Voluntários se reúnem quinzenalmente para apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade na capital paulista
por
FABIANA CAMINHA
JOÃO VICTOR ESPOSO GUIMARÃES
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25/09/2025 - 12h

Domingo, 7h da manhã. Enquanto a cidade ainda desperta, a fila já contorna os fundos do Shopping da Lapa, zona oeste de São Paulo. Essa cena se repete a cada 15 dias. Antes mesmo da chegada dos voluntários do Ondas de Amor, quem deseja receber os kits já sabe onde se posicionar. Pessoas com mobilidade reduzida são prioridade. Todos aguardam organizados quando chega o primeiro carro carregado com os itens que serão distribuídos. 

 

Pessoas em situação de vulnerabilidade formam fila para receber kits entregues por voluntários na Lapa
Pessoas em situação de vulnerabilidade formam fila para receber kits entregues por voluntários na Lapa. ​​​​Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

Criado em 2019, o grupo distribui, a cada ação, cerca de 180 kits de café da manhã, além de água e itens de higiene, como sabonetes, absorventes e papel higiênico. Ocasionalmente, também são oferecidos produtos adicionais, como escovas e pasta de dente, aparelhos de barbear e desodorantes.

Em dias frios, a entrega inclui cobertores e toucas de lã. Além de suprir necessidades básicas, a iniciativa oferece também mensagens de acolhimento inspiradas na doutrina espírita a quem quiser ouvir.

A ideia nasceu de uma dinâmica com adolescentes em um centro espírita da Vila Romana, bairro da zona oeste. Desafiados a elaborar um projeto de caridade, os jovens sugeriram o nome Ondas de Amor e propuseram oferecer não apenas alimentos básicos, mas itens que consideravam “gostosos”, como sanduíches, bolachas recheadas, doces e achocolatado. O projeto não foi adiante com os adolescentes, mas duas das educadoras, Marildes Esposo e Valéria Vareta, decidiram colocá-lo em prática.

No início, as limitações eram grandes. Somente cerca de 20 kits eram distribuídos, por falta de recursos e voluntários. Com o tempo, a ação ganhou força. Nem mesmo a pandemia interrompeu o trabalho. Com adaptações, máscaras, luvas e distanciamento, o Ondas manteve as distribuições em um período em que a vulnerabilidade de quem vive nas ruas se agravou.

 

Voluntários incluem mensagens de fé junto com os kits distribuídos.
Voluntários incluem mensagens de fé junto com os kits distribuídos. Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

Hoje, aproximadamente 130 kits são entregues na Lapa e o restante é oferecido nos arredores da Avenida General Olímpio da Silveira, sob o Minhocão. Nessa segunda etapa, os voluntários percorrem as barracas, chamando as pessoas pelo nome e demonstrando os vínculos construídos ao longo dos últimos anos.

O senhor José, em situação de rua, é um exemplo dessa relação. Há anos recebe os kits do grupo sob o viaduto e, a pedido dele, o projeto passou a incluir livros, dispostos de forma acessível a qualquer interessado. Sempre que possível, são distribuídos sacos de rações para animais e quando há doações de roupas e calçados, esses itens também são entregues a quem precisar.

Livros doados são organizados para distribuição durante a ação voluntária.
Livros doados são organizados para distribuição durante a ação voluntária. Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

Mas a atuação do grupo vai além da entrega de alimentos, livros e vestimentas. Em alguns casos, é possível fazer uma diferença ainda maior, como no de Ana, que vivia em uma barraca sob o Minhocão quando os voluntários perceberam que estava grávida.

Com sua permissão, Marildes, Eloisa Cestari e Márcia Aoki, outras colaboradoras do projeto, se mobilizaram para garantir o acompanhamento médico de Ana. Desde então, ela passou a viver na Associação Amparo Maternal, centro de acolhida para gestantes, mães e bebês apoiado pela Prefeitura de São Paulo.

O caso evidencia como a iniciativa pode transformar vidas, especialmente quando atua em parceria com outras instituições. Segundo Marildes, o projeto busca ir ainda mais longe. “Nosso sonho é criar uma rede de apoio que nos permita ampliar e qualificar o acolhimento dos que precisem desse tipo de ajuda”, afirma.

Uma operação com um impacto tão grande exige um esforço quase proporcional. A preparação para o domingo começa cerca de uma semana antes. Alguns voluntários cuidam das compras, outros montam os lanches e organizam as sacolas. Atualmente, cerca de 20 pessoas atuam diretamente na logística para que tudo esteja pronto no dia da ação, além daqueles que contribuem indiretamente com doações e apoio financeiro. 

Alimentos e produtos de higiene compõem os kits distribuídos por voluntários.
Alimentos e produtos de higiene compõem os kits distribuídos por voluntários. Foto: João Victor Esposo Guimarães/Agemt

“O trabalho voluntário é isso, é dar e fazer o que é possível, mesmo que sejam 10 minutos na ação ou 10 reais doados.”  afirma Marildes, que reforça a importância do esforço coletivo. É possível encontrar mais detalhes sobre o trabalho do grupo e outras formas de contribuir com o projeto no site https://ondasdeamor.com.br/social 

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Maior evento europeu do setor continua na rota por novidades eletricas e mais concorrência a cada ano
por
Vítor Nhoatto
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22/09/2025 - 12h

Ocorrido entre os dias 9 e 14 de setembro, o IAA Mobility recebeu mais de 500 mil visitantes, superando a sua última edição em 2023. Estiveram presentes as germânicas Audi, BMW, Mercedes, Opel, Porsche e Volkswagen, mas Fiat, Peugeot e nenhuma japonesa compareceu. Com isso, mais uma vez uma grande parte de Munique foi palco para as chinesas se consolidarem e expandirem.

Com o lema “It’s all About Mobility”, em tradução livre, “É Tudo Sobre Mobilidade”, o foco da mostra se manteve em soluções inteligentes e inovadoras. Startups como a Linktour com  seus micro carros elétricos, e marcas de bicicletas e motocicletas elétricas estavam por todos os lados do München Expo Center. E repetindo o formato aplicado desde 2021, com o chamado “Open Space”, uma área de experiências interativas gratuitas ao ar livre, os visitantes podiam experimentar tudo isso.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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 Além disso, a inovação tecnológica foi tema de muitos debates e coletivas de imprensa com representantes da indústria. Fornecedoras como a Bosch, Aisin e Revolt, além de empresas de carregadores como a Charge X e E-Mobilio e a gigante de baterias CATL foram só alguns dos mais de 750 expositores presentes. 

Setor premium atento

Falando em eletricidade, ela estava no centro das atenções de todas as marcas, apesar das vendas de carros elétricos (BEV) terem sido prejudicada na Europa no ano passado. O fim ou diminuição de subsídios governamentais e metas de descarbonização estagnadas na União Europeia foram os principais motivos segundo o Global EV Outlook 2025 da International Energy Agency (IEA). No entanto, as projeções para esse ano e os próximos são de crescimento.

De olho nisso a BMW lançou o novo iX3, modelo mais importante em anos ao inaugurar uma nova era para a alemã. A segunda geração do modelo estreia uma plataforma sob medida e exclusiva para elétricos de nova geração, chamada de Neue Klasse. O destaque fica com a nova bateria de 108.7kWh de capacidade integrada ao chassi, compatível com carregamento ultrarrápido de até 800V - ganha 372km em apenas dez minutos - e autonomia de 805km em uma carga segundo o ciclo WLTP. 

No quesito design a ruptura com o passado é ainda mais evidente, com uma nova linguagem visual, inspirado nos modelos da BMW dos anos 80. No interior foi inaugurado o Panoramic iDrive, com o painel de instrumentos correndo ao longo de todo o para-brisa, um novo volante de quatro raios e um multimídia com inteligência artificial de 17,5 polegadas. “A Neue Klasse é o nosso maior projeto futuro e marca um grande salto em termos de tecnologias, experiência de condução e design”, frisou o presidente do conselho de administração da marca, Oliver Zipse.

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Alemã aproveitou o evento para apresentar o futuro Sedan i3, que seguirá o capítulo iniciado pelo SUV iX3,  irmão de plataforma. Foto: BMW Group / Divulgação 

Do outro lado do pavilhão, a Mercedes-Benz fez um movimento parecido, lançando a segunda geração do GLC elétrico. O modelo foi o primeiro elétrico da marca, ainda em 2018 como EQC. Mas pelas vendas baixas havia sido descontinuado no ano passado, e agora retorna com o nome “GLC With EQ Technology”, para evidenciar as mudanças. Rival direto do iX3, segue a linguagem de design inaugurada no novo CLA no ano passado, aqui com uma grade iluminada e enormemente proeminente.

Construído sob a inédita plataforma elétrica MB.EA Medium, independente do GLC, a combustão portanto, possui carregamento de até 800V e uma bateria de 94kWh, traduzidos em 713 km de autonomia. No interior, o SUV inaugura o “Hyperscreen”, transformando o painel inteiro em uma tela de 39.1 polegadas. O interior pode ser todo vegano e certificado, e a comunicação Car-to-X - que coleta e envia dados para comunicar outros veículos - se destaca no quesito segurança. O preço inicial deve girar em €60 mil quando chegar às lojas ainda esse ano, tal qual o rival.

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Faróis possuem tecnologia Matrix, e sob o capô há um espaço de 128 litros para bagagens. Foto: Mercedes-Benz / Reprodução

Mas nem só de SUVs o mercado premium é formado, e a Polestar compareceu a Munique para o lançamento mundial do seu novo modelo de topo, o sedã 5. A marca do grupo Geely, divisão de performance da Volvo até 2017, aposta em sustentabilidade e alta performance, estreando a nova plataforma PPA do grupo. São 872 cavalos, tração integral, aceleração de 0 a 100 em 3,2 segundos e ausência de janela traseira, tal qual no crossover 4.

Um presente e futuro elétrico

Nas duas últimas edições do Salão de Munique, ambientalistas protestaram em frente ao evento em defesa de uma mudança sistêmica da indústria, o que se repetiu. As ONGs Extinction Rebellion e Attac levaram placas pedindo por mais investimento em transporte público e justiça social, jogando atenção para uma mentalidade individualista e o preço dos elétricos. 

Em relação a essa questão, um estudo da empresa de consultoria, Gartner, mostra que até 2027 os BEVs serão mais baratos de produzir que os carros a combustão (ICEVs), e o Grupo Volkswagen promete preços competitivos para sua nova geração de elétricos. 

Foram revelados no evento quatro modelos para o segmento B baseados na plataforma MEB Entry do conglomerado. O principal deles foi o ID.Polo da Volkswagen, com previsão de início de vendas em maio na casa dos € 25 mil. Como o seu nome sugere, é a versão elétrica do hatch Polo, e contará com baterias de 38 e 56 kWh, com uma autonomia de 350 e 450 km respectivamente. Uma versão GTI do modelo será também comercializada, com 223 cavalos.

Continuando o apelo esportivo que a versão encurtada da plataforma em que os modelos do segmento C, ID.3 e ID.4, são construídos, a espanhola Cupra mostrou a versão de produção do Raval. Com dimensões e motorizações basicamente iguais às do ID.Polo, promete continuar a expansão da nova marca do grupo, antigamente uma divisão de performance da Seat.

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Cupra Raval, ID.Polo e ID.Polo GTI  (direita) serão lançados em março do ano que vem, enquanto os SUVs Epiq e ID.Cross (esquerda) chegarão no segundo semestre. Foto: Volkswagen AG / Divulgação

Como era de se esperar pela relação do Polo com o T-Cross, sua versão SUV, o conceito ID.Cross foi mostrado. Com o mesmo tamanho do modelo que substituirá em 2026, integra o segmento disputado dos B-SUV elétricos, formado por nomes como Peugeot e-2008, Renault 4 e Volvo EX30. Focando em espaço e ergonomia, marca a volta de botões físicos no volante e do ar condicionado, além de um maior uso de materiais reciclados. 

Por fim, a Skoda apresentou a sua versão do SUV, denominada Epiq. Tal qual os irmãos de plataforma, será construído em Pamplona, na Espanha, e contará com a capacidade de carregar dispositivos externos como eletrodomésticos (V2L). A velocidade de carregamento é de até 125 kW, indo de 10% a 80% em 20 minutos, e o modelo estreará uma nova identidade visual para a tcheca no ano que vem.

Ascensão chinesa continua 

Aprofundando essa questão dos preços, são as marcas chinesas que se destacam globalmente, como destaca a IEA. Com grandes reservas dos minérios utilizados nas baterias, as fábricas para construí-las e anos de investimento estatal na tecnologia, seguiram com sua expansão em solo alemão. 

A BYD, maior marca chinesa em números, marcou presença com o recém lançado Dolphin Surf - a versão europeia do Dolphin Mini. Avaliado com cinco estrelas pelo Euro NCAP, é um dos BEVs mais baratos hoje à venda na Europa, custando cerca de € 20 mil. No campo dos híbridos plug-in (PHEV) a Station Wagon do segmento D, Sealion 06, foi lançada, focada em conforto e tecnologia com até 1.092 km de autonomia combinada.

Outra marca com novidades foi a Leapmotor, que já vende o hatch subcompacto T03 e o D-SUV C10 no continente, de lançamento marcado para o Brasil ainda em 2025. Pertencendo 20% à Stellantis, que controla a sua operação internacional, apresentou o inédito hatch B05, rival de Volkswagen ID.3 e BYD Dolphin. Sob a mesma plataforma do C-SUV B10, terá cerca de 400 km de autonomia e início de vendas para o ano que vem por cerca de € 30 mil.

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"O B05 (direita) reflete nosso compromisso com a inovação, acessibilidade e a capacitação da próxima geração de motoristas em toda a Europa e além", declarou o CEO global da marca, Zhu Jiangming. Foto: Leapmotor / Divulgação

Munique foi para além de um lugar de novos modelos, mais uma vez o palco de marcas inteiras debutando em solo europeu. A marca AITO, do grupo Seres, que usa a tecnologia da Huawei, se lançou no mercado internacional com os SUVs 9, 7 e 5. Mirando as marcas premium alemãs nos segmentos E e D, podem ser tanto BEVs ou elétricos com extensor de autonomia (REEV), repetindo a abordagem da Leapmotor com o C10.

O grupo Changan Auto iniciou as operações da sua marca Deepal com os SUVs de apelo jovem e esportivo S05 e S07, ambos com opções de serem elétricos ou PHEVs. No campo de luxo, a marca Avatr da gigante chinesa mostrou seu primeiro concept car, o Xpectra, além dos modelos 06, 07 e 12, já comercializados em alguns países europeus e com planos de chegarem a 50 mercados em breve.

A premium Hongqi esteve presente e revelou o C-SUV elétrico EHS5, além de anunciar planos de expansão com 15 modelos e 200 pontos de venda pela Europa nos próximos anos. E aumentando a sua aposta no evento, a Xpeng teve um stand dentro do pavilhão e apresentou a nova geração do P7, sedã que começou a ser comercializado na Europa no IAA Mobility 2023.

Além disso, a recém chegada ao Brasil, GAC, estreou no velho continente levando cinco modelos para a mostra. Seguindo com o “European Plan Market” anunciado no ano passado, lançou como modelos de topo o novo GS7, um SUV grande híbrido plug-in, e a MPV híbrida (HEV) E9. Mas os destaques da marca foram o hatch AION UT, rival de BYD Dolphin, e o D-SUV rival de Tesla Model Y, o AION V.

O primeiro possui bateria de 60 kW/h com 430 km de autonomia e previsão de início da comercialização em 2026 na casa dos € 30 mil. Já para o segundo, comercializado no Brasil por R$214.990, o preço de € 35.990 foi anunciado, muito competitivo para o segmento. Com 510km de autonomia e cinco estrelas no teste do Euro NCAP - com mais ADAS que o brasileiro - será o primeiro a chegar às lojas, já em setembro em mercados como Portugal, Finlândia e Polônia. O plano é que a marca venda em todos os países europeus até 2028.

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Estava ainda em Munique o carro elétrico voador GOVI AirCab (ao fundo) buscando mostrar os avanços da indústria chinesa, segundo a empresa. Foto: GAC Group / Divulgação

Eletrificação em todos os níveis 

Para além das novatas, ícones do mercado aproveitaram os holofotes da feira para se renovarem completamente. Esse foi o caso da única francesa presente, a Renault, que lançou a sexta geração do hatch Clio, o segundo carro mais vendido no continente em 2024.

Construído sob a mesma plataforma que o seu predecessor, mantém o motor 1.2 TCe e uma opção movida a GPL, mas as semelhanças acabam por aqui. No powertrain, estreia um novo sistema full-hybrid (HEV) formado por um motor 1.8 e dois elétricos, resultando em 160 cavalos e modo de condução elétrico na cidade. Conforme a estratégia da marca, o Clio não terá versão elétrica, papel delegado ao hatch de estilo retrô, o 5.

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Hatch cresceu 6 centímetros em comprimento, evocando uma silhueta mais esportiva e afilada. Foto: Renault Group / Divulgação

No quesito design, o carro rompe por inteiro com a geração anterior, o oposto do que havia acontecido com a quinta geração em relação à quarta. A frente ostenta uma nova assinatura em DRL, que forma o símbolo da Renault, e a traseira possui lanternas duplas, nunca vistas em um Clio. O interior é todo novo também em relação ao antecessor, mas com o mesmo layout e sistema operacional do Google do irmão elétrico 5.

A Volkswagen foi outra que debutou no IAA uma nova geração de um best-seller, o T-Roc. Em sua segunda encarnação, também não terá versões elétricas, sendo o último novo carro a combustão desenvolvido pela marca. Haverão pela primeira vez no SUV opções micro-híbridas (MHEV), já conhecidas dos irmãos de plataforma como o Golf e A3, além de um novo sistema HEV, com 134 e 168 cavalos. Não haverá, pelo menos por ora, versões PHEV, sendo o único modelo sob a MEB Evo sem essa possibilidade, no entanto.

Seu exterior é uma evolução da primeira geração, mantendo linhas semelhantes e o seu apelo descolado, descrito pela marca. As dimensões aumentaram, 12 centímetros em comprimento, chegando a 4.37 metros, o colocando alinhado a rivais como o Toyota CH-R e Mazda CX-30. Por dentro a abordagem continua, com telas maiores e mais itens de conectividade e segurança assistida, mas com uma disposição de elementos clássica, vista nos últimos Golf e Tiguan.

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Modelo construído em Portugal foi o quinto carro mais vendido na Europa no ano passado. Foto: Volkswagen Group / Divulgação

Concorrência de todos os lados

Além das chinesas em franca expansão nos últimos anos no continente, outras concorrentes vêm se destacando na corrida pelos elétricos principalmente. A coreana Kia compareceu ao evento e mostrou ao público os novos integrantes da família EV, o EV4 e o EV5. 

O primeiro é um hatch do segmento C, acompanhado de uma variante sedã. Já o último se trata de um modelo lançado em 2023 - inclusive a venda no Brasil desde o ano passado - mas que chega só agora à União Europeia como a versão elétrica do Sportage. Sua conterrânea e marca irmã também esteve em Munique com o Concept 3, prevendo o futuro Hyundai Ioniq 3, equivalente do EV4.

Mas nem só da Ásia as novidades chegam, com a primeira marca turca de automóveis elétricos, a Togg, debutando em solo alemão a sua ofensiva no continente europeu. Fundada em 2018 e com a primeira fábrica inaugurada em 2022, apresentou o C-SUV T10X e o sedã T10F ao público. A pré-venda dos modelos começará em 29 de setembro na Alemanha, e no ano que vem a empresa pretende iniciar seus trabalhos na França e Itália, com meta de ter até 2030 um milhão de veículos em toda a Europa.

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Preços ainda não foram divulgados, mas devem ficar em torno de € 40 mil tomando como base as cifras no mercado turco. Foto: Togg / Divulgação

Construídos sob uma plataforma elétrica, ambos receberam nota máxima no Euro NCAP recentemente, com mais de 9% de proteção para adultos e 80% nos ADAS. A respeito do desempenho, a bateria possui 88.5 kWh de capacidade, e autonomias de até 500 e 600 km para o SUV e o sedã respectivamente. 

“Nossos modelos proporcionam uma experiência de mobilidade voltada para o usuário e voltada para o futuro”, comentou Gürcan Karakaş, CEO da marca durante o evento. A marca anunciou ainda que trabalha no terceiro de cinco modelos que irá lançar até o fim da década, o B-SUV T8X. Karakaş finalizou destacando que prepara para introduzir baterias de pirofosfato de lítio (LFP), e que a indústria deve estar preparada para as mudanças e maior concorrência.

Deslocamento diário afeta qualidade de vida e desempenho profissional
por
João Luiz Freitas
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18/09/2025 - 12h

Muitas vezes se imagina que o desgaste mental de um trabalhador nasce apenas de pressões internas do ambiente corporativo. No entanto, ele pode começar muito antes, ainda no trajeto até o local de trabalho. Congestionamentos, longa espera entre um transporte público e outro, atrasos constantes e até mesmo a convivência com o estresse de outros passageiros são alguns dos fatores que tornam o percurso diário um desafio silencioso.

A psicóloga Sandra Oliveira de Freitas explica: “Podemos pensar na sensação de desumanização como se as pessoas fossem apenas mais um número dentro do sistema, o que afeta sua autoestima e a percepção de valor pessoal. É como se muitos acreditassem que, por serem trabalhadores, precisam aceitar situações desgastantes no transporte público”.

Esse sentimento, reforçado pela lógica de trabalhar para sobreviver, não apenas fragiliza a forma como os trabalhadores se enxergam na sociedade, como também influencia diretamente sua rotina. O esgotamento acumulado nos deslocamentos diários pode comprometer tanto a saúde mental quanto o desempenho no trabalho, tornando o desgaste uma extensão não tão evidente da jornada.

Freitas alerta ainda para os reflexos dentro dos ambientes de ofício: “A produtividade e as relações interpessoais no ambiente de trabalho podem ser impactadas diretamente. Quando o funcionário já chega cansado ou irritado, sua energia para se concentrar em tarefas simples diminui. Isso compromete também a criatividade, a motivação e a capacidade de colaborar com colegas”.

Esse cenário mostra que o problema vai além do transporte em si: ele expõe como a estrutura urbana e a forma de organização social interferem na vida de quem depende diariamente do transporte público.

A fisioterapeuta intensivista Laís Aparecida Silva, 27 anos, leva pelo menos duas horas para chegar ao hospital em que trabalha. Metade do percurso é feita no ônibus e a outra metade no metrô.  “É cansativo e imprevisível. Muitas vezes o transporte vem lotado, tem atrasos e preciso sair de casa bem mais cedo para não correr o risco de me atrasar. Às vezes até sinto que já começo o dia esgotada só pelo trajeto”, conta.

Trânsito congestionado na cidade de São Paulo
Trânsito congestionado nas de São Paulo — Foto: Chris Faga (Getty)

 

De acordo com uma pesquisa realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), usuários de transporte público gastaram em média  duas horas e 47 minutos por dia nos deslocamentos pela cidade em 2024.

O impacto vai além do tempo perdido nas conduções. Aparecida explica que o percurso interfere diretamente no desempenho de suas atividades profissionais: “Eu chego no trabalho já meio desgastada. Em alguns dias, parece que gasto a minha energia no transporte e não nas minhas atividades. Isso afeta meu rendimento, principalmente no começo do plantão”, afirma.

Mas o reflexo do trajeto diário não para no ambiente de trabalho. A fisioterapeuta relata que sua vida pessoal também acaba sendo atingida. “Chego em casa muitas vezes sem ânimo para sair, conversar ou brincar com meus familiares. O tempo que passo no trânsito poderia ser aproveitado com a minha família ou até para descansar melhor, realizar uma atividade física”, desabafa.

Para ela, melhorias estruturais no transporte público poderiam transformar a rotina de milhares de trabalhadores. “Gostaria que tivesse mais pontualidade, veículos em melhores condições e menos lotação. Isso já faria muita diferença. Também ajudaria se tivesse mais opções de linhas, para reduzir o tempo de deslocamento”, diz.

Como psicóloga, Sandra Oliveira de Freitas reforça que esse desgaste não pode ser ignorado e aponta algumas práticas que podem ajudar a reduzir o estresse no trajeto. “Ouvir músicas relaxantes, podcast, ler um livro ou até mesmo praticar exercícios de respiração. A respiração diafragmática ajuda. Pode parecer coisa simples, mas que ajuda, ajuda bastante”, afirma.

Segundo ela, é importante também prestar atenção ao corpo durante a viagem, evitando tensões acumuladas: “Às vezes você deixa o seu corpo tão tenso que não percebe. Perceber o quanto a sua mandíbula está travada, o quanto as suas costas estão pesadas e tentar dar uma relaxada”.

Plataforma do metrô lotada em São Paulo
Plataforma do metrô lotada em São Paulo - Foto: Marcelo Mora/G1

 

Além dos cuidados no trajeto, Freitas recomenda criar pequenos rituais antes e depois da jornada: tomar um café tranquilo, conversar com pessoas queridas, priorizar o sono e uma boa alimentação. Ela reforça, acima de tudo,  a importância da saúde mental.

“Eu sempre falo e indico: fazer terapia. Porque ajuda, e ajuda muito. O transporte público está deixando o trabalhador muito estressado, sim. Então, acredito que a terapia vai ajudar não só a lidar com esse transporte caótico, como [vai ser útil] para a sua vida no geral.”

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Último final de semana do evento ficou marcado por performances que misturaram passado, presente e futuro
por
Jessica Castro
Vítor Nhoatto
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16/09/2025 - 12h

A segunda edição do festival The Town se despediu de São Paulo com um resultado positivo e bastante barulho. Durante os dias 12, 13 e 14 de setembro, pisaram nos palcos do Autódromo de Interlagos nomes como Backstreet Boys, Mariah Carey, Ivete Sangalo e Katy Perry.

Realizado a cada dois anos em alternância ao irmão consolidado Rock In Rio, é organizado também pela Rock World, da família do empresário Gabriel Medina. Sua primeira realização foi em 2023, em uma aposta de tornar a cidade da música paulista, e preencher o intervalo de um ano do concorrente Lollapalooza.

Mais uma vez em setembro, grandes nomes do cenário nacional e internacional atraíram 420 mil pessoas durante cinco dias divididos em dois finais de semana. O número é menor que o da estreia, com 500 mil espectadores, mas ainda de acordo com a organizadora do evento, o impacto na cidade aumentou. Foram movimentados R$2,2 bilhões, aumento de 21% segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Após um primeiro final de semana marcado por uma apresentação imponente do rapper Travis Scott no sábado (6), único dia com ingressos esgotados, e um domingo (7) energético com o rock do Green Day, foi a vez do pop invadir a zona sul da capital. 

Os portões seguiram abrindo ao meio dia, tal qual o serviço de transporte expresso do festival. Além disso, as opções variadas de alimentação, com opções vegetarianas e veganas, banheiros bem sinalizados e muitas ativações dos patrocinadores foram pontos positivos. No entanto, a distância entre o palco secundário (The One) e o principal (Skyline), além da inclinação do terreno no último, continuaram provocando críticas.

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Segundo estudo da FGV, 177 mil litros de chope e 106 mil hambúrgueres foram consumidos nos 5 dias de evento - Foto: Live Marketing News / Reprodução

Sexta-feira (12)

Jason Derulo animou o público na noite de sexta com um espetáculo cheio de energia e coreografias impactantes. Em meio a hits como “Talk Dirty”, “Wiggle” e “Want to Want Me”, o cantor mesclou pop e R&B destacando sua potência vocal, além de entregar muito carisma e sensualidade durante a apresentação.

A noite, aquecida por Derulo, ganhou clima nostálgico com os Backstreet Boys, que transformaram o palco em uma viagem ao auge dos anos 90. Ao som de clássicos como “I Want It That Way” e “As Long As You Love Me”, a plateia virou um grande coral emocionado, enquanto as coreografias reforçavam a identidade da boyband. Três décadas depois, o grupo mostrou que ainda sabe comandar multidões com carisma e sintonia.

Com novo visual, Luísa Sonza enfrentou o frio paulista com um figurino ousado e um show cheio de atitude no Palco The One. Além dos próprios sucessos que a consagraram no pop, a cantora surpreendeu ao incluir releituras de clássicos da música brasileira, indo de “Louras Geladas”, do RPM, a uma homenagem emocionante a Rita Lee com “Amor e Sexo”. A mistura de hits atuais, performances coreografadas e referências à MPB agitou a platéia.

E completando a presença de potências nacionais, Pedro Sampaio fez uma apresentação histórica para o público e para si, alegando que gastou milhões para tudo acontecer. A banda Jota Quest acalentou corações nostálgicos, e nomes em ascensão no cenário do funk e rap como Duquesa e Keyblack agitaram a platéia. 

Sábado (13)

No sábado (13), o festival reuniu diferentes gerações da música, com encontros que alternaram festa, emoção e mais nostalgia. Ivete Sangalo levou a energia de um carnaval baiano para o The Town. Colorida, divertida e sempre próxima da multidão, fez do show uma festa ao ar livre, com direito a roda de samba e participação surpresa de ritmistas que incendiaram ainda mais a apresentação. O repertório, que atravessa gerações, transformou a noite em um daqueles encontros em que ninguém consegue ficar parado.

Mais íntimo e afetivo, Lionel Richie trouxe outro clima para a noite fria da cidade da música. Quando sentou ao piano para entoar “Hello”, parecia que o festival inteiro tinha parado para ouvi-lo. A emoção foi tanta que, dois dias depois, o cantor usou as redes sociais para agradecer pelo carinho recebido em São Paulo, declarando que ainda sentia o amor do público brasileiro.

A diva Mariah Carey apostou no glamour e em seu repertório de baladas imortais. A performance, embora marcada por certa distância, encontrou momentos de brilho quando dedicou uma música ao público brasileiro, gesto que foi recebido com emoção. Hits como “Hero” e “We Belong Together” reafirmaram o status da cantora como uma das maiores vozes do pop mundial.

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Vestindo as cores do Brasil, Mariah manteve seu estilo pleno, o que não foi positivo dessa vez - Foto: Ellen Artie

O festival também abriu espaço para outras vozes marcantes. Jessie J emocionou em um show acústico intimista, feito apesar de estar em tratamento contra um câncer de mama — e que acabou sendo o único da cantora na América do Sul após o cancelamento das demais datas na América do Norte e Europa. 

Glória Groove incendiou o público com sua potência performática e visual, enquanto Criolo trouxe poesia afiada e versos de impacto, lembrando a força política do rap. MC Livinho levou o funk a outro patamar e anunciou seu novo projeto de carreira em R&B. Péricles encerrou sua participação em clima caloroso de roda de samba, onde cada espectador parecia parte de um grande encontro entre amigos.

Domingo (14)

Com Joelma, o The Town se transformou em um baile popular de cores, brilhos e danças frenéticas. A cantora revisitou sucessos da época da banda Calypso e apresentou a força de sua carreira solo, mas também abriu espaço para artistas nortistas como Dona Onete, Gaby Amarantos e Zaynara. 

O gesto deu visibilidade a uma cena muitas vezes esquecida nos grandes festivais e reforçou sua identidade como representante da cultura amazônica. Com plateia recheada, a artista mostrou que a demanda é alta.

No início da noite, em um horário um pouco melhor que sua última apresentação no Rock In Rio, Ludmilla mobilizou milhares de pessoas no palco secundário. Atravessando hits de sua carreira como “Favela Chegou”, “É Hoje” e sucessos do Numanice, entregou presença de palco e coreografias sensuais. A carioca também surpreendeu a todos com a aparição da cantora estadunidense Victória Monet para a parceria “Cam Girl”.

Sem atrasos, às 20:30, foi a vez então de Camila Cabello levar ao palco o último show da C,XOXO tour. A performance da cubana foi marcada pelo seu carisma e declarações em português como “eu te amo Brasil” e “tenho uma relação muito especial com o Brasil [...] me sinto meio brasileira”. Hits do início de sua carreira solo animaram, como “Bad Kind Of Butterflies” e “Never Be The Same”, além de quase todas as faixas do seu último álbum de 2024, que dá nome à turnê, como “HE KNOWS” e “I LUV IT”. 

A performance potente e animada, que mesclou reggaeton e eletrônica, ainda contou com o funk “Tubarão Te Amo” e uma versão acapella de “Ai Se Eu Te Pego” de Michel Teló. Seguindo, logo após “Señorita”, parceria com o seu ex-namorado, Shawn Mendes, ela cantou “Bam Bam”, brincando com a plateia que aquela canção era para se livrar das pessoas negativas. Vestindo uma camiseta do Brasil e com uma bandeira, encerrou o show de uma hora e meia com “Havana”.

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Com coreografia, grande estrutura metálica e vocais potentes, Camila entregou um show de diva pop - Foto: Taba Querino / Estadão

Para encerrar o festival, Katy Perry trouxe espetáculo em grande escala, mas não deixou faltar momentos de intimidade. A apresentação iniciada pontualmente às 23h15 teve direito a pirotecnias, muitos efeitos especiais e um discurso emocionante da cantora sobre a importância de trazer sua turnê para a América do Sul. 

Em meio a cenários lúdicos, trocas de figurino e um repertório recheado de hits, Katy Perry chamou o fã André Bitencourt ao palco para cantarem juntos “The One That Got Away”, o que levou o público ao delírio. O show integrou a turnê The Lifetimes World Tour, e deixou a impressão de que a artista fez questão de entregar em São Paulo um dos capítulos mais completos dessa jornada.

No último dia, outros públicos foram contemplados também, com o colombiano J Balvin, dono de hits como “Mi Gente”, e uma atmosfera poderosa com IZA de cleópatra ocupando o palco principal no início da tarde. Dennis DJ agitou com funk no palco The One e, completando a proposta do festival de dar espaço a todos os ritmos e artistas, Belo e a Orquestra Sinfônica Heliópolis marcaram presença no palco Quebrada. 

A cidade da música em solo paulista entregou o que prometia, grandes estruturas e um line up potente, mas ainda segue construindo sua identidade e se aperfeiçoando. A terceira edição já foi inclusive confirmada para 2027 pelo prefeito Ricardo Nunes e a vice-presidente da Rock World, Roberta Medina em coletiva na segunda-feira (15).

Cooperativa é a grande responsável por reerguer a população da Vila Nossa Senhora Aparecida após tragédia climática, reafirmando a máxima do “povo pelo povo”
por
Cecília Schwengber Leite
Laura Petroucic
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10/09/2025 - 12h

Em junho de 2025, um ano após a enchente que assolou o Rio Grande do Sul em 2024, o bairro Sarandi – um dos mais afetados de Porto Alegre – se viu novamente sob ameaça de cheias. Um intenso volume de chuvas causou alagamentos, transbordamento de dois bueiros e elevou o nível de água no dique do bairro, preocupando os moradores traumatizados com a catástrofe do ano passado. 

Localizado na periferia da zona norte da capital gaúcha, o bairro Sarandi é um dos mais populosos e abriga algumas comunidades, chamadas pelos moradores de Vilas. Desde março deste ano, famílias em situação de desemprego ou baixa renda viviam um impasse com a prefeitura devido a necessidade de sua remoção das casas em que viviam para a reforma do dique rompido durante a enchente. Houve negociação, e as obras de reforço estão em andamento. 

Em julho de 2025, moradoras da Vila Nossa Senhora Aparecida, localizada em Sarandi, relataram a situação da comunidade e destacaram o papel significativo das cooperativas lideradas por Nelsa Nespolo para a restabilização dos seus habitantes. “Aqui foi o povo pelo povo”, afirma Leonilda Quadros, aposentada que teve a sua casa inundada durante a enchente. 

Nelsa Nespolo é diretora-presidente das cooperativas Univens e Justa Trama, referência em Economia Solidária (modelo econômico baseado na cooperação, autogestão e distribuição equitativa de lucros). Ambas as entidades, assim como o banco comunitário Justa Troca, dividem o mesmo endereço na Vila Nossa Senhora Aparecida e, durante e pós enchente, tiveram e vêm tendo papel fundamental e central na recuperação das famílias da comunidade. 

A Rede de Algodão Agroecológico Solidário Justa Trama é um projeto que envolve cinco estados brasileiros e 700 cooperados e cooperadas, entre agricultores, tecelões, artesãs e costureiras. Atualmente, é a maior cadeia produtiva brasileira de economia solidária no setor de confecção. No RS, uma parte importante deste projeto acontece na cooperativa de costureiras Univens. Nelsa destaca o papel da cooperativa no empoderamento e geração de renda para mulheres, muitas vezes já de meia idade e sem estudo. 

O banco comunitário Justa Troca faz parte da Associação de Moradores da Vila e tem como moeda social o Justo. Suas administradoras de cursos, Adriana Nunes, e financeiro, Andreia Padilha, contam que a iniciativa vem sendo fundamental para dar apoio às famílias e organizar a economia da comunidade. A iniciativa se mantém por meio de parcerias com institutos e principalmente com a UNISOL (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários), uma Organização da Sociedade Civil, sem fins lucrativos e de abrangência nacional. 

Por meio do Justo, que é aceito em quase todo o comércio da Vila (e possui fundo garantidor), o banco fornece microcréditos para moradores iniciarem um empreendimento, ou se reerguerem após algum ocorrido – como a própria enchente, ou uma situação de desemprego. Além disso, o Justa Troca promove doações de cestas básicas compostas por alimentos da agricultura familiar e MST, iniciativas de trocas de produtos, cursos variados de formação de microempreendedores e feiras de gastronomia e artesanato, que geram renda para os vendedores formados nos cursos. 

Adriana e Andreia contam que o espaço físico onde se encontram as cooperativas está localizado na única rua da comunidade que não foi completamente inundada durante a enchente. Assim, o local concentrou as iniciativas para assistir de todas as formas possíveis a sua população, tornando-se ponto de distribuição de produtos, doações e de muito trabalho voluntário e mobilização de recursos. As 1165 famílias da comunidade cadastradas receberam marmitas, água, roupas, cestas básicas, produtos de limpeza e higiene, e posteriormente alguns móveis e até mesmo brinquedos para as crianças. 

Dados do Banco Justa Troca mostram número de famílias beneficiadas com doações.
Dados do Banco Justa Troca mostram número de famílias beneficiadas com doações. 

Em meados de agosto de 2024, o banco passou a promover cursos profissionalizantes para que os moradores da Vila retomassem suas atividades de geração de renda. Abriram grupos nas áreas de costura, gastronomia, beleza, construção civil e cuidadores de idosos. A parceria com a Instituição Gerações foi fundamental para a doação de equipamento para os participantes. Assistida pela cooperativa e aluna do curso de tricô, Leonilda Quadros destaca o trabalho intensivo e humano que salvou a comunidade durante e no pós enchente: sem essa ajuda, não sei o que teria sido de nós. 

Fachada da Cooperativa Univens em um dia de entrega de doações. Reprodução: acervo da cooperativa.
Fachada da Cooperativa Univens em um dia de entrega de doações. Reprodução: acervo da cooperativa.

Leonilda conta que, em sua rua, assim como na maioria das ruas da comunidade, o nível da água subiu a ponto de só ser possível passar de barco. A água não vinha somente do transbordamento do dique, vinha também de baixo para cima, saindo do esgoto. “Nós erguemos os móveis antes de sair, pensando que no dia seguinte voltaríamos e a água estaria batendo na canela… mas não sobrou nada”, relata a moradora, que viu a água atingir o telhado de sua casa. 

Vila Nossa Senhora Aparecida durante a enchente. Reprodução: acervo da cooperativa.
Vila Nossa Senhora Aparecida durante a enchente. Reprodução: acervo da cooperativa.

Demorou semanas até que Leonilda pudesse ao menos abrir a porta e, enquanto isso, precisou se deslocar para diversas casas de parentes. “Era desesperador… quando pensávamos que a água ia baixar, subia de novo”, relembra. Quando foi possível acessar sua casa, o cenário era pós-apocalíptico: um cheiro podre, de gente ou bicho morto, misturado com esgoto. Os móveis e utensílios estavam todos espalhados, os canos estourados. Tinham até mesmo cobras, lagartos e peixes pelos arredores. “Parecia um filme de terror”, afirma. 

Após semanas, Leonilda conseguiu voltar para casa, que ainda hoje está em reconstrução, assim como as de muitos moradores. “Quando abri a porta e vi que não tinha sobrado nada, o primeiro pensamento foi de dar meia volta, largar tudo e ir embora. Só pensava: acabou, não vou ficar aqui”. Atualmente, a Vila se vê cheia de “ruas-fantasma”, pois muita gente não voltou depois de perderem tudo. “Ninguém se preparou para a enchente, porque nunca tinha acontecido algo assim. A maioria das pessoas saiu de casa só com a roupa do corpo, e deixou tudo para trás”, comenta. 

Meses depois, ruas da Vila Nossa Senhora Aparecida ainda acumulavam entulho aguardando recolhimento. Reprodução: acervo da cooperativa.
Meses depois, ruas da Vila Nossa Senhora Aparecida ainda acumulavam entulho aguardando recolhimento. Reprodução: acervo da cooperativa. 

Entre os que seguiram morando na comunidade, a maioria carrega traumas, o que faz com entrem em pânico com as ameaças de novas cheias. Quando há chuvas prolongadas por mais de dois dias, já se iniciam movimentações desesperadas, preventivas. “Eu não consigo dormir a noite quando começa a cair muita água, já corro para a janela ver como está a rua”, relata Leonilda. 

O descaso da prefeitura com o bairro Sarandi em relação a Orla (que atrai turismo e investimento empresarial), rapidamente reconstruída após a enchente, é notório. Levou meses para que o poder público da capital gaúcha mobilizasse o recolhimento dos entulhos, realizasse as reformas necessárias e as limpezas pesadas. Para isso, foi preciso um levante popular no bairro, do qual moradores da Vila Nossa Senhora Aparecida participaram, exigindo dignidade. O curioso é que, apesar disso, o então prefeito Sebastião Melo (MDB) foi reeleito em 2024 com forte base eleitoral em Sarandi, segundo dados do TSE. 

Moradores protestam pela limpeza da Vila Nossa Senhora Aparecida. Reprodução: acervo da cooperativa.
Moradores protestam pela limpeza da Vila Nossa Senhora Aparecida. Reprodução: acervo da cooperativa. 

Apesar da tragédia sem precedentes, muitos danos à população poderiam – e deveriam – ter sido evitados com um programa de investimento em prevenção de enchentes, que foi gradualmente negligenciado pela prefeitura da capital durante o primeiro mandato de Sebastião Melo. Segundo dados do Portal da Transparência de Porto Alegre, em 2023 o dinheiro em caixa do departamento responsável era de R$ 428,9 milhões. Entretanto, não houve recursos destinados à melhoria no sistema contra cheias. Mesmo em um contexto de crise climática, a queda no investimento da prefeitura na prevenção de enchentes foi gritante: em 2021, a verba era de R$ 1,7 milhão. Já em 2022, caiu para apenas R$ 141 mil até que, em 2023, o orçamento foi nulo. 

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Em entrevista exclusiva, vereador Bombeiro Major Palumbo (PP) comenta sobre o programa Smart Sampa e a mudança da GCM para Polícia Municipal
por
Oliver de Souza Santiago
Júlio Antônio Poças Pinto
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18/03/2025 - 12h

 

Câmeras utilizadas no Programa Smart Sampa - Foto: Divulgação/PMSP
Câmeras utilizadas no Programa Smart Sampa. - Foto: Divulgação/PMSP

Dois projetos do Executivo (Prefeitura Municipal de São Paulo) e Legislativo (Câmara Municipal de São Paulo) se destacaram no primeiro trimestre deste ano. O Programa Smart Sampa e o PLO 08/2017 (Projeto de Emenda à Lei Orgânica), que altera o nome da Guarda Civil Metropolitana (GCM) para Polícia Municipal. Com estas medidas, gerou-se uma expectativa de melhora da segurança do município, e virou motivo de comemoração entre parlamentares e munícipes da capital paulista.

O Smart Sampa, inaugurado em julho do ano passado, é um software que conta com mais de 20 mil câmeras espalhadas pela cidade. Todas equipados com inteligência artificial avançada, interligados com a base de dados da  Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) que permite o reconhecimento de pessoas desaparecidas e da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP), com o software desta instituição "Muralha Paulista", que facilita a leitura facial para a captura de foragidos. Além de uma central de monitoramento de 24 horas com cerca de 250 agentes.

Neste último carnaval (3), o sistema foi aplicado com o objetivo de reduzir a criminalidade ao longo dos dias de folia. Segundo o DataFolha, o aplicativo teve aprovação de 91% dos foliões, o que demonstra uma aprovação quase geral da população. Ainda segundo a prefeitura: "14 criminosos foragidos foram capturados pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) e devolvidos ao sistema prisional durante o todo o período de Carnaval deste ano"

Os algoritmos avançados geram alertas capazes de identificar intrusão, vandalismo e furtos. Ganhou notoriedade com um saldo de 841 foragidos capturados e 2.016 criminosos presos em flagrante, divulgados no dia (14). Os números são atualizados diariamente através do Prisômetro, painel de iniciativa do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Foliões em bloco de carnaval de rua em São Paulo. - Foto: Divulgação/PMSP
Foliões em bloco de carnaval de rua em São Paulo. - Foto: Divulgação/PMSP

Já referente à mudança de nomeclatura da GCM, o PLO foi aprovado na quinta-feira (13) em sessão plenária da Câmara, mas foi derrubada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) na terça-feira (18) após pedido de liminar do Ministério Público de São Paulo. O desembargador Mário Deviene Ferraz, afirmou no processo:

"Não podendo o Município, a pretexto da autonomia legislativa, alterar a denominação da guarda municipal, consagrada no artigo 144,8º, da Constituição Federal de 1988, para 'polícia municipal"

Em nota, a Câmara se posicionou após a ação judicial. "Tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal já ratificou o poder das guardas municipais de policiamento ostensivo e comunitário, após recurso da própria Procuradoria da Câmara Municipal de São Paulo, o Legislativo paulistano entende que o nome Polícia Municipal apenas reflete essa decisão da Suprema Corte. Ou seja, a mudança de nome da GCM para Polícia Municipal aprovada pela Câmara está alinhada com o entendimento do STF. A Câmara respeita a decisão do TJ-SP, mas a Procuradoria da Casa vai recorrer da liminar.

Ricardo Nunes lamentou a derrubada da alteração e "em solidariedade ao povo de São Paulo, que pede cada vez mais por segurança e policiamento, espera que ela seja revertida o mais breve possível."


CRIAÇÃO DA POLÍCIA MUNICIPAL

Em entrevista à AGEMTo vereador Bombeiro Major Palumbo (PP), 49 anos, revela detalhes sobre o processo da criação da Polícia Municipal. Palumbo faz parte da Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara, é Major da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo há 28 anos e Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Palumbo ressaltou a importância da criação de uma Polícia Municipal:

"[..] Para você mudar o nome não é aqui na Câmara Municipal. Uma polícia tem que ser estabelecida pela Constituição Federal e isso precisa ser mudado lá em Brasília com três quintos das duas casas (CMSP e Senado Federal). Duas vezes, os três quintos dos deputados federais para que eles possam mudar a lei, fazer uma emenda à Constituição e colocar a polícia. Agora, uma Polícia Municipal, ela terá as atribuições de uso e ocupação do solo o que isso significa?

Significa que eles precisam atuar para ter a polícia. Algumas demandas são do município, por isso polícia municipal, polícia federal entre outras. Algumas terão o âmbito para crimes federais, a Polícia Militar e a Civil que são estaduais, crimes de atribuições estaduais roubo, furto, sequestro, tráfico de drogas. E os crimes que são da Polícia Municipal? Quais são? São os crimes que você tem, por exemplo uma perturbação do sossego. Concorda que é de menor potencial ofensivo?[..]"

Prefeitura apresenta nova viatura da Polícia Municipal, após mudança do nome da GCM aprovada na Câmara Municipal da capital paulista - Foto: Divulgação/PMSP
Prefeitura apresenta nova viatura da Polícia Municipal, após mudança do nome da GCM aprovada na Câmara Municipal da capital paulista. - Foto: Divulgação/PMSP

Como é que você vai colocar todas as estruturas das outras polícias para atender algo com menor potencial ofensivo, quando você poderia estar usando esses caras que são muito bem treinados, pra fazer o quê? Combate ao crime. Então a Polícia Municipal vai existir para atuar nas atribuições de uso e ocupação do solo que são municipais. Seja um comércio ilegal de venda de produtos, alguém que quer usurpar do espaço público.  'Eu quero morar aqui na rua, bem na praça'  Então, ele faz uma casa em cima da praça. Mas escuta, ele sabe que não pode, mas quem que vai lá? É a polícia federal? Não, ela tem outras atribuições, de crimes internacionais aos de colarinho branco", afirma Palumbo. 

Sobre uma futura reestruturação para a mudança, ele comenta: "A segurança pública é o maior questionamento que o cidadão da cidade de São Paulo faz hoje. Junto com saúde e educação, mas a segurança pública fica na frente. Então é preciso dar uma agilidade. E para isso, a Guarda Civil, futura Polícia Municipal, vai ter que mudar os seus cronogramas de treinamentos. Por exemplo, eu refiz todo o estande de tiro da Guarda Civil Metropolitana, futura Polícia Municipal. Coloquei uma emenda minha, reformei tudo. Por quê? Para que eles tivessem a chance de ter um bom treinamento e exercer a proteção do cidadão com bastante técnica. Porque não adianta só você ter o nome[..]"


SMART SAMPA

O parlamentar também compartilhou informações sobre o funcionamento do Smart Sampa: 

"[..] É um algoritmo colocado nas mais de 20 mil câmeras que estão espalhadas na cidade. Elas captam tudo, porém não consegue rodar o Smart Sampa sem um outro programa, que é o Muralha Paulista. O outro software tem dados de todos os criminosos fichados do Brasil inteiro.

Quais são os que estão procurados, quem estão presos, os que são fugitivos, os que cometeram crime e ainda não foram pegos? Eles possuem essa informação!. O que aconteceu? O Muralha Paulista colocou o banco de imagens, através do Estado, da Secretaria de Segurança Pública, à disposição das prefeituras. Então, a Prefeitura instala e na hora que até que passe uma pessoa. Não é pela cor da pele como os partidos de oposição aqui na Câmara, que entraram até com ação na justiça para evitar, alegando que o Smart Sampa era um programa que ia providenciar o racismo na cidade. Não. Ele é técnico. Ele pega a distância entre olhos, nariz e boca, orelha. Desenha um triângulo no rosto da pessoa, mesmo se ele altera o cabelo, mas isso aqui não muda (aponta para a Íris). 

Palumbo também revelou algumas curiosidades sobre o software: "Elas estão no centro e espalhadas em todos os lugares. Elas têm os braços articuláveis e conseguem pegar distâncias de dois, três quilômetros. Então daqui, se você tiver uma Smart Sampa aqui em cima do prédio onde a gente está. Consegue chegar até no Viaduto do Chá e consegue identificar quem seja. O que a gente tem que fazer é com que esse sistema seja conhecido pela população.

 


 

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A instituição marca a vida dos frequentadores, viabilizando a cultura, o lazer e o aprendizado
por
Victória da Silva
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28/11/2024 - 12h

 

O Serviço Social do Comércio, mais conhecido como Sesc, é uma entidade privada muito frequentada por paulistas e paulistanos, e desempenha um papel fundamental para a democratização do acesso à cultura e à educação. Seus espaços são repletos de exposições, shows, sessões de cinema, práticas de esportes e várias outras atividades que inserem os visitantes em um ambiente agradável.

Desde sua fundação - pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) em 1946 - o Sesc visa a melhoria de vida das pessoas que trabalham com comércio, suas famílias e a sociedade em geral. Além disso, tem a educação como base para a transformação social, fazendo com que ela seja alicerce de toda a instituição.

De acordo com o seu site: “No estado de São Paulo, o Sesc conta com uma rede de mais de 40 unidades operacionais – centros destinados à cultura, ao esporte, à saúde e à alimentação, ao desenvolvimento infantojuvenil, à terceira idade, ao turismo social e a demais áreas de atuação”.

Para Matheus Sampaio, graduado em história da arte pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaborador do Sesc Pinheiros, todos que vivem e amam cultura, consequentemente, amam o Sesc. A instituição é ligada ao setor do comércio e ganha 1% da verba de todo o estado, e dessa forma consolidou seu grande poder aquisitivo. “Eu acredito que esse poder está sendo voltado para a população, então eu considero fundamental e acho lindo”, afirma Sampaio.

Luíza Claudino, estudante de 17 anos, é uma das frequentadoras do Sesc e costuma ir às unidades Belenzinho, Guarulhos, Itaquera e Pompeia. A jovem compartilha que apesar de sua família não ser do âmbito comercial, ela frequenta os espaços desde criança. “Acredito que é isso que me faz gostar tanto do Sesc: ele é acessível a todos. Já fui em muitos shows, peças e exposições no Sesc, tudo por um valor baixo ou até mesmo de graça”, afirma.

A gratuidade de algumas das atividades do Sesc é ponto relevante, já que vários indivíduos, principalmente das periferias, não possuem recursos suficientes para obter o direito a essas experiências. Além disso, o Sesc quebra as barreiras e o estereótipo errôneo de que pessoas de baixa renda são desprovidas de cultura e desinteressadas pela esfera artística.

De acordo com Sampaio, esse estigma foi muito pautado em sua graduação, já que espaços como galerias e museus são, por vezes, inacessíveis às comunidades. Ele reforça: “O MASP, por exemplo, é um dos museus mais relevantes da América Latina e tem muita gente que não sabe disso e nunca visitou. Por causa desse distanciamento, não é algo fácil ou acessível. Já o Sesc - pensando nas artes visuais e nas exposições – rompe com esse paradigma, pois além das exposições serem gratuitas, elas estão localizadas em diferentes partes de São Paulo”.

A estudante do 3° ano do ensino médio, Nicolly Gomes, também considera o Sesc como um facilitador de acessos, já que beneficia a comunidade possuindo lazer de qualidade e preços acessíveis. “Eu gosto do Sesc porque é um ambiente acessível, com muitas opções culturais e esportivas, onde eu sempre posso participar e aprender algo novo", afirma.

Matheus, que até este ano já contribuiu para 21 exposições artísticas e passou por diferentes instituições como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), Farol Santander e o Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE), disserta que o Sesc já é valorizado, mas poderia ser ainda mais. “O que o Sesc faz é muito grande e bonito. O empenho de montar essas exposições e promover esses shows, gratuitos ou por um preço baixo, é encantador”, conta o educador.

Além do mais, muitas vezes as pessoas não vão para o Sesc em busca de uma exposição artística, mas ao ir para exercer outra atividade, elas se deparam com diferentes mostras. “É uma das coisas que eu gosto ainda mais do Sesc, porque ele realmente aproxima as pessoas. Claro que ainda existem várias camadas, ainda existe uma barreira, mas não tão grande quanto as grandes galerias de artes que até mesmo quando há gratuidade, não é nada convidativo”, ele completa.

Há diversas exposições em cartaz até dezembro de 2024 como “Novo Poder: passabilidade” na unidade da Avenida Paulista, “Terra de Gigantes” no Sesc Casa Verde, “Nós - Arte e Ciência por Mulheres” em Interlagos e “Um Defeito de Cor” na unidade Pinheiros.

 

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Visita de alunos da PUC-SP e Mackenzie na exposição “Um Defeito de Cor”. Foto: Victória da Silva

Para além do campo das artes, o Sesc alcança aqueles que gostam da prática de esportes. Luíza conta que faz parte do programa “Esporte Jovem” há quase três anos, este que promove o exercício de diferentes jogos entre jovens de 13 e 17 anos, ensinando as técnicas e táticas de cada um. “Jogo vôlei com uma turma muito bacana e aprendo bastante, tanto sobre a vida quanto sobre o esporte”, a estudante informa.

Alguns Sescs dispõem de piscinas para recreação e nado livre. São ao todo 15 unidades na capital e grande São Paulo que oferecem esse serviço, e possibilitam o usufruto desse lazer não só para crianças e adolescentes, mas também para o público 60+.

Embora haja muitos elogios à estrutura e até mesmo à comida do Sesc, há alguns pontos de melhoria que são considerados. Luíza, por exemplo, sente falta de um teatro no Sesc Itaquera, já que outras unidades comportam teatros, mas não há nenhum nessa unidade que ela habitualmente frequenta: “Com um teatro, teríamos mais peças, principalmente aquelas que poderiam interessar à população da periferia, onde a unidade fica localizada.” Já a outra jovem, Nicolly, declara a sua insatisfação pela pouca variedade de livros na biblioteca da unidade Guarulhos.

Em suma, a instituição Sesc atua de maneiras diferentes em todo o Brasil, mas garante - especificamente em São Paulo - um refúgio para os dias corridos da cidade grande e ainda, proporciona para diferentes indivíduos vivências e programas de qualidade. Luíza finaliza: “Penso que, com seus cursos e atividades, o Sesc muda a vida das pessoas. Como já participei de alguns cursos, pude ver essa transformação acontecer pessoalmente”.

A cultura popular jamaicana de sistemas de som comove e inspira transformações no estilo de vida dos brasileiros
por
Bianca Abreu
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01/10/2024 - 12h

Por Bianca Abreu

Ao ar livre ou em um espaço fechado, caixas e auto-falantes são empilhadas umas sobre as outras formando grandes estruturas - por vezes tão altas que é preciso erguer a cabeça rumo ao céu para acompanhar seu tamanho. A elas se unem o toca-discos, vinis e amplificadores. Com a missão de manter esse grupo em harmonia chega o selecta, comandante desse conjunto que, desde seu surgimento na Jamaica na década de 40, foi nomeado Sound System. De lá pra cá, esse cenário já se repetiu incontáveis vezes e, faça chuva ou faça sol, esse movimento segue firme em seu objetivo coletivo de unir, informar e empoderar o povo negro e periférico - seja ele jamaicano ou brasileiro.

Foi uma espontânea sequência de oitos de maio na vida de um homem chamado Hadley Jones a responsável por tecer o surgimento desse que é um dos movimentos culturais mais relevantes do século XX. Em 1943, ele foi convocado para a Força Aérea da Inglaterra por conta da Segunda Guerra Mundial. Lá foi treinado como engenheiro de radar e enviado para a guerra na Europa um ano depois. Nessa mesma data, em 1945, o conflito foi dado como encerrado e, em 1946, Jones embarcou em Glasgow, na Escócia, para atravessar o Oceano Atlântico e retornar à sua terra natal.

 

Hadley Jones.
Hadley Jones. Foto: Acervo Hadley Jones / RedBull Music Academy / reprodução.

Em sua volta pra casa, ele trouxe na bagagem a habilidade de desenvolver circuitos elétricos e uma rede de contatos para a importação de discos de vinil. Em 1946, fascinado pelo rádio e sua capacidade de transmissão, o jamaicano - que também era músico - abriu uma loja de consertos do aparelho e aplicou ali seus novos conhecimentos adquiridos na Força Aérea. Confiando em seus novos saberes, Hadley Jones projetou, em 1947, seu primeiro amplificador. Em seguida, montou a loja Bop City e passou a comercializar vinis, tendo consigo uma coleção distinta de toda a ilha. Para valorizar essa coleção musical, trabalhou no desenvolvimento de um outro amplificador - dessa vez, de alta potência - e investiu em alto falantes poderosos. Seu equipamento realçava as frequências baixas, médias e altas como entidades separadas e permitia ao operador remixá-las. Seu principal objetivo era anunciar seus discos promovendo uma experiência de proximidade entre o público e a música.

Em certa ocasião, para promoção de um baile, o dono de uma loja de ferragens chamado Tom Wong encomendou à Hadley Jones um equipamento sonoro como o dele e o nomeou com o que, dali em diante, seria a nomenclatura substancial daquele conjunto: Sistema de Som. Assim, outros pedidos surgiram e o músico-engenheiro se firmou como o pioneiro inventivo da cultura Sound System jamaicana.

 

Pelo ar ou pelo mar, as ondas promoveram o intercâmbio cultural entre Brasil e Jamaica

O Mapa Sound System Brasil, primeira publicação nacional de mapeamento dos sistemas de som no país, explica que a ilha de São Luís do Maranhão foi a primeira parada em solo brasileiro que o reggae desembarcou. Na década de 70, o trajeto musical de uma ilha a outra foi realizado por meio das ondas de rádio, que superaram as marítimas e levaram as mensagens que protestam por justiça social aos ouvintes maranhenses. A conquista foi tamanha que, hoje, a cidade é conhecida como a Capital do Reggae.

Daniella Pimenta, integrante do coletivo Feminine-HiFi, seletora, produtora cultural e idealizadora do levantamento é uma das brasileiras arrebatadas pelo movimento. Ela conta que nenhum outro ambiente musical foi capaz de proporcioná-la uma experiência tão gratificante. O sentimento de pertencimento e a maneira como, a partir do grave, a música atinge, adentra e envolve o corpo são os principais fatores que contribuíram para o fascínio desde seu primeiro contato com o Sound System. Natan Nascimento, (também) seletor, produtor cultural, fundador do Favela Sound System e parceiro de Daniella no desenvolvimento do mapa, teve uma experiência semelhante a da colega: se apaixonou pela atmosfera da festa jamaicana à primeira vista. Já conhecia o reggae enquanto ritmo musical, mas a aliança entre o sistema de som e a música apresentou a ele a amplitude de sua dimensão cultural e social.

Tanto Dani quanto Natan foram atravessados pela magia desse movimento e o impacto foi terem seu estilo de vida transformado por ele, com convicções lapidadas e rotas profissionais reconduzidas. Mas apesar dos bons ventos nas festas do movimento, Dani confidencia que, em dado momento, empacou enquanto produzia o mapa. Ela própria contatava os coletivos para inseri-los no catálogo ilustrado mas, por alguma razão, passou a ser ignorada. O levantamento era fundamentado em perguntas simples, como fundação, equipe atual, principal vertente e localização. Além disso, uma foto do sistema de som era solicitada para que o conjunto pudesse ser registrado por completo.

O projeto só voltou a andar quando, em 2018, findou a parceria com Natan. Parte das equipes que não estavam listadas pelo fato de não terem retornado o contato a ela, curiosamente, o fizeram quando, por meio de uma publicação no Facebook, ele solicitou aos interessados o envio das mesmas informações. Ela ficou com a pulga atrás da orelha se perguntando, afinal, qual teria sido a razão para que ela nunca tenha recebido essas mesmas respostas. O resultado foi que ela conseguiu registrar 50 equipes e seu parceiro, o dobro.

Capa do Mapa Sound System Brasil.
Capa do livro Mapa Sound System Brasil. Composição: Daniella Pimenta / Natan Nascimento.

 

Vivendo de Sound System

Vitor Fya.
Vitor Fya, 25 anos, morador da Brasilândia e apreciador da cultura Sound System jamaicana. Foto: Vitor Lima / arquivo pessoal / Facebook.

Outro brasileiro seduzido pela cultura jamaicana é João Vitor Lima, de codinome Vitor Fya, morador da Brasilândia - distrito mais populoso da zona norte de São Paulo - e entusiasta da cultura Sound System há mais de uma década. Hoje, ele trabalha como serralheiro, mas aspira ter condições de fazer de seu estilo de vida mais do que um hobby: uma fonte de renda aliada à paixão.

Seu caminho se cruzou com o movimento Sound System quando ele tinha 15 anos. A primeira festa foi na extinta Fazendinha Skate Parque, pista de skate que fazia parte do complexo esportivo do Centro Educacional Esportivo Oswaldo Brandão (C.E. Vila Brasilândia). O espaço foi eliminado para ceder lugar à construção do Hospital Municipal da Brasilândia - cuja obra, de acordo com a secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras, devia ter sido completamente entregue em 2017. No entanto, apenas em 2020 o hospital foi parcialmente aberto. A inauguração ocorreu pressionada pela alta da demanda hospitalar decorrente da pandemia de Covid-19. Não houve compensação pela retirada da pista de skate com a inclusão de um outro espaço público de lazer e esporte pela região e ficou “por isso mesmo”.

Fazendinha aos domingos
Movimentação dominical no Fazendinha Skate Park. Foto: Fazendinha Skate Park / Felipe Gomes / Facebook / Reprodução.
Obras no Fazendinha.
“No momento a obra passa por movimentação de terra e fundação. Nas áreas onde estamos trabalhando havia o CDC e parte do Centro Esportivo”, explica publicação da secretaria de Infraestrutura e Obras um dia antes do início das construções, 2015. Foto: Érika Kwiek / Site Prefeitura SP / Reprodução.
Obras do complexo Brasilândia.
À esquerda, o prédio do Hospital da Brasilândia. À direita, os guindastes das obras do metrô Brasilândia, linha 6, laranja. Construções planejadas de forma que possam atuar como um anexo. Foto: Bianca Abreu.

O Natural Dub, sistema de som comandado por Thales Silva, que comandava as sessões no Fazendinha, se posicionou via Facebook acerca da derrubada da área de lazer. Em nota, pontuou que é a favor de que mais hospitais possam ser construídos na Brasilândia, mas que isso ocorra - preferencialmente - em locais onde áreas de lazer recém construídas não precisem ser destruídas. Assim, o investimento na saúde do bairro não implicaria na dissolução de um espaço cultural frequentado pela juventude na região. Junto à mensagem datada de 22 de julho de 2015 foi publicado um conjunto de fotos do derradeiro evento realizado no local.

24º Vibe.
24º Vibe.
24º Vibe, último evento e amplificação realizados pelo Natural Dub no Fazendinha Skate Park, 2015. Fotos: Natural Dub SP / Facebook / Reprodução.

Em seguida, o Vitor conheceu o Anhangabaroots - como eram chamadas as sessões de diferentes coletivos promovidas ao longo do Vale do Anhangabaú, na região central de São Paulo - e ele foi essencial para aprofundar seu interesse pelo movimento Sound System. Foi lá que a chave virou, seus olhos brilharam e ele decidiu que a cultura dos sistemas de som seria a protagonista de seu estilo de vida. Ele relembra coletivos como o Trezeroots Sistema de Som e festas como a Terremoto, em que não só os sistemas de som das equipes África Mãe do Leão e Zyon Gate se agrupavam, mas que também formavam uma grande estrutura para amplificação a partir da união com outros coletivos.

Trezeroots.Trezeroots.
Trezeroots.
Anhangabaroots com Trezeroots Sistema de Som, 2014. Foto: Trezeroots Sistema de Som / Facebook / Reprodução.
Reunion of Dub.
Reunion of Dub.
Anhangabaroots com Reunion of Dub, 2014. Foto: DC Santos / Flickr / Reprodução.
Terremoto.
Anhangabaroots com Terremoto, 2014. Foto: DC Santos / Flickr / Reprodução.

Outro evento apontado pelo paulistano é a Virada Cultural. Ele destaca a variedade de vertentes reggueiras que podia prestigiar por conta da Arena Sound System, iniciativa que reuniu, simultaneamente, os principais coletivos no centro de São Paulo - sendo eles da capital ou não. Ele lamenta a falta de continuidade dessa programação.

 

Um sistema de som de qualidade aliado a bons discos faz relaxar e viajar sem sair do lugar

João Vitor considera que a cultura Sound System fisga seu público pela experiência completa e transformadora que proporciona. A qualidade dos equipamentos, sua instalação no espaço escolhido para a festa e o domínio musical de quem comanda a sessão são elementos essenciais para que a experiência seja agradável e enriquecedora. Estar em um ambiente seguro, acolhedor e com elementos educativos contribuem para instigar a curiosidade sobre os detalhes daquela cultura, expandindo sua consciência e fortalecendo a admiração e o vínculo com esse estilo de vida. São profundamente cultivados os princípios como respeito, tolerância e inclusão.

O sistema de som é estruturado por um conjunto de caixas equipadas de modo que a experiência sonora alcance e comova o público com o melhor desempenho possível. Para João Vitor, logo de cara, esse conjunto estrutural é o que mais chama a atenção. Os elementos gráficos, como cores e texturas, e a disposição de cada uma das peças de todo o aparato estrutural compõem a identidade do coletivo.

Salto Sound System
Formato de sistema de som do Salto Sound System, coletiva que apresenta-se em busca da “emancipação de mulheres negras e pessoas trans negras através da cultura Soundsystem”. Ilustração: Natan Nascimento / Mapa Sound System, 2019 / Reprodução.

 

Salto.
Formato de sistema de som do Salto Sound System, coletiva que apresenta-se em busca da “emancipação de mulheres negras e pessoas trans negras através da cultura Soundsystem”. Ilustração: Natan Nascimento / Mapa Sound System, 2019 / Reprodução.

A preocupação com o repertório também é parte indispensável da construção da identidade do sistema de som e de seu seletor. Ele deve ser capaz de aliar diferentes elementos sonoros a fim de abrilhantar sua performance e complementar o impacto artístico trago com a escolha dos discos reproduzidos - afinidade com o vinil é fundamental para qualidade do espetáculo. João explica que cada seletor costuma se especializar em um dos vários gêneros possíveis, mas que, nas sessões, costumam transitar entre eles, trazendo variedade e alguns ineditismos às suas apresentações. Vivenciando diferentes festas, ele passou a reconhecer uma variedade de vertentes como Roots, Steppa e Rub-A-Dub.

Questionado sobre conhecer a qualidade feminina na cena, João Vitor Lima exalta o trabalho do coletivo Feminine Hi-Fi, formado pelas seletoras e produtoras Laylah Arruda e Daniella Pimenta - reggueira que deu o pontapé no mapeamento dos sistemas de som em solo nacional.

Feminine HiFi.

 

Feminine HiFi.Feminine HiFi.Feminine HiFi.
Feminine HiFi.
Tendal da Lapa recebe 3ª edição do festival Feminine Hi-Fi, onde a line-up e o comando da sessão são 100% femininos. Foto: Bianca Abreu / Flickr.

 

Entre todos, ele: o pioneiro

Em vários momentos ao longo da conversa, Vitor salienta as virtudes do DubVersão Sound System - comandado por Fábio Murakami, o Yellow P (pronuncia-se ‘pi’) e pioneiro em terras paulistas. Desde 2001, ele propaga a cultura por toda São Paulo e o faz no mais genuíno modelo jamaicano, no que diz respeito à escolha por ambientes abertos e vertentes clássicas em sua performance. É o predileto de João Vitor - que comparece tanto às suas apresentações públicas como privadas - e foi o primeiro contato de Daniella Pimenta com o movimento. O evento Dub Na Praça acontece anualmente na Praça João Cabral de Resende, no Jardim Primavera, zona norte da capital paulista. É um espaço aberto e convidativo para curtir uma tarde gratuita nos moldes tradicionais do Sound System jamaicano. Já o Java, também comandado pelo Yellow P, é o braço pago dos eventos realizados pelo DubVersão e hoje ocorre na Rua Simonsen, na Sé. Além dessas duas festas inegociáveis, a agenda cultural paulista costuma integrar o DubVersão a novos espaços ao longo do ano.

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Dubversão.
DubVersão Sound System no Tendal da Lapa, 2023. Foto: Bianca Abreu.

João ressalta que prioriza as festas em que sente seu corpo e espírito em estado de conforto e harmonia. Ele conta que, quando vai ao Java, renova suas forças e sai de lá novinho em folha. Segundo ele, mesmo quando uma força maior impede que consiga adquirir o ingresso de uma das edições da festa, ele não reclama da cobrança existir pois a considera justa diante da qualidade da experiência promovida. Ele frisa que o coletivo sempre promove eventos gratuitos e que a qualidade da performance não se abala diante da cobrança da entrada no evento.

Ele conta que já leu comentários nas redes sociais em que alguns perfis reclamavam do fato de o Yellow P performar de costas para o público e questionam se isso seria sinal de vergonha. Vitor esclarece que, na realidade, isso faz parte da apresentação do seletor. Sua intenção é que o público visualize os caminhos que ele percorre para projetar os efeitos sonoros que escolhe ao longo da sessão. Para ele, isso é uma aula. Ele assiste atento e idealiza meios de reproduzir aquela performance em seus próprios equipamentos. O Susi In Transe, casa noturna que recebeu a seleção de Yellow P em suas primeiras apresentações declarou o fechamento de suas portas no último mês. O jovem paulistano lamenta o encerramento das atividades de mais um espaço cultural da cidade.

Susi In Transe
Produtor Daniel Ganjaman e Yellow P, em sessão no antigo Susi In Transe. Foto: Acervo Miguel Salvatore / UOL / Music Non Stop.

 

O desejo de compartilhar

Por conta da influência positiva que o Sound System como estilo de vida o proporcionou, João Vitor deseja ter a oportunidade de multiplicar os beneficiados por ele com a mesma maestria que os pioneiros que admira. Até hoje, como Vitor Fya, ele pôde comandar sessões em eventos de terceiros, como o RNR, sistema de som de seu bairro que o apadrinhou. Entretanto, sua intenção é alçar voos maiores para expansão do conhecimento sobre a cultura em seu território. Para ele, o que mais dificulta sua atuação na cena é o alto custo para tirar um plano como esse do papel, pois montar um sistema de som envolve custos com equipamentos, locomoção e investimentos no repertório musical. Ele gostaria de envolver a criançada do seu bairro nesse movimento cultural, despertando seu interesse em se aproximar da música a partir do manuseio de um toca-discos, estimular sua criatividade na administração dos botões da amplificação e inseri-los em uma prática onde é forte a relação de comunidade.

O intercâmbio cultural entre as ilhas jamaicana e brasileira se findou pela recíproca identificação dos oriundos das periferias de ambos os territórios. Os discos de vinil puderam expandir o alcance dos protestos de um subúrbio ao outro tendo as caixas empilhadas como aliada no ecoar dessas mensagens. Essa celebração reggueira reafirma a importância da valorização do território e o vigor dos encontros presenciais - por isso, conectando sensibilidade e força, tornou-se tradição cá e lá.

A alteração climática trouxe melhorias para a saúde da população e retirou a cidade do topo do ranking mundial de pior qualidade do ar
por
Gabriel Porphirio Brito
|
17/09/2024 - 12h

 

Calçada com pessoas com roupa de frio e segurando guarda-chuva
A previsão é de dias frios até quinta-feira (19). / Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

 

Após quinze dias de calor intenso e qualidade do ar comprometida, a cidade de São Paulo experimenta mudança significativa nas condições climáticas, com a chegada de uma frente fria. Entre os dias 15 e 16 de setembro, o Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas (CGE) da Prefeitura registrou uma alta na umidade relativa do ar, que chegou a 98%, com algumas áreas atingindo 100%. 

Melhoria da qualidade do ar

De acordo com dados do IQAir, São Paulo chegou a figurar na primeira posição do seu ranking global de metrópoles com piores índices de qualidade do ar, consequência direta da onda de calor, poluição, queimadas, e das condições atmosféricas desfavoráveis.

O CGE informou, na segunda-feira (16), que a formação de uma área de baixa pressão vinda do Paraná, na região Sul do país, trouxe instabilidades atmosféricas, o que provocou a chegada da chuva e a melhora da qualidade do ar. 

Além disso, a precipitação e o aumento da umidade permitiram a dispersão de poluentes que se acumulavam na atmosfera, tornando o ar mais respirável. A expectativa é de que essa melhora seja contínua ao longo dos próximos dias, já que a previsão meteorológica indica que a umidade e as temperaturas amenas devem persistir.

A capital, que até a semana passada estava em primeiro lugar no índice global de poluição, agora ocupa a posição 73, com o ar classificado como “bom”, segundo a plataforma IQAir.

Previsão do tempo

Segundo o Climatempo, a chegada da frente fria trouxe queda nas temperaturas, com máximas que não ultrapassam os 20°C até quarta-feira (18). Para esta terça-feira (17), a mínima registrada foi de 14°C e a máxima não deve passar 20°C. 

Embora a frente fria traga alívio momentâneo, ainda de acordo com o Climatempo, o efeito pode ser temporário. Com a previsão de retorno de temperaturas mais elevadas até o final da semana, com máximas de até 34ºC a partir de sexta-feira (20), é possível que a qualidade do ar volte a piorar, embora em menor intensidade e ainda com pancadas de chuva pontuais.

Estado de alerta

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu, na segunda-feira (16), o alerta amarelo de “perigo potencial”, para a cidade, áreas do litoral e da região metropolitana. A previsão é de chuvas entre 20 e 30 mm/h, com um volume total de até 50 mm por dia, e ventos intensos, que variam entre 40 e 60 km/h. O Inmet também alerta para a possibilidade de alagamentos e pequenos deslizamentos, embora o risco seja considerado baixo.

Já nas regiões de Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, que recentemente sofreram com incêndios florestais devido ao tempo seco, há previsão de chuvas intensas. Essa chuva, que pode alcançar 50 mm por dia e ser acompanhada de ventos de até 60 km/h, representa uma mudança significativa para áreas que sofreram com a seca prolongada. No entanto, há riscos adicionais, como queda de galhos de árvores, cortes no fornecimento de energia elétrica e alagamentos localizados.

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Apenas mais uma batata na feira, palco onde somam-se histórias nutridas de amor e resiliência
por
Vitor Nhoatto
|
06/06/2024 - 12h

Não é apenas o sol que consegue aquecer o gélido concreto urbano. Lonas abertas, madeiras estruturadas, produtos apresentados, todos a postos. Uma reunião de almas comunicadoras, que buscam o sustento colocando suas hábeis mãos no que a terra melhor tem a oferecer. Em meio a gritos, sons de facas, sacolas e máquinas de cartão, o alimento cuidadosamente regado de energia pelos carregados olhos de amor dos personagens principais dessa festa, passa de um para o outro. Essa é a feira.

Como um palco a ser percorrido, fregueses vem e vão na Rua Ministro Godói em Perdizes, devidamente fechada para que o show possa continuar. No local encontra-se uma variedade de objetos, posicionados delicadamente pelos atores da peça, esses com texto ensaiado por anos e para diferentes públicos. À medida que se adentra no universo artisticamente comerciante a sensação térmica sobe. Sem ser desconfortável como as recentes ondas de calor ocasionadas em São Paulo pelas mudanças climáticas, o calor humano cativante dos negociantes sob as tendas das barracas fabrica uma atmosfera aconchegante.

Mais ao centro do palco asfaltado, uma estrutura de aço acompanhada de sacas de variadas batatas, instrumentos de batalha como balanças e sacolas, é preenchida pela irradiação energética de uma das protagonistas do evento. O bordado na roupa de gala anuncia seu nome, e a voz alegre e cheia de vitalidade proclama: "Fala amor, você quer um pinhão? Você vai fazer ele hoje ou não? Se for pode levar ele assim no saquinho plástico, porque esse outro assim respira mais, e esse tem que fazer ou tirar do saquinho". Um olhar cuidadoso debaixo dos óculos enxerga para além do físico. No alto dos seus 78 anos, Dona Beatriz alavanca sua barraca. Suas mãos vibram dentro das luvas de látex e cuidadosamente revelam a beleza dos alimentos que vende. "É oito amore. Yuri passa o PIX para ele aqui? Foi, passou! Obrigada amor". Sempre ressoando palavras de alto astral, e atendendo com todo o empenho os consumidores que ali param, assim segue ela durante o restante da apresentação, a qual já repete há 60 anos.

Dona Beatriz limpa uma cebola com uma faca e veste luvas de látex
“Essa tava com a casquinha feia, nem parecia que era tão bonita” - Foto: Vitor Nhoatto

Entre idas e vindas de fregueses, uma tela começava a ser preenchida, e o que os cabelos brancos e as marcas de uma vida bem vivida no rosto, materializadas em forma de rugas, contavam, vão sendo verbalizadas. "Os meus pais eram feirantes, eu já vim assim de uma tradição. Quando conheci o meu marido, tinha 13 anos quando comecei a namorá-lo, ele comprou uma barraca de batata, e depois de 5 anos a gente se casou e ficamos nessa vida, sempre com batata". O rumo segue e mais cores vão compondo a atmosfera. "Nós somos os dois portugueses, nascemos lá. Ele que tem 88 anos, veio com 14, agora eu não. Eu vim em 1946, ano que nasci. Nasci em março, em setembro meus pais vieram para aqui".

As terras lusitanas passaram por uma crise econômica na metade da década de 1940, no final da segunda guerra mundial e após seu encerramento. Durante o conflito, Portugal registrava recordes positivos ao ser um dos maiores vendedores do minério volfrâmio, usado em armas. No entanto, apesar de ter se mantido neutro na época, acatou a pressão dos países aliados e a comercialização do volfrâmio foi proibida em junho de 1944, impactando fortemente o país. Isso levou a imigração de milhares de pessoas em busca de melhores condições. O Brasil foi o principal destino desses portugueses de 1930 a meados de 1960, e Dona Beatriz com seus pais e mais tarde seu marido, representam quatro dos 148.699 portugueses que entraram em terras brasileiras entre 1931 e 1950 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com uma voz que diz muito mais do que as palavras que da boca saem, a viagem no tempo segue com uma gratidão apaixonada. "Tivemos outros lugares, trabalhamos em Osasco, em Itapevi… mas sempre uma aqui, 60 anos aqui. E a vida foi assim, a vida foi para trabalhar na feira, criar os filhos, e viver eu e meu marido muito felizes graças a deus. 46 anos nós vivemos casados". Preenchida cuidadosamente de lembranças, o amor pelo marido, o qual se refere em alguns momentos ainda no presente, pode confundir o telespectador da obra. Antônio partiu há 12 anos e 10 meses, como especifica. "A vida é assim meu amor". 

Antiga habitante do centro expandido de São Paulo, Dona Beatriz vive hoje com  seus dois filhos no bairro transmorfo e de história curiosa, Granja Viana. Com nome que remete às suas origens de fazenda familiar, rodeado pela Mata Atlântica, o local já foi uma ilha de descanso de alto padrão, mas hoje está denso e prejudicado, apesar de aos olhos da ilustre moradora soar como um oásis pertencente a Cotia. "Eu moro no quilômetro 22,5 da Raposo Tavares, fui para lá em 2001, era bastante mato, até a rua que a gente desce para nossa casa era terra ainda, agora não, tudo lindo asfaltado. Muitas árvores. O lugar é gostoso para gente morar".

Em sua Kombi branca, vai e vem, cortando a rodovia nos cinco dias de trabalho, sempre bem pela manhã. "A gente chega mais ou menos 5 horas, e eu levanto todo dia 4 horas, todo dia… mas tô acostumada. Nem precisa mais do despertador, é aquele hábito, na graça de Deus é bom, que a gente tem saúde". As aparições da feirante e seu fiel escudeiro Yuri, com quem trabalha há quase uma década, foram designadas para ocorrer em bairros paulistanos distantes de sua atual casa pela prefeitura, em uma época que Dona Beatriz morava na zona oeste da cidade. "A vida é assim, a gente vai levando aonde se sente bem, onde tá feliz… e eu tô". 

Formalmente regulamentadas em 1914 no estado de São Paulo, as feiras livres movimentam a economia e seguem resilientes frente à disputa de atenção. Os shows familiares e intimistas  passaram por uma crise nas décadas de 1960 e 1970, com a chegada dos super festivais, chamados de supermercados. Espelhava-se na imprensa que era próximo o fim dos artistas locais, alegadamente incapazes de peitar as estrelas refinadas recém chegadas como Pão de Açúcar, Carrefour e o extinto Sirva-se. 

Porém, representando mais do que um espaço de trocas comerciais, e sim de laços humanos, as constituintes da identidade nacional resistiram e se expandiram. De 2013 a 2023 houve aumento de 10% no número de feiras segundo a Prefeitura de São Paulo. Dona Beatriz integra 5 das 955 hoje registradas, e conta alegre que graças ao local de convivência e negócios, criou dois filhos. "O que importa é que dá para gente sobreviver com dignidade né? E a gente vai vivendo" O tempo não para, e os fregueses sobem ao palco, buscando matéria prima que alimenta além de seus corpos, mas a alma também.

Vestindo um avental amarelo com seu nome bordado em vermelho ao centro, Dona Beatriz segura uma cebola enquanto olha para a câmera
Não é a individualidade que faz uma feira e as falas no plural de Dona Beatriz reforçam tal fato, enquanto seu olhar profundo cativa quem por ali passa - Foto: Vitor Nhoatto

"Bom dia meu amor, tudo bem minha querida? Olha que coisa linda essa batata maravilhosa". Aqui tem-se um momento de pausa na recapitulação histórica, mas não no trilhar do presente. Dona Beatriz agarra com a sua tonalidade vocal levemente estridente e recoberta por ternura e simpatia, a aura de quem para na barraca. "Aqui tem 1,6kg meu amor, quer completar dois? Pode deixar que a gente pega. Essa outra é só escovada por isso não tem tanta terra, mas essa daqui como eles colheram com a terra molhada ficou assim. Dois quilos, tá amor? Deu 18 com 16, é PIX? Brigada meu amor. Tchau amore, vai com Deus".

Apesar de não ser tão agitada como costumava, percebem-se vários públicos na feira. Entre alunos e funcionários da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pedreiros das obras do entorno, e moradores da rua, que entram e saem dos prédios, algumas vezes em veículos de luxo. O bairro de Perdizes se transformou ao longo dos 60 anos de trabalho de Dona Beatriz no local. Nas últimas décadas a classe média se apropriou da região, originalmente familiar e pacata, como revela a arquitetura das poucas construções tombadas que resistiram à especulação imobiliária. Levantamento da Data Lello, instituto de pesquisas e inovação da Lello Condomínios, aponta que no ano vigente, 818 condomínios serão entregues, com destaque ao bairro da feira.

Engrenando-se novamente no monólogo, o brilho de Dona Beatriz é como uma chama intensa que ilumina o ambiente. Ela percorre seus antecedentes e os manifesta à plateia sempre que tiver quem escute, mas não por desespero de ser ouvida, e sim pelo orgulho de sua trajetória.  O avental com seu nome inscrito, de cores intensas, faz jus ao magnetismo da pessoa que o veste, a qual não para em um só lugar. Nada parece abalar o desempenho da estrela da peça, que se refere aos potenciais clientes e amigos como uma artista se dirige a seu público. "Aqui só atrapalha quando o pessoal não vem". 

Mãe orgulhosa, o amor por sua família reluz nas lentes grossas de seus óculos e na tela de seu celular com capinha cor de limão vibrante. As pálpebras se apertam e os olhos levemente se enchem de lágrimas de alegria enquanto mostra uma fotografia com seus dois netos, Rafael e Carolina. A feirante então para por um instante e com um suspirar profundo, desacelera para refletir sobre tudo que já viveu. "Foi assim, uma vida maravilhosa, feliz. Criei meus filhos, tenho dois netos [...] o que importa é que dá para gente sobreviver com dignidade. É difícil, não é fácil não, mas consegue… a gente tem que ter sempre bastante equilíbrio para ir sempre pelo caminho certo, a vida é assim, a gente vai levando."

A população brasileira vem envelhecendo gradualmente devido a melhores condições em áreas como a da saúde, educação e alimentação, refletindo em mais longevidade, apesar de haver muito ainda o que melhorar. Segundo o Censo 2022, a média nacional de vida dos brasileiros é 75,5 anos. "Agora só esperar o fim da vida, né? Tô com 78 anos e agora a gente não pode esperar mais muita coisa. Eu pretendo chegar aos 80 trabalhando, mas vamos ver o que Deus vai nos reservar, se eu tiver força do jeito que eu to agora acho que eu chego até os 80… é assim meu amor", comenta Dona Beatriz em tom de agradecimento, longe da lamúria ou de um esperado cansaço.

Batatas rosadas, batatas doces, pinhão e batatas inglesas expostas na barraca em caixas
O ato principal permanece, mas como os novos tempos pediram, convidados aparecem lá de vez em quando em meio as batatas -  Foto: Vitor Nhoatto

O tempo vai passando, e sem perceber o show se encaminha para seu fim. É chegada a hora de voltar a coxia e desmontar o palco para a próxima apresentação. A emoção transparece no olhar e as bochechas se alargam e se erguem dando lugar a mais um sorriso, dessa vez de despedida. "Você vê como a feira é gostosa? O contato, a amizade, o amor que a gente tem". Pouco a pouco o movimento vai cessando e as batatas, cebolas e pinhões vão entrando na Kombi pelas mãos de Yuri e Dona Beatriz, afinal, o tempo não para. O dia seguinte começa cedo e é de mais trabalho, na quarta-feira sendo a vez do bairro Pompéia. 

A sensação térmica incômoda do calor escaldante volta a se impor sob as cabeças agora desprovidas de lonas. Cada um volta a seus próprios universos e preocupações da vida contemporânea incessante. Cascas, resíduos e alguns papéis ficam pelo chão, que será limpo pela Prefeitura, ao passo que as peças teatrais históricas que quase ninguém conhece, se dissipam no emaranhado de vias urbanas da selva de pedra. Esse é o ciclo, semana que vem haverá mais. E como diria Dona Beatriz, "é assim, a vida é um paraíso".

 

Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP.

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