Seja em bonés, camisetas de time ou chinelos Havaianas, o verde, amarelo e azul estão presentes nos novos produtos da moda nacional e internacional. Nos últimos meses, a bandeira brasileira se espalhou rapidamente pelas redes sociais de influencers fashionistas do mundo todo, principalmente pelo TikTok e Instagram. Às vésperas das eleições e da Copa do Mundo do Qatar, a popularização do símbolo do Brasil restaura um sentimento de identidade que vai muito além da moda.
Mais que uma tendência, o BrasilCore tem uma importância política no ano de 2022. Desde 2014, a bandeira brasileira e o próprio brasão da Confederação Brasileira de Futebol são associadas à direita política no país. O verde, amarelo e azul estamparam campanhas eleitorais e manifestações a favor desse lado, representado principalmente pelo presidente em exercício, Jair Bolsonaro (PL). Um exemplo expressivo do uso das cores com um cunho partidário foi a onda de atos pedindo pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.
Esse processo de apropriação do símbolo nacional fez com que o grupo que não se identifica com os ideais da direita deixasse de usar roupas com o tema e, mais do que isso, perdesse o sentimento de nacionalismo. Em contrapartida, a estética BrasilCore surge na direção contrária à apropriação, já que propõe o resgate da bandeira como forma de representação do povo brasileiro. Assim, o movimento une moda, política e, ainda, futebol.
Não é possível falar de estética brasileira sem mencionar o futebol, já que, no país, é o esporte mais popular. Por isso, o lançamento das camisas da seleção da Copa do Mundo de 2022 pela Nike é uma forma de consolidar o BrasilCore como tendência nacional e internacional. Em entrevista para a AGEMT, Julia Andreata (20), Analista Júnior que integra a equipe criativa da empresa, conta que a maior dificuldade no processo de criação do novo uniforme foi manter as cores clássicas da camisa brasileira tendo em vista o longo e complexo processo político pelo qual o país está passando.
A moda sempre foi um instrumento de manifestação e, com a chegada da Copa do Mundo e das eleições, a tendência do verde e amarelo se torna mais presente e comentada do que nunca, o que gera grandes reflexões e embates internos por parte da população. É uma perspectiva que estimula, por um lado, o patriotismo de volta, mas, por outro, o medo e a repulsa de usar a camisa verde e amarela com receio de ser associado a partidos e ideologias políticas. Durante anos, o povo brasileiro assistiu essa atitude, fazendo com que muitos abrissem mão de sua bandeira, de suas camisas, das cores que representam a sua nação.
Na tentativa de desmistificar, a Nike, junto a sua equipe criativa, exploraram maneiras de desvincular a política das blusas da seleção e restaurar aquele sentimento de orgulho ao vestir o verde e amarelo.
O caminho que a Nike escolheu seguir foi exaltar aspectos da cultura brasileira. Para isso, escolheu um visual baseado no uniforme usado pelo time na conquista de seu último título, em 2002. Surge então o slogan “Veste a Garra”, estampado por toda a campanha das novas camisetas da próxima Copa, que sugere ao povo brasileiro agora, mais que nunca, é o momento de vestir a camisa e lutar pelo país, assim como os atletas em campo lutam por uma vitória.
Julia ainda retoma que o objetivo principal dos novos designs foi “trazer orgulho de volta para os brasileiros, e fazer eles vestirem a camiseta. Tudo foi pensado nisso, envolver a textura de onça pintada nas mangas e a bandeirinha na gola, símbolos brasileiros. Por isso, todo o marketing teve o bordão ‘Veste a Garra’”.
As camisetas de time e a periferia
O esporte sempre foi um dos fatores que influenciam a moda. Dos tênis All Star até a camisa Polo, muitas tendências surgiram por conta das práticas esportivas. No entanto, com o futebol no Brasil, alguns fatores fizeram com que essa influência fosse vista como algo negativo. Apesar de eleito o esporte favorito dos brasileiros, a elite enxergava, até pouco tempo atrás, o futebol como pertencente a uma cultura de massa e tinha uma visão negativa sobre ele.
Desde muito antes da repercussão atual do Brazilian aesthetic nas redes, que trouxe consigo uma nova visão das camisetas como itens fashionistas, elas já eram muito antes reverenciadas e reconhecidas como itens essenciais da moda periférica. O “país do futebol”, assim chamado e reconhecido por sua nação, fez com que as camisetas se tornassem um grande símbolo, que teve um imenso consumo e ênfase nas periferias pelo entorno do cotidiano periférico em que o futebol é um elemento muito forte e presente. Como um exemplo disso, a existência dos campos de futebol nas comunidades em que crianças e adultos de todas as idades frequentam e jogam.
Diante dessa situação, pelas roupas da seleção terem como modelos principais os corpos negros e periféricos, esse movimento foi envolto pelo preconceito e o “mal olhado” sendo associado como estilo de “favelado” ou símbolo de algo desleixado. A problemática da tendência surge neste momento em que passa a ser valorizada apenas quando vestida por um grupo específico, branco e elitista no Brasil e "gringos". Algo que muito antes já fazia parte da moda nacional, identidade cultural e realidade de muitos brasileiros, somente a partir do momento que foi usada por pessoas de outros países e grandes figuras brancas e influentes passa a ser visto como um elemento grandioso de moda.
Com a replicação das tendências do exterior observadas no Brasil e a questão da desvalorização de moda nacional e periférica, Laura Ferrazza, historiadora da moda, diz: “As referências da moda estão globalizadas, porém, é um erro pensar que o Brasil não crie suas próprias tendências internas e mesmo seja capaz de exportar tendências”.
“Acho que a identidade de um povo, como uma nação jovem como a brasileira, está sempre em construção. O brasileiro sempre coloca sua marca, seu jeito próprio ao usar algo externo e é muito criativo e inovador”, completa Laura.
Sobre a repercussão da tendência BrazilCore, diz: “A moda é um catalisador do espírito do tempo, um espaço para expressar gostos e opiniões.” “Certamente as preferências eleitorais e esportivas acabam aparecendo como tendência em momentos importantes como uma eleição presidencial e uma Copa do Mundo”, diz Laura Ferrazza.
Em 1950, a televisão chegou ao Brasil - o primeiro meio de comunicação a introduzir o audiovisual para os lares brasileiros. Uma de suas principais missões é entreter o público e, assim, surgem as telenovelas.
Com cerca de 15 capítulos, a primeira telenovela brasileira foi exibida pela extinta TV Tupi. Intitulada 'Sua Vida Me Pertence', a produção estreou em 21 de dezembro de 1951 e foi exibida até o dia 15 de fevereiro de 1952.
Além do enredo e das personagens, um elemento que se tornou marcante nas telenovelas é o vestuário. A moda continua, até hoje, impactando os costumes e estilos da sociedade brasileira. Apelidados de closet, perfis nas redes sociais publicam os looks usados pelos artistas - incluindo o valor e o site onde pode ser encontrado para compra. Isso evidencia como a televisão tem reflexo no consumo dos telespectadores.
“A moda está inteiramente ligada a arte e cultura e, o que acontece muito atualmente, é que marcas conceituadas convidam atores que estão atuando em novelas para abrir seus desfiles, gerando uma ligação ainda maior entre a moda e novelas”, contou a modelo brasileira Thais Romão. “Desfilei com vários atores globais, que estavam em alta, e foram convidados a abrir os desfiles da Semana de Moda de São Paulo - inclusive, foram muito aclamados pelo público”, complementou.
O alcance das telenovelas é exemplificado pela audiência e, principalmente, pelas vitrines dos polos de moda do Brasil. “Um exemplo é a personagem Maria da Paz, da novela ‘A Dona do Pedaço’, exibida em 2019, que vestia peças de roupa da marca Teodoro Salazar. Quando a personagem apareceu vestida com estampas de corrente dourada foi uma explosão. Várias marcas começaram a fazer esse tipo de estampa e o público aderiu a essa moda. Na verdade, se você andar pelo Bom Retiro, que é um dos maiores mercados da moda de São Paulo, verá estampas de corrente dourada espalhadas pelas vitrines até hoje”, disse Valéria Dutra, designer de moda e colorista têxtil.
Mesmo com a ascensão dos serviços de streaming, as telenovelas se consolidaram como plataformas de comunicação cultural. A publicitária e especialista em mercado de moda e consumo, Yasmin Carolino, conta sobre as formas de influência das produções.
“É gerado no telespectador um sentimento que leva à uma busca por pertencimento. Muitas vezes uma personalidade fictícia pode ser o ponto de partida para uma influência de estilo. Aquele que assiste e se identifica, passa, portanto, a querer parecer como tal personagem e isso se reflete, desde o jeito como se veste até ao estilo de vida dessas pessoas. O povo brasileiro é muito rico em diversificação e isso é algo relevante quando questionamos o pertencimento e o papel das influências de mídia sobre esse sentimento, tendo em vista que vivemos em uma sociedade tão desigual”, disse a profissional.
Apesar das mudanças enfrentadas com o surgimento da internet, as novelas são queridas pelo povo brasileiro, haja visto que muitos espectadores ainda ligam a TV para acompanhar as tramas de seus personagens favoritos. “A dona de casa, a mulher que chega do trabalho tarde da noite, estudantes, mães, avós, tias, todas elas assistem novela e se veem em, pelo menos, 1% de alguma personagem da novela. Elas são influenciadas na forma de se vestir, de se maquiar, a forma que arrumam o cabelo, as gírias, as músicas que a personagem gosta, entre outras características”, disse Valéria Dutra.
Essa familiaridade com as produções, além de gerar identificação, faz com que o público enxergue a ficção como uma referência. O telespectador cultiva o desejo de viver como as personagens da história - muitas delas são vistas como símbolo de sucesso e autoconfiança, inclusive pelo figurino -, o que desperta ainda mais a vontade de se assemelhar a elas. "Muitas vezes, uma personalidade fictícia pode ser o ponto de partida para uma influência de estilo. Aquele que assiste e se identifica, passa, portanto, a querer parecer como tal personagem e isso se reflete desde o jeito como se veste indo de encontro ao estilo de vida dessas pessoas", comentou Yasmin.
Um debate recorrente é o fato de que, mesmo com a inovação dos meios de comunicação, modernização do audiovisual e a predominância na utilização dos streamings, as novelas ainda são pioneiras no impacto e influência na moda brasileira.
"Atualmente, uma novela que se passa em horário nobre conta com a atuação de influencers digitais de grande porte. A publicidade entra por esse meio, unindo dois veículos potentes de influência e consumo. E a moda brasileira é impactada diretamente em cima disso. Em um movimento de tendências trickle down, o que surge nas passarelas atinge as ruas. A lógica é a mesma quando substituímos os desfiles pelas novelas. O visual de uma personagem-chave é adotado pelos designers desde as enormes lojas de departamento às marcas de bairro independentes. Todos passam, portanto, a ter acesso ao que ''está na moda'' naquele momento”, ressaltou Yasmin.
Um símbolo importante nas tendências criadas nas telas é a atriz Giovanna Antonelli, que interpretou diversos papéis de sucesso e, junto aos seus personagens, ditou diversas tendências usadas ao redor do Brasil. A personagem delegada Helô, da novela 'Salve Jorge', da Rede Globo, tinha como itens marcantes a capa de celular de soco inglês e as roupas estampadas - principalmente com estampas de animal print. O sucesso da personagem foi tanto que, na nova novela das nove da Rede Globo - 'Travessia' -, a personagem retornou com o mesmo estilo memorável.
Além da delegada Helô, a atriz transformou diversos outros acessórios, unhas e looks em tendência. Entre eles podemos citar a capa de coelho, da novela 'Aquele Beijo', o esmalte azul, da novela 'Em Família', as pulseiras de mão, de 'O Clone', etc.
FIGURINOS SÃO MAIS DO QUE APENAS ESTILO
A figurinista da Rede Globo, Gogoia Sampaio, apontou que os figurinos são produzidos com base em estudos aprofundados, no ambiente social e cenográfico. “O figurino é sempre desenvolvido com base em uma sinopse e no perfil dos personagens - o diretor é quem nos dá o direcionamento. A gente localiza onde essa história vai se passar, em que tempo ela vai se passar e qual é o público alvo.
Apesar de ser um elemento visual que provoque a sede de consumo, o figurino é construído com a participação dos atores e atrizes envolvidos, a caracterização, o diretor, o cenário e a iluminação, ou seja, é um elemento narrativo.
“Alguns personagens já têm encomenda. Por exemplo, quando eu fiz a Melina, de ‘Passione’, o autor já escreveu que ela teria essa 'pegada' mais fashion. Nessa mesma novela, a gente tinha a Irene Ravache (Clô Souza e Silva), que era aquela mulher "Rainha do Lixo", e que, inclusive, tinha um apelo popular gigante”, explica a profissional.
Até o ano de 2020, a Rede Globo tinha uma Central de Atendimento ao Telespectador, apelidada de CAT. Por meio de e-mails e telefone, o público podia tirar dúvidas sobre os produtos usados pelos atores, atrizes, apresentadores e jornalistas da emissora. Com o avanço da tecnologia, a emissora decidiu experimentar novos canais, principalmente, as redes sociais.
“No CAT, muitas vezes, as roupas da Clô eram mais pedidas do que a da Melina e, por isso, eu falo que a personagem faz toda a diferença. As pessoas se identificaram com ela. Depois disso vieram os influencers digitais, que são pessoas com quem você se identifica e compra uma roupa igual a deles pelo fato de se identificar com as suas histórias. Acho que os personagens eram os influencers”, comentou Gogoia Sampaio.
“Quando fiz 'Belíssima', por exemplo, o mínimo do Ibope era próximo aos 50/55 pontos. A internet não tinha toda essa força que tem agora. A visibilidade é diferente, mas eu acredito que elas, ainda assim, tenham grande valor por retratar a vida brasileira, as histórias brasileiras.”
O mês de setembro é marcado pelas campanhas em prevenção ao suicído que, embora aconteçam durante todo ano, se intensificam neste mês em tributo ao dia 10, Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.
As campanhas tiveram início nos Estados Unidos quando Mike Emme,17, cometeu suicídio em 1944. Mike sofria de sérios problemas psicológicos, mas seus familiares e amigos não perceberam a tempo.
No dia do velório foi feita uma cesta com muitos cartões decorados com fitas amarelas e dentro deles havia a mensagem “se você precisar, peça ajuda”. Os cartões chegaram realmente nas mãos de pessoas que precisavam de apoio e a partir desta iniciativa foi dado início a um movimento importante em prevenção ao suicídio. O laço amarelo é usado até hoje como símbolo da campanha.
No Brasil a campanha acontece desde 2014, por uma iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), com o objetivo de prevenir e reduzir os números de suicídio no país. Em 2022 a campanha chega em seu oitavo ano trazendo um novo tema : "A vida é a melhor escolha".
"Precisamos orientar para conscientizar, prevenir e no mês de setembro concentramos os nossos esforços e vamos para a prevenção efetiva do suicídio. A morte por suicídio é uma emergência médica e pode ser evitada através do tratamento adequado do transtorno mental de base", afirma o presidente da ABP, Dr. Antônio Geraldo da Silva.
Os registros de suicídios no país se aproximam de 14 mil por ano, ou seja, uma média de 38 pessoas por dia tiram sua própria vida e a maior parte deles está ligado a transtornos mentais que não foram diagnosticados a tempo ou que são tratados de maneira ineficiente.
Hellen Diana, 20, quase entrou para essa estatística diversas vezes. A primeira delas quando tinha 11 anos de idade e já sofria de depressão. Diana só não virou um número porque em todas as vezes que tentou, foi impedida por alguém, no caso da primeira, pelo seu irmão que na época tinha apenas 10 anos.
O suicídio é um importante problema de saúde pública, mas, infelizmente, ainda é considerado tabu. O psicoterapeuta Árlon Miqueias aponta alguns sinais em que devemos ficar atentos para, possivelmente, impedir alguém que esteja com pensamentos suicidas "isolamento social, utilização de medicamentos ou drogas, mudança de comportamento, porque ninguém consegue esconder por muito tempo".
Miquéias também salienta a importância de ouvir as pessoas e estar vigilante a potenciais crises “a primeira coisa {a fazer} é ter sentimento de empatia e saber que falta de saúde mental é algo sério. Os próximos passos são não deixar a pessoa só e incentivá-la a buscar ajuda profissional”.
Hoje, a rede de apoio de Hellen conta com, além dos familiares, psicólogo e psiquiatra “Se eu não tivesse minha rede de apoio eu não estaria viva no dia de hoje”, acrescenta.
Diana conta que a família exerce um papel central no seu tratamento, a preocupação vai além da alimentação, incentivo a práticas de atividades físicas ou com a medicação “ eles se preocupam em relação a tudo, querem me ver sempre bem”.
O skateboard, uma das modalidades olímpicas e esportes mais praticados no mundo, surgiu nos Estados Unidos por volta dos anos 50 e desde então evolui sua forma de prática até chegar ao Brasil nos anos 70 e se tornar uma das modalidades mais queridas pelos brasileiros. Ele foi inventado como um derivado dos patins e do surfe, já que os primeiros modelos eram de rodas de patins montadas em pranchas de madeiras com os praticantes tentando reproduzir os movimentos do esporte aquático, já que não haviam mais ondas nas praias da Califórnia, local em que o skate apareceu. O esporte começou a ser desassociado do surfe após os jovens descobrirem que era possível praticá-lo em locais de transição como as piscinas, que na época foram esvaziadas devido à grande seca que atingiu todo o estado da Califórnia, e dessa forma surgiu o skate vertical. Ele se tornou uma grande febre pela cultura do “do it yourself” (faça você mesmo), onde se tornou possível construir rampas de madeira em ruas, praças e nos quintais das casas.
Não demorou muito para o Skateboard chegar ao Brasil. No início dos anos 70 ele chegou ao Rio de Janeiro possivelmente trazido por filhos de norte americanos que visitavam o país ou por alguns raros brasileiros que viajavam aos Estados Unidos para surfar, e ele inicia sua trajetória sendo chamado de Surfinho, sendo construído de eixos de patins com rodas de borracha ou ferro pregadas em madeira. Ele se popularizou de maneira rápida no país, com a divulgação sendo feita numa revista voltada para o público jovem que começou em 1972, e em 1976 a primeira pista da América Latina foi inaugurada em Nova Iguaçu no Rio de Janeiro, mas no final da década o skate começou a decair, já que as fabricantes de peças não comercializavam produtos próprios para a modalidade, e os investimentos feitos nos atletas e campeonatos se encerrou, mas os que ainda praticavam o esporte construíam rampas particulares, e dessa forma o cenário continuava vivo, mesmo correndo o risco de desaparecer.
No ano de 1984 a modalidade ressurgiu por iniciativa dos próprios skatistas e a vinda de alguns ídolos internacionais do esporte ajudou ainda mais o trabalho que era feito pelos amantes do esporte, e em 1986 a Associação Brasileira de Skate foi fundada, mas durou apenas dois anos, dando lugar à União Brasileira de Skate, que durou até 2000, e o skate sofre dois duros golpes: O primeiro , com a proibição da prática da modalidade pelo então prefeito da cidade de São Paulo, Jânio Quadros, que inicialmente proibiu que se andasse de skate no Parque do Ibirapuera, mas após uma passeata dos praticantes, ele proíbe o esporte em toda a cidade de São Paulo. O outro revés foi em 1990 com o presidente do Brasil, Fernando Collor, que devido ao chamado “Plano Collor” freou todo o desenvolvimento do skate no Brasil, e diversas empresas relacionadas ao Skateboard faliram da noite para o dia, mas mesmo assim, os skaters não interromperam suas atividades e trabalharam para a consolidação e profissionalização do esporte no Brasil.
Esse período foi sombrio e gerou muitas dúvidas nos praticantes. Por ser um movimento que lutou contra o sistema, o skate foi marginalizado e foi até chamado de “esporte assassino” numa manchete do Jornal Estado de São Paulo, numa clara tentativa de chamar os skatistas de bandidos, mas alguns representantes do Skateboard continuaram com a luta pelo simples direito de se divertir com o esporte. Um dos que participou dos movimentos naquela época, o skatista Marcos Santos, diz que a repressão foi muito grande: “A Guarda Municipal confiscou as rampas e os skates de todo mundo que andava no Ibirapuera. Um dos nossos amigos, o Álvaro, se revoltou e retornou ao local para buscar tudo que havia sido preso, e o prefeito decidiu tornar a proibição uma lei”. Ele conta como foi o dia da marcha organizada contra a proibição: “Tinham umas 200 pessoas. Muitos levaram faixas e megafone para protestar, e a marcha partiu do metrô Paraíso até chegar no Parque Ibirapuera. Eu não estava lá, mas conheço vários que participaram do protesto. O intuito era entregar uma carta pro prefeito com diversas assinaturas, que pediam a revogação da proibição apenas, mas todo mundo foi barrado, por que o parque estava fechado, e isso gerou uma grande revolta”. Marcos está no movimento desde os anos 1980 e vê uma grande evolução: “Hoje está tudo mais fácil para quem quiser andar”. “Tem várias pistas por aí e hoje a gente é bem aceito pela sociedade, mas o trabalho ainda é duro, já que as marcas nacionais ainda não investem tanto nos atletas, por falta de estrutura mesmo.” “O cara que quiser ser profissional tem que ir para os Estados Unidos, por que o mundo todo do skate está reunido lá”.
O skate brasileiro realmente ainda tem muito a evoluir, mas caminha bem. Alguns dos principais skatistas do ranking da Street League (principal campeonato de skate do mundo, que terá a sua última etapa realizada no Brasil nesse ano) são brasileiros, e o Brasil possui cinco títulos.
Provavelmente, você já deve ter escutado o bordão “O Brasil prende muito e prende mal” e embora existam hoje mais de 900 mil pessoas encarceradas, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um dos principais ecos da sociedade é a impunidade vivida. Com efeito dessa contradição, surgem as questões: em qual parte então a justiça criminal brasileira está falhando? Será que prender e punir é a única forma de se fazer justiça?
A princípio, o cenário que se evidencia no sistema criminal é de ineficiência e precariedade. De acordo com o conselheiro do CNJ, Mauro Martins, cerca de 45% dos presos estão sem uma condenação definitiva e por isso, cumprem maior tempo de pena necessária, sendo 67% dessa população formada por pessoas negras. Ademais, segundo o Departamento Penitenciário Nacional, das 1.381 unidades prisionais, 997 têm mais de 100% da capacidade ocupada e outras 276 estão com ocupação superior a 200%, ou seja, também existe a superlotação dos presídios. Soma-se a isso a ausência de práticas que busquem estimular o infrator ao desvencilhamento da vida do crime e a sua inserção como cidadão no convívio social. Sob essa perspectiva, percebe-se que o sistema penitenciário atual está mais para um mecanismo de atraso e perpetuação de ciclos na criminalidade, uma vez que punir se torna diferente de responsabilizar e conscientizar o ofensor do crime cometido. Mas será que existe uma outra forma de se lidar com os conflitos, trazendo reparação para a vítima e diminuição dos apenados em uma lógica cada vez menos coerente?
Uma alternativa em construção
A Justiça Restaurativa surgiu na Nova Zelândia em 1970, tendo como inspiração a forma como os aborígenes Maoris, povos nativos do país, solucionam seus conflitos de litígio. A prática chega ao Brasil na década de noventa e é oficialmente iniciada em 2005, com o projeto "Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”. Em entrevista à Agência Maurício Tragtenberg, a cientista social e mestre criminal Raffaela Palloma, formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, explica que a Justiça Restaurativa não é um conceito fechado, uma vez que é formada por um conjunto de práticas, valores e princípios. “Alguns vão dizer que é um modelo de Justiça, uma forma de responder aos conflitos [...] (sendo) atrelada a possibilidade da gente responsabilizar a pessoa que praticou a conduta criminosa de outra forma, não dando uma resposta punitiva, mas dando uma resposta, digamos, mais positiva”, completa Palloma.
No Brasil a Justiça Restaurativa segue a metodologia do Ciclos Restaurativos, que seria um roda de diálogo com as pessoas envolvidas no conflito, tanto o ofensor, quanto a vítima devem estar ali de forma voluntária. A partir dessas conversas são feitos pequenos acordos, que buscam reparar os danos causados a vítima. Por consequência, a prática encontra um meio para responsabilizar o infrator, criando um ambiente em que ele encare as consequências do seu crime e perceba sua nocividade.
Em contraste, a prática dentro do país ganhou tons próprios, a advogada nos conta que no Brasil há uma tendência dos processos de justiça restaurativa serem mais voltados aos ofensores, esse fato decorre também por parte das vítimas possuírem desconhecimento e receio sobre o que é a prática. Outro ponto observado, é a centralidade do judiciário na condução dos processos, visto que as primeiras experiências surgem em projetos pilotos implementados pelo sistema. Diferentemente, em outros países são organizações não governamentais que cuidam dos casos, recorrendo apenas ao poder judiciário se necessário. Um dos possíveis riscos para Justiça Restaurativa, em decorrência dessa centralidade, é de que seu diferencial seja apagado, podendo ser cooptado e contaminado pela lógica do sistema tradicional.
A forma de reparação pode ser diferente para cada vítima
Em relato, a cientista Palloma nos conta sobre uma história muito marcante, em que um adolescente havia matado intencionalmente seu amigo. A família da vítima resolveu tratar o caso pela Justiça Restaurativa, dentro do processo a mãe sempre dizia que sentia muita falta do seu filho. Conforme os ciclos foram feitos, um dos acordos era que o adolescente, amigo do filho dela, iria almoçar com ela todos os sábados, uma vez que ela queria companhia e queria que isso acontecesse. O desfecho desse caso, assim como outros, podem espantar as pessoas dentro daquilo que se espera acontecer, mas para essa mãe esse acordo trazia em alguma medida reparação a morte do seu filho. "São coisas que a gente não explica, mas que foi importante para ela" afirma Palloma.
Dessa forma, é importante pensar que o conflito muitas vezes não possui uma natureza única, por isso, não respondem a uma mesma resposta. Em entrevista, a mediadora e advogada Carla Maria Zamith, doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, explicou que “a noção de que conflito não é um pensamento linear de causa e efeito", uma vez que não decorre de um único motivo. Quando, por exemplo, há uma “situação de conflito que acontece numa escola, este conflito não está descolado da estrutura da escola e das pessoas que chegam ali [...] o que a prática olha não é qual lei foi infringida, qual a regra que foi infligida, mas qual a necessidade que não está e não foi atendida que deu causa para o surgimento daquela situação” elucida a mediadora.
A doutora também faz a diferenciação entre mediação e justiça restaurativa, embora ambas possuam o mesmo “princípio do não saber”, a Justiça Restaurativa conta com uma rede de apoio e sustentação de grande porte, enquanto a mediação não demanda desse fator, necessariamente. Uma das experiências trazidas pela mediadora Carla era de uma casal que estava se separando e “estava em um grau de desrespeito e discussões que não conseguiam se falar, tornando a convivência em casa impossível”. A partir disso, foram sendo feitos pequenos acordos entre os dois no processo de mediação, com esse exercício de comunicação, foi possível se transformar esse momento, ao ponto deles conseguirem se escutar novamente.
Em síntese, a Justiça Restaurativa não propõe uma solução única para os problemas da justiça criminal e muito menos diz que ambas não podem caminhar juntas, mas tenta construir a ideia de que o conflito está dentro de um todo e isso não deve ser ignorado. E a partir desse entendimento, traz a reflexão de que o diálogo e a escuta podem ser mais eficientes no processo de responsabilização do infrator e na não perpetuação de novos crimes.