Nadismo.
É quase inequívoco que as artes em geral levam o ser humano à distração, ao relaxamento. Ficamos presos na série que maratonamos na madrugada, no livro que lemos no final da tarde, abusamos do repeat nos aplicativos de música, e é natural, e até esperado, que essas coisas venham trazer relaxamento para o corpo e a mente.
Quando falamos de sono, uma das dicas que sempre surgem é: “coloca uma música para relaxar”, confesso que sou apaixonado por música e não dispenso ouvir algo sempre que posso, mas, mais do que ouvir algo, não tem nada mais relaxante, prazeroso e cômodo do que não fazer nada.
Em uma entrevista no extinto Programa do Porchat, a jornalista e apresentadora Marília Gabriela foi perguntada sobre isso, o que ela gostava de fazer no tempo livre. A resposta foi imediata de bate e pronto, sem medo das reações: fazer nada!
É preciso coragem para admitir que fazer nada é um exercício, afinal, em um mundo que aparentar ser, vale mais que o ser, alguém que tem prazer em não fazer nada é um perdido na vida, alguém vadio, com tempo de sobra e sem compromisso com nada e nem ninguém. Errado! O não fazer nada exige do sujeito uma concentração ímpar.
Tem que estar ali, não só o corpo, a mente também, e é neste ponto que é preciso a atenção. A mente nunca está não fazendo nada, até porque sempre estamos pensando em alguma coisa, mas a mente de quando não fazemos nada ela pode até pensar coisas relevantes, mas a obrigação dela naquele momento é fazer nada, sem preocupações, sem dilemas, apenas, não fazer nada.
Podemos associar o não fazer nada a dormir, e de todo não estaria errado, mas não fazer nada vai além do exercício, é um estado de espírito que você decide estar.
Para fugir do caos, para descansar a mente, para recarregar as energias, a melhor escolha que fazemos, tendo apenas como compromisso o nosso relaxamento, é não fazer nada. E no final, não fazer nada, já é fazer alguma coisa.
Um dos principais capistas da MPB, Elifas Andreato nos deixou na manhã desta terça-feira (29), aos 76 anos. Com cores fortes e de traços únicos, as capas de Elifas expressavam a alma dos inúmeros discos, LP’s, CD’s e DVD 's. Existe despedida possível para artistas da grandeza de Andreato ?
Defensor da democracia e com obra marcada pela defesa dos direitos humanos, Andreato expande aquilo que entendemos como artista. Plural, histórico, belo, as obras de Elifas retrataram a vivacidade do Brasil em períodos que o dia era cinza, em que os anos eram chumbo.
O paranaense de Rolândia levava para as suas capas alma, uma alma multicolorida e musical. E Andreato fazia com uma sensibilidade que só alguém de alma grande conseguiria fazer, alguém que acreditava em um país daquela forma, um país multicolorido. Elifas criou a identidade visual das capas de discos do final do século XX, você talvez não saiba, mas já admirou a obra dele sem o conhecer.
O “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque, é um dos trabalhos mais conhecidos de Andreato. Hoje o Brasil acordou cantando uma faixa desse disco, “Pedaço de Mim”.
“Ó pedaço de mim
Ó metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco”
Como vamos nos despedir de Elifas e de sua obra ? Não existe despedida possível.
As ilustrações de Elifas ficam como acalento para um país arrasado por perdas recentes. Um país que tem perdido a cor. Um país pintado de ódio. A cultura brasileira não perde um símbolo, ganha uma missão.
A missão de fazer o Brasil vivo, belo e multicolorido, como Elifas Andreato fez em toda a sua vida.
A morte inesperada nos mostra a fragilidade humana. Não que seja desconhecida, pelo contrário, todos sabem o quanto o ser humano é frágil e efêmero. Talvez a única certeza da vida seja a morte, e apesar de saber disso, não temos preparo para vivenciar esse processo.
Um artista não morre, porque sua obra não o deixa morrer. Artistas são eternos na memória cultural. Marília Mendonça nos deixou nesta sexta-feira (05), mas a sua arte não a deixará morrer. Marília foi um fenômeno da música brasileira, uma artista completa. Instrumentista, cantora, compositora, é quase impossível que alguém nunca a tenha escutado no Brasil. Às vezes escutou sem querer, pelo som alto do carro que passou na rua tocando: “apaixonadinha, você me deixou, apaixonadinha, você me deixou”. O Brasil se rendeu ao talento de Marília, estava encantado. Encantado não, apaixonadinho.
A goiana de 26 anos de idade era presença certa na trilha sonora das festas de muitas famílias. Rainha da sofrência, Marília nos fazia sofrer como ninguém. Aliás, sofrer pela voz de Marília não era sofrer. Até quem não tem motivo para sofrer, coloca a mão no peito e balança de um lado para o outro cantarolando: “Tá espalhando por aí que eu esfriei, que eu 'tô' mal, que eu 'tô' sem sal, realmente eu 'tô', sem saudade de você, eu já fiz foi te esquecer”. Obviamente, alguém que canta isso nas condições já ditas, não esqueceu, e sente muita saudade. Mas sofrer com Marília não é sofrer, virou quase um hobby.
Um dos principais nomes do cenário sertanejo atual, Marília empoderou mulheres, fazia da dor de um coração partido poesia, e com isso um afago nos sofredores.
Quando nos deparamos com uma situação assim, constatamos o que já é do conhecimento de todos: somos breves! Todos sentem, porque se foi uma mãe, uma filha, uma neta, um alguém que faz parte da memória afetiva do país. Esses fatores aproximam ainda mais todos da dor da perda, do sentimento de que precisamos cada vez mais valorizar o agora. A perda súbita deixa as lacunas do que não aconteceu, do que não vai acontecer, afinal, já foi.
Não existe manual de como lidar com o luto, cada um o vive à sua maneira. Idas repentinas nos deixam mais frágeis, porque passamos a refletir sobre como estamos vivendo. É doloroso quando vemos alguém deixar os seus sem ao menos se despedir, sem um último abraço, um último “eu te amo”. E dói porque estamos tão suscetíveis quanto. A incerteza amedronta, e tudo é incerto.
É incerto que viveremos o que planejamos. É incerto que teremos tempo de deixar para depois aquela conversa, aquele beijo, aquele abraço. É incerto. O escritor José Saramago escreveu que quando pudermos olhar, temos que ver. Quando pudermos ver, temos que reparar. Ao reparar, humanizamos o próximo, deixamos de ver de forma insensível o que acontece à nossa volta.
Somos breves demais para deixar para depois. O “depois” é um tempo que não temos controle, e nem sabemos se chegará. Breves demais para não aproveitar o agora.
Marília deixa filho, familiares, amigos e uma multidão de fãs e admiradores da sua música, do ser humano Marília Dias Mendonça.
É Marília, vai doer demais escutar o seu “bye, bye”.
A semana, norteada por aparatos tecnológicos, não poderia ser melhor descrita pelo envio e recebimento de e-mails. Abro a caixa de entrada: de segunda à sexta, entulhada por arquivos que chegam aos montes. No fim de semana, finalmente, dão uma trégua. E, quando aparecem no almoço de sábado ou jantar de domingo, certamente são para lembrar-me de finalizar a compra de um produto esquecido no carrinho da loja virtual.
O anseio gerado pela expectativa de determinada mensagem já me tirou noites de sono, me fazendo sonhar de olhos abertos pelas madrugadas. E, só quem viveu sabe, a decepção que é abrir a caixa de entrada e não encontrar nada ali para além das propagandas implorando para serem notadas. Ou, na pior das hipóteses, as contas do mês que chegaram...de novo! Não há tecnologia que nos salve dos boletos aguardando pagamento.
Encaro o correio eletrônico como metáforas que simbolizam a passagem do tempo, uma retrospectiva da vida moderna. Afinal, basta comparar os e-mails de janeiro aos de dezembro. O que aconteceu neste período? Histórias que tomaram outros caminhos, se apaixonaram, se despediram de entes e amigos queridos, se viram diante de episódios jamais imaginados. São tantos rumos que poderiam ser recontados a partir da narrativa deixada pelos substitutos das cartas. Não obstante, não raro incorporam os papéis de jornais ou livrarias, lhe recomendando autores nunca lidos anteriormente, te levando para a notícia tão fresca quanto uma melancia recém tirada da geladeira. Como leitora, me sinto plenamente derrotada pelos algoritmos quando sou obrigada a assumir que dada recomendação estava certa. “Por que eu não havia lido isso antes?”.
Como uma cronista amadora que se vê rascunhando acerca do mundo que tem à volta, faço da caixa de entrada um verdadeiro acervo de lembranças. Sendo incapaz de escrever sobre todas elas, me pego bisbilhotando os textos que exalam formalidade, sempre terminados em “abraço” ou “atenciosamente”. Dou risada. Mando cópia para outras pessoas. Me transporto para o passado enquanto recordo os momentos especiais cujos detalhes seriam apagados da memória se não fossem, claro, os e-mails.
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Em 29 de maio de 2021, promoveu-se, em várias capitais do Brasil, manifestações contra as conduções das políticas públicas do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia. Mas como promover esses atos em plena pandemia, onde o distanciamento social, higienização das mãos e uso constante de máscaras se faz necessário? E mais ainda, como registrar esse acontecimento de forma segura?
Dias antes, ao longo da semana que antecipou o ato, pouco se ouviu falar sobre o que viria a ser realizado. Apenas algumas poucas menções surgiam em redes sociais e na internet no geral. Parecia algo especulativo, nada realmente certo. Até que no dia 27 de maio, em uma chamada simples e rápida em emissora de TV, a APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) confirma o ato, marcado para dali 2 dias, em frente ao MASP (Museu de arte de São Paulo), às 16hs. Certo, tinha uma oficialização exposta. Não se tratava apenas de especulação.
Ao chegar na região da Avenida Paulista, por volta das 11hs, o que se podia ver, eram em sua maioria, transeuntes descompromissados, com seus afazeres cotidianos, alguns pedintes e vendedores ambulantes. Nada que indicasse o que viria a se tornar aquele local. Em dado momento, tenho a atenção atraída para um carro estacionado em um recuo de calçada, em frente ao Parque Trianon. Do porta malas desse veículo, um casal, paramentados com luvas, máscaras e óculos de proteção, retiram marmitex e realizam a distribuição às pessoas em situação de rua, que rapidamente e de forma organizada, entram em fila, para receber o alimento.
Aguardo até que terminem seus afazeres e me aproximo para tentar uma conversa. Os dois se mostram bem extrovertidos e até é possível ver a alegria, em seus olhos, ao falar sobre a ação que realizam com o “Projeto Guarda-Chuva - Combate a Fome de Ponta a Ponta”. Onde, em resumo, são arrecadados alimentos em restaurantes da região e distribuídos por voluntários. Como que por um passe de mágica, enquanto conversávamos, um caminhão de som “aparece” em frente ao MASP, barracas estão montadas na calçada, algumas bandeiras hasteadas e uma pequena movimentação de pessoas é percebida. Me despeço do casal e atenho a observar a nova movimentação.
Neste momento me dou conta que o grande vão livre do MASP, não está tão livre como deveria ser, pois esse está cercado por grades de contenção e dentro delas, guardas municipais vigiam o movimento. É possível ver que na barraca montada pela APEOESP, além dos adesivos, que costumam ser comuns, são distribuídos máscaras de proteção PFF e aplicação de álcool em gel aos que se aproximam. Na calçada do Parque Trianon, jovens ligados a movimentos estudantis improvisam um ensaio de bateria, enquanto outros, escrevem faixas com palavras de ordem, como “Comida no Prato e Vacina no Braço”. A movimentação dos transeuntes descompromissados dá lugar a todo o tipo de pessoas, homens e mulheres desacompanhados, famílias com crianças, casais héteros e homoafetivos, idosos, policiais militares, muitos policiais militares. Em comum, todos usando suas máscaras de proteção.
Por volta das 14hs, como que ordenando que voltassem para suas casas, uma chuva torrencial deságua sobre nossas cabeças, dando início à dispersão dos poucos que até aquele momento, ali se encontravam. Mas essa chuva mostrou a que veio. Apenas para acalmar os ânimos dos que pudessem estar mais exaltados. Chuva passageira. Alguém sobe no caminhão de som e inicia uma chamada melodiosa: “Pode chover, pode molhar, eu tô na rua é pra mudar”. Essa chamada ecoou ao longe, fazendo com que as pessoas a atendessem e viessem para a rua.
Quase que de imediato, surgiam mais e mais pessoas, com cartazes feitos em casa, escrito com garranchos ilegíveis. Cada qual com seu pedido ou questionamento: “Fora genocida”, “Chega de Cloroquina, cadê nossa vacina”, “Bolsonaro mata mais que a Covid”, entre tantos outros. Aquele quarteirão em frente ao MASP já não comporta a multidão, que já havia invadido a Avenida Paulista. Nesse momento já são 3 quarteirões, lotados de manifestantes mascarados com suas N95 e munidos de cartazes. Uma pequena tropa de homens vestidos de preto, arrastam uma enorme faixa pelo chão e na sequência à estende. O que se pode ler é: “Gaviões da Fiel contra o comendador da morte” e o brasão do Corinthians. Perto dali, outro caminhão de som, mais palavras de ordem. Uma bateria toca um ritmo chamativo e constante, mais pessoas mascaradas chegam, mais cartazes, mais pedidos de vacinas.
Às 17hs decidi ir embora, meu registro estava finalizado. Minha contribuição já estava feita. Chegou o momento de me besuntar de álcool em gel e ir pra casa. Esperar o noticiário da noite e me regozijar das imagens aéreas que seriam mostradas, ver proporção que tomou essa manifestação pacífica. A manifestação não foi pautada pelos grandes veículos de imprensa.
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