Perder dias de trabalho, contrair doenças, sentir vergonha do funcionamento do próprio corpo e se isolar durante o período menstrual por péssimas condições de higiene são alguns dos problemas causados pela pobreza menstrual. As características acima ocorrem com mulheres em situação de vulnerabilidade social. O tema da pobreza menstrual tem ganhado repercussão desde outubro de 2021, quando Jair Bolsonaro vetou a distribuição de absorventes íntimos e outros itens de higiene que seriam direcionados para estudantes de baixa renda matriculadas na rede pública de ensino, mulheres em situação de rua ou em vulnerabilidade social, mulheres egressas e mulheres internadas participantes de programas de medidas socioeducativas.
O financiamento dessas ações viria do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Fundo Penitenciário Nacional, para o caso de mulheres egressas do sistema penitenciário. O veto e a omissão do Governo atrasaram o combate à pobreza menstrual e forçaram que movimentos envolvidos com as lutas das mulheres tomassem providências para tentar amenizar os danos. Absorventes sempre foram objetos que refletem as diferenças de classe entre as mulheres. O absorvente higiênico feito de algodão e plástico como conhecemos hoje surgiu no país apenas em 1930. Até aquele momento as mulheres usavam pedaços de pano reutilizáveis. Os panos eram lavados, secos e guardados para serem usados novamente no próximo período menstrual.
Hoje é sabido que a prática não é indicada, pois, os panos abafam a umidade do canal vaginal e potencializam a possibilidade de contrair doenças infecciosas. A inserção de tecidos não esterilizados com os devidos procedimentos assépticos pode causar a mudança do pH vaginal e a proliferação de bactérias. Mesmo quando chegaram ao Brasil, os absorventes higiênicos industrializados não eram acessíveis a todas as mulheres por conta de seu alto preço. Os preços altos permanecem até hoje. O conceito “taxa rosa” foi recentemente criado por economistas para explicar que produtos para meninas e mulheres custam até 7% mais caros.
O preço exorbitante de produtos ditos femininos combinado com o preconceito de gênero provoca a diferença salarial entre homens em mulheres, resultando em uma sociedade extremamente desigual que condiciona mulheres, sobretudo as de baixa renda, a uma vida indigna, em que um salário pouco paga as contas essenciais, e pouco ou nada sobra para gastos com itens de higiene, como é o caso dos absorventes.
A situação se agrava quando falamos, por exemplo, de mulheres egressas do sistema penitenciário. O coletivo Por Nós atua em várias cidades do Estado de São Paulo no combate à pobreza menstrual, e foi idealizado por um grupo de mulheres ainda em cumprimento de pena. Atualmente quem direciona as ações são Mary e Iyá Batia Jello, Helen Baum e Débora Antunes. Após o cumprimento da pena a qual foram condicionadas, algumas mulheres voltaram a conversar fora dos muros de concreto que as aprisionavam e perceberam que tinham as mesmas mágoas: a falta de apoio do Estado e das famílias.
Em prisões masculinas, em dia de visita, a fila é enorme no entorno das penitenciárias. No caso de prisões femininas, o que se observa é o abandono. Essa dupla penalização entre meio afetivo de rede de apoio e o cumprimento da pena, tornam a estadia dessas mulheres uma verdadeira tortura. Elas têm apenas elas mesmas e as colegas que fazem no sistema prisional. As mulheres que compõe e auxiliam o projeto viram no coletivo o apoio que precisavam de si próprias e de seus familiares para conseguir dar o primeiro passo ao processo de ressocialização e retomada da vida pós sistema carcerário.
Débora Antunes, membro do grupo e atuante na direção do Por Nós, é uma sobrevivente do cárcere. Há 9 anos em liberdade, é mãe de 5 filhos, avó de 4 netas, trabalha como diarista e é formada em educação social pela Falcons University, a universidade da ONG Gerando Falcões, que realiza a capacitação e formação profissional dos alunos em 6 meses buscando realizar o combate à pobreza nas periferias do país. Débora também participa do CUFA (Central Única das Favelas) no complexo Jd. João XXIII, na Zona Oeste da capital, além de integrar o projeto religioso GT Missões com ações principalmente na "Cracolândia".
De acordo com Débora, o movimento surgiu através da experiência desumana que todas elas compartilharam enquanto estavam em cárcere, como a falta de acesso a produtos de higiene menstrual: “recebíamos um pacote de absorvente por mês, de péssima qualidade e insuficientes para aquelas que tinham fluxo mais intenso. O coletivo hoje busca fortalecer as mulheres egressas e suas famílias, oferecendo informações e organizando ações nas datas das ‘saidinhas’ em algumas unidades penitenciárias do Estado de SP, marcando presença em importantes pautas para a população carcerária”, conta.
Parafraseando Iyá Batia, outra fundadora, Débora diz que “a menstruação na cadeia mostra como a mulher na prisão é desvalorizada e empobrecida” O coletivo Por Nós hoje conta com 20 participantes atuantes independentes, se mantendo através de doações de absorventes higiênicos, coletores menstruais e doações de valores para compra de itens de higiene menstrual. A principal forma de contato com o movimento para doar e se voluntariar, é através do perfil no Instagram @nos_por_nos. O simples ato de fornecer absorventes higiênicos traz às mulheres egressas o fortalecimento da autoestima e autoconfiança, devolvendo a essas mulheres excluídas a condição humana da vaidade.

A menstruação faz parte do funcionamento saudável do corpo feminino, mas as condições econômicas, culturais e sociais fazem do período menstrual um tabu, um assunto a ser evitado e digno de vergonha. O documentário Absorvendo o Tabu retrata como o constrangimento por menstruar afeta as mulheres indianas de um pequeno povoado. Indicado ao Oscar 2019, o filme demonstra para nós mulheres brasileiras as semelhanças entre as culturas brasileira e indiana. Em ambos em países a presença da pobreza menstrual dificulta a rotina de mulheres, as fazem perder dias de aula e de trabalho, faz com que sejam vistas como sujas e impróprias por menstruar, e são excluídas de atividades durante a menstruação.
O grande acontecimento do filme ocorre quando uma máquina de produção de absorventes acessíveis foi instalada, transformando a vida das mulheres envolvidas com o projeto. Mais de 40% mulheres indianas não tem acesso a absorventes higiênicos e assim como no Brasil a utilização de panos e outros objetos improvisados ainda é uma realidade.
Na cidade de São Carlos no interior do Estado de São Paulo, um grupo de combate à pobreza menstrual surgiu quando um coletivo de estudantes da Universidade Federal de São Carlos percebeu a carência de projetos de distribuição de absorventes para mulheres em vulnerabilidade social na cidade. Mariela Salvini, de 25 anos, hoje linguista formada pela UFSCar conta que quando ingressou no projeto Unidas pelas Mulheres com suas colegas tinha pouco conhecimento sobre pobreza menstrual e sobre como executar as ações, mas que concordou em participar por vontade de ajudar mulheres a ter um período menstrual digno e a passar mais informações sobre a saúde da mulher.

O projeto é custeado a partir de doações presenciais de absorventes, por PIX, doação de dinheiro e transferência bancária, e já utilizaram também das plataformas de financiamento coletivo Vakinha e Benfeitoria. O Unidas pelas Mulheres aceita também aliados para participar das ações e de projetos de arrecadação de valores. Para entrar em contato com o projeto basta acessar a página oficial no Instagram @unidaspelasmulheres.sc e se informar que deseja doar ou se voluntariar para a causa.
A sanção da Lei 17.525/2022 está em execução pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) para implementação do programa Dignidade Íntima, que prevê a distribuição de absorventes e outros itens de higiene menstrual para meninas matriculadas nas escolas da rede estadual de ensino, inclusive Etecs e Fatecs.
A medida merece ser comemorada, pois significa uma tentativa de política pública de proporcionar as alunas melhores condições menstruais. Apesar disso, ainda não é o suficiente para erradicar a pobreza menstrual, pois não abrange meninas que não estão matriculadas em escolas estaduais de São Paulo e exclui outras pessoas que menstruam e que se encontram em situação de vulnerabilidade social.
É preciso continuar lutando para que todas as pessoas que menstruam tenham acesso não apenas à absorventes, mas a todos os itens de higiene menstrual como coletores, calcinhas absorventes, absorventes internos, lenços umedecidos e o que mais for necessário. É preciso lutar contra a desinformação e mistificação da menstruação para que nossas mulheres, meninas e pessoas que menstruam não sintam nojo ou vergonha em realizar o único sangramento que não vem de uma violência contra o corpo: a menstruação.
Por Lucca Andreoli
Um menino alegre, brincalhão e esperto. Heitor é pequeno. Muito menor que a maior parte dos meninos na sua idade. Tem cinco anos agora, mas por seu tamanho, seria facilmente confundido com alguém de dois ou três anos de idade. Essa é uma característica que sua síndrome apresenta. Ele tem Cri-Du-Chat, o que explica sua dificuldade de falar e seus movimentos destoantes.
Uma das preocupações que acometeram sua família a seu respeito, em especial sua mãe, Lilian, é o aprendizado que ele deveria receber, e quais tratamentos se mostrariam eficazes e importantes para uma melhor adaptação de seu filho na sociedade. Felizmente, hoje sabe-se muito mais, e pode-se tratar muito melhor pessoas com tal síndrome. Entre seus aliados nessa luta, a tecnologia é um de seus mais valiosos. Como fora dito anteriormente, tem dificuldade na fala, mas não pense que não sabe se comunicar e que não entende as coisas a seu redor. Desde muito cedo, demonstra ter uma memória magnífica, e isso se deve em grande parte pela presença dessa tecnologia.
O uso de tablets e smartphones tem papel fundamental na fixação de informações e na complementação da dinâmica e da mecânica. Para sua comunicação, são fundamentais, visto que as imagens e as cores têm o grande poder de mantê-lo focado enquanto aprende, algo que é difícil de realizar sem a presença das telas.
Assistir animações infantis e vídeos na Internet, é um hábito que sempre teve. Antes, quando queria assistir algo, costumava pedir que alguém colocasse para ele. Não precisava ser alguém conhecido, qualquer um que estivesse próximo e pudesse ajudar era bem-vindo. Surpreendentemente, hoje raramente pede ajuda para isso. Descobriu a senha do celular de sua mãe e costumeiramente o pega escondido para assistir o que deseja. Não sabe ler ou escrever ainda, mas isso não o impede de chegar aonde quer.
Jogos também são grande estímulo para ele. Como são em sua grande maioria, jogos que exigem atividade motora, são bastante benéficos para ele, e divertidos também, visto que sempre se diverte com eles. Para quem tem essa síndrome, o tratamento é individualizado, variando de paciente para paciente. No caso do Heitor, ou “pequeno príncipe” como é chamado por sua semelhança com o personagem, foi necessário passar por fisioterapia. Esse processo contou com a presença de diversos aparelhos técnicos, que, por mais que não gostasse na época, hoje com o resultado, pode ser visto grande avanço e melhora em praticamente todos os aspectos.

Neste sábado (12), ocorreu a primeira edição do festival de música GP WEEK, na cidade de São Paulo. Com shows de Fresno, The Band Camino, Hot Chip, Twenty One Pilots e The Killers.
Em referência ao ‘Grande Prêmio’ de Fórmula 1, o evento trouxe bandas que caminham entre sub estilos do rock e atraíram públicos de todas as idades. Com performance eletrizante de Twenty One Pilots e The Killers, a GP Week conquista espaço no grande calendário de festivais da cidade.
Fresno, a única banda brasileira a participar, abriu a sequências de shows às 14 horas e trouxe aos palcos o emo, juntando clássicos com novidades para conquistar a plateia que timidamente começava a preencher o Allianz Parque. Lucas Silveira, vocalista, finalizou a participação do grupo questionando o fato de ser apenas uma banda com canções em português, mas instigou os ouvintes a valorizarem o som nacional com uma versão de Eva, originalmente da Banda Eva, que foi cantada por todos ali presente.

As homenagens ao Brasil não acabaram por aí, pois The Band Camino não poupou palavras para descrever a emoção de, pela primeira vez, tocarem no Brasil - e na América Latina. Pela formação recente, a presença de um público significativo em outro território pareceu surpreender os musicistas, pois não deixavam de agradecer recorrentemente a presença de todos. Aproveitando a oportunidade, convidaram ao palco Mateus Asato, guitarrista brasileiro, famoso internacionalmente por ter tocado com Bruno Mars e Jessie J. Vestidos com a camisa do Palmeiras, a banda encerrou sua participação com uma energia contagiosa.
A banda The Hot Chip, criou um clima ainda mais animado para as bandas mais esperadas da noite, Twenty One Pilots e The Killers. O primeiro transformou o estádio às 19:00, o uníssono dos ouvintes era eletrizante e a entrega do duo incomparável. Com momentos surpreendentes, como a escalada da torre de apoio pelo Tyler Joseph e a bateria em cima da plateia por Josh Dun, a banda cria mais um show inesquecível em solo brasileiro. A interação com o público foi fundamental para que pudessem ser considerados os protagonistas da festa, sendo ovacionados ao finalizarem com “Heathens”.
O atestado da união de gerações ficou ainda mais claro com o show de The Killers, que encerraram a noite. O Allianz, que à tarde encontrava um público mais jovem, encarava durante o show espectadores maduros, mas com a vitalidade de Brandon Flowers, vocalista da banda. Com as letras na ponta da língua, os 50 mil presentes, entregaram todos os hits da banda de forma excepcional, demonstrando que a pergunta de Brandon “vocês esqueceram da gente?” era apenas ironia. Porém, um destes fãs foi convidado ao palco para tocar “For Reasons Unknown” e o fez perfeitamente em meio a aplausos e gritos. A GP Week conquista através das atrações e do público, o espaço necessário para se consagrar como mais um festival paulista no calendário nacional.

Seja em bonés, camisetas de time ou chinelos Havaianas, o verde, amarelo e azul estão presentes nos novos produtos da moda nacional e internacional. Nos últimos meses, a bandeira brasileira se espalhou rapidamente pelas redes sociais de influencers fashionistas do mundo todo, principalmente pelo TikTok e Instagram. Às vésperas das eleições e da Copa do Mundo do Qatar, a popularização do símbolo do Brasil restaura um sentimento de identidade que vai muito além da moda.
Mais que uma tendência, o BrasilCore tem uma importância política no ano de 2022. Desde 2014, a bandeira brasileira e o próprio brasão da Confederação Brasileira de Futebol são associadas à direita política no país. O verde, amarelo e azul estamparam campanhas eleitorais e manifestações a favor desse lado, representado principalmente pelo presidente em exercício, Jair Bolsonaro (PL). Um exemplo expressivo do uso das cores com um cunho partidário foi a onda de atos pedindo pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.
Esse processo de apropriação do símbolo nacional fez com que o grupo que não se identifica com os ideais da direita deixasse de usar roupas com o tema e, mais do que isso, perdesse o sentimento de nacionalismo. Em contrapartida, a estética BrasilCore surge na direção contrária à apropriação, já que propõe o resgate da bandeira como forma de representação do povo brasileiro. Assim, o movimento une moda, política e, ainda, futebol.
Não é possível falar de estética brasileira sem mencionar o futebol, já que, no país, é o esporte mais popular. Por isso, o lançamento das camisas da seleção da Copa do Mundo de 2022 pela Nike é uma forma de consolidar o BrasilCore como tendência nacional e internacional. Em entrevista para a AGEMT, Julia Andreata (20), Analista Júnior que integra a equipe criativa da empresa, conta que a maior dificuldade no processo de criação do novo uniforme foi manter as cores clássicas da camisa brasileira tendo em vista o longo e complexo processo político pelo qual o país está passando.
A moda sempre foi um instrumento de manifestação e, com a chegada da Copa do Mundo e das eleições, a tendência do verde e amarelo se torna mais presente e comentada do que nunca, o que gera grandes reflexões e embates internos por parte da população. É uma perspectiva que estimula, por um lado, o patriotismo de volta, mas, por outro, o medo e a repulsa de usar a camisa verde e amarela com receio de ser associado a partidos e ideologias políticas. Durante anos, o povo brasileiro assistiu essa atitude, fazendo com que muitos abrissem mão de sua bandeira, de suas camisas, das cores que representam a sua nação.
Na tentativa de desmistificar, a Nike, junto a sua equipe criativa, exploraram maneiras de desvincular a política das blusas da seleção e restaurar aquele sentimento de orgulho ao vestir o verde e amarelo.
O caminho que a Nike escolheu seguir foi exaltar aspectos da cultura brasileira. Para isso, escolheu um visual baseado no uniforme usado pelo time na conquista de seu último título, em 2002. Surge então o slogan “Veste a Garra”, estampado por toda a campanha das novas camisetas da próxima Copa, que sugere ao povo brasileiro agora, mais que nunca, é o momento de vestir a camisa e lutar pelo país, assim como os atletas em campo lutam por uma vitória.
Julia ainda retoma que o objetivo principal dos novos designs foi “trazer orgulho de volta para os brasileiros, e fazer eles vestirem a camiseta. Tudo foi pensado nisso, envolver a textura de onça pintada nas mangas e a bandeirinha na gola, símbolos brasileiros. Por isso, todo o marketing teve o bordão ‘Veste a Garra’”.
As camisetas de time e a periferia
O esporte sempre foi um dos fatores que influenciam a moda. Dos tênis All Star até a camisa Polo, muitas tendências surgiram por conta das práticas esportivas. No entanto, com o futebol no Brasil, alguns fatores fizeram com que essa influência fosse vista como algo negativo. Apesar de eleito o esporte favorito dos brasileiros, a elite enxergava, até pouco tempo atrás, o futebol como pertencente a uma cultura de massa e tinha uma visão negativa sobre ele.
Desde muito antes da repercussão atual do Brazilian aesthetic nas redes, que trouxe consigo uma nova visão das camisetas como itens fashionistas, elas já eram muito antes reverenciadas e reconhecidas como itens essenciais da moda periférica. O “país do futebol”, assim chamado e reconhecido por sua nação, fez com que as camisetas se tornassem um grande símbolo, que teve um imenso consumo e ênfase nas periferias pelo entorno do cotidiano periférico em que o futebol é um elemento muito forte e presente. Como um exemplo disso, a existência dos campos de futebol nas comunidades em que crianças e adultos de todas as idades frequentam e jogam.
Diante dessa situação, pelas roupas da seleção terem como modelos principais os corpos negros e periféricos, esse movimento foi envolto pelo preconceito e o “mal olhado” sendo associado como estilo de “favelado” ou símbolo de algo desleixado. A problemática da tendência surge neste momento em que passa a ser valorizada apenas quando vestida por um grupo específico, branco e elitista no Brasil e "gringos". Algo que muito antes já fazia parte da moda nacional, identidade cultural e realidade de muitos brasileiros, somente a partir do momento que foi usada por pessoas de outros países e grandes figuras brancas e influentes passa a ser visto como um elemento grandioso de moda.
Com a replicação das tendências do exterior observadas no Brasil e a questão da desvalorização de moda nacional e periférica, Laura Ferrazza, historiadora da moda, diz: “As referências da moda estão globalizadas, porém, é um erro pensar que o Brasil não crie suas próprias tendências internas e mesmo seja capaz de exportar tendências”.
“Acho que a identidade de um povo, como uma nação jovem como a brasileira, está sempre em construção. O brasileiro sempre coloca sua marca, seu jeito próprio ao usar algo externo e é muito criativo e inovador”, completa Laura.
Sobre a repercussão da tendência BrazilCore, diz: “A moda é um catalisador do espírito do tempo, um espaço para expressar gostos e opiniões.” “Certamente as preferências eleitorais e esportivas acabam aparecendo como tendência em momentos importantes como uma eleição presidencial e uma Copa do Mundo”, diz Laura Ferrazza.
Em 1950, a televisão chegou ao Brasil - o primeiro meio de comunicação a introduzir o audiovisual para os lares brasileiros. Uma de suas principais missões é entreter o público e, assim, surgem as telenovelas.
Com cerca de 15 capítulos, a primeira telenovela brasileira foi exibida pela extinta TV Tupi. Intitulada 'Sua Vida Me Pertence', a produção estreou em 21 de dezembro de 1951 e foi exibida até o dia 15 de fevereiro de 1952.
Além do enredo e das personagens, um elemento que se tornou marcante nas telenovelas é o vestuário. A moda continua, até hoje, impactando os costumes e estilos da sociedade brasileira. Apelidados de closet, perfis nas redes sociais publicam os looks usados pelos artistas - incluindo o valor e o site onde pode ser encontrado para compra. Isso evidencia como a televisão tem reflexo no consumo dos telespectadores.
“A moda está inteiramente ligada a arte e cultura e, o que acontece muito atualmente, é que marcas conceituadas convidam atores que estão atuando em novelas para abrir seus desfiles, gerando uma ligação ainda maior entre a moda e novelas”, contou a modelo brasileira Thais Romão. “Desfilei com vários atores globais, que estavam em alta, e foram convidados a abrir os desfiles da Semana de Moda de São Paulo - inclusive, foram muito aclamados pelo público”, complementou.

O alcance das telenovelas é exemplificado pela audiência e, principalmente, pelas vitrines dos polos de moda do Brasil. “Um exemplo é a personagem Maria da Paz, da novela ‘A Dona do Pedaço’, exibida em 2019, que vestia peças de roupa da marca Teodoro Salazar. Quando a personagem apareceu vestida com estampas de corrente dourada foi uma explosão. Várias marcas começaram a fazer esse tipo de estampa e o público aderiu a essa moda. Na verdade, se você andar pelo Bom Retiro, que é um dos maiores mercados da moda de São Paulo, verá estampas de corrente dourada espalhadas pelas vitrines até hoje”, disse Valéria Dutra, designer de moda e colorista têxtil.
Mesmo com a ascensão dos serviços de streaming, as telenovelas se consolidaram como plataformas de comunicação cultural. A publicitária e especialista em mercado de moda e consumo, Yasmin Carolino, conta sobre as formas de influência das produções.
“É gerado no telespectador um sentimento que leva à uma busca por pertencimento. Muitas vezes uma personalidade fictícia pode ser o ponto de partida para uma influência de estilo. Aquele que assiste e se identifica, passa, portanto, a querer parecer como tal personagem e isso se reflete, desde o jeito como se veste até ao estilo de vida dessas pessoas. O povo brasileiro é muito rico em diversificação e isso é algo relevante quando questionamos o pertencimento e o papel das influências de mídia sobre esse sentimento, tendo em vista que vivemos em uma sociedade tão desigual”, disse a profissional.
Apesar das mudanças enfrentadas com o surgimento da internet, as novelas são queridas pelo povo brasileiro, haja visto que muitos espectadores ainda ligam a TV para acompanhar as tramas de seus personagens favoritos. “A dona de casa, a mulher que chega do trabalho tarde da noite, estudantes, mães, avós, tias, todas elas assistem novela e se veem em, pelo menos, 1% de alguma personagem da novela. Elas são influenciadas na forma de se vestir, de se maquiar, a forma que arrumam o cabelo, as gírias, as músicas que a personagem gosta, entre outras características”, disse Valéria Dutra.
Essa familiaridade com as produções, além de gerar identificação, faz com que o público enxergue a ficção como uma referência. O telespectador cultiva o desejo de viver como as personagens da história - muitas delas são vistas como símbolo de sucesso e autoconfiança, inclusive pelo figurino -, o que desperta ainda mais a vontade de se assemelhar a elas. "Muitas vezes, uma personalidade fictícia pode ser o ponto de partida para uma influência de estilo. Aquele que assiste e se identifica, passa, portanto, a querer parecer como tal personagem e isso se reflete desde o jeito como se veste indo de encontro ao estilo de vida dessas pessoas", comentou Yasmin.
Um debate recorrente é o fato de que, mesmo com a inovação dos meios de comunicação, modernização do audiovisual e a predominância na utilização dos streamings, as novelas ainda são pioneiras no impacto e influência na moda brasileira.
"Atualmente, uma novela que se passa em horário nobre conta com a atuação de influencers digitais de grande porte. A publicidade entra por esse meio, unindo dois veículos potentes de influência e consumo. E a moda brasileira é impactada diretamente em cima disso. Em um movimento de tendências trickle down, o que surge nas passarelas atinge as ruas. A lógica é a mesma quando substituímos os desfiles pelas novelas. O visual de uma personagem-chave é adotado pelos designers desde as enormes lojas de departamento às marcas de bairro independentes. Todos passam, portanto, a ter acesso ao que ''está na moda'' naquele momento”, ressaltou Yasmin.

Um símbolo importante nas tendências criadas nas telas é a atriz Giovanna Antonelli, que interpretou diversos papéis de sucesso e, junto aos seus personagens, ditou diversas tendências usadas ao redor do Brasil. A personagem delegada Helô, da novela 'Salve Jorge', da Rede Globo, tinha como itens marcantes a capa de celular de soco inglês e as roupas estampadas - principalmente com estampas de animal print. O sucesso da personagem foi tanto que, na nova novela das nove da Rede Globo - 'Travessia' -, a personagem retornou com o mesmo estilo memorável.
Além da delegada Helô, a atriz transformou diversos outros acessórios, unhas e looks em tendência. Entre eles podemos citar a capa de coelho, da novela 'Aquele Beijo', o esmalte azul, da novela 'Em Família', as pulseiras de mão, de 'O Clone', etc.
FIGURINOS SÃO MAIS DO QUE APENAS ESTILO
A figurinista da Rede Globo, Gogoia Sampaio, apontou que os figurinos são produzidos com base em estudos aprofundados, no ambiente social e cenográfico. “O figurino é sempre desenvolvido com base em uma sinopse e no perfil dos personagens - o diretor é quem nos dá o direcionamento. A gente localiza onde essa história vai se passar, em que tempo ela vai se passar e qual é o público alvo.
Apesar de ser um elemento visual que provoque a sede de consumo, o figurino é construído com a participação dos atores e atrizes envolvidos, a caracterização, o diretor, o cenário e a iluminação, ou seja, é um elemento narrativo.
“Alguns personagens já têm encomenda. Por exemplo, quando eu fiz a Melina, de ‘Passione’, o autor já escreveu que ela teria essa 'pegada' mais fashion. Nessa mesma novela, a gente tinha a Irene Ravache (Clô Souza e Silva), que era aquela mulher "Rainha do Lixo", e que, inclusive, tinha um apelo popular gigante”, explica a profissional.
Até o ano de 2020, a Rede Globo tinha uma Central de Atendimento ao Telespectador, apelidada de CAT. Por meio de e-mails e telefone, o público podia tirar dúvidas sobre os produtos usados pelos atores, atrizes, apresentadores e jornalistas da emissora. Com o avanço da tecnologia, a emissora decidiu experimentar novos canais, principalmente, as redes sociais.
“No CAT, muitas vezes, as roupas da Clô eram mais pedidas do que a da Melina e, por isso, eu falo que a personagem faz toda a diferença. As pessoas se identificaram com ela. Depois disso vieram os influencers digitais, que são pessoas com quem você se identifica e compra uma roupa igual a deles pelo fato de se identificar com as suas histórias. Acho que os personagens eram os influencers”, comentou Gogoia Sampaio.
“Quando fiz 'Belíssima', por exemplo, o mínimo do Ibope era próximo aos 50/55 pontos. A internet não tinha toda essa força que tem agora. A visibilidade é diferente, mas eu acredito que elas, ainda assim, tenham grande valor por retratar a vida brasileira, as histórias brasileiras.”