Entenda como a privatização do transporte público influencia na sua segurança
por
Amanda Campos
Gabriela Blanco
Lorena Basilia
Manuela Schenk
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10/06/2025 - 12h

Após o trágico acidente na linha 5-lilás que matou um homem de 35 anos, o assunto segurança no transporte público vem sendo amplamente discutido, principalmente quando se fala das vias privadas. A reportagem a seguir fala sobre a falta de segurança na mobilidade urbana na cidade de São Paulo. Em entrevista à AGEMT, o especialista Igor Bonifácio responde algumas das perguntas mais recorrentes sobre o assunto. Assista. 

 

 

 

Casos de violência escolar evidenciam problemas estruturais que demandam políticas públicas urgentes
por
Eduarda Amaral
Emily de Matos
Luis Henrique Oliveira
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10/06/2025 - 12h

Em abril deste ano, uma aluna bolsista no Colégio Presbiteriano Mackenzie (CPM) foi encontrada desacordada no banheiro, após tentativa de suicídio e levada às pressas para o hospital Santa Casa de Misericórdia, no qual ficou internada durante três dias. Segundo a advogada da família, a jovem era alvo de bullying entre os colegas e comumente ouvia xingamentos como “cigarrinho queimado” e “preta lésbica”, além da frase “volta para a África”.

De acordo com a mãe da adolescente, o instituto de ensino já havia sido contactado duas vezes antes do episódio, sem que medidas concretas fossem tomadas. “Ela já vinha relatando casos de racismo dentro da escola desde maio de 2024. Ela chegava em casa chorando, dizia que não tinha amigos e era excluída. Quando a avó ia buscá-la, os outros alunos tiravam sarro dela, com xingamentos racistas”, relatou para o UOL

Em nota, o colégio informou que “está apurando cuidadosamente as circunstâncias do ocorrido, com seriedade e zelo, ouvindo todos os envolvidos no tempo e nas condições adequadas, inclusive a aluna, assim que estiver pronta para se manifestar no ambiente pedagógico”.

O caso infelizmente não é isolado e, hoje, o Brasil conta com mais de 280 mil registros de injúria racial, sendo 318 desses processos envolvendo crianças e adolescentes, conforme dados oficiais levantados pelo Escavador durante os anos de 2022 e 2025. Além disso, foram classificados 175 processos como “Bullying, Violência e Discriminação” no campo de Direito à Educação.

Colégio Mackenzie Higienópolis
Colégio Presbiteriano Mackenzie Higienópolis Foto: Reprodução/Folha deS.Paulo

O ensino privado tem como foco priorizar qualidade educacional, mas muitas instituições negligenciam a construção de relações inclusivas. Para Lanna Cristine, licencianda em linguagem pela Faculdade SESI-SP de Educação, em entrevista à AGEMT, a verdadeira qualidade educacional emerge de ambientes que acolhem todos os estudantes, independente de quem for. Ela observa que muitos estagiários sem formação específica em inclusão tentam integrar alunos ao espaço escolar, mas, na verdade, “é o espaço que precisa ser incluído para o estudante”, pontua Cristine, enfatizando a importância de estruturas institucionais receptivas. “Um espaço que promove acolhimento para o estudante vai promover, consequentemente, a aprendizagem”, conclui.

O problema não se limita apenas às instituições privadas, casos de discriminação são comumente vivenciados em escolas públicas. A última ocorrência que ganhou destaque na mídia situou-se em uma escola pública de Luziânia (GO), quando uma aluna em tratamento de câncer virou alvo de bullying na sala de aula por duas colegas. Os xingamentos – que iam desde o jeito de andar até o cabelo, que estava crescendo após a quimioterapia – afetaram o psicológico da jovem, que, segundo a irmã, “não está conseguindo dormir, não quer mais ir à escola, se sente triste, insegura e muito humilhada”, relatou em entrevista para o Metrópoles.

A Secretaria de Educação do Estado de Goiás (SEDUC-GO) informou em nota que o colégio não havia sido informado pela família da vítima sobre a situação e apenas tomou conhecimento a partir de um vídeo nas redes sociais. Ainda em nota, o órgão estadual disse que acionou o programa “Ouvir e Acolher” para investigar o ocorrido e prestar apoio psicológico para a vítima. 

Dados mais recentes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2019), realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde, revelam que 23,0% dos estudantes brasileiros se sentiram humilhados por colegas duas ou mais vezes durante os 30 dias anteriores à pesquisa. O levantamento ouviu 11,8 milhões de estudantes entre 13 a 17 anos, e mostrou a disparidade entre as escolas públicas com 50,7% de alunos e 14,5% nas instituições privadas. Características físicas motivam a maior parte das discriminações, aparência do corpo (16,5%), aparência do rosto (11,6%) e cor ou raça (4,6%). O cenário reforça a demanda por políticas efetivas de combate à violência escolar.

As denúncias de violência nas escolas brasileiras cresceram 50% em 2023, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). O Disque 100 recebeu 9.530 denúncias sobre violência em instituições de ensino, superando os registros de 2022. Entre janeiro a setembro de 2023, mais de 50 mil violações de direitos humanos foram reportadas em cenários escolares, crianças e adolescentes representaram 74% dos casos envolvendo grupos vulneráveis em setembro.

Luciano Felipe da Silva, professor na EMEF Hipólito José da Costa, defende que não é apenas o ambiente educacional que precisa mudar e que, muitas vezes, os alunos já chegam com os valores deturpados, reproduzindo o que ouvem em casa. “Frequentemente recebemos responsáveis de estudantes que vem à escola registrar reclamações pelo fato de os professores trabalharem temas fundamentais, que estão no currículo, tais como escravidão e intolerância religiosa”, relatou. 

Para Lanna, é possível mudar a questão da cultura escolar a partir de uma gestão que se baseie em questões humanitárias e sociais dentro das instituições, junto de trabalhos pedagógicos que complementem e trabalhem com os alunos como superar a cultura da violência e da intolerância com o diferente. Ela explica que “toda violência que acontece na sala de aula precisa de uma prática inclusiva que parta não de situações, mas de uma missão humanitária. Além de estudantes, eles [alunos] são pessoas em formação, tanto a vítima quanto o agressor, e precisam ser educados para respeitar as diferenças não só no âmbito educacional, mas na sociedade em si”. 

O combate ao racismo e ao bullying no ambiente escolar exige ação constante e políticas públicas efetivas. Como destaca Luciano, “É um trabalho contínuo, a partir da realidade em que eles vivem. Um cidadão pode levar isso para o local em que está inserido e ser um agente de transformação no território.” Enquanto isso não se torna prioridade em todas as esferas educacionais, estudantes de todas as classes sociais seguem sendo vítimas de uma sociedade que ainda não aprendeu a educar sem excluir.

O cantor porto-riquenho Bad Bunny conquistou sucesso no país por meio de trend no Tiktok
por
Mariane Beraldes
Thainá Brito
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10/06/2025 - 12h

Artistas latinos dominam as paradas mundialmente, mas no Brasil, a presença só cresce impulsionada por trends no TikTok. Bad Bunny e a capa de seu novo álbum "Debí Tirar Más Fotos" confirma isso. Sua música viralizou na plataforma com a produção de memes e vídeos curtos em Janeiro de 2025. "DTMF", uma de suas músicas que ficou famosa, finalmente fez o artista aparecer entre as mais ouvidas no Spotify Brasil, um cenário marcado pela forte presença do funk e sertanejo. 

Rafael Silva Noleto, antropólogo, cantor e compositor, além de professor adjunto da Universidade Federal de Pelotas, em entrevista à AGEMT, explica o porquê do Brasil, mesmo tão próximo geograficamente, não ter costume de ouvir música hispânica. Apesar dos sinais de mudanças no país, ainda há resistência por parte do público brasileiro em consumir músicas em espanhol.

Circo de rua no Ceará leva alegria e risadas em quatro rodas
por
Juliana Bertini de Paula
Maria Eduarda Cepeda
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09/06/2025 - 12h

Em 2019, Henrique Rosa e Amanda Santos, um casal de artistas no Ceará, voltavam depois de mais um expediente de espetáculos que faziam como palhaços no Parque Aquático de Aquiraz, quando uma ideia, misturada com um sonho, dá origem a um projeto: um circo itinerante em um fusca. Na entrevista, conhecemos mais sobre a história do projeto e seu trabalho pelas ruas do Ceará. 

 

Entenda como as redes sociais podem afetar o desenvolvimento psicológico dos jovens
por
Julia Naspolini
Liz Ortiz
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09/06/2025 - 12h

Recentemente, as redes sociais foram tomadas por uma “treta teen”. Por dois dias o grande assunto entre adultos e adolescentes foi uma briga envolvendo um grupo de meninas tiktokers. Liz Macedo, Antonella Braga, Júlia Pimentel e Duda Guerra, jovens na faixa de 15, 16 anos, que somam milhões de seguidores nas redes e tiveram um desentendimento envolvendo os namorados, levando a discussão para internet ao gravarem pronunciamentos de suas versões.

Pelo grande número de seguidores, a história viralizou, levando a rede a se dividir em lados na briga e fazendo com que as meninas recebessem muitos comentários de ódio. Toda essa polêmica fez muitos pais se preocuparem com essa superexposição digital que os jovens presenciam. É inegável que as redes sociais têm se expandido cada vez mais entre o público juvenil - tanto no consumo do conteúdo, quanto na produção dele. No mundo de hiperconexão é difícil impedir que as crianças tenham contato com a internet, mas é necessário que haja algum controle, ou no mínimo uma orientação parental do que os filhos estão consumindo ou produzindo.

Foto de Duda Guerra, Julia Pimentel, Liz Macedo e Antonella Braga
Duda Guerra, Julia Pimentel, Liz Macedo e Antonella Braga
Foto:Reprodução Instagram

Crescer já é, por si só, um processo delicado. Agora, crescer lidando com uma plateia invisível que pode curtir, compartilhar e criticar suas ações, leva a vulnerabilidade da adolescência a um novo nível.  A internet é uma terra de ninguém, onde há muita desinformação e muitas pessoas escondidas no anonimato que não possuem filtro algum para xingamentos. 

Antes das redes sociais,  cada um era exposto a uma quantidade pequena de pessoas. Hoje, com a vida online tudo que é postado de forma pública, pode ser acessado e comentado por qualquer um. Durante a fase de desenvolvimento em que o cérebro busca constante aprovação, essa superexposição pode ser  extremamente prejudicial à saúde mental, podendo levar o adolescente a desenvolver transtornos como a ansiedade e a depressão.

Além das plataformas digitais reforçarem uma autoimagem baseada na aprovação externa, onde os jovens buscam validação através de curtidas e comentários, elas também fazem com que eles consumam as postagens de outras pessoas que podem gerar constantes comparações com padrões irreais de beleza, sucesso e felicidade. 

A psicóloga Bruna Marchi Moraes, formada pela Faculdade São Francisco, em entrevista à AGEMT, comenta sobre a diferença entre o uso saudável da internet e de um uso prejudicial. Para Bruna, "o uso saudável é aquele que é intencional, equilibrado e supervisionado — contribui para aprendizado, lazer e socialização, sem substituir as experiências offline. Já o uso prejudicial envolve excesso de tempo de tela, isolamento, consumo passivo de conteúdo, dependência emocional das redes e prejuízo nas atividades do cotidiano como sono, escola e convívio familiar".

A autoestima não é o único aspecto abalado pela exposição em excesso às redes sociais, ela pode afetar também a forma que o adolescente se relaciona com os outros, gerar mudanças bruscas de humor, isolamento, queda no rendimento escolar, desinteresse em atividades que antes eram prazerosas e irritabilidade. Bruna ainda alerta que “estudos apontam correlações entre uso excessivo de telas desde cedo e sintomas de ansiedade, depressão e dificuldades de atenção. A hiperestimulação digital pode afetar o funcionamento do cérebro em desenvolvimento, especialmente em crianças com predisposições genéticas ou ambientais para esses transtornos.”

Para evitar que uma ferramenta valiosa como a internet se transforme em algo negativo, ela defende que o papel dos pais, é  de orientar, supervisionar e modelar o uso responsável da internet. Limites saudáveis envolvem horários pré-estabelecidos, escolha de conteúdos adequados, conversas abertas sobre os riscos e incentivo a atividades offline. Mais do que proibir, é importante ensinar o uso consciente e equilibrado.

Um recado de Bruna aos adolescentes, “Gostaria que soubessem que a internet pode ser uma ferramenta incrível, mas também pode influenciar seus pensamentos, emoções e autoestima de maneira sutil e profunda. Que não precisam se comparar com os outros o tempo todo, e que os momentos desconectados também são essenciais para se conhecer, descansar e crescer com mais equilíbrio”.

As covereadoras Dafne Sena e Samara Sosthenes relatam as dificuldades em serem mulheres que representam pautas minoritárias na Câmara Municipal de São Paulo
por
Evelyn Fagundes, Gabriela Costa e Malu Marinho
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08/05/2021 - 12h
A covereadora Samara posa para foto
Samara Sosthenes, covereadora pelo PSOL em São Paulo. — Foto: Divulgação

“Era um momento tão ruim que, para mim, a única saída era a morte, o suicídio”, confessa Samara Sosthenes, atual covereadora do mandato coletivo “Quilombo Periférico”, ao relembrar de sua vida há dois anos atrás. A sua vontade de permanecer viva só retornou quando ela viu Robeyoncé Lima, co-deputada estadual de Pernambuco e Erica Malunguinho, deputada estadual de São Paulo, serem eleitas como mulheres trans, em seus respectivos cargos, e viu o potencial de mudança que as minorias na política possuem. “Hoje, eu estou tendo a oportunidade de legislar com essas pessoas e eu penso que não posso morrer porque é a minha vez de fazer essa diferença. Enxergar mulheres como eu se elegendo e atuando daquele jeito salvou a minha vida”, diz.

Em 2015, Samara Sosthenes foi morar, por necessidade financeira, em uma ocupação do MTST, no extremo sul da capital paulista. Dentro desse contexto, ela começou a conviver com diferentes histórias e a entender a questão da luta por moradia no país. Quando iniciou seus estudos na Uneafro Brasil, da qual hoje é coordenadora de um núcleo da Luz, ela também teve contato com os problemas da educação brasileira atual. “Todo meu aprendizado político foi fruto do meu contato com os movimentos sociais, sejam eles por moradia, por educação ou pelos direitos das mulheres. Tudo o que eu sei é por conta deles.”

Assim como Samara, Dafne Sena, covereadora da “Bancada Feminista” pelo PSOL, aliou-se à política na cidade de São Paulo, mas com foco na causa ambiental. "Eu me organizei, me filiei ao partido quando mudei para São Paulo, há uns seis ou sete anos. Sempre estive organizada nos movimentos ambientais e em várias outras iniciativas aqui na cidade, como pela igualdade de gênero".

Mesmo antes de participar assiduamente dos movimentos sociais, a covereadora já discutia política em casa, com sua mãe e seus avós. Além disso, Dafne é adepta ao veganismo:  “já fazem uns bons anos que sou vegana, sempre estive junto aos ativistas, nesse movimento que aqui no Brasil a gente chama de 'veganismo popular', uma proposta ligada à agroecologia e reforma agrária, contrapondo a vertente liberal, que se alia ao próprio mercado e ao agronegócio."

covereadora Dafne sena
Dafne Sena,  parlamentar pela Bancada Feminista do PSOL em São Paulo. - Foto: Reprodução.

A política ainda é demasiadamente masculina, o que traz a tona, a cada dia, a dificuldade de ser mulher dentro da câmara: "estar nesses espaços, no Brasil de sempre — mas principalmente no de hoje em dia — é um enfrentamento constante". Permanecer nesses ambientes é fortalecer a resistência e ultrapassar obstáculos diários, "se ficarmos presos em estereótipos nunca vamos entender de fato a luta que é necessária, pois, no momento em que estamos, a ideia de 'passar a boiada' significa a destruição absoluta das nossas condições de vida."

Sobre esses estereótipos, Dafne revelou ser muito difícil tentar alcançar as expectativas colocadas em uma mulher eleita. Geralmente, elas rondam em torno da própria falta de representatividade, já que, como não há muitos integrantes de minorias dentro da política, é sobre os poucos existentes que recai a responsabilidade de expor essas demandas. “A cada pauta adicionada na nossa luta, também acrescentamos mais elementos do que as pessoas esperam que a gente seja e que nunca vamos conseguir atender”.

Além disso, também existem os ideais criados pelos adversários políticos e as dificuldades que são enfrentadas para garantir que determinadas ações sejam realizadas. “É um movimento de muita auto reflexão, às vezes, mas principalmente um movimento de tentar permanecer nesses espaços apesar de todas as contradições e todos os elementos que são colocados como obstáculos”.

Dafne Sena, ao centro da foto, em ato de solidariedade pelo caso da modelo Mari Ferrer. - Foto: Reprodução
Dafne Sena, ao centro da foto, em ato de solidariedade pelo caso da modelo Mari Ferrer. - Foto: Reprodução 

Da mesma maneira que Dafne enfrenta dificuldade por ser mulher dentro da política, Samara também sofreu não apenas por ser uma mulher negra, mas também por ser trans. Na madrugada do dia 31 de janeiro, a covereadora afirmou que um vizinho ouviu barulhos de disparos na frente de sua casa, uma situação parecida com o que ocorreu com as vereadoras Erika Hilton e Carolina Iara”, ambas mulheres trans. A Polícia Civil teria concluído que não houve atentado nem no caso de Iara, nem de Sosthenes e, durante o andamento das investigações, ambas tiveram que andar acompanhadas de seguranças particulares. 

Samara ainda reiterou que, desde a morte de Marielle Franco, os ataques a todo tipo de minorias na política têm aumentado intensamente e que, provavelmente, são causados por conta do crescimento da representatividade dentro da política e são mais direcionados a lideranças femininas, pretas e periféricas. “Nossos corpos na política são novidade e eles sabem o efeito que causamos: a política está mudando, mas isso também causa uma reação do outro lado; o lado branco, sexista, cisgênero, acompanhado por bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Então esses ataques vêm por conta do medo, porque a única maneira que eles sabem responder é com a violência.” 

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, principalmente no contexto pandêmico, Dafne afirma continuar na luta, se apegando à imagens de um futuro melhor. “É exaustivo sim, cansa. Tem épocas de profunda desesperança, mas eu entendo isso como uma tarefa histórica. Sinto que perdemos a solidariedade intergeracional, o entendimento de que as mudanças que queremos ver no mundo não necessariamente vão acontecer enquanto eu estou nele, mas acontecerão enquanto outras mulheres estiverem, aquelas que virão depois de mim”, revela.

Esse pensamento de fazer um trabalho que vai além de si é o que manteve Samara viva há dois anos e ainda é o que a sustenta nessa luta. “Acredito muito no poder da representatividade, porque do mesmo jeito que me espelhei em diversas mulheres como eu, muitas pessoas vêm me dizer que sou uma inspiração. Eu me sinto muito lisonjeada, mas também muito pressionada, porque a gente pensa “quem sou eu para servir de inspiração?”, mas só o fato de estarmos vivos, resistindo e lutando já é motivo de inspiração suficiente.” afirma esperançosa, Samara Sosthenes.

 

Depois de 3 décadas, a tendência volta aos guarda-roupas
por
Giulia Palumbo, Maria Luiza de Oliveira e Rafaela Correa
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22/04/2021 - 12h

 

É difícil definir a moda dos anos 90. A década foi definitivamente marcante, tanto para os millenials que estavam em ascensão, quanto para a Geração Z, que estava começando a aparecer. 

Um choque de tendências estava por vir, ao mesmo tempo em que itens tão discretos e minimalistas da Calvin Klein quanto marcantes ainda fazem parte dos nossos guarda-roupas: vestidos tipo slip, botas Doc Martens, gargantilhas e tops, por exemplo.

Enquanto a década de 80 é lembrada pelas calças coloridas, jaquetas bufantes ou de couro, os cabelos armados  e uma obsessão por roupas de grife, como se pode perceber no filme “Top Gun" – muito marcante na época, o início dos anos 90 foi decididamente de baixa inovação, por assim dizer.

Para o stylist Francisco Costa, a moda dos anos 90 era usada como uniforme do Trap e do  Hip-Hop, naquela época estilo adquirido inicialmente pelos afros, “a moda dos anos 90 originou-se de pessoas negras, como Michael Jordan que hoje é um dos maiores astro pop do mundo. Não é atoa que uma das peças que mais marca a volta da moda anos 90 no mundo, é o tênis Nike Jordan .”. O stylist ainda ressalta o tempo em que a moda serviu como forma protesto aqui no Brasil, com a ex-banda de rap, os Racionais MC 'S. O grupo representava a população periférica que lutava pelos seus direitos. Desta forma, a roupa dos rappers virou uniforme de combate à desigualdade.

Já proprietária da loja Mysa, Bruna Perez, que tem como objetivo resgatar a moda dos anos 90 e 2000, e aumentar a autoestima de suas consumidoras, afirma que de lá pra cá a moda mudou e traz consigo algumas alterações nos trajes, “ A calça de cintura alta é uma das principais marcas dos anos 90, mas tem muita gente que não gosta. Se você não se sente bem com alguma dessas peças, a produção de moda brasileira hoje, te apresenta outras opções. Independente da moda, você tem que usar o que te representa e o que te faz se sentir bem consigo mesma.”.

Foto bruna Perez
Bruna Perez, dona da loja Mysa

Nos dias de hoje está sendo comum a volta do que estava em alta em décadas passadas, mas com uma readaptação de acordo com o momento: CDs e DVDs agora em serviços de streamings, programas antes somente para rádio que se revolucionou com o podcast, e o mesmo aconteceu com a moda.  O estilo de roupas da série “Friends” (1994) ou do filme “As Patricinhas de Beverly Hills” (1995) estão nos guarda-roupas dessa geração, mas com variações e releituras para a sociedade contemporânea, “ Partindo do princípio que ‘nada a gente cria, tudo se copia’, tudo é uma releitura de tudo sempre. Ou seja, uma readaptação da antiga” - ressalta a banda Blanc Sec. 

Dessa forma,  é possível ver este retorno por meio de filmes, séries e novelas atuais, como exemplifica a banda com a série "Stranger Things” (2016), que tem uma estética dos anos 90 mas com as câmeras e o olhar atual, intervindo nas formas dos fãs se vestirem. E com um mundo cada vez mais conectado por meio das redes sociais e o surgimento de blogueiras, que  influenciam seus seguidores, sendo de uma maneira positiva ou não,  a como agir e até mesmo se vestir. “Muitas meninas me chamam e dizem que encontraram seu lifestyle depois que conheceram a mim e a minha loja”, ressalta Bruna. 

MODA E AUTO CONHECIMENTO

A moda vai muito além de vestir uma roupa, mas sim, uma forma de se expressar e de se comunicar com o mundo, como já abordado neste texto, “a gente tem que se sentir livre para se expressar através das roupas, sem as amarras da sociedade. (...) Crie o seu momento, por meio da sua tendência e da sua expressão”, aponta a banda Blanc Sec. 

"Meu vô gostava de vestir moletom, que tinha a ver com a personalidade e com a expressão dele” - explica Cauê Gantus (17), integrante da banda Blanc Sec. Entender a moda para compreender a personalidade de alguém está diretamente conectado, e o audiovisual utiliza desse mecanismo para escrever um personagem e uma narrativa, um exemplo é a série “O Gambito da Rainha” (2020), que se passa na década de 60 e que possui um figurino baseado de acordo com o auto conhecimento de Beth, personagem principal, ao decorrer da série e do momento que ela estava vivendo. 

Ou seja, o comportamento de alguém influencia suas escolhas de roupa e na imagem que será passada para a sociedade. Para Bruna Perez, o surgimento da sua loja ocorreu quando ela se auto conheceu e compreendeu o seu estilo, querendo passá-lo para outras pessoas. 

Banda
Banda Blanc Sec em um ensaio fotográfico 

Em meio a pandemia, ao home office e ao ensino à distância, a moda está se transformando, “as pessoas estão criando suas próprias tendências, se conhecendo (...) criou-se uma nova percepção do que eu posso vestir, posso colocar um terno com uma calça de pijama por baixo, uma nova ‘não-tendência’” - ressalta a banda Blanc Sec. 

 

 

 

 

Líderes do movimento refletem sobre os eventos passados e suas implicações para o futuro, reforçando a importância da reforma agrária
por
Hadass Leventhal e Victoria Nogueira
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17/04/2021 - 12h

 

 

25 anos atrás, ao final do dia 17 de abril de 1996 no sul do Pará, 21 trabalhadores rurais foram mortos pela polícia em um conflito armado. A tragédia ficou conhecida como o massacre de Eldorado dos Carajás. Hoje, com a conjuntura política do governo Bolsonaro, observa-se que as questões do campo ainda estão longe de serem resolvidas.

 

Antes do massacre

No ano anterior à chacina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organizou milhares de famílias em um acampamento à beira da estrada para protestar pela expropriação da Fazenda Macaxeira, propriedade que consideravam improdutiva. Em resposta às reivindicações, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) inspecionou a área, mas concluiu que o sítio era produtivo. Na época, o MST informou que essa decisão foi tomada por conta de um suborno ao superintendente do Instituto no Pará.  

Em março de 1996, as 3.500 famílias acampadas nas estradas retomaram as negociações com o Incra ao ocuparem as terras da fazenda. Ao mesmo tempo, também se reuniram com políticos paraenses, advogando pela mesma causa. O Instituto de Terras do Pará (ITERPA) passou a mediar o acordo entre os camponeses e o Incra, estabelecendo que enviaria 12 toneladas de alimentos e 70 caixas de remédios ao grupo. 

Porém, os trabalhadores rurais não receberam o que lhes havia sido prometido. Assim, no mês seguinte, parte das famílias acampadas decidiu fazer uma marcha até Belém em protesto pela efetivação das medidas acordadas e a disponibilização da Fazenda Macaxeira.

Em 16 de abril do mesmo ano, os militantes bloquearam uma estrada próxima ao município de Eldorado dos Carajás, demandando por suprimentos básicos e meios de transporte para continuar sua caminhada. O grupo negociou, desta vez, com o comandante da Companhia Independente de Policiamento do Meio Ambiente (CIPOMA), que lhes garantiu a chegada de alimentos e ônibus. 

Na manhã do dia seguinte, o grupo foi informado de que o acordo havia sido anulado. Deste modo, os fazendeiros continuaram a bloquear a estrada; agora, na altura da curva S, em Eldorado dos Carajás. Algumas horas depois, estavam cercados por policiais dos municípios de Parauapebas e Marabá. Não se sabe de fato quem iniciou o ataque. Entretanto, não há dúvidas de que o dia terminou com 19 camponeses mortos e 56 feridos. No total, 21 trabalhadores faleceram. 

 

Depois do massacre

No laudo de Badan Palhares, médico legista que analisou o caso, consta que sete vítimas haviam sido lesionadas por golpes de foice, e, em seguida, executadas a tiros. Depois do confronto, o coronel Mário Pantoja, comandante da ação, reconheceu que os guardas haviam exagerado em sua abordagem violenta. 

Hoje, Francisco Moura, membro da direção nacional do MST, indigna-se com a reação jurídica aos acontecimentos. “Não temos nada o que comemorar”, diz ele. “25 anos do massacre de Eldorado dos Carajás. 25 anos de impunidade nesse país”. 

Dos 155 policiais envolvidos no conflito, somente dois foram condenados. Os comandantes Mário Pantoja e José Maria Oliveira, como réus primários, responderam ao processo em liberdade. Ambos foram condenados e presos em 2004, mas, menos de um ano depois, foram soltos por conta de um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) que os permitiu recorrer de suas sentenças em liberdade. 

 Depois que as sentenças transitaram em julgado, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará determinou a prisão de Oliveira. Pantoja se entregou espontaneamente, e 16 anos depois, em abril de 2012, os dois foram presos novamente. Quatro anos depois, o coronel Pantoja passou a cumprir prisão domiciliar por motivos de saúde. Ao final de 2020, morreu contaminado pela COVID-19. Já Oliveira segue em prisão domiciliar desde 2018. 

Para nós que participamos do massacre, fica a dor dos camponeses, a dor das famílias, a dor do MST de não ter um julgamento justo”, relata Moura. Além da isenção dos envolvidos, o líder do MST critica a falta de compromisso do governo com o amparo das vítimas restantes. “Podemos dizer que o estado do Pará é negligente sobre essa questão do massacre”. Somente alguns sobreviventes da chacina foram indenizados. “Outros vivem com muita dificuldade no campo porque o massacre tirou a maioria deles do trabalho rural”, revela.

 

Dia Internacional da Luta Camponesa

Apesar do luto, o líder do MST reconhece algumas conquistas decorrentes do conflito. João Paulo Rodrigues, um dos coordenadores nacionais da organização, relembra quenós tivemos um período que poderia ter sido feita a reforma agrária no Brasil, que foi no governo Jango. No golpe. Depois disso, a reforma agrária ficou paralisada por praticamente 50 anos”. Somente algumas décadas depois, com os massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás, houve “o primeiro grande momento de popularização do tema questão agrária”. A despeito das perdas, o militante comemora a conquista do Dia Internacional da Luta Camponesa. “No Brasil, é um dia decretado pelo congresso nacional”. O “dia de luta pela reforma agrária”, como coloca Rodrigues, é reconhecido por organizações de mais de 80 países pelo mundo, segundo o coordenador.

 

Hoje em dia

Os líderes do MST se mantêm atentos aos projetos políticos atuais, pois consideram que o massacre dos Carajás é emblemático da vida do trabalhador rural brasileiro.  “Estamos voltando a 1850”, alerta Rodrigues. Chegamos 25 anos depois ainda com uma quantidade imensa de famílias sem terra e acampadas. São quase 200 mil famílias que vivem nas condições mais adversas na beira-estrada”. 

Moura descreve que “nós do MST temos lutado diuturnamente para não acontecer mais massacres que nem o dos Carajás, o de Corumbiara, e todos os outros silenciosamente que estão acontecendo aqui na região amazônica”. O ativista adverte sobre as mortes que ocorrem “na calada da noite”.

“Tem muita morte silenciosa de indígenas, camponeses e quilombolas aqui na nossa região que a gente não sabe e não tem resultado final”, denuncia.

A violência contra militantes pela reforma agrária se encontra fortalecida por falas violentas ditas pelo presidente Jair Bolsonaro. Por exemplo, antes de ser eleito, no dia 13 de julho de 2018, em visita à cidade de Eldorado dos Carajás, o político exclamou que “quem tinha que estar preso é a liderança do MST, que provocaram esse episódio, esses canalhas, esses vagabundos, e não o coronel da polícia militar que estava cumprindo o seu papel. Deixo claro, os policiais reagiram para não morrer trucidados com armas brancas desses bandidos do MST. Quase 3 anos depois, as medidas tomadas durante sua administração demonstram que sua interpretação continua intacta.

 

A reforma agrária no governo de Jair Bolsonaro

A reforma agrária permanece um empecilho no governo de Jair Bolsonaro. Contrário à reforma, o presidente nunca escondeu o seu posicionamento em prol dos grandes latifundiários. Inclusive foi eleito com apoio satisfatório por parte da bancada ruralista que enxerga, na figura de Bolsonaro, uma oportunidade de expandir o agronegócio nas regiões norte e centro-oeste do país.         

Em todos os países desenvolvidos foi feito algum programa de reforma agrária. Pelo capitalismo para desenvolver o interior do país, a produção de matéria prima, indústria, gerar renda e ocupação de território, ou pelas experiências revolucionárias socialistas, como foi a mexicana, cubana, chinesa. No Brasil, você tem o processo inverso. É um dos países com maior concentração de terra”, afirma Rodrigues.

A luta pela reforma agrária contrasta com os altos níveis de desmatamento na Amazônia. No mesmo ano de 2020, de acordo com dados divulgados pelo MAAP (Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina), a floresta teve perda de 2,3 milhões de hectares, sendo 65% deles no Brasil, o terceiro pior registro nos últimos 20 anos. As áreas devastadas estariam diretamente ligadas à expansão da pecuária extensiva na região. 

"Quem preserva a Amazônia são as comunidades indígenas, ativistas, e a pequena agricultura. Enquanto tivermos o Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente, e o Bolsonaro, a Amazônia será terra arrasada porque eles não têm compromisso com a preservação ambiental, com os extrativistas e com as comunidades que vivem lá”, ressalta o dirigente nacional do MST. 

A degradação da floresta atrelada à expansão do agronegócio, bem como a recusa do poder Executivo em consolidar um projeto de reforma agrária, são fatores que acirram os conflitos no campo e culminam em massacres, a exemplo do visto em Eldorado dos Carajás. Para Rodrigues, a reforma agrária pode ser feita, simplesmente, com a caneta do Governo Federal. Ela apenas precisa precisa do orçamento aprovado pelo Congresso. Então, hoje, o problema de não ter uma reforma no Brasil é a forma de concepção de mundo deste governo genocida chamado Bolsonaro. É ele que não quer, destaca.

Jair Bolsonaro, antes de assumir a presidência,  já colecionava ataques aos movimentos que lutam pela reforma agrária. O mais recente foi no dia 15 de abril deste ano quando, por meio de suas redes sociais, publicou um vídeo em que acusava o MST de estar agindo violentamente contra assentados no sul da Bahia. Em resposta, o movimento afirmou que não tem envolvimento com o caso, e que espera que as investigações encontrem os responsáveis. 

 

As homenagens às vítimas do massacre de Eldorado dos Carajás

Todos os anos são prestadas homenagens às vidas perdidas no massacre de Eldorado dos Carajás. Desde 2020, no entanto, elas têm sido diferentes em razão da COVID-19. “Por conta da pandemia, temos focado nas ações de solidariedade. Todos os estados estão com ações planejadas, especialmente de doação de alimentos. Também vamos fazer, em muitos lugares, paralisações com faixas, cartazes, algumas chamas que mantêm viva a memória de Eldorado dos Carajás ”, destaca Marina dos Santos, integrante do setor de frente de massas do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra.

Hoje, o local que foi cenário do massacre é considerado sagrado pelo MST. O espaço abriga o Monumento das Castanheiras Queimadas, reduto formado por árvores mortas que representam as vítimas do conflito. Além disso, a fazenda Macaxeira, que era posse de um dos mandantes do crime, foi desapropriada e atualmente integra o assentamento 17 de abril, data que marca o conflito e é comemorado o Dia Mundial da Luta pela Terra. Segundo Marina dos Santos, integrante do setor de frente de massas do MST, “Abril, desde o massacre do Eldorado dos Carajás, é o mês com letra maiúscula. Porque ele é um mês de luto, em memória aos mártires do massacre de Eldorado dos Carajás, mas ele é, também, um mês de lutas. De lutas onde a gente dialoga com a sociedade as bandeiras de reforma agrária, popular, as bandeiras da produção, as bandeiras de uma sociedade mais justa e igualitária”.

 

 

 

O Brasil completou um ano de ensino remoto. Para profissionais da área, o combate da covid-19 está sendo ineficiente e não permite a volta das aulas presenciais
por
Fernando Figaro, Giulia Palumbo e Rafaela Correa
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15/04/2021 - 12h

 

Um ano de ensino remoto no Brasil. Foi no mês de março de 2020 que as escolas públicas e particulares de São Paulo fecharam as portas pela primeira vez em anos. Isso se dá em virtude de conter o avanço do vírus. A medida afetou mais de 5 milhões de crianças e adolescentes, segundo o Ministério da Educação. São Paulo foi o primeiro Estado brasileiro a fechar as instituições de ensino e naquele momento pouco se sabia sobre a Covid-19. 

Passado um ano, no que  é considerado o pior colapso hospitalar e sanitário da história, 18 estados brasileiros ainda se veem obrigados a manter o ensino em forma remota. 95% das nações conseguiram retomar o sistema híbrido, contudo,o Brasil não tem nenhum tipo de protocolo para a volta às aulas 100%. A empresa de Fonoaudiologia SIKAF indica que o apoio interdisciplinar nesse momento é imprescindível e a volta às aulas presenciais mesmo que com carga horária reduzida é algo que ajudaria nesse colapso da educação,“ O desenvolvimento foi totalmente  prejudicado, e permanece com muitos déficits. Os anos de 2020 e 2021 comprometem o desenvolvimento escolar e social das crianças. As consequências já estão surgindo e alguns aprendizados não serão recuperados” explicam Katia Tzirnazoglou e Simone Maria, sócias-proprietárias da SIKAF.

A psicopedagoga Quézia Bombonatto reafirma que a falta de interação entre crianças e adolescentes no período escolar pode causar danos cognitivos profundos nos jovens, “mesmo com ações de ensino remoto bem estruturadas, a suspensão temporária das aulas presenciais deverá criar lacunas significativas no aprendizado e consequentemente no desenvolvimento cognitivo dos estudantes”. 

De acordo com a profissional, o isolamento não favorece as nossas formas de vivências e de aprendizagens, uma vez que não passam só pelos aspectos cognitivos, mas pelas necessidades afetivo-emocionais encontradas na sala de aula. Portanto, o isolamento representou uma situação de privação, provocando danos significativos tanto para o desenvolvimento cognitivo quanto psíquico. 

No entanto, Quézia explica que ainda é cedo afirmar que são  danos permanentes, uma vez que as escolas estão buscando formas alternativas para suprir as lacunas no ensino geradas pelo isolamento. Porém, evidências mostram que o impacto é muito maior para aqueles indivíduos que se encontram em situação de vulnerabilidade. Que muitas vezes precisam dividir o cômodo com outras pessoas, não têm internet de qualidade capaz de suportar a transmissão da aula, moram em regiões violentas, e outros motivos, que só dificultam ainda mais o aprendizado e a absorção do conteúdo transmitido em aula.

Quando questionada sobre a volta às aulas, ou ensino híbrido, ressaltou, “tem que se considerar que o retorno às aulas presenciais, ao mesmo tempo que se faz necessário e é desejável, também gera certo grau de insegurança e medo. Para tanto, é importante contar com o preparo psicológico dos vários grupos envolvidos com a escolarização. Isto poderá ser realizado criando-se espaços para trocas, conversas sobre como foram as experiências impostas no período de isolamento, como uso de redes, de mídias diversas, as novas propostas de aprendizagens, as facilidades ou dificuldades que perceberam, os ganhos ou perdas que avaliam que tiveram.”

Em relação às propostas do Ministério da Educação, a psicopedagoga diz ter acompanhado alguns entendimentos feitos entre estados e municípios, por intermediação do Conselho de Secretários Estaduais de Educação e da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação. Foram propostas que visam o desenvolvimento de soluções frente às demandas das escolas e em busca de adequações para o enfrentamento da crise em virtude das perdas decorrentes do fechamento das escolas levando em conta as situações econômico-sociais-culturais diversas por conta da extensão do nosso país, e as desigualdades que se tornaram mais evidentes ainda nesse contexto. 

Sabe-se também, que a dificuldade do ensino remoto atinge professores na mesma medida. Não só os alunos perdem o interesse e sentem dificuldades, como o próprio docente  também se vê em uma situação difícil. É o que Katiane Verazani, bacharel e licenciatura em história, com mestrado em história econômica pela FFLCH-USP, conta. “Na tela só há letras, e a sensação de que falamos para o vazio, ou para ninguém, pois muitas vezes não respondem as perguntas, há um silêncio mortal. Inúmeras vezes tive a certeza de estar sozinha, os alunos apenas faziam login e deixavam suas letras lá, mas não estavam, e numa sala de aula não é possível fazer isso, pois, por mais que os pensamentos não possam ser controlados, eu posso trazê-los de volta de alguma forma, mudando a dinâmica num piscar de olhos.”

Ouve-se com frequência que o ambiente doméstico gera distrações e inconveniências para os alunos, que muitas vezes escolhem não ligar as câmeras, mas Katiane aponta que o mesmo ocorre com professores, “Estar em frente a uma tela, expondo minha casa, minha família, meu universo privado... A invasão de privacidade é o que mais me incomoda e é algo que não se fala e não se pensa a respeito da vida do professor.”  O mesmo vale para o aproveitamento das aulas, enquanto alunos não conseguem absorver o conteúdo ou sentem dificuldades, ela ainda diz que também não sente o rendimento das aulas, estando inserida em um sistema híbrido na escola privada onde trabalha.

A preocupação dos docentes e alunos com o sistema híbrido e remoto, segundo Katiane, está sendo pensada pela equipe das escolas e professores, mas em relação ao posicionamento do Ministério da Educação, não houve medida alguma que tenha alcançado a instituição que ela trabalha “Não mudou em nada minha realidade. Todas as mudanças foram resultados das ações da gestão escolar e dos professores, que agiram bravamente para se adaptar o mais rápido possível à nova realidade.”

por
Henrique Sales Barros
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08/04/2021 - 12h

Por Henrique Sales Barros

 

Certo dia, no início de março de 2021, a estudante de medicina Ana Júlia Araújo, de 20 anos, relata ter ido, acompanhada de uma professora, até o setor de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Geral de Carapicuíba, na Grande São Paulo, onde estagiava desde o começo de fevereiro.

Na ala, a jovem estudante avistou um paciente que não parecia ter muito além de seus 20 anos. O enfermo estava isolado em uma sala, que possuía diversas orientações na porta alertando sobre os cuidados ao se entrar no ambiente, como uso obrigatório de face shield, roupa de proteção etc.

— “Professora, o que aquele paciente tem?” — perguntou Ana Júlia.

Inclinando o rosto aos poucos, como quem quisesse evitar responder à pergunta, a professora suspirou e, por fim, deu retorno ao questionamento:

— “Olha… Aquele paciente ali é um ‘covidaço’.”
— “Mas qual é a história dele?”
— “Ele tem 23 anos.”
— “Mas como está o quadro dele?”
— “Não passa de hoje” — respondeu a professora, em tom de lamentação.

Aquele foi o último dia de Ana Júlia em Carapicuíba antes da suspensão dos estágios devido ao aumento no número de novas internações por covid-19 na unidade, e a estudante não teve mais notícias do jovem com “covidaço”. Era o reflexo do estouro da segunda onda da pandemia no hospital.

Iago Valoti, 24, estudante do quarto ano da graduação de medicina da PUC-SP, em Sorocaba, no interior de São Paulo, iniciou o primeiro semestre de internato no Hospital Santa Lucinda, ligado à universidade, também no início de março, aprendendo a realizar cirurgias em pacientes — mas algumas operações começaram a ser postergadas.

Materiais necessários para cirurgias, como kits de medicamentos sedativos, começaram a faltar nas mesas de cirurgias. O motivo: o número de pacientes com covid-19 com necessidade de intubação e ventilação mecânica cresceu exponencialmente, e a prioridade passou a ser atendê-los.

“A gente acaba vendo algumas cirurgias, mas algumas um pouquinho mais complexas, que teria que dar uma anestesia geral em algum paciente, a gente não está podendo realizar”, diz.

Em 2020, o pico da média móvel de novas internações de pacientes com suspeita ou confirmados com covid-19 no Departamento Regional de Saúde de Sorocaba, segundo dados do governo de SP, foi de 66 novos internados, registrado em 20 de julho. Em 2021, até agora, o pico chegou a 140, em 25 de março — 112% maior que o do ano passado.

As cirurgias que começaram a ser canceladas foram as consideradas eletivas, sem caráter de emergência. Ao fazer atendimentos pré-operatórios e agendar os procedimentos com os pacientes, o estudante passou a ser orientado a alertá-los de que nada garantia que as operações seriam realizadas nas datas previstas.

“A gente tenta deixar da maneira mais clara de que ele (paciente) precisa de cirurgia, mas que não é de urgência, então é difícil essa comunicação. A gente entende como aluno, entende que a atenção tem que ser voltada para a pandemia, mas às vezes o paciente pode acabar não entendendo isso”, relata.

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Suspensões

Valoti não teve o internato no Hospital Santa Lucinda suspenso, o que o estudante avalia como positivo. Quando estiver formado, afinal, o futuro médico não poderá parar os trabalhos caso ocorra uma pandemia como a do novo coronavírus, de fácil transmissão e perigosamente mortal — muito pelo contrário.

A posição que a PUC-SP teve com a segunda onda da pandemia em 2021 foi o oposto da que a universidade tomou em março de 2020, quando optou por suspender não só as atividades presenciais e os estágios ambulatoriais como também os internatos. "A faculdade tentou proteger os alunos, parando tudo no ano passado”, avalia Valoti.

Ainda sim, o estudante passou a temer dois cenários de incerteza devido ao estouro da segunda onda da pandemia em Sorocaba: os internatos voltarem a ser cancelados ou, se continuassem mantidos, os internos passassem a atender pacientes com covid-19, prática que vem sendo evitada de forma generalizada pelas faculdades e hospitais.

Já Ana Júlia, que estuda no Centro Universitário São Camilo, em São Paulo, passou a ter atividades práticas em um centro de simulação no bairro da Pompeia, na zona oeste de São Paulo, no lugar do estágio. Por ser um ambiente controlado, ao invés de pacientes de carne e osso, a estudante passou a lidar com bonecos anatômicos.

“Eu vou para o centro de simulação e vou conversar com boneco, fazer exame físico em um boneco, vou avaliar tudo que tenho que avaliar em um boneco. É essa ‘prática’ que eu estou tendo, bem entre aspas, porque não substitui o paciente de maneira nenhuma”, ressalta.

As atividades em laboratórios e em centros de simulação são as únicas atividades presenciais que Ana Júlia vem tendo. As idas a estes lugares, por questão de segurança, não são feitas com a sala toda e nem sempre: ocorrem em grupos menores, de forma semanal ou em períodos de intervalo que podem variar de duas a três semanas.

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Formação e aprendizado

Com dificuldades para se familiarizar com as aulas virtuais, Valoti avalia que 2020, em termos de aprendizado, foi um ano ruim. “Acabo me distraindo muito fácil. Foi um ano que não consegui aproveitar muito”, diz. Ainda sim, o estudante da PUC-SP enxerga que qualquer prejuízo de conteúdo que vem tendo pode ser recuperado no futuro.

“É o que os professores falam: a gente (estudantes) faz a nossa faculdade”, diz. “Nós vamos acabar tendo o conteúdo, isso eles (professores) não vão deixar passar, mas, às vezes, será de uma forma diferente: algo talvez mais reduzido, e aí nós vamos ter que buscar mais [conteúdo] por conta própria do que o professor ficar passando ali”, afirma.

Já Ana Júlia, por estar no início da graduação, pensa que ainda possui muito tempo pela frente para recuperar qualquer conteúdo perdido. Ainda há quatro anos de faculdade pela frente, afinal. "Eu vou ter tempo de aprender”, diz.

“Nós temos professores muito bons, conseguimos se adaptar muito bem ao modo EaD (Ensino à Distância), e a parte prática, que a gente teoricamente perdeu, nós não perdemos porque nós ainda temos quatro anos de curso. Acredito que nós não vamos ficar assim por muito tempo”, diz.

“Ou pelo menos não por quatro anos — pelo amor de Deus!”