O Software da Poda quer monitorar as condições das árvores pelos bairros de São Paulo
por
Julia Sena
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03/11/2025 - 12h

Por Julia Sena

 

No bairro da Vila dos Remédios, na zona oeste de São Paulo, seu Francisco, de 68 anos, já se acostumou com o barulho de galhos batendo contra os fios de energia nos dias de vento forte. Diz que na rua, quando chove, já sabe que vai faltar luz. Ele já fez inúmeros pedidos de poda à prefeitura, mas as respostas, quando vêm, demoram meses. A cena se repete em muitos bairros da cidade, árvores plantadas há décadas, sem planejamento e monitoramento. Além de crescidas demais, raízes que invadem calçadas, rompem fios e danificam tubulações. A falta de gestão eficiente da arborização urbana torna-se ao mesmo tempo um problema de segurança e um desafio ambiental. Foi diante desse cenário que um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo desenvolveu o projeto Poda, uma iniciativa que usa inteligência artificial e softwares de modelagem ecológica para apoiar o poder público na tomada de decisões sobre o manejo de árvores nas cidades.

A iniciativa nasceu dentro do Instituto de Biociências da USP, sob coordenação do professor Marcos Buckeridge, especialista em fisiologia vegetal e diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (INCT Bioetanol). A ideia surgiu de uma pergunta simples sobre se seria possível usar dados científicos para prever quais árvores precisam de poda antes que se tornem um risco. Para ele, o manejo das árvores urbanas ainda é muito reativo, a poda acontece depois que o problema aparece. O que se pretende é criar um sistema preventivo, capaz de indicar quando e onde agir, usando informações sobre o crescimento das espécies, o clima e as condições do solo.

O sistema desenvolvido pela equipe combina imagens de satélite, modelos de crescimento vegetal e dados climáticos locais. A partir disso, os pesquisadores conseguem estimar o ritmo de desenvolvimento das árvores e identificar áreas de risco, como regiões onde há alta densidade de copas próximas à rede elétrica.

Um dos diferenciais do projeto é a criação de modelos preditivos que consideram o impacto das mudanças climáticas no comportamento das árvores. Com o aumento das temperaturas e das chuvas intensas, algumas espécies têm crescido mais rápido e de forma desordenada, o que aumenta a chance de quedas e rompimentos. O software já permite prever o comportamento das árvores ao longo do tempo. Isso ajuda o poder público a planejar melhor as podas e reduzir custos com emergências.

A proposta da Poda é tornar a arborização urbana mais sustentável e integrada à rotina das prefeituras. O sistema já foi testado em áreas piloto de São Paulo e pode, futuramente, ser adaptado a outras cidades brasileiras. E o objetivo não é apenas tecnológico, mas também social,. pois o que está em jogo quando se pensa em árvores é preciso considerar sombras, em conforto térmico, em qualidade do ar. Mas se não houver manejo, esses benefícios se perdem.

De volta à Vila dos Remédios, seu Francisco ouve falar do projeto com esperança. Ele considera que se tiver um jeito de a Prefeitura saber antes que a árvore vai cair, já ajuda muito, porque esperar cair em cima do carro ninguém quer.

A equipe da USP também trabalha em uma interface pública, que permitirá aos cidadãos acompanhar o mapeamento das árvores de suas regiões e reportar problemas diretamente pelo sistema. Assim, o ciclo se completa: da denúncia à prevenção, com base em dados e participação popular. “Cuidar das árvores é cuidar das pessoas”, resume Buckeridge. E agora, com a ajuda da ciência é possível fazer isso de maneira mais inteligente.



 

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
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Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Voluntários se reúnem quinzenalmente para apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade na capital paulista
por
FABIANA CAMINHA
JOÃO VICTOR ESPOSO GUIMARÃES
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25/09/2025 - 12h

Domingo, 7h da manhã. Enquanto a cidade ainda desperta, a fila já contorna os fundos do Shopping da Lapa, zona oeste de São Paulo. Essa cena se repete a cada 15 dias. Antes mesmo da chegada dos voluntários do Ondas de Amor, quem deseja receber os kits já sabe onde se posicionar. Pessoas com mobilidade reduzida são prioridade. Todos aguardam organizados quando chega o primeiro carro carregado com os itens que serão distribuídos. 

 

Pessoas em situação de vulnerabilidade formam fila para receber kits entregues por voluntários na Lapa
Pessoas em situação de vulnerabilidade formam fila para receber kits entregues por voluntários na Lapa. ​​​​Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

Criado em 2019, o grupo distribui, a cada ação, cerca de 180 kits de café da manhã, além de água e itens de higiene, como sabonetes, absorventes e papel higiênico. Ocasionalmente, também são oferecidos produtos adicionais, como escovas e pasta de dente, aparelhos de barbear e desodorantes.

Em dias frios, a entrega inclui cobertores e toucas de lã. Além de suprir necessidades básicas, a iniciativa oferece também mensagens de acolhimento inspiradas na doutrina espírita a quem quiser ouvir.

A ideia nasceu de uma dinâmica com adolescentes em um centro espírita da Vila Romana, bairro da zona oeste. Desafiados a elaborar um projeto de caridade, os jovens sugeriram o nome Ondas de Amor e propuseram oferecer não apenas alimentos básicos, mas itens que consideravam “gostosos”, como sanduíches, bolachas recheadas, doces e achocolatado. O projeto não foi adiante com os adolescentes, mas duas das educadoras, Marildes Esposo e Valéria Vareta, decidiram colocá-lo em prática.

No início, as limitações eram grandes. Somente cerca de 20 kits eram distribuídos, por falta de recursos e voluntários. Com o tempo, a ação ganhou força. Nem mesmo a pandemia interrompeu o trabalho. Com adaptações, máscaras, luvas e distanciamento, o Ondas manteve as distribuições em um período em que a vulnerabilidade de quem vive nas ruas se agravou.

 

Voluntários incluem mensagens de fé junto com os kits distribuídos.
Voluntários incluem mensagens de fé junto com os kits distribuídos. Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

Hoje, aproximadamente 130 kits são entregues na Lapa e o restante é oferecido nos arredores da Avenida General Olímpio da Silveira, sob o Minhocão. Nessa segunda etapa, os voluntários percorrem as barracas, chamando as pessoas pelo nome e demonstrando os vínculos construídos ao longo dos últimos anos.

O senhor José, em situação de rua, é um exemplo dessa relação. Há anos recebe os kits do grupo sob o viaduto e, a pedido dele, o projeto passou a incluir livros, dispostos de forma acessível a qualquer interessado. Sempre que possível, são distribuídos sacos de rações para animais e quando há doações de roupas e calçados, esses itens também são entregues a quem precisar.

Livros doados são organizados para distribuição durante a ação voluntária.
Livros doados são organizados para distribuição durante a ação voluntária. Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

Mas a atuação do grupo vai além da entrega de alimentos, livros e vestimentas. Em alguns casos, é possível fazer uma diferença ainda maior, como no de Ana, que vivia em uma barraca sob o Minhocão quando os voluntários perceberam que estava grávida.

Com sua permissão, Marildes, Eloisa Cestari e Márcia Aoki, outras colaboradoras do projeto, se mobilizaram para garantir o acompanhamento médico de Ana. Desde então, ela passou a viver na Associação Amparo Maternal, centro de acolhida para gestantes, mães e bebês apoiado pela Prefeitura de São Paulo.

O caso evidencia como a iniciativa pode transformar vidas, especialmente quando atua em parceria com outras instituições. Segundo Marildes, o projeto busca ir ainda mais longe. “Nosso sonho é criar uma rede de apoio que nos permita ampliar e qualificar o acolhimento dos que precisem desse tipo de ajuda”, afirma.

Uma operação com um impacto tão grande exige um esforço quase proporcional. A preparação para o domingo começa cerca de uma semana antes. Alguns voluntários cuidam das compras, outros montam os lanches e organizam as sacolas. Atualmente, cerca de 20 pessoas atuam diretamente na logística para que tudo esteja pronto no dia da ação, além daqueles que contribuem indiretamente com doações e apoio financeiro. 

Alimentos e produtos de higiene compõem os kits distribuídos por voluntários.
Alimentos e produtos de higiene compõem os kits distribuídos por voluntários. Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

“O trabalho voluntário é isso, é dar e fazer o que é possível, mesmo que sejam 10 minutos na ação ou 10 reais doados.”  afirma Marildes, que reforça a importância do esforço coletivo. É possível encontrar mais detalhes sobre o trabalho do grupo e outras formas de contribuir com o projeto no site https://ondasdeamor.com.br/social 

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Maior evento europeu do setor continua na rota por novidades eletricas e mais concorrência a cada ano
por
Vítor Nhoatto
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22/09/2025 - 12h

Ocorrido entre os dias 9 e 14 de setembro, o IAA Mobility recebeu mais de 500 mil visitantes, superando a sua última edição em 2023. Estiveram presentes as germânicas Audi, BMW, Mercedes, Opel, Porsche e Volkswagen, mas Fiat, Peugeot e nenhuma japonesa compareceu. Com isso, mais uma vez uma grande parte de Munique foi palco para as chinesas se consolidarem e expandirem.

Com o lema “It’s all About Mobility”, em tradução livre, “É Tudo Sobre Mobilidade”, o foco da mostra se manteve em soluções inteligentes e inovadoras. Startups como a Linktour com  seus micro carros elétricos, e marcas de bicicletas e motocicletas elétricas estavam por todos os lados do München Expo Center. E repetindo o formato aplicado desde 2021, com o chamado “Open Space”, uma área de experiências interativas gratuitas ao ar livre, os visitantes podiam experimentar tudo isso.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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 Além disso, a inovação tecnológica foi tema de muitos debates e coletivas de imprensa com representantes da indústria. Fornecedoras como a Bosch, Aisin e Revolt, além de empresas de carregadores como a Charge X e E-Mobilio e a gigante de baterias CATL foram só alguns dos mais de 750 expositores presentes. 

Setor premium atento

Falando em eletricidade, ela estava no centro das atenções de todas as marcas, apesar das vendas de carros elétricos (BEV) terem sido prejudicada na Europa no ano passado. O fim ou diminuição de subsídios governamentais e metas de descarbonização estagnadas na União Europeia foram os principais motivos segundo o Global EV Outlook 2025 da International Energy Agency (IEA). No entanto, as projeções para esse ano e os próximos são de crescimento.

De olho nisso a BMW lançou o novo iX3, modelo mais importante em anos ao inaugurar uma nova era para a alemã. A segunda geração do modelo estreia uma plataforma sob medida e exclusiva para elétricos de nova geração, chamada de Neue Klasse. O destaque fica com a nova bateria de 108.7kWh de capacidade integrada ao chassi, compatível com carregamento ultrarrápido de até 800V - ganha 372km em apenas dez minutos - e autonomia de 805km em uma carga segundo o ciclo WLTP. 

No quesito design a ruptura com o passado é ainda mais evidente, com uma nova linguagem visual, inspirado nos modelos da BMW dos anos 80. No interior foi inaugurado o Panoramic iDrive, com o painel de instrumentos correndo ao longo de todo o para-brisa, um novo volante de quatro raios e um multimídia com inteligência artificial de 17,5 polegadas. “A Neue Klasse é o nosso maior projeto futuro e marca um grande salto em termos de tecnologias, experiência de condução e design”, frisou o presidente do conselho de administração da marca, Oliver Zipse.

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Alemã aproveitou o evento para apresentar o futuro Sedan i3, que seguirá o capítulo iniciado pelo SUV iX3,  irmão de plataforma. Foto: BMW Group / Divulgação 

Do outro lado do pavilhão, a Mercedes-Benz fez um movimento parecido, lançando a segunda geração do GLC elétrico. O modelo foi o primeiro elétrico da marca, ainda em 2018 como EQC. Mas pelas vendas baixas havia sido descontinuado no ano passado, e agora retorna com o nome “GLC With EQ Technology”, para evidenciar as mudanças. Rival direto do iX3, segue a linguagem de design inaugurada no novo CLA no ano passado, aqui com uma grade iluminada e enormemente proeminente.

Construído sob a inédita plataforma elétrica MB.EA Medium, independente do GLC, a combustão portanto, possui carregamento de até 800V e uma bateria de 94kWh, traduzidos em 713 km de autonomia. No interior, o SUV inaugura o “Hyperscreen”, transformando o painel inteiro em uma tela de 39.1 polegadas. O interior pode ser todo vegano e certificado, e a comunicação Car-to-X - que coleta e envia dados para comunicar outros veículos - se destaca no quesito segurança. O preço inicial deve girar em €60 mil quando chegar às lojas ainda esse ano, tal qual o rival.

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Faróis possuem tecnologia Matrix, e sob o capô há um espaço de 128 litros para bagagens. Foto: Mercedes-Benz / Reprodução

Mas nem só de SUVs o mercado premium é formado, e a Polestar compareceu a Munique para o lançamento mundial do seu novo modelo de topo, o sedã 5. A marca do grupo Geely, divisão de performance da Volvo até 2017, aposta em sustentabilidade e alta performance, estreando a nova plataforma PPA do grupo. São 872 cavalos, tração integral, aceleração de 0 a 100 em 3,2 segundos e ausência de janela traseira, tal qual no crossover 4.

Um presente e futuro elétrico

Nas duas últimas edições do Salão de Munique, ambientalistas protestaram em frente ao evento em defesa de uma mudança sistêmica da indústria, o que se repetiu. As ONGs Extinction Rebellion e Attac levaram placas pedindo por mais investimento em transporte público e justiça social, jogando atenção para uma mentalidade individualista e o preço dos elétricos. 

Em relação a essa questão, um estudo da empresa de consultoria, Gartner, mostra que até 2027 os BEVs serão mais baratos de produzir que os carros a combustão (ICEVs), e o Grupo Volkswagen promete preços competitivos para sua nova geração de elétricos. 

Foram revelados no evento quatro modelos para o segmento B baseados na plataforma MEB Entry do conglomerado. O principal deles foi o ID.Polo da Volkswagen, com previsão de início de vendas em maio na casa dos € 25 mil. Como o seu nome sugere, é a versão elétrica do hatch Polo, e contará com baterias de 38 e 56 kWh, com uma autonomia de 350 e 450 km respectivamente. Uma versão GTI do modelo será também comercializada, com 223 cavalos.

Continuando o apelo esportivo que a versão encurtada da plataforma em que os modelos do segmento C, ID.3 e ID.4, são construídos, a espanhola Cupra mostrou a versão de produção do Raval. Com dimensões e motorizações basicamente iguais às do ID.Polo, promete continuar a expansão da nova marca do grupo, antigamente uma divisão de performance da Seat.

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Cupra Raval, ID.Polo e ID.Polo GTI  (direita) serão lançados em março do ano que vem, enquanto os SUVs Epiq e ID.Cross (esquerda) chegarão no segundo semestre. Foto: Volkswagen AG / Divulgação

Como era de se esperar pela relação do Polo com o T-Cross, sua versão SUV, o conceito ID.Cross foi mostrado. Com o mesmo tamanho do modelo que substituirá em 2026, integra o segmento disputado dos B-SUV elétricos, formado por nomes como Peugeot e-2008, Renault 4 e Volvo EX30. Focando em espaço e ergonomia, marca a volta de botões físicos no volante e do ar condicionado, além de um maior uso de materiais reciclados. 

Por fim, a Skoda apresentou a sua versão do SUV, denominada Epiq. Tal qual os irmãos de plataforma, será construído em Pamplona, na Espanha, e contará com a capacidade de carregar dispositivos externos como eletrodomésticos (V2L). A velocidade de carregamento é de até 125 kW, indo de 10% a 80% em 20 minutos, e o modelo estreará uma nova identidade visual para a tcheca no ano que vem.

Ascensão chinesa continua 

Aprofundando essa questão dos preços, são as marcas chinesas que se destacam globalmente, como destaca a IEA. Com grandes reservas dos minérios utilizados nas baterias, as fábricas para construí-las e anos de investimento estatal na tecnologia, seguiram com sua expansão em solo alemão. 

A BYD, maior marca chinesa em números, marcou presença com o recém lançado Dolphin Surf - a versão europeia do Dolphin Mini. Avaliado com cinco estrelas pelo Euro NCAP, é um dos BEVs mais baratos hoje à venda na Europa, custando cerca de € 20 mil. No campo dos híbridos plug-in (PHEV) a Station Wagon do segmento D, Sealion 06, foi lançada, focada em conforto e tecnologia com até 1.092 km de autonomia combinada.

Outra marca com novidades foi a Leapmotor, que já vende o hatch subcompacto T03 e o D-SUV C10 no continente, de lançamento marcado para o Brasil ainda em 2025. Pertencendo 20% à Stellantis, que controla a sua operação internacional, apresentou o inédito hatch B05, rival de Volkswagen ID.3 e BYD Dolphin. Sob a mesma plataforma do C-SUV B10, terá cerca de 400 km de autonomia e início de vendas para o ano que vem por cerca de € 30 mil.

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"O B05 (direita) reflete nosso compromisso com a inovação, acessibilidade e a capacitação da próxima geração de motoristas em toda a Europa e além", declarou o CEO global da marca, Zhu Jiangming. Foto: Leapmotor / Divulgação

Munique foi para além de um lugar de novos modelos, mais uma vez o palco de marcas inteiras debutando em solo europeu. A marca AITO, do grupo Seres, que usa a tecnologia da Huawei, se lançou no mercado internacional com os SUVs 9, 7 e 5. Mirando as marcas premium alemãs nos segmentos E e D, podem ser tanto BEVs ou elétricos com extensor de autonomia (REEV), repetindo a abordagem da Leapmotor com o C10.

O grupo Changan Auto iniciou as operações da sua marca Deepal com os SUVs de apelo jovem e esportivo S05 e S07, ambos com opções de serem elétricos ou PHEVs. No campo de luxo, a marca Avatr da gigante chinesa mostrou seu primeiro concept car, o Xpectra, além dos modelos 06, 07 e 12, já comercializados em alguns países europeus e com planos de chegarem a 50 mercados em breve.

A premium Hongqi esteve presente e revelou o C-SUV elétrico EHS5, além de anunciar planos de expansão com 15 modelos e 200 pontos de venda pela Europa nos próximos anos. E aumentando a sua aposta no evento, a Xpeng teve um stand dentro do pavilhão e apresentou a nova geração do P7, sedã que começou a ser comercializado na Europa no IAA Mobility 2023.

Além disso, a recém chegada ao Brasil, GAC, estreou no velho continente levando cinco modelos para a mostra. Seguindo com o “European Plan Market” anunciado no ano passado, lançou como modelos de topo o novo GS7, um SUV grande híbrido plug-in, e a MPV híbrida (HEV) E9. Mas os destaques da marca foram o hatch AION UT, rival de BYD Dolphin, e o D-SUV rival de Tesla Model Y, o AION V.

O primeiro possui bateria de 60 kW/h com 430 km de autonomia e previsão de início da comercialização em 2026 na casa dos € 30 mil. Já para o segundo, comercializado no Brasil por R$214.990, o preço de € 35.990 foi anunciado, muito competitivo para o segmento. Com 510km de autonomia e cinco estrelas no teste do Euro NCAP - com mais ADAS que o brasileiro - será o primeiro a chegar às lojas, já em setembro em mercados como Portugal, Finlândia e Polônia. O plano é que a marca venda em todos os países europeus até 2028.

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Estava ainda em Munique o carro elétrico voador GOVI AirCab (ao fundo) buscando mostrar os avanços da indústria chinesa, segundo a empresa. Foto: GAC Group / Divulgação

Eletrificação em todos os níveis 

Para além das novatas, ícones do mercado aproveitaram os holofotes da feira para se renovarem completamente. Esse foi o caso da única francesa presente, a Renault, que lançou a sexta geração do hatch Clio, o segundo carro mais vendido no continente em 2024.

Construído sob a mesma plataforma que o seu predecessor, mantém o motor 1.2 TCe e uma opção movida a GPL, mas as semelhanças acabam por aqui. No powertrain, estreia um novo sistema full-hybrid (HEV) formado por um motor 1.8 e dois elétricos, resultando em 160 cavalos e modo de condução elétrico na cidade. Conforme a estratégia da marca, o Clio não terá versão elétrica, papel delegado ao hatch de estilo retrô, o 5.

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Hatch cresceu 6 centímetros em comprimento, evocando uma silhueta mais esportiva e afilada. Foto: Renault Group / Divulgação

No quesito design, o carro rompe por inteiro com a geração anterior, o oposto do que havia acontecido com a quinta geração em relação à quarta. A frente ostenta uma nova assinatura em DRL, que forma o símbolo da Renault, e a traseira possui lanternas duplas, nunca vistas em um Clio. O interior é todo novo também em relação ao antecessor, mas com o mesmo layout e sistema operacional do Google do irmão elétrico 5.

A Volkswagen foi outra que debutou no IAA uma nova geração de um best-seller, o T-Roc. Em sua segunda encarnação, também não terá versões elétricas, sendo o último novo carro a combustão desenvolvido pela marca. Haverão pela primeira vez no SUV opções micro-híbridas (MHEV), já conhecidas dos irmãos de plataforma como o Golf e A3, além de um novo sistema HEV, com 134 e 168 cavalos. Não haverá, pelo menos por ora, versões PHEV, sendo o único modelo sob a MEB Evo sem essa possibilidade, no entanto.

Seu exterior é uma evolução da primeira geração, mantendo linhas semelhantes e o seu apelo descolado, descrito pela marca. As dimensões aumentaram, 12 centímetros em comprimento, chegando a 4.37 metros, o colocando alinhado a rivais como o Toyota CH-R e Mazda CX-30. Por dentro a abordagem continua, com telas maiores e mais itens de conectividade e segurança assistida, mas com uma disposição de elementos clássica, vista nos últimos Golf e Tiguan.

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Modelo construído em Portugal foi o quinto carro mais vendido na Europa no ano passado. Foto: Volkswagen Group / Divulgação

Concorrência de todos os lados

Além das chinesas em franca expansão nos últimos anos no continente, outras concorrentes vêm se destacando na corrida pelos elétricos principalmente. A coreana Kia compareceu ao evento e mostrou ao público os novos integrantes da família EV, o EV4 e o EV5. 

O primeiro é um hatch do segmento C, acompanhado de uma variante sedã. Já o último se trata de um modelo lançado em 2023 - inclusive a venda no Brasil desde o ano passado - mas que chega só agora à União Europeia como a versão elétrica do Sportage. Sua conterrânea e marca irmã também esteve em Munique com o Concept 3, prevendo o futuro Hyundai Ioniq 3, equivalente do EV4.

Mas nem só da Ásia as novidades chegam, com a primeira marca turca de automóveis elétricos, a Togg, debutando em solo alemão a sua ofensiva no continente europeu. Fundada em 2018 e com a primeira fábrica inaugurada em 2022, apresentou o C-SUV T10X e o sedã T10F ao público. A pré-venda dos modelos começará em 29 de setembro na Alemanha, e no ano que vem a empresa pretende iniciar seus trabalhos na França e Itália, com meta de ter até 2030 um milhão de veículos em toda a Europa.

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Preços ainda não foram divulgados, mas devem ficar em torno de € 40 mil tomando como base as cifras no mercado turco. Foto: Togg / Divulgação

Construídos sob uma plataforma elétrica, ambos receberam nota máxima no Euro NCAP recentemente, com mais de 9% de proteção para adultos e 80% nos ADAS. A respeito do desempenho, a bateria possui 88.5 kWh de capacidade, e autonomias de até 500 e 600 km para o SUV e o sedã respectivamente. 

“Nossos modelos proporcionam uma experiência de mobilidade voltada para o usuário e voltada para o futuro”, comentou Gürcan Karakaş, CEO da marca durante o evento. A marca anunciou ainda que trabalha no terceiro de cinco modelos que irá lançar até o fim da década, o B-SUV T8X. Karakaş finalizou destacando que prepara para introduzir baterias de pirofosfato de lítio (LFP), e que a indústria deve estar preparada para as mudanças e maior concorrência.

Concessionária Allegra Pacaembu pediu a inclusão da praça no contrato.
por
Lucas G. Azevedo
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26/04/2022 - 12h
Praça Charles Miller
Praça Charles Miller/Foto: Reprodução

A Allegra Pacaembu, consórcio responsável pela administração do estádio do Pacaembu, solicitou em janeiro a inclusão da Praça Charles Miller na concessão, em razão dos impactos da pandemia. 

Apesar do pedido feito no início do ano, a Secretária de Parcerias e Desestatização da Prefeitura de São Paulo ainda não deu aval para o prosseguimento do processo. Contudo, a concessionária demonstra confiança e já planeja seus próximos passos: “Ainda aguardamos um retorno da Prefeitura de São Paulo sobre este pleito. Divulgaremos o projeto para a praça em momento oportuno.” 

A obra ainda é polêmica pois passou por dois processos judiciais para poder ser realizada. A associação de moradores Viva Pacaembu abriu as ações numa tentativa de impedir a cessão e, posteriormente impedir a demolição de uma das arquibancadas, popularmente conhecida como tobogã. Apesar disso, o consórcio se diz aberto a conversas: "Na verdade, essa é uma discussão superada. A luta na justiça era de antes do processo licitatório. Agora a concessão já está caminhando e estamos sim abertos ao diálogo com a vizinhança."

Recentemente realizaram a demolição da arquibancada e sofreram com a rejeição popular graças ao carinho em relação àquele setor, mas justificam que a destruição foi necessária apesar da importância: “O tobogã teve sua importância histórica para o Pacaembu, assim como a cocha acústica, que foi demolida para abrigar o tobogã na década de 70, mas chegou o momento de reconectar o centro esportivo (localizado ao fundo do complexo) ao estádio e isso não seria possível mantendo o tobogã. Nosso projeto visa recuperar os pilares de cultura, lazer e entretenimento era necessário instalar uma nova edificação no lugar do tobogã.” 

Por fim, tranquilizam os usuários sobre a utilização do espaço para o público e para o futebol, com outras possibilidades de uso: “O Pacaembu continuará tendo o mesmo regramento de uso que era aplicado quando administrado pela Prefeitura de São Paulo. O espaço permanecerá público, aberto e acessível. O futebol foi e sempre será a alma do Pacaembu, não vamos mudar isso, mas acreditamos que há oportunidade para novas experiências.” 

O projeto pode ser acessado diretamente no site oficial do Pacaembu: https://pacaembuoficial.com.br/

A Secretaria de Parcerias e Desestatização da Prefeitura de São Paulo e a associação de moradores Viva Pacaembu foram procurados, mas não responderam a reportagem. 

Antes do nosso consumo, a comida preparada pelos comerciantes de rua ao redor da Pontifícia contam história.
por
Fernando F. Maia
Sophia G. Dolores
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26/04/2022 - 12h

Localizado na Zona Oeste de São Paulo, o bairro de Perdizes pertence à Subprefeitura da Lapa e conta com uma população aproximada de 111.161 pessoas, segundo o IBGE. Abriga em suas ruas diversidade, dinamizada pelo fluxo intenso de pessoas que percorrem diariamente a região. Ainda acolhe uma das maiores universidades do país - a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) -, grande responsável pela fonte de renda daqueles que trabalham com comércio alimentício de rua em seu entorno. A dinâmica do comércio de alimentos de rua - o milho, o pastel da esquina, o food truck de lanches, etc - sempre ocorreu por trás das burocracias. Mesmo que seja necessário licença para exercer tal profissão, os trâmites de venda, localização e competição são resolvidos no boca a boca.

É nas Ruas Monte Alegre e Ministro Godói onde a história começa, ruas paralelas que contornam a PUC-SP, uma área na qual o fluxo de pessoas é intenso, tanto de trabalhadores, mas principalmente, de alunos. Dentre diversos tipos de comércio, há três que predominam o mercado: o pastel, o milho e os lanches; tendo apenas uma barraquinha de milho, duas de pastel e duas de lanche. Saímos às ruas para descobrir como o dia a dia desses trabalhadores funciona. 

A escolha pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como local de venda tem a mesma resposta para todos: o grande movimento. Tanto para João, que vende milho há dezessete anos, como para Joice, que, com sua equipe, instalou seu food truck de pastel este ano (2022) na região. À exceção dos lanches, que instalam seus food trucks no período da tarde, a maioria dos comércios abre cedo na manhã e fecha somente à noite, visto que, na PUC-SP, aulas ocorrem no período matutino, vespertino e noturno. Foi observado pelos comerciantes que os períodos de pico são de manhã e à noite, assim eles se preparam seguindo os horários de intervalos das aulas da faculdade. “A gente fica bem de olho, temos uma noção (de quando são os intervalos), à noite, lá para umas 20:30/20:45 a gente já começa a nos organizar porque o pessoal costuma sair num todo” disse Joice.

Algumas disparidades foram notadas com relação à condição de trabalho dos diferentes comerciantes de rua. Exemplificando, os trabalhadores do food truck de pastel recebem salário fixo e folgam aos finais de semana, enquanto o dono da barraquinha de milho, como também a outra de pastel, trabalham todos os dias. Todos os comércios que entrevistamos tinham as licenças necessárias para vender alimentos de rua.

Quanto à competição, o senso generalizado que captamos é de que, ao redor da universidade, há lugar e clientes para todos. Nota-se que existe apenas uma venda de milho e as vendas de pastel estão em ruas opostas. Já os carros de lanche ficam lado a lado, porém, não se cria caso, fica a critério dos clientes escolher o que desejam consumir. Tentamos entrevistar uma lanchonete bastante conhecida pelos frequentadores da Pontifícia com o objetivo de descobrir se os comércios de rua atrapalham seus negócios, entretanto, não quiseram dar depoimento. Maria Eduarda, aluna da PUC-SP, disse: "Eu, pelo menos, penso que uma venda que damos para um comércio de rua vale mais do que a venda para um comércio fixo (como dita lanchonete)”.

Um interessante ponto de discussão foi como lidaram com sua situação durante a pandemia. Cada qual vendedor teve grande dificuldade em se manter durante estes dois anos, sendo seu comércio sua única fonte de renda. João, dono da venda de milho, relatou que os alunos da universidade o ajudaram ao organizarem uma vaquinha em seu nome. “[...] eu, que trabalho na rua, agradeço os alunos, que me ajudaram. Não só eu, mas como todos que trabalham aqui na calçada. Todos os alunos fizeram uma vaquinha online para ajudar a gente [...] todo o período da pandemia eu comi o que eles me deram” depõe João.

          Fica claro que, onde tem fome e há clientela, também irá existir um comércio de rua para satisfazer a vontade e agradar os desejos de todos. Quem movimenta esse tipo de comércio são os próprios consumidores, que enxergam nesses comerciantes muito além de um só trabalhador, mas enxergam oportunidades que, talvez, nunca tenham sido dadas.

 

[Fernando e Sofia, bom texto. Faltam imagens para compor a publicação. Certamente vocês tem ou conseguem bom material.]

 

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De acordo com a prefeitura da cidade, o maior empecilho para a contenção das chamas têm sido o difícil acesso aos focos que se encontram a apenas 8km de distância da Serra da Capivara.
por
Ana Kézia Carvalho
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09/09/2021 - 12h

Teresina/PI

Desde o último sábado (04), as chamas consomem a vegetação do município de São Raimundo Nonato. A localidade abriga o maior número de sítios arqueológicos do Brasil, o Parque Nacional da Serra da Capivara, que conta atualmente com 172 espaços catalogados e possui em seu acervo os vestígios mais antigos do homem nas Américas. O fogo se alastra, põe em risco moradias e se aproxima cada vez mais dos sítios arqueológicos.

 

Segundo nota publicada pela prefeita da cidade, Carmelita Castro (PP), em sua conta no Instagram: "Foram vários focos ao mesmo tempo. Infelizmente é um fenômeno difícil de se controlar, pois apesar das campanhas de conscientização contra queimadas, muitos não colaboram e a Prefeitura, por meio do secretário do Meio Ambiente, André Landim, se prontificou, junto aos órgãos competentes, a dar todo apoio para combater as chamas. Temos feito o que está ao nosso alcance: suporte às brigadas do ICMBIO com o envio de carros pipas. Nos unimos numa força-tarefa para mobilizar a equipe do Corpo de Bombeiros estadual ” 

 

De acordo com o João Costa, comandante da Operação dos Bombeiros encaminhada para conter as chamas, o relevo e a vegetação local favorecem a propagação frenética dos focos de incêndios. Em entrevista ao G1, ele lembra que o fogo se encontram a apenas 8 km de distância do Parque Nacional Serra da Capivara.

bombeiros tentando conter as chamas na região/ Foto: Larissa Ribeiro (assessora municipal)

       A vegetação predominante na região de São Raimundo Nonato é a caatinga, como explica o ambientalista e jornalista Alcide Filho em entrevista à Agemt: “Impedir o início do fogo é mais fácil que querer apagá-lo. A natureza fez da adaptação aplicada na Caatinga uma sentença. Ao perder as folhas, [a vegetação deposita sobre o solo um tapete inflamável, ao mesmo tempo estopim e pólvora, de rápida propagação de chamas. Com os galhos expostos, sem uma proteção antifogo natural, como a cortiça das árvores do Cerrado, o ar seco, ventos circulando e soprando sem obstáculos  pela mata adentro, facilita que as linhas de fogo marchem, sem resistência e implacáveis, como as mortais fileiras de centúrias romanas. “ Tal fenômeno explica o risco que correm tanto os moradores da região quanto o Patrimônio Nacional Histórico, de importância histórica mundial.

 

O Parque da Serra da Capivara, criado em 1979,  é patrimônio mundial da Unesco. Reúne 172 sítios arqueológicos, além de pinturas rupestres dos povos mais antigos das Américas, também possui esqueletos humanos e animais. No parque também estão o Museu do Homem Americano, que apresenta em sua exposição o crânio de Zuzu, considerado o mais antigo do Brasil, com cerca de 12 mil anos, e o Museu da Natureza, com exposição de esqueletos e réplicas de animais pré-históricos encontrados na região

 

Ainda sobre medidas de atuação da gestão pública e dos próprios moradores, Alcide afirma: ``Tanto para medidas contra a fome quanto aquelas contra o fogo, há pressa e necessidade de planejamento. Isso não combina com gestão pública, incapaz de se antecipar a uma tragédia anualmente anunciada. Sinais de fogo e fumaça no horizonte da Caatinga, ao final de agosto e já no começo de setembro, são tão previsíveis quanto fogueira apache nos  filmes de faroeste americano”

 

O ambientalista ainda defende a adoção de medidas preventivas como a educação ambiental teórica e prática para os moradores e agricultores da região como forma de conscientização sobre a vegetação e a importância do manejo consciente do solo e da vegetação.

Ele também aponta a importância dos aceiros, largas faixas de terra sem plantas, no entorno do parque e povoados, das Brigadas Voluntárias e Civis de Combate e Prevenção a incêndios, com o envolvimento da população e o investimentos em equipamentos, treinamentos e poder de mobilização política.

As prefeituras deveriam ter uma Central de Monitoramento de Incêndios Municipal, pois a partir do  monitoramento local, as áreas mais críticas e com ocorrências recorrentes podem ser mapeadas e a atualização das informações mantidas, através de  boletins e avisos em emissoras de rádios.

Alcide Filho também sugere a criação de uma Rede Social Contra o Fogo, com informação dinâmica como suporte para incentivar o envolvimento social e contribuir para o sentimento de corresponsabilidade com o patrimônio arqueológico e a biodiversidade da caatinga. 

No dia 8, a prefeitura de São Raimundo Nonato notificou em sua página do Instagram que “ O combate aos incêndios nesta região é extremamente difícil, com poucos acessos pela estrada, além do enorme volume de grande vegetação seca. O vento mais forte durante o dia também dificulta o trabalho, o fogo tem maior facilidade de propagação".

A força-tarefa com aproximadamente 20 homens do Prevfogo seguem no combate às chamas.

O humorista piauiense Whindersson Nunes também se pronunciou em suas redes sociais sobre a situação de risco sofrida pelo Parque Nacional Serra da Capivara ."Deixa isso acontecer na Serra da Capivara não, gente, por favor. Esse fogo é perto dos fósseis mais antigos das Américas, vcs sabem que a gente não consegue controlar um fogo num museu numa capital, imagina assim isolado" referindo-se  ao incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2018.

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Sem conseguir vender e com alta no desemprego, vendedores ambulantes se desdobram para driblar fiscalização e seguir trabalhando nas estações de trens e metrô.
por
Guilherme Dias e Inara Novaes
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01/07/2021 - 12h

Por Inara Novaes e Guilherme Dias

 

Às 4h20min da manhã, o sol sequer deu os seus primeiros sinais e os trabalhadores e trabalhadoras da zona oeste de São Paulo já travam a sua primeira batalha diária, disputando um assento entre a avalanche de pessoas que embarca no trem. Minutos depois, aqueles que permanecem em pé, buscam nas paredes uma última oportunidade de se escorar durante a longa e exaustiva viagem. Com o passar das estações, os vagões vão se enchendo de melancolia.

Junto dos passageiros, outros personagens passam a preencher os vagões do trem. Ao fundo, algumas vozes um pouco mais exaltadas começam a ecoar de uma extremidade a outra, anunciando a chegada dos marreteiros. Suas falas irrompem o silêncio e calam os avisos que difamam e criminalizam sua existência. Sempre atentos a qualquer movimentação suspeita, eles dão início às vendas.

Distante da definição encontrada no dicionário de Oxford Language, em que marreteiros são aqueles que marretam brocas para abrir câmaras de mina em pedreiras. Em São Paulo, marreteiros são os ambulantes que procuram nos trens e estações de metrô uma fonte de subsistência. Uma, dentre essas centenas de pessoas, é a jovem Luana Cherry, de 24 anos, que trabalha na linha oito (diamante), cruzando a cidade, de Osasco, até a Julio Prestes, no centro de São Paulo.

A vida de marreteira de Luana começou ainda na infância. Com dez anos ela já circulava de estação em estação, vendendo doces e salgadinhos, para ajudar a família. Desde então, pouco mais de uma década se passou, a jovem já trabalhou "registrada em carteira", mas apenas para serviços temporários -  sempre que o contrato encerrava, era para os trens que ela retornava - o seu último emprego, entretanto, foi em 2018, pouco antes de engravidar e tornar-se mãe do Guilherme Ricardo, que nasceu em meio à pandemia e acaba de completar um aninho.

Anteriormente, a jovem acordava às 6h00min, às 8h00min já embarcava no primeiro trem e o dia só terminava por volta das 21h00min, com a sacola de doces e salgadinhos completamente vazia; mas, hoje, tudo tornou-se mais difícil, os vagões estão sempre escoltados e Luana se viu obrigada a decorar o horário de almoço e a troca de plantão dos guardas, às 19 horas, para conseguir trabalhar.  

Então, todos os dias, ela acorda, toma café da manhã e às 11h40min espera uma oportunidade de pegar o primeiro trem livre de escolta; às 14h00min, a tranquilidade se encerra e os seguranças retornam do almoço e é somente no intervalo entre às 19h00min e às 20h00min, que ela encontra outro trem sossegado para trabalhar. É assim desde o início da pandemia: são raros os dias que se encerram de sacola vazia.

Luana, como todos os marreteiros, precisa se desdobrar para não cruzar o caminho dos seguranças, mas quando o assunto são os passageiros, ela enfrenta alguns desafios específicos por ser mulher: muitos a julgam, a xingam e se atrevem a assediá-la e tocá-la sem permissão, acham que o seu corpo é tão público quanto o chão do transporte que pisam. Ela diz que no começo, quando era apenas uma garota de dez anos, era muito difícil, pois não sabia lidar muito bem com isso, mas com o passar dos anos foi apenas se adaptando. 

A poucos quilômetros de Luana, no município de Jandira, mora o marreteiro Diogo Marciano, de 26 anos. Ele começou a trabalhar no trem a convite de um amigo, porque estava desempregado, e desde então já se passaram três anos. Sua rotina começa às 5h00min da manhã e só termina às 18h00min, para, no fim do mês, trabalhando 12h00min todos os dias, conseguir faturar pouco mais de um salário mínimo com a venda de aparelhos eletrônicos nas estações de metrô.

Embora Diogo diga que é tímido e não sabe se expressar muito bem, quando é perguntado sobre o relacionamento com os seguranças contratados pela CPTM, ele não exita em dizer que essa é definitivamente uma das maiores dificuldades em ser marreteiro: lidar com a hostilidade dos "guardinhas" que, muitas vezes, oprimem e, não satisfeitos, ainda agridem os ambulantes. Na memória, ele resgata uma violência que sofreu anos atrás, quando foi surpreendido por seguranças à paisana.

Já sofri várias opressões e vivenciei muitos colegas sofrendo opressão. Na maioria das vezes acontece assim, porque eles são pagos para isso, para fazer a fiscalização da estação, tal, e também está na lei que não pode vender nos trens e estações. Então, eles [os guardas] precisam pegar no flagrante, ou seja, se ele pegou a pessoa ali vendendo, ele vai fazer o trabalho ali, naquele momento. 

Mas, às vezes, a maioria leva para o pessoal, por exemplo, eu moro em Jandira, eu pego a passagem de Jandira com minha mercadoria guardada na bolsa, de imediato eu não vou trabalhar, vou ver como que está o movimento, eu posso entrar no trem e não trabalhar, fica de canto, de boa; porém, como os guardas conhecem a gente e a gente conhece eles, eles não dão tempo nem da gente começar a trabalhar. Isso não é flagra, eu vejo isso como pessoal. Só de olhar para a pessoa, ele assume que aquela pessoa é marreteira. Muitos não aguentam isso. Esse tipo de trabalho é errado, o trabalho deles é pegar em flagrante, mas quanto mais se discute, mais se cobra, mas oprimido nós somos. 

Comigo, aconteceu quando eu estava trabalhando e, até aí tudo bem, os guardas correram atrás de mim e eu consegui escapar, corri para a linha e acabei fugindo. Nesse dia, eu perdi minha maquininha e eles pegaram minha maquininha e mandaram eu ir buscar, porém eu não podia buscar para não perder minha mercadoria. Então, deixei minha maquininha para lá. Eu cometi o erro de xingar eles e quando eu estava fora da estação tinham dois guardas à paisana, fora do posto deles, eles me pegaram a força e me levaram de volta para a estação e lá dentro, foi na estação Presidente Altino, eles me levaram para o pátio e me bateram e eu não pude fazer nada.

Imagem de capa: Governo do estado de São Paulo
Edição: Inara

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No último dia 19, o Brasil ultrapassou a trágica marca de 500 mil mortes por Covid-19. Na mesma data, milhões de pessoas foram às ruas reivindicar o impeachment do Bolsonaro.
por
Guilherme Dias e Inara Novaes
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29/06/2021 - 12h
Manifestação
Mulher participa da última manifestação, dia 19 de junho, na Avenida Paulista/ Imagem: Everson Verdião

 

Por Inara Novaes e Guilherme Dias

 

Especialistas estimam que a cada pessoa que morre, no mínimo, outras seis, vivem intensamente a dor do luto: são amigos próximos e familiares que são atingidos de raspão pelo vírus, mas estilhaçados por inteiro no peito. Em Santa Catarina, por exemplo, uma dona de casa aposentada perdeu uma de suas filhas mais novas e, antes mesmo que a ferida cicatrizasse, ela se viu enterrando o marido e outros quatro filhos num intervalo de apenas 39 dias. No Ceará, o drama se repete e um estudante de direito perde seis familiares em pouco mais de um mês. Primeiro, a avó materna; depois, o tio avô; e em sequência, um primo e três tias - as duas últimas na mesma madrugada. 

Por mais dolorosas que sejam, não é difícil encontrar histórias parecidas com essas em meio ao mar de gente que ocupou as ruas, praças e avenidas do país, nos últimos meses, para manifestar contra o Governo Bolsonaro. Na Avenida Paulista, em São Paulo, por exemplo, 750 mil pessoas reuniram-se no dia 19 de junho. Eram mães, esposas e filhos que perderam entes queridos para uma doença cuja vacina já existe, mas foi recusada diversas vezes pelo presidente.

Uma pesquisa apresentada recentemente por Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Brasil, na CPI da Covid-19, aponta que somente no primeiro ano de pandemia, 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas se políticas públicas adequadas fossem adotadas. Na mesma ocasião, o epidemiologista Pedro Hallal, que lidera um estudo da Universidade Federal de Pelotas, mencionou que 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas se medidas mais rígidas fossem implementadas pelas autoridades brasileiras que, em vez disso, preferiram encarar a pandemia com desprezo e negação.

Hoje, o Brasil tornou-se  o segundo país com mais casos e mortes por Covid-19, atrás somente dos Estados Unidos. Por isso, manifestantes se articularam para ir às ruas no dia 29 de maio e 19 de junho, reivindicando o impeachment de Bolsonaro, na esperança de que sua queda interrompa a espiral de mortes que cresce a cada dia mais. Confira a seguir, o depoimento de alguns deles.


"Quero que Bolsonaro caia, Mourão também, esse governo, seus ministros e aliados"

Everson Verdião

"Vou tentar responder rápido sem elaborar demais. Embora seja difícil, são muitas questões diretas e indiretas que estamos refletindo desde a campanha do atual presidente, que, vale dizer, sempre fui oposição; pelo fato desse homem não me representar nem de longe, nem quem me cerca e muito menos nossos desejos de mundo. É preciso reafirmar que existe sim uma necropolítica nos governando para o caos total, pautado no capitalismo violento e contra a vida de tudo que não se enquadre na cerquinha cristã, moralista, falsa, burguesa, branca, machista.

Vou às manifestações por ser pobre, por ser negro, por ser artista, por acreditar no caminho de transição socialista-comunista, por acreditar na vida, no amor, na arte, no prazer, todo poder ao povo. Por acreditar que a micro política em casa, família, amigues, tem muito poder mas também tem limite, é preciso se organizar e não se calar em situações de violência, as manifestações instigadas pela esquerda radical no país tem uma potência incrível do coletivo ficar mais forte e consciente.

É muito triste o que estamos vivendo, não dá mesmo pra ficar "de boas", estamos em guerra, parece até dramático falar isso mas se analisar bem sempre estivemos, mas essa batalha de agora nos destrói demais, nos faz voltar no tempo de um jeito muito negativo. É preciso lutar sim, entendendo e respeitando os cuidados com a saúde de cada um também, quem não vai pra rua pode sim movimentar outros espaços, inclusive virtuais.

Eu sou de Olinda, já participei de algumas manifestações em Pernambuco, no Rio de Janeiro e agora em São Paulo. Posso dizer que a sensação mais forte em mim é a de coletividade, de vibrar junto por o que acreditamos, de realinhar esses desejos e, também, de soltar alguns gritos de angústia, faz bem, é terapêutico depois de absorver tanta coisa desse governo ir pra rua e soltar é o mínimo! O último, 19J foi a coisa mais forte dos últimos anos, de vibração coletiva e mês que vem tem mais.

Estamos cada vez mais nos organizando e eu desejo cada vez mais a descriminalização ideológica do comunismo, mais pessoas se informando e se identificando enquanto socialista e buscando compreender o que deseja uma sociedade com princípios comunistas, sabendo que o Brasil é um país diferente de outros e que podemos sim construir esse lugar que dizem utópico, mas sim, é utopia mesmo que precisamos.

Quero que Bolsonaro caia, Mourão também, esse governo, seus ministros e aliados. Quero que isso aconteça antes da eleição 2022. Bolsonaro na cadeia".

 

Everson Verdião
Everson Verdião, artista, de 29 anos, está de camiseta azul/ Imagem: Raul de Lima.

 




"Estar nas manifestações e ver que existem pessoas procurando pela mesma mudança que eu, me dá uma pitada de esperança".

Gabryelle Pereira

"A minha maior motivação para ir às manifestações é sentir que eu tô fazendo alguma coisa para que a situação mude. Eu fico muito desanimada quando vejo a conjuntura que a gente vive e como tem tanta gente morrendo, seja por essa doença ou por outras coisas, e as pessoas que são responsáveis por isso não são responsabilizadas, sabe? Então, o que me motiva é essa sensação de poder fazer alguma coisa, de pelo menos estar lá, gritando, abrindo os pulmões por justiça.

No meio da pandemia é complicado. Realmente dá medo, mas eu acredito muito que pode acontecer uma mudança a partir daí, pode ser que ela seja rápida, pode ser que demore um tempo; mas, para mim, é muito importante ter esse espaço para expor minha indignação e eu me sinto muito contemplada - não sei se é muito bem essa palavra - mas estar presente nesses atos faz com que eu sinta que estou fazendo alguma coisa. Eu sei que a política vai muito além de manifestações, há todo um trabalho de base que precisa ser desenvolvido, mas estar lá nas manifestações e ver que existem pessoas procurando pela mesma mudança que eu, me dá uma pitada de esperança, eu me sinto mais animada. Sinto uma certa perspectiva de futuro, sabe? As coisas podem ser melhores e nada está tão perdido.

Para mim, pelo menos, o que é mais palpável através dos protestos é essa questão de abrir os olhos das pessoas. Talvez não tenha o resultado efetivo que a gente busca, que é a queda do governo, mas eu acho que se a gente conseguir mobilizar as pessoas e conseguir fazer com que o proletariado, a galera pobre de periferia entenda que a opinião dela, o voto dela é importante, acho que isso já vai mudar bastante o cenário pensando nas eleições do ano que vem. É isso mais que eu espero, muito mais do que a queda do Bolsonaro e de todo governo, é mais esse trabalho de base mesmo. Que exista uma mobilização popular, nas ruas ou não, mas que possa fazer com que as pessoas tenham um olhar mais crítico sobre a política e entendam que ela não se faz só de quatro em quatro anos". 

 

Gabryelle
Gabryelle Pereira, produtora audiovisual, 25 anos/ Imagem: Ale Menezes

 

 


 

"As manifestações de rua têm o poder de elevar a voz do povo"

Ana Carolina Migliora

 

"Eu sou militante organizada, o que me ajuda a ter uma noção maior do que a gente tá vivendo. Muitas pessoas têm medo de ir às ruas, por conta do vírus e isso é muito válido, mas no momento eu vou às ruas (vacinada da primeira dose), porque entendo que o governo é mais perigoso para nossa população do que o próprio vírus. 

Como sou grupo de risco alto por conta de uma questão de doença crônica, só fui a ato depois de vacinada, então o primeiro (desde o início da pandemia) foi o do dia 19 de junho, mas eu vejo que as manifestações de rua têm o poder de elevar a voz do povo e o que eu realmente espero que através das ruas se concretize a queda do governo Bolsonaro". 

 

Ana
Ana Carolina Migliora, ilustradora digital, 24 anos, à esquerda/ Imagens: Yasmin Guastini
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