagnani.
Alexandre Lucchesi, também professor de economia da Unicamp, percebe a mesma questão. Ele elucida que no Brasil a população consomem muito porque tem pouca renda. “Tudo o que as pessoas recebem de ganho das suas atividades gastam rapidamente, porque no país não tem a possibilidade de poupar devido às condições orçamentárias e as exigências de uma vida aqui.” Ele complementa dizendo que “tudo o que você for tributar e que irá recair sobre o consumo vai gerar um problema de regressividade: quem está consumindo muito está pagando mais imposto, porque, se o imposto incide sobre o consumo, está saindo pior para quem precisa gastar quase tudo do que tem”.
Atualmente a maior parte das taxações incide sobre o consumo e serviços. Para Fagnani, o Brasil realmente tem muitos impostos e isso afeta principalmente as pessoas de baixa renda e classe média. “As pessoas falam muito que a carga tributária no nosso país é alta e é verdade, os pobres e classe média podem falar isso. Realmente se paga muito imposto”, comenta o professor.
De acordo com uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no Brasil 44% dos tributos são arrecadados do consumo; nos Estados Unidos, são 18%. Já a arrecadação oriunda da renda é de 21% no Brasil e 44% nos Estados Unidos, enquanto sobre os percentuais relativos ao patrimônio são de, respectivamente, 6% e 12%. Para ambos os especialistas, a solução do problema só pode ser dada com a tributação da renda e do patrimônio.
Fagnani explica que a carga tributária só é alta para os pobres e a classe média porque é residual para os ricos e super-ricos. “A reforma tributária deveria ampliar a tributação sobre as altas rendas e os altos patrimônios de um lado e do outro lado reduzir a tributação do consumo. Nós temos que simplificar o consumo, mas também temos que reduzir a carga tributária sobre o consumo, porém só se pode fazer isso se tributar o outro lado.”
Para Lucchesi, a ideia vai pelo mesmo caminho. Ele explica que o “ideal, para se ter um bom efeito a longo prazo, deveria [ser] distribuir a renda para não onerar muito o pobre, o trabalhador simples ou a pequena empresa”. Para ele é preciso “deslocar essa tributação do consumo para a renda e para o patrimônio. Isso foi uma coisa que não foi feita, mas poderia ter sido proposta.”
O professor Fagnani completa dizendo que, em relação ao consumo, a proposta de Guedes só vai acabar com dois ou três impostos e criar um outro que, no fim das contas, contribuirá para umpossível aumento da carga tributária para o consumo. Por outro lado, Alexandre Lucchesi destaca que o positivo da reforma será “a simplificação e a união do sistema tributário brasileiro, porque ele é muito confuso, são muitos impostos e a as pessoas não sabem direito o que estão pagando, por que estão sendo cobrados e referentes ao quê”.
Fake News e discurso de ódio são dois temas que estão em evidência na atualidade. Impulsionados pelas eleições estadunidenses de 2016 e pelas posses de governos de extrema-direita ao redor do globo, estes assuntos são constantemente alvos de debate. Esses assuntos geram discussões em vários âmbitos, mas principalmente considerando sua presença cada vez maior nas redes sociais. Até pouco tempo atrás, não existia no Brasil uma legislação que pudesse amparar vítimas de crimes cibernéticos A primeira lei sancionada é a de n° 12737 de 2012.
Mas a falta de controle por parte dos governos em relação ao que é publicado na internet é apenas uma parte do problema, já que muitos dos sites onde ocorrem essas práticas não as condenam e não buscam maneiras efetivas de coibir essas atitudes. Também ocorrem casos em que marcas, de todos os tamanhos e alcances, acabam tendo seus anúncios veiculados em sites ou páginas que contêm conteúdo falso ou preconceituoso. Isso se dá tanto pelo algoritmo utilizado por mecanismos de pesquisas, como o Google, que publicam as propagandas e pop-ups em sites sem realizar uma filtragem prévia quanto pela falta de monitoramento por parte das empresas anunciantes.
Temendo as consequências do problema – e o limitado poder da internet de contê-lo com seus mecanismos de regulação –, grupos ativistas foram criados com o objetivo de trazer à tona essa questão. Em uma tentativa de conscientizar as marcas de que anunciar em páginas com esse tipo de conteúdo não é uma prática rentável e benéfica para a sociedade, o movimento Stop Hate for Profit (SHFP) foi formado nos Estados Unidos. Tendo como objetivo principal a denúncia de empresas que se mantinham caladas após ter publicações expostas, aos poucos o movimento foi migrando para diversos países com a colaboração de ativistas que aderiram à causa. Lançando comunicados e posts nas redes sociais, o grupo conseguiu atingir certa notoriedade, mas só após iniciar campanhas de boicote contra várias marcas multinacionais, sendo a de maior repercussão a do Facebook, que o SHFP alcançou um número expressivo de internautas. Atualmente, mais 1.100 de diversos segmentos, instituições não lucrativas e inúmeros consumidores apoiam o movimento.
O boicote contra o Facebook passou de uma ameaça e se tornou realidade. A campanha se iniciou após a rede social se recusar a apagar um post do presidente estadunidense, Donald Trump, em que o estadista pregava discurso de ódio contra minorias, mas atingiu seu ápice após o assassinato de George Floyd, homem negro que foi brutalmente morto por um oficial de polícia branco, gerando diversas manifestações antirracistas pelos EUA. Segundo os organizadores do movimento, a rede permitiu a incitação de violência contra os manifestantes e cedeu espaço a notícias falsas que tinham como objetivo enfraquecer e deslegitimar os protestos. Depois disso várias multinacionais começaram a ceder à pressão feita pelo movimento, como a Coca- Cola, Vans, Microsoft, Puma, Reebok e Unilever. O boicote causou a perda de US$ 75 bilhões no valor da companhia, como resultado da desvalorização de suas ações. Após diversas tentativas de diálogo, o Facebook finalmente cedeu e atendeu às exigências dos grupos ativistas, comprometendo-se a realizar uma filtragem minuciosa em todas as postagens feitas na plataforma, a fim de coibir o discurso de ódio e a disseminação de Fake News.
Para o professor da PUC-SP Claudir Segura, doutor em processos cognitivos em ambientes digitais, mestre em design e education leader da Adobe no Brasil, o posicionamento de uma marca perante essas situações nunca pode ser de isenção;
“Como empresa se porta é de uma importância fundamental já que as coisas runs se replicam mais rápido do que as atitudes positivas feitas e veiculadas por essas marcas. As pessoas não ficam quietas com algo errado, elas sempre buscam o culpado por aquela atitude de alguma forma. Então quem trabalha no marketing de imagem dessas marcas sempre deve se perguntar ‘estamos fazendo algo de errado? ’”
Ele cita casos em que as marcas de fato conseguem lidar com a pressão por parte dos movimentos ativistas e se recuperam de maneira para ele, correta;
“ O consumidor generaliza a empresa, não busca responsáveis específicos por aquele deslize dentro da corporação. Um exemplo é o Carrefour, onde após uma abordagem completamente indevida e racista a um senhor negro que estava aguardando sua filha retornar da loja para irem embora, a marca começou a sofrer uma ‘onda hater’ por grande parte dos consumidores, tendo impacto negativo no seu faturamento. A solução encontrada foi o posicionamento público. Posicionamento de aprendizado. Não demitiram o segurança, mas o enviaram para uma oficina de reciclagem de profissionais para que fosse conscientizado sobre questões sociais e não cometesse os mesmos erros, além de se posicionar ao lado da família vítima do racismo, oferecendo auxilio jurídico e moral”.
O Brasil registrou alta acumulada de 6,1% no preço dos alimentos entre janeiro e agosto de 2020, segundo dados divulgados no início de setembro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Tubérculos, raízes e legumes, como a cebola, tiveram alta de 20,8% em seu preço. Cereais, leguminosas e oleaginosas, como o arroz, subiram 18,9% segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação no país.
O arroz, que acumulou alta de 19,2% nos oito primeiro meses do ano, tem sido o rosto do recente avanço da inflação.
Na internet, o meme de um homem assustando uma criança gritando “olha o preço do arroz subindo ai, ó” viralizou. No programa “Encontro com Fátima Bernardes”, da TV Globo, Ana Maria Braga usou um colar feito com o produto para protestar.
"Até arrumei um cofre. Quando terminar o programa, vou guardar a minha joia aqui dentro”, disse a apresentadora.
Junto à criação da nota de R$ 200 pelo Banco Central, a alta no preço dos bens alimentícios fez com que os brasileiros relembrassem o período hiperinflacionário, entre o fim da década de 1980 e começa da de 1990.
Naquela época, o Brasil viveu um período de forte alta nos preços de todos os bens da economia. Entre a virada de décadas, a inflação chegou a atingir mais de 6000% ao ano.
O período foi repleto de fatos históricos. Os ‘fiscais do Sarney’ denunciavam mercados que praticavam preços acima do tabelado pelo Plano Cruzado, instituído em 1986. Já o Plano Collor confiscou por volta de 30% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro na época e levou empresas à falência e pessoas ao suicídio.
Mas há algo de paralelo entre o que o ocorreu naquele período e o que vivemos hoje? O dragão da hiperinflação bate na porta do brasileiro?
Para entender melhor as peculiaridades daquela época, convidamos quatro pessoas para contarem suas experiências e exporem suas visões sobre a recente alta no preço dos alimentos. Afinal, para elas, há algo parecido entre os dois períodos? Abaixo, você confere as respostas.
Eliana Paula, 51 anos, desempregada. Durante o período da hiperinflação, era solteira e morava com os pais e os irmãos. Trabalhava em um depósito de materiais na época.
"Foi um período muito difícil, talvez o pior até o momento. Inflação desgovernada, preços que chegavam a dobrar de um mês para o outro.
Eu trabalhava no setor de comércio, em um depósito de materiais, justamente na parte de cálculo de preços. Eu lembro que chegava a alterar o preço do mesmo produto no mesmo dia de duas a três vezes.
Se a gente quisesse adquirir um produto ou um bem, se não fosse possível naquele momento, a gente não tinha certeza se ia conseguir obter aquele bem no mês seguinte, no dia seguinte.
Eu me sinto na obrigatoriedade de economizar. Os produtos [em] que senti maiores aumentos foram o açúcar, o óleo e a carne.
Eu acredito sim que podemos ter uma hiperinflação novamente. Eu percebo que o governo está perdendo o controle sobre os preços. Eu tenho medo."
Jorge Callado Cury, 64 anos, dono de restaurante. Durante o período da hiperinflação, já trabalhava e morava sozinho. Em 1991, teve sua primeira filha.
“Os trabalhadores tinham uma proteção chamada ‘gatilho salarial’, em que a inflação do mês anterior era jogada para o mês posterior, então você estava teoricamente ‘garantido’, mas não muito.
Foi uma situação bastante complicada, para tudo. Você não sabia que preço iria pagar nas coisas. Às vezes, um quilo de queijo era mais caro que uma batedeira. Você perdia a noção de valor e preço das coisas.
Os supermercados tinham um profissional chamado remarcador: todo dia ele remarcava os preços. Todos os planos (econômicos do governo para conter a hiperinflação) da época - Cruzado, Bresser e Verão - fracassaram. Era uma vida muito dura.
Hoje estamos sofrendo um problema de desabastecimento. A China está comprando muita coisa do Brasil: é arroz, óleo de soja, trigo, feijão…
Eu não acredito em volta da hiperinflação porque acho que a gente tem um mercado mais maduro, uma economia mais madura. Na época do Sarney, a gente não tinha noção de nada, o país era muito chucro.”
Paulo Cezar Legramandi, 52 anos, oficial de justiça no TJSP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo). Morava com os pais no período da hiperinflação. Em 1988, começou a trabalhar no Banco Noroeste de Bauru, no interior de São Paulo.
"A hiperinflação foi o ápice de um descontrole iniciado com as políticas econômicas equivocadas adotadas no período militar. A inflação era tão alta que quem conseguia ficar com algum dinheiro saía correndo e comprava dólar.
Os preços subiam 30%, 40% ao mês, chegando no fim do governo [José] Sarney a 80%. O que você conseguia comprar no começo do mês, não conseguia mais no final. Havia saques e desabastecimento.
Eu lembro que, quando saí do Banco Noroeste, eu peguei a minha rescisão e comprei três linhas telefônicas porque, se você ficasse com o dinheiro parado de um mês para o outro, ele perdia metade do poder aquisitivo.
Antes do Plano Real, ninguém tinha coragem de financiar um carro, por exemplo. Mas demorou um bom tempo para que tivéssemos realmente confiança na estabilidade monetária.
O dólar vantajoso e a política econômica neoliberal do atual governo incentivando os grandes produtores a venderem para o exterior estão causando um colapso no sistema.
A nossa economia está caminhando para um colapso. Essa história da nota de R$ 200 foi para facilitar a vida do [Fabrício] Queiroz. Daqui a pouco vai ter a nota de R$ 89 mil em homenagem à primeira dama (Michelle Bolsonaro) também."
Roberto de Oliveira, 49 anos, desempregado. Durante o período da hiperinflação, morava com os pais. Começou a graduação no curso de Ciências Contábeis na época.
“O que mais me lembro da época da hiperinflação era a remarcação de preços. De manhã, você ia no mercado comprar um pacote de café e, vamos falar nos valores de hoje: se de manhã estava R$ 5, de tarde estava R$ 7.
Era um roubo o que era feito na época. O pessoal pegava e botava o preço que estava na cabeça deles. Se você tinha ou não condição de comprar, isso não era problema deles.
Era muito difícil porque nunca se conseguia vencer a inflação e ter uma estabilidade econômica. Você sabia que conseguia comprar hoje mas, amanhã, não. Você vivia o dia mas, amanhã, não sabia se ia conseguir trazer pão para dentro de casa.
Vem preocupando muito a alta do arroz, do óleo. São produtos básicos, do dia a dia, que precisamos ter em nossa mesa, e que estão extremamente complicados [para comprar].
A hiperinflação está voltando, o governo não tem controle de nada e hoje você precisa rever o financeiro da sua família para conseguir sobreviver. Até o final do ano, que preço vai estar o quilo de carne, que já estão cobrando quase R$ 30?”
Mas, afinal, há o que temer?
Para Jefferson Mariano, doutor em desenvolvimento econômico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e analista socioeconômico do IBGE, não. “O contexto era outro. Havia expectativas inflacionárias, estado quebrado sem nenhuma capacidade de rolagem de dívida no médio e longo prazo”, diz.
Segundo o economista, o boom inflacionário ainda está restrito aos bens alimentícios, que passaram a ser mais demandados com o aumento do consumo desses produtos pelas famílias com o benefício do auxílio emergencial - “que já está minguando”, acrescenta.
Jefferson explica que “o aumento generalizado nos preços dos alimentos nos últimos meses ocorreu em razão de uma combinação de fatores”.
“A elevada taxa de câmbio fez com que as commodities produzidos pelo país ficassem mais competitivas no mercado externo. Antes do aumento do IPCA, o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado, que incorpora a variação cambial) já havia captado esse comportamento”, diz.
“Além disso, fatores climáticos e o período de entressafra de algumas culturas também contribuíram para esse comportamento. É importante destacar que itens como o arroz sempre sofrem mais pressões para elevação de preços no segundo semestre. Ocorre que em 2017 e 2018, em razão da recessão, esse processo não ocorreu”, acrescenta.
“Lamentavelmente”, explica Jefferson, o Estado não pode fazer muita coisa para frear o aumento no preço de produtos como o arroz. “Atualmente, em função da nova orientação de política econômica [do governo], há pouco a se fazer”, diz.
“Se não fosse essa nova orientação, a atuação poderia ocorrer por meio do monitoramento desses preços, estoques reguladores e políticas de preços mínimos aos produtores, pelo menos no que se refere aos alimentos básicos”, pontua.