Do pastelzinho com caldo de cana à hora da xepa, as feiras livres fazem parte do cotidiano paulista de domingo a domingo.
por
Manuela Dias
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29/11/2025 - 12h

Por décadas, São Paulo acorda cedo ao som de barracas sendo montadas, caminhões descarregando frutas e vendedores afinando o gogó para anunciar promoções. De norte a sul, as feiras livres desenham um dos cenários mais afetivos da vida paulistana. Não é apenas o lugar onde se compra comida fresca: é onde se conversa, se briga pelo preço, se prova um pedacinho de melancia e se encontra o vizinho que você só vê ali, entre uma dúzia de banana e um pé de alface.

Juca Alves, de 40 anos, conta que vende frutas há 28 anos na zona norte de São Paulo e brinca que o relógio dele funciona diferente. “Minha rotina é a mesma todos os dias. Meu dia começa quando a cidade ainda está dormindo. Se eu bobear, o morango acorda antes de mim”.

Nas bancas de comida, o pastel é rei. “Se não tiver barulho de óleo estalando e alguém gritando não tem graça”, afirma dona Sônia, pasteleira há 19 anos junto com o marido e filhos. “Minha família cresceu ao redor de panelas de óleo e montes de pastéis. E eu fico muito realizada com isso.  

Quando o relógio se aproxima do meio dia, começa o momento mais esperado por parte do público: a famosa xepa. É quando o preço cai e a disputa aumenta. Em uma cidade acelerada como São Paulo, a feira livre funciona como uma pausa afetiva, um lembrete de que existe vida fora do concreto. E enquanto houver paulistanos dispostos a acordar cedo por um pastel quentinho e uma conversa boa, as feiras continuarão firmes, coloridas, barulhentas e deliciosamente caóticas.

Os cartazes com preços vão mudando conforme o dia.
Os cartazes com preços vão mudando conforme o dia. Foto: Manuela Dias/AGEMT
Vermelha, doce e gigante: a melancia é o coração das bancas nas feiras paulistanas.
Vermelha, doce e gigante: a melancia é o coração das bancas nas feiras paulistanas. Foto: Manuela Dias/AGEMT
A dupla que move a feira da Zona Norte de São Paulo.
A dupla que move a feira da Zona Norte de São Paulo. Foto: Manuela Dias/AGEMT
Entre frutas e verduras um respiro delicado: o corredor das flores.
Entre frutas e verduras um respiro delicado: o corredor das flores. Foto: Manuela Dias/AGEMT

 

Apresentação exclusiva acontece no dia 7 de setembro, no Palco Mundo
por
Jalile Elias
Lais Romagnoli
Marcela Rocha
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26/11/2025 - 12h

Elton John está de volta ao Brasil em uma única apresentação que promete marcar a edição de 2026 do Rock in Rio. O festival confirmou o britânico como atração principal do dia 7 de setembro, abrindo a divulgação do line-up com um dos nomes mais celebrados da música mundial.

A presença de Elton carrega um peso especial. Em 2023, o artista anunciou que deixaria as grandes turnês para ficar mais perto da família. Por isso, sua performance no Rock in Rio será a única na América Latina, transformando o show em um momento raro para os fãs de todo o continente.

Em um vídeo publicado na terça-feira (25) nas redes sociais, Elton John revelou o motivo para ter aceitado o convite de realizar o show em solo brasileiro. “A razão é que eu não vim ao Rio na turnê ‘Farewell Yellow Brick Road’, e eu senti que decepcionei muitos dos meus fãs brasileiros. Então, eu quero compensar isso”, explicou o britânico.

No mesmo dia de festival, outro grande nome da música sobe ao Palco Mundo: Gilberto Gil. Em clima de despedida com a turnê Tempo-Rei, que termina em março de 2026, o encontro dos dois artistas lendários torna a programação do festival ainda mais especial. 

Gilberto Gil se apresentará no Palco Mundo do Rock in Rio 2026 (Foto: Reprodução / Facebook Gilberto Gil)
Gilberto Gil se apresentará no Palco Mundo do Rock in Rio 2026 (Foto: Divulgação)

Além das atrações, o Rock in Rio prepara mudanças importantes na Cidade do Rock. O Palco Mundo, símbolo do festival, será completamente revestido de painéis de LED, somando 2.400 metros quadrados de tecnologia. A ideia é ampliar a imersão visual e criar novas possibilidades para os artistas.

A próxima edição também terá uma homenagem especial à Bossa Nova e um benefício pensado diretamente para o público, em que cada visitante poderá receber até 100% do valor do ingresso de volta em bônus, podendo ser usado em hotéis, gastronomia e experiências turísticas durante a estadia na cidade.

O Rock in Rio 2026 acontece nos dias 4, 5, 6, 7 e 11, 12 e 13 de setembro, no Parque Olímpico, no Rio de Janeiro. A venda geral dos ingressos começa em 9 de dezembro, às 19h, enquanto membros do Rock in Rio Club terão acesso à pré-venda a partir do dia 4, no mesmo horário.

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A socialite continuou tendo sua moral julgada no tribunal, mesmo após ter sido assassinada pelo companheiro
por
Lais Romagnoli
Marcela Rocha
Jalile Elias
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26/11/2025 - 12h
Marjorie Estiano interpreta Ângela Diniz. Foto: Divulgação
Marjorie Estiano interpreta Ângela Diniz em nova série. Foto: Reprodução/Divulgação HBO Max

Figurinha carimbada nas colunas sociais da época, Ângela Diniz virou capa das manchetes policiais após ser morta a tiros pelo então namorado, Doca Street. O feminicídio que marcou o país na década de 1970 ganha agora um novo olhar na série da HBO Ângela Diniz: Assassinada e Condenada.

Na produção, Marjorie Estiano interpreta a protagonista, enquanto Emilio Dantas assume o papel de Doca. O elenco ainda conta com Thelmo Fernandes, Maria Volpe, Renata Gaspar, Yara de Novaes e Tóia Ferraz.

Sob direção de Andrucha Waddington, a série se inspira no podcast A Praia dos Ossos, de Branca Viana. A obra, que leva o nome da praia onde o crime ocorreu, reconstrói não apenas o caso, mas também o apagamento em torno da própria vítima. Depoimentos de amigas de Ângela, silenciadas à época, servem como ponto de partida para revelar quem ela realmente era.

Seja pela beleza ou pela independência, a mineira chamava atenção por onde passava. Já os relatos sobre Doca eram marcados pelo ciúme obsessivo do empresário. O casal passava a véspera da virada de 1977 em Búzios quando, ao tentar pôr fim à relação, Ângela foi assassinada pelo companheiro.

Por dias, o criminoso permaneceu foragido, até que sua primeira aparição foi numa entrevista à televisão; logo depois, ele se entregou à polícia. Foram necessários mais de dois anos desde o assassinato para que Doca se sentasse no banco dos réus, num julgamento que se tornaria símbolo da luta contra a violência de gênero.

Marjorie Estiano interpreta Ângela Diniz, , enquanto Emilio Dantas assume o papel de Doca. Foto: Divulgação
Marjorie Estiano interpreta Ângela Diniz, enquanto Emilio Dantas assume o papel de Doca. Foto: Reprodução/Divulgação HBO Max

As atitudes, roupas e relações de Ângela foram usadas pela defesa como supostas “provocações” que teriam motivado o crime. Foi nesse episódio que Carlos Drummond de Andrade escreveu: “Aquela moça continua sendo assassinada todos os dias e de diferentes maneiras”.

Os advogados do réu recorreram à tese da “legítima defesa da honra” — proibida somente em 2023 pelo STF — numa tentativa de inocentá-lo. O argumento foi aceito pelo júri, e Doca recebeu pena de apenas dois anos de prisão, sentença que gerou revolta e fortaleceu movimentos feministas da época.

Sob forte pressão popular, um segundo julgamento foi realizado. Nele, Doca foi condenado a 15 anos, dos quais cumpriu cerca de três em regime fechado e dois em semiaberto. Em 2020, ele morreu aos 86 anos, em decorrência de um ataque cardíaco.

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Exposição reúne obras que exploram o inconsciente e a natureza como caminhos simbólicos de cura
por
KHADIJAH CALIL
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25/11/2025 - 12h

A Pinacoteca Benedicto Calixto, em Santos, apresenta de 14 de novembro a 14 de dezembro de 2025 a exposição “Bosque Mítico: Katia Canton e a Cura pela Arte”, que reúne um conjunto expressivo de pinturas, desenhos, cerâmicas, tapeçarias e azulejos da artista, sob curadoria de Carlos Zibel e Antonio Carlos Cavalcanti Filho. A Fundação que sedia a mostra está localizada no imóvel conhecido como Casarão Branco do Boqueirão em Santos, um exemplar da época áurea do café no Brasil. 

Ao revisitar o bosque dos contos de fadas como metáfora de transformação interior, Katia Canton revela o processo criativo como gesto de cura, reconstrução e transcendência.
 

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       “Casinha amarela com laranja” de Katia Canton. Foto: Khadijah Calil.

 

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                 “Chapeuzinho triste” de Katia Canton. Foto: Khadijah Calil.
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                 “O estrangeiro” de Katia Canton. Foto: Khadijah Calil.         
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                                                            “Menina e pássaro” de Katia Canton. Foto: Khadijah Calil.
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                                                     “Duas casinhas numa ilha” de Katia Canton. Foto: Khadijah Calil.
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                                                             “Os sete gatinhos” de Katia Canton. Foto: Khadijah Calil.
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                                                                         “Floresta” de Katia Canton. Foto: Khadijah Calil.

 

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Festival celebra os três anos de existência com homenagem ao pensamento de Frantz Fanon e a imaginação radical da cultura periférica
por
Marcela Rocha
Jalile Elias
Isabelle Maieru
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25/11/2025 - 12h

Reconhecido como um dos principais espaços da cultura periférica em São Paulo, o Museu das Favelas completa três anos de atividades no mês de novembro. Para comemorar, a instituição elaborou uma programação especial gratuita que combina memória, arte periférica e reflexão crítica.

Segundo o governo do Estado, o Museu das Favelas já recebeu mais de 100 mil visitantes desde sua fundação em 2022. Localizado no Pátio do Colégio, a abertura da agenda de aniversário ocorre nesta terça-feira (25) com a mostra “ImaginaÇÃO Radical: 100 anos de Frantz Fanon”, dedicada ao médico e filósofo político martinicano.

Fachada do Museu das Favelas. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Fachada do Museu das Favelas. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Autor de “Os condenados da terra” e “Pele negra, máscaras brancas”, Fanon contribuiu para a análise dos efeitos psicológicos do colonialismo, considerando algumas abordagens da psiquiatria e psicologia ineficazes para o tratamento de pessoas racializadas. A exposição em sua homenagem ficará em cartaz até 24 de maio de 2026.

Ainda nos dias 25 e 26 deste mês, o festival oferecerá o ciclo “Papo Reto” com debates entre intelectuais francófonos e brasileiros, em parceria com o Instituto Francês e a Festa Literária das Periferias (Flup). A programação continua no dia 27 com a visita "Abrindo Fluxos da Imaginação Radical”. 

Em 28 de novembro, o projeto “Baile tá On!” promove uma conversa com o artista JXNV$. Já no dia 29, será inaugurada a sala expositiva “Esperançar”, que apresenta arte e tecnologia como forma de mapear territórios periféricos.

O encerramento do festival será no dia 30 de novembro com a programação “Favela é Giro”, que ocupa o Largo Pátio do Colégio com DJs e performances culturais.

 

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Pinóquio, de Guillermo Del Toro, mostra como criaturas fantásticas se transformaram ao olhar do público
por
Catarina Pace
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18/04/2023 - 12h

O cinema sempre foi diverso e repleto de criaturas fantásticas, míticas e curiosas, a maioria criada para despertar medo e pavor em quem assiste. Guillermo Del Toro é especialista em fazer isso: fortes emoções não faltam a quem assiste seus filmes, e seu último não fez por menos. A sua recriação de Pinóquio foi o ganhador do Oscar de 2023 de Melhor Animação e é totalmente distinto do desenho que Walt Disney popularizou.

O longa conta a história clássica, mas seus detalhes são diferentes. Ambientado no contexto da Primeira Guerra Mundial, o filme mostra uma visão sobre o fascismo que talvez nenhum outro filme infantil seria capaz de expressar. Seus personagens são criados a partir da tecnologia de stop motion, e junto às características sombrias que o diretor os deu, se tornou uma animação mais real do ponto de vista social. Com relâmpagos e sombras, ele transforma o desenho infantil em um desenho de horror sobre a realidade, a guerra e as estruturas sociais vigentes, e é essa mudança que os monstros foram encarregados de representar no cinema.

Guillermo Del Toro é muito conhecido por suas representações monstruosas e diferentes das convencionais. Diretor de filmes como O Labirinto do Fauno e A Forma da Água, ele busca representar o monstro, feio, estranho, diferente, como um estimulante do medo e ao mesmo tempo criar uma complexidade emocional nos personagens monstruosos.

Apesar do diretor mexicano ser um dos mais famosos criadores de universos míticos, antes dele, muitos outros filmes e livros já mostravam o monstro como o produtor do medo nas pessoas. Talvez uma das inspirações para a produção tenha sido Frankenstein, uma criação de Mary Shelley no início do século 19 e um dos primeiros escritos sobre o amor em uma criatura sem sentimentos. O monstro feito a partir de partes de corpos de pessoas mortas, feio, que causava horror em quem o via, conhece o sentimento do amor e sai à procura de uma mulher para amar, mas ninguém suporta sua imagem horrorosa.

Tido como um dos pioneiros dos monstros na literatura, ele inspirou a representação do relacionamento do feio com o sentimental, do caráter com a beleza exterior. Tim Burton e Steven Spielberg também foram exploradores, mesmo que mais modernos, dessa característica. Edward Mãos de Tesoura, A Noiva Cadáver, E.T. e muitos outros, são filmes dos diretores que se apoiam nessa temática de horror e sentimentalismo. A questão neles é o apelo ao medo que as pessoas têm do desconhecido e como isso se transforma durante o conhecimento do humano e do monstro simultaneamente.

E.T. O extraterrestre [Divulgação]
E.T. O extarterrestre
Imagem: [Divulgação] 

Apesar de muito comum hoje, poucos filmes que abordam o horror são vistos em grandes premiações. Pouco se fala sobre essa representação do desconhecido se tornando grandes blockbusters do cinema. O doutor em Cinema, Arte e Cultura Contemporânea pela UERJ e autor do livro: “O Monstro no Cinema”, Alex Barbosa, ao blog do site DarkSide, fala sobre dar voz ao horror nas abordagens sobre monstros. “O cinema de horror é marginal por ser muito potente e incomodar as estruturas mais conservadoras. É essencial dar voz e espaço ao horror.”, disse Alex.

Para ele, são realizações repletas de conteúdo do ponto de vista mais imediato, físico e objetivo do lugar do corpo nesse cinema de horror. “Passam pelos processos de compreensão mais filosóficos e de abordagem psicológica. São obras ricas para a pesquisa estética, da violência, do comportamento humano, da psique, dos processos de transmutação”, concluiu.

Quando Frankenstein foi escrito, Mary Shelley já pensava nessa transformação da relação do humano com a criatura diferente, do medo ao encantamento, e por uma separação de séculos, Pinóquio, que também traz essa reflexão, mostra que não há uma evolução na maneira como os monstros eram e são representados, sempre foram vistos como criaturas malignas e acabam se encontrando na história como seres puros e bondosos, apesar das aparências.

Barbosa confirma que essa transformação da representação do monstro no cinema nunca existiu, ou seja, tudo depende do momento em que aquela criatura quer ser representada. “Não há uma espécie de “evolução” da monstruosidade, seja no cinema ou na literatura. Existem elipses, referências, retomadas, retornos. O cinema (incluindo o de horror) realiza inúmeras releituras e retoma temas”, argumentou o autor.

Muitas das histórias que colocam o monstro como protagonista buscam mostrar que o verdadeiro monstro das histórias são os homens. O medo do desconhecido faz com que as criaturas sejam tidas como malvadas, assassinas e até excluídas de sociedades por suas características. Em Pinóquio ou Frankenstein, essa questão é clara, quando, mesmo que os dois sejam desconhecidos, estranhos e com uma aparência diferente dos demais, são criaturas merecedoras do amor e da compaixão do público.

Dessa forma, o cinema do horror e da monstruosidade questiona os ideais de perfeição, consciência e comportamento social, e assim cria o exercício de dissociar a feiura da maldade. Isso permite ao telespectador entrar em outra dimensão e refletir a partir do cinema de horror e da monstruosidade sobre a multiplicidade das questões humanas, a dicotomia entre “bem e mal” e “o bonito e o feio”, além de discutir a empatia e o que é realmente monstruoso na sociedade.

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Preços altos dificultam acesso a eventos, que crescem cada vez mais com o impulso da internet e a presença de DJs brasileiros
por
Laura Paro
Yasmin Solon
Lais Romagnoli
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18/04/2023 - 12h
Reprodução: Instagram @fepistelli
Reprodução: Instagram @fepistelli

A música eletrônica vem conquistando grande repercussão nacional ao expandir seu público. Entretanto, a presença física não espelha os ouvintes gerais, já que, além das barreiras sociais, a elitização dos eventos impossibilita a democratização musical. 

Nos últimos anos, principalmente com a volta dos eventos após a pandemia de Covid-19, a música eletrônica começou a conquistar mais ainda o espaço nacional e abriu diversas portas para DJs e produtores iniciantes que hoje em dia são renomados no mundo inteiro. Além disso, com a tecnologia cada vez mais avançada e o fácil acesso à internet, há oportunidade para muitos explorarem e conhecerem cada vez mais esse estilo musical.

“Com a informação na palma das mãos, muitas pessoas que nunca escutaram música eletrônica tiveram acesso a esse meio pela internet, então sem dúvidas isso ajudou a expandir mais ainda uma cena que antes era mais exclusiva aos amantes e frequentadores de festas”, afirma a DJ paulista Fernanda Pistelli, de 29 anos, anunciada como uma das atrações para a próxima edição da Tomorrowland Brasil, que será realizada em outubro, em São Paulo.

Com o avanço da tecnologia e o fácil acesso à música devido à internet, a música eletrônica tem despertado mais interesse no público, resultando em uma nova fase. Ao afirmar que o estilo tem sido redescoberto atualmente, Pistelli diz que “muitas mentes criativas se despertam e assim novas ideias ou estilos surgem a todo instante”. Além disso, com muitos artistas ganhando espaço no Brasil e no mundo, a relevância se torna ainda maior.

“Cada vez mais nossa geração vem ganhando notoriedade e espaço aqui e lá fora, muitos com vocais em português ou com grooves originais e acho que isso pode estar resultando na forma como muitas pessoas veem a eletrônica no cenário atual. É uma nova fase e sinto que os artistas estão se sentindo mais livres para criar. Acredito que o público também tem curtido acompanhar as evoluções”, afirma o DJ Duarte, do Rio de Janeiro.

Antes da expansão do gênero, as raves, surgidas em 1988 como um contraponto ao pessimismo dark dos anos 80, foram um importante instrumento para o desenvolvimento da música eletrônica. As casas noturnas europeias, influenciadas pelo sucesso dos eventos, passaram a tocar o gênero frequentemente, e festivais foram criados ao redor do mundo, fazendo sucesso e arrastando uma multidão de ouvintes até os dias de hoje.

Em meio a uma extensa variedade de festas e festivais eletrônicos e um grande público no país, o preço dos ingressos desses eventos acaba sendo um impasse na democratização do acesso, gerando um nicho padronizado de frequentadores. Ao ser questionada sobre a elitização dos eventos eletrônicos e altos valores de ingressos, Pistelli avalia que existe uma exclusão social e complicações para encontrar um equilíbrio sustentável, onde a conta feche e todos os trabalhadores sejam remunerados. “Vejo muitos festivais abrirem oportunidades para voluntários ajudarem no evento em troca do ingresso e eu acho isso o máximo”, conta a DJ e produtora.

Assim como Fernanda Pistelli, a DJ Carola representará a participação feminina, que ainda é muito pequena, nos palcos eletrônicos da Tomorrowland Brasil. Como uma mulher periférica, ela compõe a minoria nesse cenário - que é composto majoritariamente por homens -, visto que o percentual de mulheres na música eletrônica é inferior a 22%, segundo a revista Forbes.

Mesmo com as ramificações e os mixers plurais que alguns DJs ousam em fazer, não há tal pluralidade nos shows e festivais. Isso não é explicado por uma questão única de gosto, mas sim porque, além da questão econômica, há pouca representatividade, fazendo com que a presença do público variado seja somente ouvinte, não física. "Quanto mais houver artistas que retratam a sua realidade e vivência e se expressam intensamente, acredito que a tendência é juntar mais a galera e sair mais dessa bolha, com resultados expressivos e com um alcance maior com o tempo", afirma o DJ Duarte, expondo a importância da integração de todos os tipos de pessoas, tanto como na plateia, quanto nos palcos.

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Às vezes vistas como aliadas, às vezes como concorrentes, ferramentas geram visões divergentes entre especialistas
por
Gabriela da Silva Thier, Kawan Novais, Lorrane de Santana Cruz
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18/04/2023 - 12h

Atualmente, a inteligência artificial (IA) é um dos temas mais relevantes e mais comentados no mundo. O tom alarmante dos debates alimenta cada vez mais o medo das pessoas em relação aos impactos que a IA causará. No mundo artístico, as dúvidas sobre o tema também atingiram artistas e apreciadores de arte, assombrados com as transformações que a inteligência artificial provoca.

Em entrevista, Marcus Bastos, professor livre-docente da PUC-SP e coordenador do curso de Comunicação e Arte do Corpo, explicou o seu ponto de vista sobre arte e IA. Segundo ele, a inteligência artificial está transformando uma série de processos na sociedade contemporânea, inclusive a arte. “A IA já tem uma longa história e passou por diferentes fases de que as históricas partidas de xadrez entre homens e computadores são exemplos a serem destacados”, comentou, acrescentando que a inteligência artificial atingiu um novo grau de complexidade, fenômenos como o ChatGPT, no qual a IA cria textos ou imagens a partir de conversas ou instruções.

Segundo Bastos, é necessário exaltar a profundidade das obras feitas por artistas humanos para que possa tranquilizar a ideia de desvalorização de seus trabalhos devido à utilização da IA. "A inteligência artificial não vai desvalorizar a arte, pois o tipo de imagem que ela produz, apesar de visualmente elaborado, não atinge a complexidade conceitual das obras de arte. Uma obra de arte é um gesto de desconstrução crítica do sensível que pressupõe uma consciência crítica em ação”, disse o professor.

No entanto, mesmo que a falta de consciência impeça a IA de substituir alguns trabalhos humanos, o empresário Alexandre Messina, fundador da ferramenta de inteligência artificial ZapGPT, integrada ao aplicativo WhatsApp, acredita que a competição com as máquinas representa um desafio para os seres humanos. "Minha visão é que as produções humanas vão ser menos valorizadas porque vai ter mais concorrência”. Segundo ele, na lei de oferta e procura por obras artísticas, a IA oferecerá mais opções do que as produções humanas.

Além de a arte ser um campo para expressar sentimentos, também é um recurso crítico ao mundo a partir da visão do artista. Ao pensar se a IA tornará a arte acrítica, Bastos disse: “Há muitas experiências com o uso da inteligência artificial na arte, o problema é quando as pessoas criam a expectativa de que ela é capaz de substituir o artista. Esta é uma visão empobrecedora, pois os dispositivos de IA não são complexos o suficiente para fazer a pesquisa crítica com linguagem que o artista faz”.

Para superar a visão competitiva contra a inteligência artificial e eliminar o medo de que a sociedade perda sua força produtiva, Messina defende a cooperação entre homens e tecnologia. “A IA vai substituir muita gente, por outro lado, vai dar mais poder às pessoas”, diz o empresário, citando o acesso ilimitado à informação que permitirá que qualquer pessoa produza conteúdo de qualidade. “Acho que é muito mais como os humanos trabalham com a IA do que algo que vai só tirar as pessoas”, acrescenta.

"É possível pensar em algumas coisas, como por exemplo a existência de visitas de museus guiadas por agentes inteligentes, a curadoria feita em colaboração com dispositivos de IA e as obras de arte feitas em colaboração com dispositivos de inteligência artificial”, cita, por sua vez, Marcus Bastos. “Me parece que é mais produtivo pensar na IA como um recurso que permite tornar mais complexas as atividades artísticas do que algo que vai substituir o papel dos homens neste processo”, avalia.

Segundo ele, um ponto negativo é o fato de a IA ser uma ferramenta poderosa para promover informações falsas devido ao seu alto potencial de manipulação de imagens. Bastos pontua os dilemas que cercam o mal uso da inteligência artificial: “É uma ferramenta perigosa quando usada no contexto das fake news, o processo bastante problemático das ‘deep fake’ em que algoritmos de inteligência artificial são usados para sincronizar um áudio fictício a um vídeo verdadeiro criando falsificações extremamente enganadoras.  Além disso, a capacidade especial de criar imagens falsas que sejam retoricamente convincentes é realmente grande”.

Imagem falsa do Papa Francisco usando uma jaqueta branca criada pela Inteligência Artificial Midjourney publicada em seu perfil no Reddit


Em relação às ‘deep fake’, o CEO da Zap GPT ressalta a possibilidade de hackers acessarem informações sensíveis de indivíduos através da produção de avatares com a capacidade de copiar e reproduzir suas vozes e rostos para realizar uma chamada com gerentes de bancos e solicitarem dinheiro. Mas, Messina também ressalta que essa vulnerabilidade abrirá espaço para a cibersegurança por meio das buscas de novos métodos de autenticidade e proteção de dados.

O potencial que a inteligência artificial oferece se mostra maior do que a capacidade humana de compreender e lidar com essa ferramenta. Não à toa especialistas em tecnologia propuseram uma suspensão nas pesquisas e desenvolvimento de sistemas de IA mais poderosos que o GPT-4, último modelo de inteligência artificial lançado pela OpenAI. “Este é um dos problemas éticos que precisa ser discutido entre criadores de inteligência artificial, e um dos motivos pelos quais, ultimamente, tem se falado em paralisar por seis meses as pesquisas em inteligência artificial para permitir que a sociedade construa mecanismos regulatório satisfatórios como acontece com todas as técnicas e como acontece com todas as tecnologias. Os homens parecem sempre pensar como a inteligência artificial", finaliza o professor Marcus Bastos.

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Série de produção nacional retorna às telas e promete representividade indígena nos bastidores e elenco
por
Alice Di Biase
Manuela Mourão
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17/04/2023 - 12h

Lançada em 2021, a primeira temporada de Cidade Invisível tem como abertura a história do detetive ambiental Eric (Marco Pigossi), que perdeu a esposa em um incêndio enigmático. Em busca de respostas para a catástrofe, logo no início de sua investigação, sofre uma reviravolta ao encontrar um boto-cor-de-rosa morto em uma praia no Rio de Janeiro e, ao levá-lo para casa, percebe que o cadáver do animal havia se transformado em um homem. 

Com este acontecimento anormal, o detetive entra em contato com um mundo paralelo de entidades míticas da cultura brasileira, que vivem marginalizadas e passam despercebidas pela população. Juntos, Eric e os protagonistas das lendas, precisam descobrir o que vem causando tanta dor e sofrimento para essas personalidades tão importantes para a cultura e o meio ambiente nacional.

Sucesso mundial da Netflix, participando do top 10 de mais de 40 países, a série surpreendeu os produtores com tamanha visibilidade, estourando a bolha nacional e alcançando um parâmetro mundial. A mesma atraiu um enorme público, tratando da riquíssima cultura do folclore brasileiro, que até então tinha pouquíssimo destaque e abrangência no mundo do audiovisual. 

No entanto, a produção sofreu críticas em relação à representatividade e ao modo que as lendas foram retratadas em sua primeira temporada. Ativistas e internautas criticaram nas redes sociais, por exemplo, a ausência do protagonismo indígena na trama, que apesar de retratado por meio das lendas, personagens de maior destaque como Cuca, Iara e Saci; foram todas vividas por atores brancos e negros. Outro aspecto também criticado pelo público foi o cenário da série, situada no Rio de Janeiro, que gerou polêmica, pois a maioria dessas lendas têm como local sagrado a floresta Amazônica.
 

Eric e sua filha Luna
Eric e sua filha Luna na segunda temporada de Cidade Invisível. Reprodução: Netflix.


Criada por Carlos Saldanha, a segunda temporada de Cidade Invisível estreou no último dia 22, dois anos após o lançamento da primeira etapa. Com mudanças de cenário, novos personagens e mais destaque à herança indígena, o retorno da série traz consigo o peso das expectativas do público no andamento da trama, com maior destaque para os povos originários. 

Antes mesmo do lançamento da nova temporada, era possível notar aparentes mudanças no modo em que o seriado iria abordar as espiritualidades indígenas e a representatividade. A produção conta com mudanças no elenco e bastidores, como a colaboração de Graciela Guarani, ativista guarani-kaiowá e cineasta que participou da direção de alguns dos novos episódios. Também com a atuação da indígena multiartista Zahy Guajajara, que protagonizou o enredo dos novos episódios.  Além disso, a forte campanha nas redes sociais da Netflix, com vídeos e posts com a hashtag #HistóriasVisíveis, colocou em foco diversos povos indígenas, suas culturas e línguas.
 
A continuação da série gira ao redor da busca de Luna (Manu Dieguez), acompanhada por Inês, a Cuca (Alessandra Negrini) e por seu pai Eric, que teve um final incerto na primeira temporada. Após dois anos desaparecido, Inês e Luna partem para Belém, seguindo um sonho da menina, que indicava o paradeiro do pai. 

Paralelamente à procura por Eric, surge na trama a problematização do garimpo ilegal na Amazônia, e conhecemos novas personalidades do folclore, como a Mula sem Cabeça, Lobisomem, Matinta Pereira e a Cobra Honorato - todos dedicados à proteção da mata. Eventualmente, as histórias se entrelaçam e Luna se encontra dividida entre o desejo de salvação de seu pai e a necessidade de proteção de um santuário amazônico contra a exploração. Mas, acima de tudo, está nas mãos de Luna a proteção das entidades da mata. 

Image: Divulgação Lollapalooza
Luna e Cuca em busca de Eric. Imagem: Netflix

Em entrevista exclusiva para a AGEMT, Mirna Nogueira, roteirista-chefe da série, conta um pouco sobre a criação da segunda temporada. Para ela, as críticas recebidas foram absolutamente pertinentes e importantes, e a pressão ajudou muito a mudar a forma de abordar as lendas e como entendê-las. 

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Mirna Nogueira, roteirista-chefe de Cidade Invisível. Imagem: AGEMT

“Não é que a primeira temporada não teve consultoria, ou que só deixou-se passar batido. Especialistas em cultura indígena acharam ok. Só quando vieram lideranças indígenas questionar alguns momentos da temporada é que os próprios consultores admitiram o erro. Para a 2 temporada, conversou-se com muita liderança indígena, o que atrasou o processo de escrita”. 

Mirna conta que a grande dificuldade é não existir um lugar para “tirar a prova” das lendas, ou que diga exatamente como ela é contada, já que cada cultura conta e interpreta esses mitos de um jeito específico. E explica que, para os povos originários, as lendas vão além de só um folclore, para eles: “as lendas simplesmente são”. Ou seja, do ponto de vista dos povos nativos, as histórias têm início e fim nelas mesmas, existem sem questionamento ou necessidade de provação. 

Ao ser perguntada sobre o processo de casting, a roteirista disse que, apesar de não ter acompanhado tão de perto, sabia que foi buscado no país inteiro atores e atrizes indígenas para os papéis dos novos personagens. 

Já sobre as críticas feitas ao lugar da gravação, a roteirista diz que não viu tanta relevância: “Eu não vejo tanto a coisa do lugar e da cidade, porque acho que é um conceito da série, ‘Cidades Invisíveis’. E o folclore em si, ele é nacional, isso poderia acontecer em qualquer lugar, tanto que a série mudou de cidade. A proposta é que cada temporada seja em uma cidade diferente.”

 

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Débora, antagonista da temporada. Imagem: Netflix

Mirna fala um pouco também sobre a abordagem ambiental. “Quando a gente começou, o garimpo não era tema central. A gente passou por desmatamento, passamos pelas águas e tudo mais, mas o que aconteceu foi que, enquanto a gente tava fazendo, os ataques aos Yanomamis não paravam de crescer. E aí, o dia que a gente realmente falou ‘chega’ e trouxemos a temática para dentro, foi quando duas crianças foram sugadas por um equipamento de garimpo.” Foi então que a roteirista percebeu o tamanho do impacto que o garimpo ilegal tinha na vida dos povos originários. 

Ao resolverem abordar esse tema, as conversas com os consultores, de maioria lideranças indígenas, trouxeram experiências traumatizantes com garimpeiros em suas terras, sem cerimônia, como se fosse algo rotineiro e completamente comum. Muitas dessas contribuíram não só como inspiração para a narrativa da nova temporada, mas também com a denúncia que a série propõe. Assim, trazendo a valorização do aspecto social e a conscientização popular sobre as invasões garimpeiras. 

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Garimpo apresentado durante a série Cidade Invisível. Imagem: Netflix

Por fim, sobre os motivos para assistir a série, Mirna responde de maneira precisa: “Para valorizar o que é nosso, né? Só porque é brasileiro, de cara, assiste". A roteirista argumenta que a população brasileira muitas vezes tem síndrome de “vira-lata”, isso é, o hábito de enaltecer apenas o estrangeiro, desvalorizando produções nacionais, e que deve-se combater a monopolização do audiovisual: “Com a série, nas redes sociais vi muita gente falando ‘pô, que orgulho de ser brasileiro’ e isso é muito importante pra gente, o brasileiro paga muito pau pros gringos e se esquece da riqueza que temos aqui.”

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A exposição de obras do Ateliê do Pirambu está na Pinacoteca de São Paulo até o dia 28 de maio.
por
Luísa Ayres
|
14/04/2023 - 12h

Pinturas coloridas, ricas em detalhes, formas e pontilhados. Retratos de figuras animalescas, espíritos das lendas, rituais amazônicos e indígenas peruanos. Assim são os quadros do Ateliê do Pirambu, de Francisco Domingos da Silva, mais conhecido como Chico da Silva. Consagrou-se, ao longo dos anos, como um dos maiores artistas no cenário da arte NAIF, estilo que valoriza a espontaneidade, a autenticidade e a criatividade, sobretudo em produções livres, sem orientação ou metodologia específica de algum movimento artístico. 

A exposição

O acervo para visitação na Pinacoteca conta com 124 quadros produzidos entre 1943 e 1984. Estão dispostos em quatro salas que, além das obras, apresentam fotos do artista pintando, ainda, nos muros e paredes das ruas da periferia de Fortaleza. Neste período, ele contava com a ajuda de crianças e jovens locais para a feitura de sua arte. 

Chico da Silva pintando em muros de Fortaleza / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
Chico da Silva pintando em muros de Fortaleza / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição

Dentre as obras expostas, é possível conhecer uma das mais famosas e importantes produções do Ateliê, “Homens Trabalhando", de 1977. Trata-se de uma pintura construída coletivamente, que pode ser assistida através de gravações em vídeo, também disponíveis na exposição da Pinacoteca de São Paulo. 

Os alunos da Escola do Pirambu pintaram a obra enquanto vestiam camisetas com seus nomes, uma forma de deixar evidente quem eram os membros do ateliê e quem falsificava as pinturas, algo que ao longo da história se tornava cada vez mais recorrente, principalmente devido ao sucesso e fácil acesso da população com as produções do Ateliê, possibilitando que muitas pessoas imitassem seus desenhos sem de fato serem alunos da Escola do Pirambu. Com isso, Chico da Silva se viu em certo momento, quase que obrigado a pintar em telas e patentear suas obras, já que as imitações estavam causando-lhe também prejuízo financeiro. 

A exposição também apresenta obras de Babá (Sebastião Lima da Silva), Chica da Silva (sua filha), Claudionor (José Claudio Nogueira), Garcia (José dos Santos Gomes) e Ivan José de Assis, todos artistas da Escola do Pirambu.

Besouros e Peixes, quadro de Babá/ Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
Besouros e Peixes, quadro de Babá/ Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição 


História

Anos depois de iniciar as pinturas em muros,  passa a produzir dentro do conceito do Ateliê do Pirambu, onde criava com a colaboração da população local. A comunidade seguia suas técnicas e estilo, por isso, o espaço criativo foi nomeado como Escola do Pirambu. 

Francisco da Silva  gostava de passar o seu tempo livre na Praia Formosa, onde encontrava muitos dos materiais que utilizava. Quando ainda vivo, em entrevista a Allan Fisher no ano de 1972, o artista canhoto contou como foi descoberto no mundo da arte, trazendo o porquê de nem sempre suas obras terem sido tão vivas e coloridas: 

“Comecei a pintar a carvão e giz, rabiscando os muros das casinhas dos pescadores da Praia Formosa, junto do passeio público, e em 43 fui descoberto por Jean Pierre Chabloz, um francês consertador de piano, que vivia em Fortaleza... Ele gostou dos meus navios fantasmas, dos meus peixes, das minhas aves, que fazia com giz, carvão e barro queimado, dando cor com frutos e folhas... Ele me deu material e fiz uns desenhos a guache e depois mais 17 trabalhos, que foram expostos nos “Diários Associados”. 

Pintura sem título que ilustra alguns dos animais imaginados por Chico da Silva / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
Pintura sem título que ilustra alguns dos animais imaginados por Chico da Silva / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição 

Em entrevista à AGEMT, o curador da exposição na Pinacoteca, Thierry Freitas, destaca a importância do trabalho artístico e também social realizado por Chico da Silva. “A produção  dele foi um importante motor criativo do bairro do Pirambu, na periferia de Fortaleza. Na escola/ateliê, diversas crianças/jovens e adultos pintaram com ele e a partir do seu universo criativo. De certa maneira, essa produção ressignificou a imagem do bairro e o projetou para fora do Ceará. Sua maior contribuição, para mim, foi ter inventado um bestiário (conceito usado como referência a coleção de ilustrações ou textos de animais, fantásticos ou reais) capaz de abarcar e somar a criatividade e os sonhos de outras pessoas”, garante o curador.


Do Acre para Fortaleza

Filho de pai indígena peruano e mãe cearense, Francisco nasceu no Acre, em 1910. Era analfabeto, o que para Thierry Freitas justifica muito de seus quadros não possuírem título. “Note que algumas das obras com título são as que Chico realiza no contexto de seu cargo no MAUC (Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará). É provável que algum interlocutor do artista no museu tenha tomado nota do nome das obras no momento de sua execução, registrando-as para a posteridade”, esclareceu.

Apesar da riqueza cultural e da bagagem de brasilidade que suas obras carregam, Chico afirma, ainda em entrevista, que os animais e figuras retratados por ele não são lembranças de infância tampouco obrigatoriamente animais típicos de sua terra natal: “Esses mundos que pinto não são recordações de quando eu era menino, não, isso se chama imaginação, ciências ocultas, astronomia...”, explicou à Allan Fisher. 

Obra sem título que retrata os embates entre as criaturas pelo artista acreano / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
Obra sem título que retrata os embates entre as criaturas pelo artista acreano / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição 

Anos mais tarde, passou a expor seu trabalho na zona urbana de Fortaleza, participando de salões de pintura e exposições coletivas. Depois, alcançou outros lugares do mundo, como o Rio de Janeiro, a França, a Suíça, a Itália e outras nações pela Europa. A amizade com o francês Chabloz, nesse sentido, pode ter sido um grande facilitador para sua repercussão internacional, para além de seu imenso talento e habilidade artística. 

Foi durante a década de 1960 que o artista, pai de 12 filhos, vivenciou o auge de suas produções. Uma década depois, no entanto, passou por um período de internações e tratamentos contra o alcoolismo, retomando seus trabalhos em 1977.

Representatividade  

Hoje, o acreano é reconhecido em todo o país e no exterior, sendo um dos primeiros artistas de origem indígena a se destacar dessa forma. Chico ainda participou das Bienais de São Paulo e Veneza, com menção honrosa nos anos de 1967 e 1966, respectivamente.

Além disso, possui uma sala permanente de exposição de quadros na Universidade Federal do Ceará, que tem passado por discussões polêmicas. Recentemente, alguns artistas têm mobilizado a internet pela recuperação de um de seus mais importantes feitos, a obra “Homens Trabalhando”, exposta na Universidade. Segundo eles, a UFC ainda não devolveu a obra a seus autores tampouco os ressarciu. 

Produção coletiva de “Homens Trabalhando” de 1977 / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
Produção coletiva de “Homens Trabalhando” de 1977 / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição

 “Chico é uma referência artística importantíssima em Fortaleza. Uma identidade local. Há, inclusive, uma estação de metrô com o nome dele. Sua obra está presente em inúmeras coleções particulares do Ceará”, afirma Thierry Freitas.

Para ver de perto as obras do Ateliê do Pirambu, a Pinacoteca está localizada no bairro do Bom Retiro e funciona de quarta a segunda, a partir das 10h com permanência até as 18h. O ingresso custa R$ 20,00 a inteira e R$ 10,00 a meia entrada. Aos sábados, a entrada é gratuita para todos, às quintas a Pina funciona com horário estendido e gratuito das 18h às 19h, com permanência até 20h.  Jornalista, policiais, turistas e pessoas em vulnerabilidade social têm direito à entrada gratuita em qualquer dia da semana. 

A sereia e os dragões, de Chico da Silva / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
A sereia e os dragões, de Chico da Silva / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição

 

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