Uma análise sobre a passagem do físico e teórico alemão pelo Brasil e o apagamento das mulheres na ciência
por
Natália Matvyenko Maciel Almeida
Joana Grigório
|
16/11/2025 - 12h

Em 1925, Albert Einstein desembarcou na américa do sul, na cidade do Rio de Janeiro, para uma sequência de palestras e nesse vídeo exploramos uma parte dos relatos escritos em seu diário e a falta de registros de pessoas racializadas e também de mulheres nas conferências.

Referências utilizadas para esse vídeo: 

1. Tolmasquim, Alfredo Tiomno. Einstein, o Viajante da Relatividade na América do Sul (2003)
Este livro oferece um olhar detalhado sobre a visita de Albert Einstein à América do Sul, incluindo sua passagem pelo Brasil. O autor explora a recepção do cientista e seu impacto no cenário científico da época.

2. Haag, Carlos. "Tropical Relativity" (2004)
Artigo publicado na revista Pesquisa FAPESP, que aborda os diários de viagem de Einstein na América do Sul, com destaque para suas observações sobre o Brasil e suas interações com a ciência local.

3. Moreira, Ildeu de Castro. Entrevista: Visita de Einstein ao Rio de Janeiro promoveu valorização da ciência pura (2025)
Entrevista com Ildeu de Castro Moreira, que discute o impacto da visita de Einstein ao Rio de Janeiro, enfatizando a valorização da ciência fundamental e os desdobramentos para a pesquisa no Brasil.

4. Fundação Oswaldo Cruz. Museu tem atrações em homenagem aos 100 anos da visita de Einstein (2025)
A Fundação Oswaldo Cruz celebra o centenário da visita de Einstein ao Brasil com exposições e atividades que relembram a importância histórica dessa passagem do cientista.

5. Observatório Nacional. 100 Anos de Einstein no Brasil (2025)
O Observatório Nacional comemora o centenário da visita de Einstein ao Brasil com uma série de palestras e reflexões sobre o impacto de sua passagem no campo científico brasileiro.

6. Rosenkranz, Ze'ev (org.). The Travel Diaries of Albert Einstein (2018)
Esta coletânea organiza os diários de viagem de Einstein, incluindo suas observações sobre diferentes regiões do mundo, com destaque para seus comentários sobre a América do Sul, e apresenta uma análise crítica sobre seus pontos de vista racializados.

7. Artigos de divulgação histórica sobre os diários de Einstein e racismo
Diversas publicações, como matérias da History.com e do The Guardian, discutem as anotações de Einstein sobre suas viagens à Ásia e outros lugares, destacando seus comentários sobre raça e cultura.

Nota de Checagem de Fatos
As informações sobre a visita de Einstein ao Brasil e seu impacto no país, incluindo o papel de Carlos Chagas e a análise dos diários de viagem, foram baseadas em fontes como Fiocruz, Observatório Nacional, e pesquisas de Ildeu de Castro Moreira. As reflexões sobre os comentários racializados de Einstein seguem a análise crítica adotada por estudiosos como Tolmasquim, Haag e Rosenkranz.

Releitura transmídia da estadia do físico no Rio de Janeiro em 1925
por |
03/11/2025 - 12h

Em maio de 1925, Albert Einstein visitou o Rio de Janeiro por uma semana hospedando-se no Hotel Glória, quarto 400. Apesar da recepção calorosa como celebridade, sua passagem foi um desastre cômico. A comitiva que o cercava não tinha um único físico ou matemático - apenas médicos, advogados, políticos e militares da elite social brasileira. No Clube de Engenharia, falou para uma plateia lotada que não entendia alemão nem suas ideias, em uma sala barulhenta e sem acústica. Na Academia de Ciências, teve que ouvir três discursos vazios em francês mal falado, incluindo um sobre "a influência da Relatividade na Biologia". O ápice foi quando o jurista Pontes de Miranda tentou desafiá-lo em alemão com considerações sobre metafísica e direito. Einstein levou de presente um papagaio que repetia "Data venia, Herr Einstein", lembrando-o sempre, com humor, da "ciência" dos doutores brasileiros.

“Einstein: visualize o impossível” é um projeto dos estudantes do quarto semestre de jornalismo da PUC-SP, da disciplina de jornalismo transmídia. O projeto aborda, de diferentes maneiras, uma releitura da icônica visita do físico ao Brasil em 1925. Todos os relatos estão em um site especial. Além de produções visuais e sonoras, o especial propõe uma narrativa em quadrinhos que conecta ciência, história e imaginação, tendo como cenário o Observatório Nacional (espaço que recebeu Albert Einstein). 

A produção contou com a colaboração de Bruno Matos, vice-diretor da Escola Estadual Professor Walter Ribas de Andrade. Já o vídeo “Os impactos de Albert Einstein na educação brasileira explicado por doguinhos” apresenta as contribuições das teorias do cientista para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a partir da entrevista com o professor de física Dediel Oliveira.  

Em “Diário do Einstein”, o leitor encontra coletânea de depoimentos em formato de diário sobre a passagem de Albert Einstein pelo Rio de Janeiro no ano de 1925, comentando ao longo de cada dia, pontos turísticos e palestras presenciadas por ele. No podcast "A carta que revolucionou a corrida armamentista", discute carta assinada pelo físico Albert Einstein em agosto de 1939, que alertava o presidente dos EUA, Franklin D.Roosevelt, sobre o potencial da Alemanha nazista em desenvolver uma bomba atômica.

O vídeo vertical “Einstein no Brasil” narra o encontro do físico com Carlos Chagas, marcando um momento científico crucial. A produção destaca a troca intelectual entre os dois grandes nomes da época. Por fim, é possível compreender uma sutil crítica sobre a omissão de um encontro com cientistas mulheres consagradas, como Bertha Lutz. Em “Einstein: uma análise de sua trajetória política”, as cartas de Einstein e seus discursos que expressavam preocupação com a violência e os conflitos no Oriente Médio são revisitadas. Nas declarações, o físico defende uma convivência justa entre judeus e árabes, e o projeto analisa como suas palavras ecoam no contexto atual da guerra entre Israel e Palestina, mostrando que o tempo passa, mas as perguntas sobre humanidade e coexistência continuam urgentes. 

Finalmente, o livro "Os Sonhos de Einstein", de Alan Lightman, pela Cia das Letras, apresenta uma série de sonhos imaginários que o jovem Albert Einstein teria tido enquanto desenvolvia a Teoria da Relatividade, em 1905. Em cada um deles, o tempo funciona de um jeito diferente, às vezes para, volta ou corre mais rápido e essas variações servem para refletir sobre a vida, as lembranças e as escolhas humanas. "Neste mundo, a textura do tempo parece ser pegajosa. Porções de cidades aderem a algum momento na história e não se soltam. Do mesmo modo, algumas pessoas ficam presas em algum ponto de suas vidas e não se libertam".
 

O uso excessivo do celular está moldando comportamentos e lucros empresariais das Big Techs
por
Julia Cesar Rangel
|
27/10/2025 - 12h

Por Julia Cesar

 

O som começa suave, quase hipnótico. A vinheta colorida anuncia: “Cocomelon!”. Em segundos, os olhos se fixam na tela, o corpo se acalma e o mundo ao redor desaparece. Por trás dessa inocente animação infantil, há uma equipe bilionária que lucra com cada clique, cada minuto de atenção e cada vídeo que não para de rodar.

Nos últimos anos, o uso excessivo do celular tem preocupado especialistas, pais e educadores. Plataformas e canais, especialmente os voltados para o público infantil, estão sendo desenhados para capturar e reter o olhar humano o máximo possível. No caso das crianças, os efeitos são ainda mais intensos, já que seus cérebros ainda não estão totalmente formados para compreender o que é viciante e prejudicial.

A mãe Bianca Rangel, por exemplo, percebeu esse impacto em casa. O pequeno Gael, de 3 anos, começou a reconhecer a música do Cocomelon apenas pelo primeiro segundo de som. Ele largava qualquer brinquedo para correr até o celular. No início, Bianca achava a cena fofa, mas com o tempo notou que o filho ficava irritado e chateado quando o aparelho era desligado.

Preocupada, ela tentou limitar o tempo de tela, mas enfrentou forte resistência. Foi então que decidiu buscar orientação profissional e entendeu que substituir o tempo de tela por atividades com “dopamina boa” não era apenas uma escolha, e sim uma necessidade.

De acordo com a psicóloga Mayara Contim, formada pela USP e atualmente atuando na escola St. Nicholas, esse tipo de comportamento é resultado de mecanismos psicológicos cuidadosamente estudados pelas plataformas. Ela explica que não se trata apenas do Cocomelon: hoje, vídeos são planejados para ativar o sistema de recompensa do cérebro. As músicas, as cores e o ritmo acelerado são pensados para liberar dopamina, o hormônio ligado ao prazer imediato. Isso cria um ciclo de dependência semelhante ao que ocorre com jogos e redes sociais entre adultos e adolescentes.

A psicóloga ressalta que o problema não está apenas nas crianças. Segundo ela, os adultos também são vítimas desse design, já que as redes sociais funcionam com a mesma lógica de manter o usuário rolando infinitamente. No entanto, o impacto é mais grave nas crianças, pois seus cérebros ainda estão em desenvolvimento.

Um estudo recente da Common Sense Media apontou que, em média, crianças de até cinco anos passam quase três horas por dia em frente a telas. O dado assusta, mas reflete uma realidade cotidiana: celulares se tornaram babás digitais, distrações práticas para pais cansados e ferramentas de lucro para empresas que vendem publicidade a cada visualização.

Bianca admite que o uso do celular facilitava sua rotina. Enquanto o filho assistia aos vídeos, ela conseguia trabalhar ou realizar tarefas domésticas. Com o tempo, porém, percebeu que estava trocando momentos de qualidade com o filho por alguns minutos de silêncio.

Para Mayara Contim, o primeiro passo é não culpar os pais, e sim compreender o contexto. Ela destaca que vivemos em um mundo hiperconectado e que o caminho está na consciência e nos limites. O ideal, segundo a psicóloga, é que os pais assistam junto com as crianças, conversem sobre o conteúdo e ofereçam outras formas de estímulo — como brincadeiras, leitura e contato com a natureza.

Enquanto isso, a indústria continua explorando cada segundo de atenção possível. Canais como Cocomelon acumulam bilhões de visualizações e lucros altíssimos com publicidade, licenciamento e produtos derivados. O looping digital virou negócio, e nós, espectadores, nos tornamos o produto.

Mayara resume a lógica de forma direta: a atenção é a nova moeda. E, no fim, essa frase ecoa como um alerta — quanto mais tempo passamos presos às telas, mais alguém, do outro lado, está lucrando com isso.

O Brasil é pioneiro na criação de um medicamento que regenere a medula óssea de pacientes
por
manuela schenk scussiato
|
03/11/2025 - 12h

Por Manuela Schenk

 

Não fora uma sexta-feira qualquer para Júlia. A caminho do ponto de ônibus para voltar para sua casa após um dia de aula na faculdade um motorista embriagado atropelou-a e fugiu sem prestar socorro que mudou sua vida para sempre quando tinha apenas 19 anos. Júlia teve lesões nas vértebras T8, T9 e T10 que a deixaram paraplégica depois de cinco dias em coma quando recebeu a notícia de que jamais andaria novamente.

Hoje Júlia tem 22 anos e teve que reaprender a viver. Coisas que jamais imaginou ter dificuldades agora são grandes conquistas, como quando conseguiu tomar banho sozinha pela primeira vez ou quando pode se deitar na própria cama sem auxílio. Escadas se tornaram rampas, seu restaurante favorito virou delivery, já que não possui acessibilidade para que ela consiga entrar na cadeira de rodas. As festas que frequentava semanalmente agora são eventos anuais, pois a locomoção dentro de uma balada é quase impossível para alguém que não consegue usar as próprias pernas.

No início se adaptar parecia impossível, noites mal dormidas quando chorava no travesseiro até seus olhos cederem. Depois de receber alta do hospital ela foi encaminhada para terapia, consultas três vezes por semana que depois de dois anos se tornaram duas. A fisioterapia que antes era uma tortura aos poucos se tornou um momento divertido.

Nos anos que se passaram Júlia conheceu mais pessoas na mesma situação que ela e de pouco a pouco sua nova vida se tornou mais tolerável, mas mesmo depois de quase 4 anos do acidente ela ainda tem dias ruins, sua autoestima nunca mais foi a mesma já que por muito tempo não conseguia se arrumar como antes. Júlia conta que o momento mais difícil da vida dela foi descobrir que seu caso não tinha cura. Sem possibilidade de tratamento ou cirurgia, uma menina que antes era ativa, amava se exercitar, sair com suas amigas, passear com sua cachorrinha, agora se vê forçada a reaprender a viver.   

É possível perceber as dificuldades que marcam a vida das pessoas que são afetadas pela paraplegia. Infelizmente muitos casos não são reversíveis, mas graças a estudos de um grupo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o mundo pode estar mais próximo de encontrar uma cura para uma deficiência que interrompe a vida de tantas pessoas.

A pesquisa, desenvolvida no Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, representa um marco para a medicina brasileira. O medicamento experimental chamado Polilaminina foi criado a partir de uma proteína natural da placenta humana, capaz de estimular a regeneração das células nervosas. Em estudos com animais, especialmente cães que haviam perdido os movimentos, o tratamento apresentou resultados impressionantes: alguns conseguiram voltar a andar mesmo após anos de paralisia. Esse avanço chamou a atenção da comunidade científica internacional e fez com que o Ministério da Saúde e a Anvisa classificassem o estudo como de prioridade absoluta no País.

A equipe liderada por Tatiana Sampaio começou o estudo da eficiência polilaminina para promover a regeneração de fibras nervosas/axônios e reconectar áreas lesadas da medula espinhal começou em 2007, embasado em outro estudo da faculdade que iniciou em 1998. São quase três décadas de trabalho árduo que trouxeram a equipe ao sucesso que é exposto para o mundo hoje, com seis dos oito pacientes humanos recuperando, parcial ou completamente, os movimentos que lhes foram tomados. 

Além dos testes clínicos em andamento, o projeto da UFRJ tem recebido apoio de instituições públicas e privadas, como o Laboratório Cristália, que colabora na etapa de desenvolvimento farmacêutico e produção em larga escala da substância. O próximo passo dos pesquisadores é a realização de estudos em uma quantidade maior de voluntários, o que permitirá avaliar com mais precisão a segurança e a eficácia do medicamento. Caso os resultados se confirmem, o Brasil poderá ser o primeiro país a oferecer um tratamento realmente regenerativo para lesões medulares, uma conquista inédita na história da ciência.

Para Júlia e milhares de pessoas que convivem com a paraplegia, essa descoberta reacende uma esperança que parecia perdida. Mesmo que o caminho até a cura ainda seja longo, cada passo da pesquisa representa uma vitória contra a limitação imposta pela lesão medular. A história de Júlia mostra a força de quem se reinventa diante da adversidade. O que a ciência da UFRJ faz agora é provar que o impossível pode estar mais perto do que se imagina. Aquilo que antes era apenas sonho, agora começa a ganhar forma nas mãos de pesquisadores brasileiros dedicados a devolver o movimento e com ele a liberdade a tantas vidas interrompidas.

Especialista alerta para riscos do uso acrítico de plataformas de IA na educação
por
Thomas Fernandez
|
04/10/2025 - 12h

A inteligência artificial (IA) ganhou rapidamente espaço em diferentes setores da sociedade, e a educação não ficou de fora dessa tendência. Plataformas capazes de corrigir redações, recomendar atividades personalizadas e até mesmo substituir parte das tarefas do professor estão em alta.

A promessa, vendida por empresas de tecnologia e gestores entusiasmados, é de que a IA pode democratizar o ensino, personalizar a aprendizagem e aliviar a carga de trabalho docente. Não por acaso, de acordo com o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), sete em cada dez estudantes do Ensino Médio já utilizam ferramentas de IA generativa em trabalhos escolares, mas apenas 32% afirmam ter recebido orientação na escola sobre como usar esses recursos de forma pedagógica. 

Há quem veja nesse movimento um risco de precarização do trabalho dos professores, transformando a inovação em mais uma engrenagem de uma lógica de cortes de custos e desvalorização profissional. Afinal, a inteligência artificial na educação é realmente uma aliada do professor ou pode acabar sendo um instrumento de substituição e perda de direitos? 

Em entrevista à AGEMT, Pedro Maia, cientista de dados e pesquisador em ética e tecnologia, alerta para o risco de que a IA seja utilizada como justificativa para reduzir a presença e a importância dos professores. Para ele, é preciso estar atento à lógica de mercado que move grande parte das inovações tecnológicas aplicadas à educação: “O risco é que as escolas passem a enxergar a inteligência artificial não como apoio, mas como substituição. Se uma plataforma consegue corrigir automaticamente atividades e sugerir trilhas de estudo, a tentação de reduzir o quadro docente e cortar custos é enorme”, explica. 

Segundo Maia, isso poderia levar a uma precarização ainda maior do trabalho docente, em um cenário no qual professores já enfrentam baixos salários, excesso de carga horária e falta de condições adequadas de trabalho. “A promessa de eficiência pode esconder a intenção de enxugar gastos. É a lógica neoliberal aplicada à educação: menos investimento em pessoas, mais aposta em soluções padronizadas”, acrescenta.

Pedro Maia, cientista de dados.
Pedro Maia, cientista de dados. Foto: Arquivo Pessoal.

 

Maia também chama atenção para o risco de aprofundar desigualdades: “Nesse cenário, a IA não democratiza, mas acentua a exclusão. O aluno da periferia continua com menos oportunidades que o de elite, ainda que ambos usem supostamente a mesma tecnologia”. Esse alerta encontra respaldo nos números. Em 2023, 69% dos estudantes já conheciam a IA; em 2024, esse índice subiu para 80%, segundo levantamento nacional feito pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES).

No entanto, nem todos têm acesso à mesma qualidade de ferramentas ou de acompanhamento pedagógico. Enquanto escolas privadas de ponta conseguem incorporar plataformas sofisticadas, parte da rede pública depende de versões limitadas, com pouco ou nenhum suporte docente.

Mesmo assim, o cenário não é apenas de resistência. Pesquisas feitas pela SEMESP (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), mostram que 74,8% dos professores acreditam que a IA pode ser aliada no processo de ensino, e 39,2% já utilizam a tecnologia regularmente em sala de aula. Esses dados revelam uma categoria dividida, mas que enxerga potencial na tecnologia quando aplicada como ferramenta de apoio, não como substituição. 

Além disso, iniciativas públicas começam a surgir. O governo federal, em parceria com a UNESCO e a Huawei, lançou o projeto “Open Schools” na Bahia e no Pará. Ambos locais foram escolhidos pela falta de infraestrutura educacional, conectividade e recursos tecnológicos. A iniciativa foca na formação de professores em competências digitais e uso de IA, além de investimentos em conectividade e infraestrutura. O objetivo é reduzir desigualdades e preparar a rede pública para essa transição.

A coexistência desses dois pontos de vista - o risco de precarização e a promessa de apoio pedagógico - evidencia o dilema atual: A IA pode ser tanto aliada quanto algoz, dependendo da forma como for implementada. Se o objetivo for cortar custos, há risco de enfraquecer a profissão docente. Mas se, por outro lado, houver investimento em formação, infraestrutura e regulação, ela pode abrir espaço para práticas pedagógicas mais ricas e inclusivas.

O que está em jogo, portanto, não é apenas a chegada de uma nova tecnologia, mas o modelo de educação que o país pretende construir. A questão central permanece: a inteligência artificial será um recurso a serviço de professores e alunos ou mais um instrumento de precarização do trabalho em nome da eficiência econômica?

Enquanto não há consenso, cresce a urgência em debater publicamente os rumos dessa transformação. O futuro da escola não depende apenas das máquinas, mas das escolhas políticas, sociais e econômicas que definirão como, para quem e com quais propósitos a tecnologia será utilizada.

Em entrevista coletiva, Gabriela Mayer fala sobre a cobertura de Brumadinho, literatura e as consequências da exposição de apresentadores
por
Maria Clara Lacerda
|
24/05/2021 - 12h

Na aula de Oficina do Texto Jornalístico, 12, mediada pelo professor Aldo Quiroga, foi realizada uma entrevista com a apresentadora e repórter da Band News FM, Gabriela Mayer. Ela é formada em jornalismo pela Cásper Líbero e, atualmente, apresenta Alta Frequência, na Band, além do podcast Elas com Elas. Na aula, foi conversado sobre suas coberturas mais importantes, os comentários que ela recebe vindos de sua exposição, e muito mais.  

E, ainda, fora da Band News, Mayer fundou a rádio Guarda-Chuva, sendo uma rede apenas de podcasts jornalísticos, e a primeira do Brasil. Dentro da Guarda-Chuva existe o Põe na Estante, um podcast de literatura da própria apresentadora. Ele é um clube do livro no formato de podcast com troca de ideias e impressões de convidados sobre o livro do momento.

Gabriela Mayer conta que os dois podcasts são produzidos inteiramente de forma independente, ou seja, tudo é realizado por ela, desde a produção, roteirização, até a postagem. A jornalista diz que há um financiamento coletivo, onde os ouvintes contribuem com valores mensais, e que isso a ajuda na melhoria das produções. Por exemplo, ela paga o “mixador” e o artista plástico que desenha as capas. 

Reprodução de Instagram @gabrielacmayer
Foto reprodução instagram
Disponível em @gabrielacmayer

Falando sobre literatura, ela conta: “Sou uma leitora voraz, gosto muito dos livros, acredito muito na literatura e acho que ela tem um potencial transformador muito grande”. Sobre o jornalismo e no que diz respeito a motivação, Mayer diz que precisava escolher uma carreira para o vestibular, sem a certeza do que queria – estava entre direito e jornalismo. Mas, no fim, ela continuou na área jornalística por ver o motivo em cada uma das histórias, “Também vejo potencial no jornalismo, ainda que seja um pouco idealista” completando que é um importante pilar na democracia, na construção da crítica e para a capacidade de alteridade. 

Logo depois, sobre o trabalho na prática, Gabriela Mayer conta o episódio de Brumadinho, onde ela realizou a cobertura mais importante de sua vida. Mayer ainda acompanha os acontecimentos da tragédia, mesmo não fazendo publicações, pois foi muito marcante não só pelo acontecimento, mas por tudo que a jornalista reflete sobre si mesma e sobre as melhorias futuras que aconteceram na sua vida profissional.

 Assim, ela conta: “Eu estive lá quando a barragem se rompeu, fiquei quase dez dias e voltei seis meses depois para produzir essa série de reportagens, que foi finalista do (prêmio) Herzog.” Mayer completa que se envolveu emocionalmente e que, com isso, houve um desafio extra, dizendo, ainda, que não concorda quando falam sobre o jornalista ser frio e distante, “É inevitável que você tenha emoção envolvida porque você ‘tá’ falando de uma tragédia, de um crime que deixou 270 pessoas mortas”.

A apresentadora revela que não é tranquilo assistir tudo aquilo, estar no silêncio da morte, ver os corpos sendo retirados da lama, sentir o cheiro de decomposição e presenciar a miséria em que as pessoas se encontram após a tragédia, “Foi uma cobertura muito difícil de fazer, mas eu considero muito importante não só pelo teor das histórias, mas considero pessoalmente importante pra minha trajetória como jornalista”.

Mudando o assunto, Gabriela Mayer conta da sua transição para o rádio, pois sempre trabalhou na televisão. Mayer conta que trabalhar com rádio é apaixonante, mas que sente muita falta das imagens, “A construção da história com imagens sempre fez muito sentido pra mim”. Entretanto, ela diz que vê muitas possibilidades no rádio, como, por exemplo, quando algo acontece é possível colocar uma pessoa no telefone, rapidamente, para falar sobre o ocorrido.

Além disso, a apresentadora explica que encontrou dificuldades na adaptação por serem linguagens muito diferentes. Ela fala que a descrição é algo importante, então, precisou passar a descrever muito mais do que antes, já que com imagens não era necessário. Sobre a apresentação, ela conta que não é tão roteirizada, então a improvisação precisa estar ali. E, por fim, Mayer fala sobre a mesa do âncora: “A mesa é enlouquecedora. Você tá falando, pensando no que vai falar, operando a mesa, e aí alguém entra avisando que o fulano de tal caiu na ligação então não é pra chamar mais.”

Indo para uma temática delicada, Gabriela Mayer fala sobre como lida com a exposição e todos os comentários que existem com ela. “Eu lido mal. Eu me lembro de uma vez, na TV Cultura, que um telespectador escreveu para reclamar que eu não deveria apresentar um jornal e muito menos ficar em pé porque meu corpo não era adequado pra ser apresentadora de TV. Eu fiquei arrasada”.

Ela ainda revela que é muito suscetível aos comentários, e que muda muito o conteúdo para os homens. Normalmente, as mensagens negativas da rádio são direcionadas para a apresentadora especificamente por ela ser mulher, como “vaca”, segundo exemplo da jornalista. Mayer também diz que quando são reclamações sobre o conteúdo, ela responde diretamente pelo aplicativo WhatsApp – canal aberto com o público – e que vê a falta de diálogo e como isso dificulta a disseminação das notícias reais, já que as pessoas usam trechos de programas que espalham notícias falsas para rebater aquilo que foi noticiado com veracidade, “Parece que a notícia e o post do Facebook têm o mesmo peso”.

Ainda sobre exposição, Gabriela Mayer fala que lida mal com o assédio que sofre também, “Também lido mal, porque eu respondo muito às pessoas e às vezes eu demoro muito pra perceber quando uma linha tá se cruzando ali, e as vezes vira uma perseguição”. Ela conta que acha legal que a achem bonita, mas que não gosta quando associam isso ao que ela é e que por esse motivo, apenas, ela chegou aonde está, “Tô ali por outros motivos, sabe?”

Com a pandemia, 53% dos brasileiros dizem ter sua saúde mental afetada
por
Giulia Palumbo, Maria Luiza Oliveira e Rafaela Correa
|
20/05/2021 - 12h

Com a pandemia, a depressão encontrou combustível para se alastrar na sociedade. Um estudo publicado na revista científica americana Jama (Journal of the American Medical Associatio), aponta que a doença cresceu três vezes na pandemia e é o principal fator de risco para o suicídio, ato que é a segunda causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos. 

Percebe-se que muitos jovens têm dificuldade de falar sobre saúde mental com seus familiares. Mas não podemos colocar na conta da pandemia de Covid-19 mais de 350 milhões de pessoas no mundo que foram atingidas pela depressão mesmo antes da quarentena. No entanto, a família precisa se apoiar para, juntos, enfrentarem essa doença resistente. Depressão não é tristeza, nem frescura. Para falar a verdade, cuidar da depressão não é fácil. Um em cada três pacientes não melhora mesmo após inúmeras tentativas de tratamento. 

No psiquismo humano, existem diversos mecanismos de defesa. "Em casos como depressão e problemáticas que envolvem a saúde mental dentro do âmbito familiar, os parentes acabam reagindo com negação ao problema. Tal comportamento interfere no sistema e no convívio familiar, diz a psicopedagoga e psicóloga Elizabetty Monteiro

Para a estudante Maria Luiza Costa (18), que sofre desde antes da pandemia com transtornos psicológicos, foi muito difícil ter a aceitação da família, mesmo com pessoas próximas diagnosticadas com o problema. “Minha mãe e minha avó já tiveram depressão, mas quando fui diagnosticada, elas minimizaram a situação. Aquela teoria de ‘você é jovem, você só estuda, você tem tudo’. [...] mas era como se eu sentisse um vazio sem fim”. 

Ola
Da direita para a esquerda: vovó Maria Jerônimo da Costa, 72; e mamãe Maria Aparecida Jerônimo da Costa, 46. Familia da maria Luiza.

Elizabetty Monteiro ressalta ainda que outro fator muito recorrente entre as famílias, é  que além dos parentes negarem, eles relacionam a doença à fé, “A religião sempre foi um impedimento na ciência.  As famílias que possuem fanatismo religioso, acabam se agarrando em sua fé e atrapalhando o tratamento. Ciência com fé não se mistura pois a ciência tem o papel de diagnosticar e a fé de acolher”, diz.  

Na história da humanidade, a saúde mental sempre foi uma questão em segundo plano, pois determinadas características eram consideradas como possessão,  de uma forma mística, sempre envolvendo medo e mistério. Nos dias de hoje, esse preconceito diminuiu decorrente da evolução da neurociência. Mas ainda continua enraizado em nossa sociedade.

Elizabetty também explica que a pandemia mexeu com questões históricas do homem, o que acabou gerando angústia e depressão à população. “O homem é um ser que necessita se situar no mundo, ter rotina e liberdade. A pandemia abalou essas questões, pois baniu a necessidade de sonhar e de estar sob controle da própria vida. Dessa forma, o homem foi castrado e acabou impotente”, analisa.

oal
Escritora, pedagoga, psicóloga e psicopedagoga Elizabeth Monteiro

De acordo com pesquisa encomendada pelo Fórum Econômico Mundial, do Instituto Ipsos (Índice Primário de Sentimento do Consumidor), 53% dos brasileiros declararam que sua saúde mental piorou durante a pandemia. Uma média maior do que dos outros 30 países que participaram da pesquisa.  

Para Maria Luiza a situação foi diferente, ela afirma que durante este período focou em fazer o tratamento com psicólogo e psiquiatra, o que a ajudou. Contudo, sua medicação aumentou: “[...] o que eu não estourei no início, está acontecendo agora. Mas acho que segurei bem a onda, no sentido de: prestar atenção no meu corpo, na minha saúde mental” 

Mas essa não está sendo a realidade de todos os brasileiros, como ela relata em seu próprio seio familiar, “por serem pessoas mais antigas, acham que isso é tabu, que isso pode ser frescura. nela". A pesquisa da Ipsos consultou 21 mil pessoas, e em média, 45% da população dos países envolvidos esperam voltar à normalidade ainda este ano, já 41% acredita que levará mais tempo. Maria Luiza acredita que em um mundo pós pandemia a saúde mental será outra, “ Todo mundo vai sair com sequelas da pandemia, perdas. É muito difícil você ligar a televisão e ver mortes e mais mortes”

Rosimeire Peres, assistente social, já chegou a acompanhar mil famílias do território do Itaim Paulista de extrema vulnerabilidade social, quando trabalhou no SASF (Serviço de Assistência Social à Família). Ela explica que dentro do ambiente familiar às vezes os pais não conseguem ter esse entendimento da necessidade dos filhos, seja em relação ao atendimento psicológico ou educacional, e diz que isso se acentua em famílias fragilizadas socialmente.

Uma pesquisa feita pela revista médica Inglesa The Lancet aponta que brasileiros em situação de pobreza e com baixa escolaridade são mais suscetíveis a doenças como depressão. Rosimeire acompanhou essa realidade no local em que trabalhava, e ainda acrescenta que mesmo os membros saudáveis do seio familiar do enfermo podem influenciar no quadro clínico: “Quando a gente fala em famílias em situação de vulnerabilidade social, é bem complicado, a gente percebe que dentro desse núcleo familiar, a mãe ou o pai, muitas vezes eles não têm um discernimento sobre essas questões[...]”, diz Peres.

oi
Na foto nossa assistente social entrevistada, Rosimeire Peres.
​​​​​​

Esse desequilíbrio que leva à doenças psiquiátricas também causa outros tipos de dificuldades nos lares e  podem agravar a patologia. Rosimeire acrescenta que a falta de reconhecimento pela família implica em desentendimentos sobre o que há com a criança ou o adolescente, levando os pais a pensarem que os filhos são preguiçosos ou “danados”, que por sua vez, pode levar à agressão corretiva: “A violência permeia vários aspectos. Começa com os xingamentos, às vezes os pais não tem paciência, xinga a criança, depois do xingamento começa um puxão de orelha, um beliscão, um tapinha na cabeça[...] Muitas vezes eles não percebem, né, acham que é uma correção”.

As covereadoras Dafne Sena e Samara Sosthenes relatam as dificuldades em serem mulheres que representam pautas minoritárias na Câmara Municipal de São Paulo
por
Evelyn Fagundes, Gabriela Costa e Malu Marinho
|
08/05/2021 - 12h
A covereadora Samara posa para foto
Samara Sosthenes, covereadora pelo PSOL em São Paulo. — Foto: Divulgação

“Era um momento tão ruim que, para mim, a única saída era a morte, o suicídio”, confessa Samara Sosthenes, atual covereadora do mandato coletivo “Quilombo Periférico”, ao relembrar de sua vida há dois anos atrás. A sua vontade de permanecer viva só retornou quando ela viu Robeyoncé Lima, co-deputada estadual de Pernambuco e Erica Malunguinho, deputada estadual de São Paulo, serem eleitas como mulheres trans, em seus respectivos cargos, e viu o potencial de mudança que as minorias na política possuem. “Hoje, eu estou tendo a oportunidade de legislar com essas pessoas e eu penso que não posso morrer porque é a minha vez de fazer essa diferença. Enxergar mulheres como eu se elegendo e atuando daquele jeito salvou a minha vida”, diz.

Em 2015, Samara Sosthenes foi morar, por necessidade financeira, em uma ocupação do MTST, no extremo sul da capital paulista. Dentro desse contexto, ela começou a conviver com diferentes histórias e a entender a questão da luta por moradia no país. Quando iniciou seus estudos na Uneafro Brasil, da qual hoje é coordenadora de um núcleo da Luz, ela também teve contato com os problemas da educação brasileira atual. “Todo meu aprendizado político foi fruto do meu contato com os movimentos sociais, sejam eles por moradia, por educação ou pelos direitos das mulheres. Tudo o que eu sei é por conta deles.”

Assim como Samara, Dafne Sena, covereadora da “Bancada Feminista” pelo PSOL, aliou-se à política na cidade de São Paulo, mas com foco na causa ambiental. "Eu me organizei, me filiei ao partido quando mudei para São Paulo, há uns seis ou sete anos. Sempre estive organizada nos movimentos ambientais e em várias outras iniciativas aqui na cidade, como pela igualdade de gênero".

Mesmo antes de participar assiduamente dos movimentos sociais, a covereadora já discutia política em casa, com sua mãe e seus avós. Além disso, Dafne é adepta ao veganismo:  “já fazem uns bons anos que sou vegana, sempre estive junto aos ativistas, nesse movimento que aqui no Brasil a gente chama de 'veganismo popular', uma proposta ligada à agroecologia e reforma agrária, contrapondo a vertente liberal, que se alia ao próprio mercado e ao agronegócio."

covereadora Dafne sena
Dafne Sena,  parlamentar pela Bancada Feminista do PSOL em São Paulo. - Foto: Reprodução.

A política ainda é demasiadamente masculina, o que traz a tona, a cada dia, a dificuldade de ser mulher dentro da câmara: "estar nesses espaços, no Brasil de sempre — mas principalmente no de hoje em dia — é um enfrentamento constante". Permanecer nesses ambientes é fortalecer a resistência e ultrapassar obstáculos diários, "se ficarmos presos em estereótipos nunca vamos entender de fato a luta que é necessária, pois, no momento em que estamos, a ideia de 'passar a boiada' significa a destruição absoluta das nossas condições de vida."

Sobre esses estereótipos, Dafne revelou ser muito difícil tentar alcançar as expectativas colocadas em uma mulher eleita. Geralmente, elas rondam em torno da própria falta de representatividade, já que, como não há muitos integrantes de minorias dentro da política, é sobre os poucos existentes que recai a responsabilidade de expor essas demandas. “A cada pauta adicionada na nossa luta, também acrescentamos mais elementos do que as pessoas esperam que a gente seja e que nunca vamos conseguir atender”.

Além disso, também existem os ideais criados pelos adversários políticos e as dificuldades que são enfrentadas para garantir que determinadas ações sejam realizadas. “É um movimento de muita auto reflexão, às vezes, mas principalmente um movimento de tentar permanecer nesses espaços apesar de todas as contradições e todos os elementos que são colocados como obstáculos”.

Dafne Sena, ao centro da foto, em ato de solidariedade pelo caso da modelo Mari Ferrer. - Foto: Reprodução
Dafne Sena, ao centro da foto, em ato de solidariedade pelo caso da modelo Mari Ferrer. - Foto: Reprodução 

Da mesma maneira que Dafne enfrenta dificuldade por ser mulher dentro da política, Samara também sofreu não apenas por ser uma mulher negra, mas também por ser trans. Na madrugada do dia 31 de janeiro, a covereadora afirmou que um vizinho ouviu barulhos de disparos na frente de sua casa, uma situação parecida com o que ocorreu com as vereadoras Erika Hilton e Carolina Iara”, ambas mulheres trans. A Polícia Civil teria concluído que não houve atentado nem no caso de Iara, nem de Sosthenes e, durante o andamento das investigações, ambas tiveram que andar acompanhadas de seguranças particulares. 

Samara ainda reiterou que, desde a morte de Marielle Franco, os ataques a todo tipo de minorias na política têm aumentado intensamente e que, provavelmente, são causados por conta do crescimento da representatividade dentro da política e são mais direcionados a lideranças femininas, pretas e periféricas. “Nossos corpos na política são novidade e eles sabem o efeito que causamos: a política está mudando, mas isso também causa uma reação do outro lado; o lado branco, sexista, cisgênero, acompanhado por bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Então esses ataques vêm por conta do medo, porque a única maneira que eles sabem responder é com a violência.” 

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, principalmente no contexto pandêmico, Dafne afirma continuar na luta, se apegando à imagens de um futuro melhor. “É exaustivo sim, cansa. Tem épocas de profunda desesperança, mas eu entendo isso como uma tarefa histórica. Sinto que perdemos a solidariedade intergeracional, o entendimento de que as mudanças que queremos ver no mundo não necessariamente vão acontecer enquanto eu estou nele, mas acontecerão enquanto outras mulheres estiverem, aquelas que virão depois de mim”, revela.

Esse pensamento de fazer um trabalho que vai além de si é o que manteve Samara viva há dois anos e ainda é o que a sustenta nessa luta. “Acredito muito no poder da representatividade, porque do mesmo jeito que me espelhei em diversas mulheres como eu, muitas pessoas vêm me dizer que sou uma inspiração. Eu me sinto muito lisonjeada, mas também muito pressionada, porque a gente pensa “quem sou eu para servir de inspiração?”, mas só o fato de estarmos vivos, resistindo e lutando já é motivo de inspiração suficiente.” afirma esperançosa, Samara Sosthenes.

 

Depois de 3 décadas, a tendência volta aos guarda-roupas
por
Giulia Palumbo, Maria Luiza de Oliveira e Rafaela Correa
|
22/04/2021 - 12h

 

É difícil definir a moda dos anos 90. A década foi definitivamente marcante, tanto para os millenials que estavam em ascensão, quanto para a Geração Z, que estava começando a aparecer. 

Um choque de tendências estava por vir, ao mesmo tempo em que itens tão discretos e minimalistas da Calvin Klein quanto marcantes ainda fazem parte dos nossos guarda-roupas: vestidos tipo slip, botas Doc Martens, gargantilhas e tops, por exemplo.

Enquanto a década de 80 é lembrada pelas calças coloridas, jaquetas bufantes ou de couro, os cabelos armados  e uma obsessão por roupas de grife, como se pode perceber no filme “Top Gun" – muito marcante na época, o início dos anos 90 foi decididamente de baixa inovação, por assim dizer.

Para o stylist Francisco Costa, a moda dos anos 90 era usada como uniforme do Trap e do  Hip-Hop, naquela época estilo adquirido inicialmente pelos afros, “a moda dos anos 90 originou-se de pessoas negras, como Michael Jordan que hoje é um dos maiores astro pop do mundo. Não é atoa que uma das peças que mais marca a volta da moda anos 90 no mundo, é o tênis Nike Jordan .”. O stylist ainda ressalta o tempo em que a moda serviu como forma protesto aqui no Brasil, com a ex-banda de rap, os Racionais MC 'S. O grupo representava a população periférica que lutava pelos seus direitos. Desta forma, a roupa dos rappers virou uniforme de combate à desigualdade.

Já proprietária da loja Mysa, Bruna Perez, que tem como objetivo resgatar a moda dos anos 90 e 2000, e aumentar a autoestima de suas consumidoras, afirma que de lá pra cá a moda mudou e traz consigo algumas alterações nos trajes, “ A calça de cintura alta é uma das principais marcas dos anos 90, mas tem muita gente que não gosta. Se você não se sente bem com alguma dessas peças, a produção de moda brasileira hoje, te apresenta outras opções. Independente da moda, você tem que usar o que te representa e o que te faz se sentir bem consigo mesma.”.

Foto bruna Perez
Bruna Perez, dona da loja Mysa

Nos dias de hoje está sendo comum a volta do que estava em alta em décadas passadas, mas com uma readaptação de acordo com o momento: CDs e DVDs agora em serviços de streamings, programas antes somente para rádio que se revolucionou com o podcast, e o mesmo aconteceu com a moda.  O estilo de roupas da série “Friends” (1994) ou do filme “As Patricinhas de Beverly Hills” (1995) estão nos guarda-roupas dessa geração, mas com variações e releituras para a sociedade contemporânea, “ Partindo do princípio que ‘nada a gente cria, tudo se copia’, tudo é uma releitura de tudo sempre. Ou seja, uma readaptação da antiga” - ressalta a banda Blanc Sec. 

Dessa forma,  é possível ver este retorno por meio de filmes, séries e novelas atuais, como exemplifica a banda com a série "Stranger Things” (2016), que tem uma estética dos anos 90 mas com as câmeras e o olhar atual, intervindo nas formas dos fãs se vestirem. E com um mundo cada vez mais conectado por meio das redes sociais e o surgimento de blogueiras, que  influenciam seus seguidores, sendo de uma maneira positiva ou não,  a como agir e até mesmo se vestir. “Muitas meninas me chamam e dizem que encontraram seu lifestyle depois que conheceram a mim e a minha loja”, ressalta Bruna. 

MODA E AUTO CONHECIMENTO

A moda vai muito além de vestir uma roupa, mas sim, uma forma de se expressar e de se comunicar com o mundo, como já abordado neste texto, “a gente tem que se sentir livre para se expressar através das roupas, sem as amarras da sociedade. (...) Crie o seu momento, por meio da sua tendência e da sua expressão”, aponta a banda Blanc Sec. 

"Meu vô gostava de vestir moletom, que tinha a ver com a personalidade e com a expressão dele” - explica Cauê Gantus (17), integrante da banda Blanc Sec. Entender a moda para compreender a personalidade de alguém está diretamente conectado, e o audiovisual utiliza desse mecanismo para escrever um personagem e uma narrativa, um exemplo é a série “O Gambito da Rainha” (2020), que se passa na década de 60 e que possui um figurino baseado de acordo com o auto conhecimento de Beth, personagem principal, ao decorrer da série e do momento que ela estava vivendo. 

Ou seja, o comportamento de alguém influencia suas escolhas de roupa e na imagem que será passada para a sociedade. Para Bruna Perez, o surgimento da sua loja ocorreu quando ela se auto conheceu e compreendeu o seu estilo, querendo passá-lo para outras pessoas. 

Banda
Banda Blanc Sec em um ensaio fotográfico 

Em meio a pandemia, ao home office e ao ensino à distância, a moda está se transformando, “as pessoas estão criando suas próprias tendências, se conhecendo (...) criou-se uma nova percepção do que eu posso vestir, posso colocar um terno com uma calça de pijama por baixo, uma nova ‘não-tendência’” - ressalta a banda Blanc Sec. 

 

 

 

 

Líderes do movimento refletem sobre os eventos passados e suas implicações para o futuro, reforçando a importância da reforma agrária
por
Hadass Leventhal e Victoria Nogueira
|
17/04/2021 - 12h

 

 

25 anos atrás, ao final do dia 17 de abril de 1996 no sul do Pará, 21 trabalhadores rurais foram mortos pela polícia em um conflito armado. A tragédia ficou conhecida como o massacre de Eldorado dos Carajás. Hoje, com a conjuntura política do governo Bolsonaro, observa-se que as questões do campo ainda estão longe de serem resolvidas.

 

Antes do massacre

No ano anterior à chacina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organizou milhares de famílias em um acampamento à beira da estrada para protestar pela expropriação da Fazenda Macaxeira, propriedade que consideravam improdutiva. Em resposta às reivindicações, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) inspecionou a área, mas concluiu que o sítio era produtivo. Na época, o MST informou que essa decisão foi tomada por conta de um suborno ao superintendente do Instituto no Pará.  

Em março de 1996, as 3.500 famílias acampadas nas estradas retomaram as negociações com o Incra ao ocuparem as terras da fazenda. Ao mesmo tempo, também se reuniram com políticos paraenses, advogando pela mesma causa. O Instituto de Terras do Pará (ITERPA) passou a mediar o acordo entre os camponeses e o Incra, estabelecendo que enviaria 12 toneladas de alimentos e 70 caixas de remédios ao grupo. 

Porém, os trabalhadores rurais não receberam o que lhes havia sido prometido. Assim, no mês seguinte, parte das famílias acampadas decidiu fazer uma marcha até Belém em protesto pela efetivação das medidas acordadas e a disponibilização da Fazenda Macaxeira.

Em 16 de abril do mesmo ano, os militantes bloquearam uma estrada próxima ao município de Eldorado dos Carajás, demandando por suprimentos básicos e meios de transporte para continuar sua caminhada. O grupo negociou, desta vez, com o comandante da Companhia Independente de Policiamento do Meio Ambiente (CIPOMA), que lhes garantiu a chegada de alimentos e ônibus. 

Na manhã do dia seguinte, o grupo foi informado de que o acordo havia sido anulado. Deste modo, os fazendeiros continuaram a bloquear a estrada; agora, na altura da curva S, em Eldorado dos Carajás. Algumas horas depois, estavam cercados por policiais dos municípios de Parauapebas e Marabá. Não se sabe de fato quem iniciou o ataque. Entretanto, não há dúvidas de que o dia terminou com 19 camponeses mortos e 56 feridos. No total, 21 trabalhadores faleceram. 

 

Depois do massacre

No laudo de Badan Palhares, médico legista que analisou o caso, consta que sete vítimas haviam sido lesionadas por golpes de foice, e, em seguida, executadas a tiros. Depois do confronto, o coronel Mário Pantoja, comandante da ação, reconheceu que os guardas haviam exagerado em sua abordagem violenta. 

Hoje, Francisco Moura, membro da direção nacional do MST, indigna-se com a reação jurídica aos acontecimentos. “Não temos nada o que comemorar”, diz ele. “25 anos do massacre de Eldorado dos Carajás. 25 anos de impunidade nesse país”. 

Dos 155 policiais envolvidos no conflito, somente dois foram condenados. Os comandantes Mário Pantoja e José Maria Oliveira, como réus primários, responderam ao processo em liberdade. Ambos foram condenados e presos em 2004, mas, menos de um ano depois, foram soltos por conta de um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) que os permitiu recorrer de suas sentenças em liberdade. 

 Depois que as sentenças transitaram em julgado, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará determinou a prisão de Oliveira. Pantoja se entregou espontaneamente, e 16 anos depois, em abril de 2012, os dois foram presos novamente. Quatro anos depois, o coronel Pantoja passou a cumprir prisão domiciliar por motivos de saúde. Ao final de 2020, morreu contaminado pela COVID-19. Já Oliveira segue em prisão domiciliar desde 2018. 

Para nós que participamos do massacre, fica a dor dos camponeses, a dor das famílias, a dor do MST de não ter um julgamento justo”, relata Moura. Além da isenção dos envolvidos, o líder do MST critica a falta de compromisso do governo com o amparo das vítimas restantes. “Podemos dizer que o estado do Pará é negligente sobre essa questão do massacre”. Somente alguns sobreviventes da chacina foram indenizados. “Outros vivem com muita dificuldade no campo porque o massacre tirou a maioria deles do trabalho rural”, revela.

 

Dia Internacional da Luta Camponesa

Apesar do luto, o líder do MST reconhece algumas conquistas decorrentes do conflito. João Paulo Rodrigues, um dos coordenadores nacionais da organização, relembra quenós tivemos um período que poderia ter sido feita a reforma agrária no Brasil, que foi no governo Jango. No golpe. Depois disso, a reforma agrária ficou paralisada por praticamente 50 anos”. Somente algumas décadas depois, com os massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás, houve “o primeiro grande momento de popularização do tema questão agrária”. A despeito das perdas, o militante comemora a conquista do Dia Internacional da Luta Camponesa. “No Brasil, é um dia decretado pelo congresso nacional”. O “dia de luta pela reforma agrária”, como coloca Rodrigues, é reconhecido por organizações de mais de 80 países pelo mundo, segundo o coordenador.

 

Hoje em dia

Os líderes do MST se mantêm atentos aos projetos políticos atuais, pois consideram que o massacre dos Carajás é emblemático da vida do trabalhador rural brasileiro.  “Estamos voltando a 1850”, alerta Rodrigues. Chegamos 25 anos depois ainda com uma quantidade imensa de famílias sem terra e acampadas. São quase 200 mil famílias que vivem nas condições mais adversas na beira-estrada”. 

Moura descreve que “nós do MST temos lutado diuturnamente para não acontecer mais massacres que nem o dos Carajás, o de Corumbiara, e todos os outros silenciosamente que estão acontecendo aqui na região amazônica”. O ativista adverte sobre as mortes que ocorrem “na calada da noite”.

“Tem muita morte silenciosa de indígenas, camponeses e quilombolas aqui na nossa região que a gente não sabe e não tem resultado final”, denuncia.

A violência contra militantes pela reforma agrária se encontra fortalecida por falas violentas ditas pelo presidente Jair Bolsonaro. Por exemplo, antes de ser eleito, no dia 13 de julho de 2018, em visita à cidade de Eldorado dos Carajás, o político exclamou que “quem tinha que estar preso é a liderança do MST, que provocaram esse episódio, esses canalhas, esses vagabundos, e não o coronel da polícia militar que estava cumprindo o seu papel. Deixo claro, os policiais reagiram para não morrer trucidados com armas brancas desses bandidos do MST. Quase 3 anos depois, as medidas tomadas durante sua administração demonstram que sua interpretação continua intacta.

 

A reforma agrária no governo de Jair Bolsonaro

A reforma agrária permanece um empecilho no governo de Jair Bolsonaro. Contrário à reforma, o presidente nunca escondeu o seu posicionamento em prol dos grandes latifundiários. Inclusive foi eleito com apoio satisfatório por parte da bancada ruralista que enxerga, na figura de Bolsonaro, uma oportunidade de expandir o agronegócio nas regiões norte e centro-oeste do país.         

Em todos os países desenvolvidos foi feito algum programa de reforma agrária. Pelo capitalismo para desenvolver o interior do país, a produção de matéria prima, indústria, gerar renda e ocupação de território, ou pelas experiências revolucionárias socialistas, como foi a mexicana, cubana, chinesa. No Brasil, você tem o processo inverso. É um dos países com maior concentração de terra”, afirma Rodrigues.

A luta pela reforma agrária contrasta com os altos níveis de desmatamento na Amazônia. No mesmo ano de 2020, de acordo com dados divulgados pelo MAAP (Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina), a floresta teve perda de 2,3 milhões de hectares, sendo 65% deles no Brasil, o terceiro pior registro nos últimos 20 anos. As áreas devastadas estariam diretamente ligadas à expansão da pecuária extensiva na região. 

"Quem preserva a Amazônia são as comunidades indígenas, ativistas, e a pequena agricultura. Enquanto tivermos o Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente, e o Bolsonaro, a Amazônia será terra arrasada porque eles não têm compromisso com a preservação ambiental, com os extrativistas e com as comunidades que vivem lá”, ressalta o dirigente nacional do MST. 

A degradação da floresta atrelada à expansão do agronegócio, bem como a recusa do poder Executivo em consolidar um projeto de reforma agrária, são fatores que acirram os conflitos no campo e culminam em massacres, a exemplo do visto em Eldorado dos Carajás. Para Rodrigues, a reforma agrária pode ser feita, simplesmente, com a caneta do Governo Federal. Ela apenas precisa precisa do orçamento aprovado pelo Congresso. Então, hoje, o problema de não ter uma reforma no Brasil é a forma de concepção de mundo deste governo genocida chamado Bolsonaro. É ele que não quer, destaca.

Jair Bolsonaro, antes de assumir a presidência,  já colecionava ataques aos movimentos que lutam pela reforma agrária. O mais recente foi no dia 15 de abril deste ano quando, por meio de suas redes sociais, publicou um vídeo em que acusava o MST de estar agindo violentamente contra assentados no sul da Bahia. Em resposta, o movimento afirmou que não tem envolvimento com o caso, e que espera que as investigações encontrem os responsáveis. 

 

As homenagens às vítimas do massacre de Eldorado dos Carajás

Todos os anos são prestadas homenagens às vidas perdidas no massacre de Eldorado dos Carajás. Desde 2020, no entanto, elas têm sido diferentes em razão da COVID-19. “Por conta da pandemia, temos focado nas ações de solidariedade. Todos os estados estão com ações planejadas, especialmente de doação de alimentos. Também vamos fazer, em muitos lugares, paralisações com faixas, cartazes, algumas chamas que mantêm viva a memória de Eldorado dos Carajás ”, destaca Marina dos Santos, integrante do setor de frente de massas do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra.

Hoje, o local que foi cenário do massacre é considerado sagrado pelo MST. O espaço abriga o Monumento das Castanheiras Queimadas, reduto formado por árvores mortas que representam as vítimas do conflito. Além disso, a fazenda Macaxeira, que era posse de um dos mandantes do crime, foi desapropriada e atualmente integra o assentamento 17 de abril, data que marca o conflito e é comemorado o Dia Mundial da Luta pela Terra. Segundo Marina dos Santos, integrante do setor de frente de massas do MST, “Abril, desde o massacre do Eldorado dos Carajás, é o mês com letra maiúscula. Porque ele é um mês de luto, em memória aos mártires do massacre de Eldorado dos Carajás, mas ele é, também, um mês de lutas. De lutas onde a gente dialoga com a sociedade as bandeiras de reforma agrária, popular, as bandeiras da produção, as bandeiras de uma sociedade mais justa e igualitária”.