Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
por
Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Felipe trabalha como motorista de aplicativo e não paga INSS, mas diz que passará a contribuir no futuro
por
Mayara Pereira
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31/10/2025 - 12h

Por Mayara Pereira

 

Felipe Silva é um motorista de aplicativo há 4 anos. Ele conta que após perder o emprego de repositor em um pequeno mercado perto de onde morava, teve que buscar alternativas para sustentar ele e a família, já que é o provedor da casa. Tentou procurar emprego em outros setores, mas sem sucesso. Com suas tentativas frustradas, resolveu virar motorista de aplicativo. Quando começou não tinha um carro que era aceito para fazer as viagens, então com o dinheiro que conseguiu depois de ser demitido, deu de entrada, junto com o seu carro e comprou um melhor para conseguir rodar. Hoje a única fonte de renda de Felipe são as corridas. Ele passa cerca de 10 horas por dia trabalhando, durante 6 dias da semana e as vezes até 7. Mesmo sem os direitos trabalhistas básicos ele diz que gosta de ser “livre” e não ter patrão. Felipe não paga INSS, mas diz que passará a pagar futuramente e segundo ele, possuí uma poupança para custear gastos futuros dele e de sua família.

Os números da economia informal no Brasil são indicadores complicados no mercado de trabalho. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que no primeiro trimestre de 2025 perto de 32 milhões de brasileiros estão trabalhando informalmente. Quase um terço de trabalhadores operam sem carteira assinada, nem CNPJ, muito menos acesso a direitos básicos. No Norte e Nordeste essa taxa supera os 50%, levantando desigualdades históricas e estruturais no país. Motoristas de aplicativo e motoboys surgem como os maiores exemplos de uma informalidade, influenciada por discursos morais e “flexibilidade”, mas na prática percebemos a precarização desses trabalhadores.  

As plataformas digitais mudaram a maneira de trabalhar e gerar renda. O IBGE calculou que, em 2022, cerca de 2 milhões de brasileiros usavam apps para trabalhar e representam 77% autônomos. A maioria atua em serviços de entrega ou transporte, com jornadas extensas, muitas vezes ultrapassando 10 horas de trabalho por dia. Motoboys e entregadores, por exemplo, trabalham em média mais de 45 horas semanais, conforme o instituto, quase cinco horas a mais que trabalhadores de funções similares fora das plataformas. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que mais de 55% destes trabalhadores estão completamente na informalidade, sem nenhum tipo de contribuição para a previdência ou segurança social. 

A ausência de um vínculo formal mostra um dilema presente no mercado de trabalho atual, a autonomia e liberdade prometida se juntam com a instabilidade e falta de direitos. Muitos motoristas e entregadores, dizem gostar desse sistema, já que podem definir horários e ganhos. Apesar disso, essa independência, traz consigo muitos perigos que não são assumidos pelas empresas. Custos com gasolina, consertos do veículo, comida e equipamentos de segurança, são todos por conta do trabalhador. Caso fiquem doentes ou se acidentem, não têm direito a auxílio-doença, FGTS ou seguro-desemprego. A contribuição para o INSS, quando rola, acontece de forma voluntária e as vezes, o que dificulta o acesso a aposentadorias e benefícios. A maioria dessas pessoas simplesmente não contribuem, seja por não saber como, por ter dificuldade em pagar, ou por causa da renda irregular.  

Essa situação mostra que, por um lado, a economia informal é considerada como um motor que mantém o País indo para frente. Por exemplo, na pandemia, os entregadores e motoristas de aplicativo foram muito importantes para garantir os serviços básicos, como a entrega de comida e remédios, quando quase tudo parou, e, por outro, mesmo sendo vistos como essenciais, esses trabalhadores continuam marginalizados pelo Estado e pela sociedade. Existe uma mistura de admiração e estigma: eles são vistos como guerreiros que "não param", mas também como profissionais que fazem "bicos", sem estabilidade ou um futuro garantido. O efeito da informalidade na economia é incerto. Ela absorve milhões de pessoas que, de certa forma, estariam sem emprego, aliviando os números de desocupação e assegurando uma pequena circulação de dinheiro. 

Em áreas remotas e cidades pequenas, o trabalho sem registro é o pilar do comércio e dos serviços locais. No entanto, essa situação traz um preço elevado, diminuindo a receita fiscal e fragilizando a Previdência Social. Esses trabalhadores sofrem mais com as crises, imprevistos e enfermidades, sobrecarregando os sistemas públicos de saúde e ajudas sociais. Além disso, a produtividade é reduzida, visto que a instabilidade financeira dificulta planos. Em 2024, o IBGE apontou que mais de 25% dos trabalhadores do setor privado não possuíam carteira assinada. O Dieese revelou também que os salários de motoboys e entregadores de aplicativos são, em média, 40% abaixo dos de quem trabalha formalmente em funções parecidas. Esses números evidenciam que, mesmo com a tendência nova economia e da "liberdade de empreender", a verdade é que acontece um maior esgotamento desses trabalhadores.  

A ausência de uma regulamentação correta para os trabalhadores de aplicativo é um dos maiores problemas. Em 2024, o governo começou algumas propostas para fazer uma lei, para dar direitos mínimos, como a previdência social e seguro contra acidentes. O projeto pensava em colocar as plataformas para colaborar pagando uma parte do INSS, pelo tempo de trabalho que o sujeito presta serviços a essas empresas. Mas o projeto encontra dificuldades pois as empresas terão menos lucro e vendem a ideia da perda de liberdade. Fora a lei, alguns especialistas falam em criar políticas públicas para ajudar na previdência e dar cursos de capacitação de forma gratuita.  

Simplificar o processo de contribuição ao INSS, ajustar a renda variável e irregular dos trabalhadores autônomos, seria um passo importante para esse problema. Oferecer linhas de crédito acessíveis, juntamente com seguros específicos para motoboys e motoristas, poderia diminuir custos operacionais e reduzir o risco de dívidas. Também é importante investir em infraestrutura urbana, locais de apoio e políticas de saúde ocupacional. Tais medidas poderiam ajudar na redução de acidentes e no melhoramento das condições de trabalho, sobretudo nas grandes metrópoles. 

O entregador de aplicativo, o motorista do Uber, e o vendedor ambulante, são parte significativa da economia brasileira. Eles impulsionam e estimulam o consumo, e sustentam inúmeras famílias. Reconhecer estes profissionais significa admitir que o Brasil de verdade é construído, em grande parte, por gente que vive na informalidade. 

Dessa forma, a economia vai muito além de simples dados estatísticos, é o pilar da subsistência de milhões de brasileiros. Ela expõe as diferenças de uma país em ascensão, que não garante condições decentes para todos. Sem políticas estruturais que envolvam esses trabalhadores sobre os direitos sociais, o País continuará preso em um ciclo de desigualdade e precarização. Formalizar, é bem mais que só um contrato, é garantir que o trabalho, em qualquer área, seja sinônimo de dignidade. 

A falta de renda fixa, escolaridade e educação financeira empurra jovens para ciclos longos de endividamento.
por
Maria Luiza Pinheiro Reining
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24/06/2025 - 12h

Entre boletos parcelados, cartões de crédito e ofertas de empréstimos rápidos, jovens brasileiros têm se tornado protagonistas de um fenômeno crescente: o superendividamento. Sem renda fixa, sem vínculo formal com instituições financeiras e com pouca ou nenhuma educação financeira, parte expressiva dessa população vê no crédito imediato uma resposta à sobrevivência, ainda que, a longo prazo, isso signifique um acúmulo impagável de dívidas.

A especialista em consumo e pesquisa de mercado, Eduarda Barreto, 27, chama atenção para a complexidade do problema. Para ela, não se trata apenas de comportamento individual, mas de um contexto social e estrutural. “Em 2022, uma pesquisa do Banco Central mostrou que 22% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Isso representa cerca de 11 milhões de jovens sem renda fixa ou escolaridade mínima para acessar melhores oportunidades”, afirma.

Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP
Eduarda Barreto em palestra na FEA-USP 

Esse grupo, segundo Eduarda, é o mais vulnerável a modalidades de crédito como empréstimos emergenciais ou cartões pré-aprovados. Com pouco conhecimento sobre juros e condições, esses jovens recorrem ao que está disponível mesmo que isso signifique aceitar taxas elevadas e prazos inflexíveis. Ela explica que não se trata de crédito para investir, mas para sobreviver. Muitas vezes, o empréstimo serve para pagar contas básicas como luz, gás e alimentação.

Eduarda destaca que esse ciclo é agravado pela ausência de políticas públicas consistentes de educação financeira desde os primeiros anos escolares. Jovens que não estão inseridos no mercado de trabalho ou na escola muitas vezes não têm qualquer orientação sobre orçamento, crédito ou endividamento. O resultado é um cenário em que decisões são tomadas no impulso da necessidade, sem planejamento ou capacidade de negociação com bancos.

A falta de vínculo estável com instituições financeiras também pesa. Quem não tem um histórico com o banco dificilmente acessa linhas de crédito com melhores condições. Barreto observa que, mesmo com juros altos, muitos jovens aceitam a única oferta disponível, pois não têm tempo nem suporte para tomar uma decisão mais estratégica. Eles precisam do dinheiro de forma imediata.

Embora programas de renegociação de dívidas e feirões "limpa nome" tenham ganhado força nos últimos anos, Eduarda pondera que eles não atacam o problema na raiz. O superendividamento juvenil é reflexo direto de um sistema que oferece crédito sem oferecer estabilidade, informação ou perspectivas.

Chris Martin terá apresentação aberta ao público em Belém para promover a COP 30
por
Victória Miranda
Ana Julia Mira
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10/06/2025 - 12h

No dia primeiro de novembro, o cantor do grupo musical Coldplay, estará se apresentando no Mangueirão (Estádio Olímpico do Pará). O estado também será palco da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) e o festival, que contará com outros grandes nomes da música, faz parte da promoção da campanha #ProtejaAAmazônia.

Os shows gratuitos têm sido ferramentas poderosas do governo brasileiro para promover turismo e projetos nacionais. Mesmo sendo totalmente abertos ao público, essas apresentações movimentam a economia brasileira em diversos aspectos. Entenda mais sobre o assunto e confira as falas da doutora em Comunicação e Cultura e professora titular do programa de pós-graduação em Economia Criativa, Lucia Santa-Cruz, em entrevista em vídeo para a AGEMT. 

 

 

Esse é o maior índice desde 2006
por
Marcelo Barbosa Prado Filho
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12/05/2025 - 12h

Na última quarta-feira (7), o Comitê de Política Monetária (Copom) subiu a taxa básica de juros para 14,75% por ano, um aumento de 0,5%.

 

De acordo com um comunicado lançado pelo Comitê, os fatores que colaboraram para a decisão foram o tarifaço de Donald Trump e a política econômica do presidente Lula: “Cenário de elevada incerteza, aliado ao estágio avançado do ciclo de ajuste e seus impactos acumulados por serem observados, demanda cautela adicional na atuação da política monetária e flexibilidade para incorporar os dados que impactem a dinâmica de inflação”, declarou o informe. 


A Selic tem um papel fundamental na economia. Ela é o parâmetro para definir todas as outras taxas no país e serve como referencial para os bancos precificarem seus créditos. Essa é a sexta elevação consecutiva da taxa e coloca a Selic em maior patamar desde julho de 2006. 

 

De acordo com a economista Cristina Helena, a taxa de juros tem um impacto considerável na economia: “Quando a taxa de juros aumenta, uma das coisas que acontecem é tornar mais atrativo o investimento externo para dentro do país. Essa entrada de capital ajuda na queda do dólar, porque tem maior oferta de moeda estrangeira”. Por outro lado, a economista pontua que a elevação da taxa pode acarretar em menor consumo familiar: “Alguns podem aumentar os recursos e consumo, mas vão ter famílias que vão ficar mais pobres.”.  

Reprodução: Getty Images
Reprodução:Getty Images

Com isso, o Brasil passou a compor a lista dos países com os maiores juros reais do mundo, ficando em terceiro lugar no âmbito internacional. Em primeiro lugar está a Turquia, com 10,47%, e em segundo a Rússia, que tem  9,17%.

 

No entanto, junto com a elevação, houve uma queda do dólar diante do real.  A elevação da taxa não foi o único fator que influenciou, visto que a perspectiva de um acordo comercial entre EUA e o Reino Unido aumentou. 

 

Para a próxima reunião, há expectativas, mas não parece ser diferente do cenário atual. Em nota, a Copom afirmou: “Para a próxima reunião, o cenário de elevada incerteza, aliado ao estágio avançado do ciclo de ajuste e seus impactos acumulados ainda por serem observados, demanda cautela adicional na atuação da política monetária e flexibilidade para incorporar os dados que impactem a dinâmica de inflação”.


 

Como o governo Trump afeta a economia no Brasil
por
Chloé Dana
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05/05/2025 - 12h

A guerra comercial entre Estados Unidos e China, embora tenha começado ainda no primeiro mandato de Donald Trump, ganhou contornos oficiais em fevereiro deste ano, quando o então presidente norte-americano declarou combate aberto aos produtos "made in China". A partir de março, Trump começou a colocar em prática sua política de “América em primeiro lugar”, com foco em fortalecer a indústria nacional, mesmo que isso significasse limitar as importações.

Uma das primeiras ações foi a imposição de tarifas de 10% sobre produtos chineses. A resposta veio rapidamente: a China retaliou com barreiras comerciais contra mercadorias americanas. Mas o episódio que mais chamou atenção aconteceu no dia 1º de abril, com o chamado “tarifaço” de Trump. Nesse dia, ele anunciou aumentos significativos nas alíquotas de importação, atingindo diversos países — inclusive aliados. A China foi a mais afetada, vendo suas exportações para os EUA sofrerem taxações de até 154%. 

No dia 7 de abril, as ações da Ásia voltaram a despencar sob os efeitos do tarifaço. O resultado representa o terceiro pregão consecutivo de quedas generalizadas e expressivas nas bolsas de valores pelo mundo inteiro. Na última semana, as bolsas de Wall Street derreteram até 10%, com o mercado reagindo mal às medidas de Trump. Os mercados caíram porque as tarifas podem aumentar os preços significativamente para empresas e consumidores americanos. Isso porque os importadores pagam as tarifas, não os países que exportam os bens que Trump tem como alvo.

O motivo é claro: tarifas elevadas encarecem os produtos importados. E quem paga essa conta são os importadores — ou seja, as empresas norte-americanas. Muitas delas acabam repassando esse custo ao longo da cadeia, atingindo os varejistas e, por fim, o consumidor final. Nem todas conseguem absorver esse impacto, o que gera inflação e instabilidade econômica. Segundo o professor Gilmar Masiero, professor de Administração de Empresas e Economia na USP, em entrevista à AGEMT, o retorno de Trump ao poder pode agravar ainda mais esse cenário.

“No primeiro mandato, o governo iniciou em 2016 o que ficou conhecido como guerra comercial com a China, marcada por sucessivas elevações e tensões políticas. Trump já sinalizou que pretende ampliar as tarifas sobre produtos chineses, com o objetivo declarado de reduzir a dependência americana da manufatura asiática e trazer parte da produção de volta ao território norte-americano” afirma Masiero. 

Essa postura, no entanto, não ocorre sem reações do outro lado. A China, embora evite um confronto direto — já que os EUA ainda são um dos seus maiores mercados consumidores —, têm adotado uma estratégia de diversificação comercial. “A tendência é que as exportações chinesas percam competitividade no mercado norte-americano. Em resposta, acredito que a China continuará acelerando sua política de diversificação, buscando acordos com mercados da Ásia, Europa e Sul Global. Além disso, empresas chinesas já vêm alocando fábricas para países como Vietnã e Indonésia para contornar tarifas”, explica o professor.

Apesar disso, Masiero lembra que a substituição total da China como “fábrica do mundo” não é simples: “a China tem uma base industrial sofisticada e infraestrutura difícil de replicar. O deslocamento será parcial e, principalmente, em setores de menor valor agregado. Mas a diversificação comercial chinesa parece inevitável”, ressalta. 

Diante dessa reconfiguração global, surge a pergunta: onde o Brasil entra nesse jogo? O professor aponta que, historicamente, o Brasil tem sido um ator passivo no comércio internacional. “Exportamos basicamente quando somos demandados, especialmente commodities. Falta uma estratégia comercial estruturada. Isso nos deixa com pouca força de barganha em disputas comerciais mais amplas.

"Com o deslocamento parcial das cadeias produtivas e o redirecionamento dos fluxos comerciais globais, o Brasil deveria buscar ampliar suas relações com países asiáticos. Podemos nos posicionar como fornecedores estratégicos ou parceiros tecnológicos, principalmente com Índia, Vietnã, Indonésia e Coreia do Sul”, diz.  

 No fim das contas, o que está em jogo é muito mais do que uma disputa comercial entre duas potências. Trata-se de uma mudança estrutural nas dinâmicas do comércio internacional — e países como o Brasil precisam escolher se vão apenas reagir ou se posicionar de forma estratégica nesse novo tabuleiro global.

(Narração de 4 minutos) . Escute o áudio

 

Grandes marcas enfrentam críticas sobre métodos de produção e as reais práticas do mercado de luxo
por
Isabelli Albuquerque
Vitória Nascimento
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22/04/2025 - 12h

No começo do mês de abril, o jornal americano Women's Wear Daily (WWD) divulgou em suas redes sociais um vídeo que mostrava os bastidores da fabricação da bolsa 11.12, um dos modelos mais populares da histórica francesa Chanel. Intitulado “Inside the Factory That Makes $10,000 CHANEL Handbags” (“Dentro da Fábrica que Produz Bolsas Chanel de US$10.000”), o material buscava justificar o alto valor do acessório, mas acabou provocando controvérsia ao exibir etapas mecanizadas do processo, incluindo a costura.

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Imagem do vídeo postado pelo WWD que foi deletado em seguida. Foto: Reprodução/Tiktok/@hotsy.magazine

Embora o vídeo também destacasse momentos artesanais, como o trabalho manual de artesãs, a revelação de uma linha de produção mais automatizada do que o esperado causou estranhamento entre o público nas redes sociais. A repercussão negativa levou à exclusão do conteúdo poucas horas após a publicação, mas o vídeo continua circulando por meio de republicações. 

Além do material audiovisual, a WWD publicou uma reportagem detalhada sobre o processo de confecção das bolsas. Foi a primeira vez que a maison fundada por Coco Chanel, em 1910, abriu as portas de uma de suas fábricas de artigos em couro. A iniciativa está alinhada ao Regulamento de Ecodesign para Produtos Sustentáveis, que visa ampliar a transparência ao oferecer informações claras sobre a origem dos produtos, os materiais utilizados, seus impactos ambientais e orientações de descarte através de um passaporte digital dos produtos.

Em entrevista à publicação, Bruno Pavlovsky, presidente de moda da Chanel, afirmou: “Se não mostrarmos por que é caro, as pessoas não saberão”. Ao contrário do vídeo, as imagens incluídas na matéria priorizam o trabalho manual dos artesãos, reforçando a narrativa de exclusividade e cuidado artesanal.

Para a jornalista de moda Giulia Azanha, a polêmica evidencia um atrito entre a imagem construída pela marca e a realidade do processo produtivo. “Acaba criando um rompimento entre a qualidade percebida pelo cliente e o que de fato é entregue”, afirma. Segundo ela, a reação negativa afeta principalmente os consumidores em potencial, ainda seduzidos pelo imaginário construído pela grife, enquanto os compradores habituais já estão acostumados com o funcionamento e polêmicas do mercado de luxo.

Atualmente, a Chanel administra uma série de ateliês especializados em ofícios artesanais por meio de sua subsidiária Paraffection S.A., reunidos no projeto Métiers d’Art, voltado à preservação de técnicas manuais tradicionais. A marca divulga sua produção feita à mão como um de seus pilares. No entanto, ao longo dos anos, parte da fabricação tornou-se mais automatizada — sem que isso tenha sido refletido nos preços finais.

Em 2019, a bolsa 11.12 no tamanho médio custava US$ 5.800. Hoje, o mesmo modelo é vendido por US$ 10.800 — um aumento de 86%. Para Giulia, não é o produto em si que mantém o caráter exclusivo, mas sim a história da marca, a curadoria estética e seu acesso extremamente restrito: “No final, essas marcas não vendem bolsas, roupas, sapatos, mas sim a sensação de pertencimento, de sofisticação e inacessibilidade, mesmo que seja simbólico”.

A jornalista de moda acredita que grande parte das outras grifes também adota um modelo híbrido de produção, que combina processos artesanais e mecanizados. Isso se justifica pela alta demanda de modelos como as bolsas 11.12 e 2.55, os mais vendidos da Chanel, o que exige uma produção em escala. No entanto, Giulia ressalta que a narrativa em torno do produto é tão relevante quanto sua fabricação: “O conceito de artesanal e industrial no setor da moda é uma linha muito mais simbólica do que técnica”, afirma.

Na mesma reportagem da WWD, Pavlovsky afirmou que a Chanel pretende ampliar a divulgação de informações sobre o processo de fabricação de seus produtos. A iniciativa acompanha a futura implementação do passaporte digital, que será exigido em produtos comercializados na União Europeia. A proposta é detalhar como os itens são produzidos, incluindo dados voltados ao marketing e à valorização dos diferenciais que tornam as peças da marca únicas. A matéria da WWD foi uma primeira tentativa nesse sentido, mas acabou não gerando a repercussão esperada.

“O não saber causa um efeito psicológico e atiça o desejo por consumo, muito mais rápido do que a transparência”, observa Giulia, destacando o papel do mistério no universo do luxo. Para ela, as marcas enfrentam o dilema de até que ponto devem revelar seus processos sem comprometer a aura de exclusividade. Embora iniciativas como a da Chanel pareçam valorizar aspectos como a responsabilidade ambiental e o trabalho manual — atributos bem recebidos na era das redes sociais, a jornalista acredita que a intenção vai além da educação do consumidor: “A ideia é parecer engajado e preocupado com a produção e seus clientes, mas a intenção por trás está muito mais ligada a humanizar a grife do que, de fato, educar o público”.

 

Até onde as práticas de fabricação importam?

 

Também no início de abril, diversos perfis chineses foram criados no aplicativo TikTok. Inicialmente, vídeos aparentemente inocentes mostrando a fabricação de bolsas e outros acessórios de luxo foram postados. Porém, com o aumento das taxas de importação causada pelo presidente americano, Donald Trump, estes mesmos perfis começaram a postar vídeos comprovando que produtos de diversas grifes de luxo são fabricados na China.

Estes vídeos se tornaram virais, arrecadando mais de 1 milhão de visualizações em poucos dias no ar. Um dos perfis que ganharam mais atenção foi @sen.bags_ - agora banido da plataforma -, usado para expor a fabricação de bolsas de luxo. Em um dos vídeos postados no perfil, um homem mostra diversas “Birkin Bags” - bolsas de luxo fabricadas pela grife francesa Hermés, um dos itens mais exclusivos do mercado, chegando a custar entre US$200 mil e US$450 mil - que foram produzidas em sua fábrica.

As bolsas Birkin foram criadas em 1981 em homenagem à atriz Jane Birkin por Jean-Louis Dumas, chefe executivo da Hermés na época. O design da bolsa oferece conforto, elegância e praticidade, ganhando rapidamente destaque no mundo da moda.

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Jane Birkin usando a bolsa em sua homenagem. A atriz era conhecida por carregar diversos itens em sua Birkin, personalizando a bolsa com penduricalhos e chaveiros. Foto:Jun Sato/Wireimage.

A Hermés se orgulha em dizer que as Birkin são produtos exclusivos, principalmente devido ao lento processo de produção. De acordo com a marca, todo o processo de criação de uma Birkin é artesanal e o produto é fabricado com couros e outros materiais de difícil acesso. Porém, com a revelação do perfil @sen.bags_, o público começou a perceber que talvez a bolsa não seja tão exclusiva assim.

No mesmo vídeo mencionado anteriormente, o homem diz que tudo é fabricado na China, com os mesmos materiais e técnica, mas as bolsas são enviadas à Europa para adicionarem o selo de autenticidade da marca. Essa fala abriu um debate on-line, durante todo esse tempo, as pessoas só vêm pagando por uma etiqueta e não pelo produto em si?

Para Giulia, polêmicas desse nível não afetam de forma realmente impactante as grandes grifes de luxo, já que “A elite não para de consumir esses produtos, porque como já possuem um vínculo grande [com as marcas] não se trata de uma polêmica que afete sua visão de produto, afinal além de venderem um simples produto, as grifes vendem um estilo de vida compatível com seu público.

A veracidade destes vídeos não foi comprovada, mas a imagem das grifes está manchada no imaginário geral. Mesmo que a elite, público alvo destas marcas, não deixe de consumi-las, o resto dos consumidores com certeza se deixou afetar pelo burburinho.

Nas redes sociais, diversos internautas brincam dizendo que agora irão perder o medo de comprar itens nos famosos camelôs, alguns até pedem o nome dos fornecedores, buscando os prometidos preços baixos.

Financeiramente, a Chanel e outras marcas expostas, podem ter um pequeno baque, mas por conta de suas décadas acumulando capital, conseguiram se reequilibrar rapidamente. “Elas podem sentir um impacto imediato, mas que em poucos anos são contidos e substituídos por novos temas, como a troca repentina de um diretor criativo ou um lançamento de uma nova coleção icônica.”, acrescentou Giulia.

Outras grandes grifes já enfrentaram escandâlos, até muito maiores do que esse como menciona Giulia “A Chanel, inclusive passou por polêmicas diretamente ligadas a sua fundadora, até muito mais graves do que seu processo produtivo”, se referindo ao envolvimento de Coco Chanel com membros do partido nazista durante a Segunda Guerra. Porém, como apontado anteriormente, essas marcas conseguiram se reerguer divergindo a atenção do público a outro assunto impactante.

Esse caso foi apenas um de muitos similares na história da indústria da moda, mas, como apontado por Giulia: “A maior parte das grifes em questão tem ao menos 100 anos de história e já se reinventaram diversas vezes em meio a crises, logo a transformação será necessária.”