As relações de muitas pessoas com a alimentação passaram por diversas alterações no contexto pandêmico. O podcast a seguir busca abordar as interfaces entre a saúde e a pandemia seguindo pelos pilares da função dos alimentos à imunidade, mas também tratando de assuntos voltados para a compulsão alimentar e o abuso de substâncias alcoólicas. Na ocasião, a nutricionista e residente em oncologia na Unifesp, Bruna Lima e o graduando em psicologia pela FIG, Valter de Souza, foram entrevistados a fim de destrinchar com mais detalhes a temática abordada, relatar mitos de alimentos tidos como cura para a Covid-19 e o papel das redes sociais nesse questão. Confira:
Sabe quando você se corta acidentalmente e começa a sangrar? No mesmo momento, você já pensa em alternativas para estancar o sangue. Agora, imagine não ter nenhum jeito de fazer o sangue parar e ficar sangrando por bastante tempo. Você se sentiria incomodado? Acredito que sim. Apesar desse exemplo ser banal, esse desconforto e falta de opção realmente ocorre com muitas meninas e mulheres durante o período menstrual, sendo muito mais constrangedor e difícil do que a situação anteriormente apresentada.
A escassez de absorventes, água encanada, saneamento básico, banheiros com privacidade, sabonetes, papel higiênico, entre outros recursos essenciais representam a pobreza menstrual. A desinformação também é um ponto crucial que influencia esse problema. Com a falta de conhecimento, a população não reconhece a necessidade e a importância de comprar absorventes por pensar que é um item desnecessário para ser adicionado às despesas, além de não saberem os riscos e impactos causados pela falta de cuidados necessários durante a menstruação. O relatório "Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) juntamente ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) deixa explícito a triste realidade de diversas meninas e mulheres.
A pesquisa comprovou que, aproximadamente, 713 mil brasileiras vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. Além de 900 mil não terem acesso à água canalizada em seus domicílios e 6,5 milhões viverem em casas sem ligação à rede de esgoto. Esse problema afeta principalmente aquelas que vivem em condições de pobreza e de extrema vulnerabilidade em contextos rurais e urbanos, como estudantes de baixa renda e presidiárias, e gera muitos impactos durante toda a vida. Além de denunciar a grande desigualdade social.
A menstruação prejudica o ensino de diversas jovens
A escola poderia servir como um refúgio para essas meninas em situações precárias, contendo saneamento básico e produtos menstruais. Porém isso não ocorre, a maioria dos colégios não possuem nem banheiro em condições de uso. Sendo assim, a melhor alternativa que as alunas encontram é faltar nas aulas. A ONU estima que 1 em cada 10 meninas falte à escola durante a menstruação. Contudo, segundo uma pesquisa encomendada pela marca Always, a situação especificamente no Brasil é bem pior, pois uma em cada quatro mulheres já faltou à aula por não poder comprar absorventes. O estudo também comprovou que quase metade destas (48%) tentaram esconder que o motivo foi a falta de absorventes e 45% acreditam que não ir à aula por falta de itens de higiene provocou consequências negativas ao seu rendimento escolar.
Apesar das alunas esconderem o motivo da ausência e terem vergonha de contar, por a menstruação ainda ser um tabu, a diretora de escola, Edicleia Pereira Dias, foi atenta e não deixou esse problema passar despercebido. Em entrevista ao Fantástico, a educadora relata que, ao analisar as faltas e o período no qual elas ocorriam, assimilou os fatos e entendeu que muitas alunas estavam deixando de frequentar o estabelecimento de ensino durante o período menstrual. E, a partir desse entendimento, desde 2014, ela distribui absorventes todo mês para as estudantes, mudando a vida de muitas adolescentes. Mas, infelizmente, não é sempre que um diretor percebe o problema e tenta combatê-lo.
Como resultado da precariedade menstrual e das faltas escolares, meninas prejudicam o seu desempenho escolar, perdendo muito conteúdo e aprendizados. Isso gera consequências graves a longo prazo. Futuramente essas garotas perdem oportunidades de trabalho e não conseguem empregos muito qualificados, não conseguindo melhorar suas rendas e quebrar o ciclo da pobreza. A partir disso, também ocorre o aumento na desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
Pobreza Menstrual nos presídios
A desigualdade de gênero também é ressaltada dentro das penitenciárias, local onde o corpo masculino é tido como padrão para a entrega de kit de higiene. “Só quem sente na pele sabe. Quando falamos em questão de gênero, não queremos dizer que somos iguais aos homens. Nosso corpo é diferente, mas isso não significa que eu seja mais frágil”, afirma Nicole Campos, gerente técnica de projetos da ONG Plan International Brasil. Todos os presos, tanto homens como mulheres, recebem o mesmo pacote para cuidar de sua saúde. No entanto, o Departamento Penitenciário Nacional alega o aconselhamento por parte do órgão de que sejam distribuídos kits de cuidado pessoal com quantidade suficiente de absorvente pelas unidades prisionais. Mas não é com essa realidade que as detentas se deparam.
Quando disponibilizam, são entregues, em média, 12 absorventes por mês. Há locais que só dão 8, o que é extremamente precário, principalmente para aquelas que têm um fluxo intenso e mais duradouro. Em razão dessa insuficiência, as mulheres recorrem a maneiras inseguras para conter a menstruação. Maria Teresa dos Santos, presidente da Associação de Familiares e Amigos de Pessoas Privadas de Liberdade, declarou ao jornal Estado de Minas que as presas reclamavam de fome, mas, quando um grupo foi visitar o Presídio São Joaquim de Bicas, observou-se que havia miolos de pão na cama e eram usados para substituir o absorvente, pois o que recebiam não era suficiente. Além disso, muitas chegam a utilizar jornal, pedaços de roupa, papel e até resto de plástico. O grande problema consiste nos riscos à saúde. Essas formas de conter o fluxo podem provocar infecções e até mesmo candidíase e cistite
Em outras situações, quando não pecam pela falta, deslizam na má condição do produto. Na Penitenciária Feminina de Piraquara, as detentas já acusaram de receber absorventes vencidos há anos, com um cheiro muito forte e uma fina espessura, sem conseguir reter o sangramento por completo. Helen, auxiliar de cozinha, até o ano passado, pelo menos, visitava uma amiga na cadeia e relatou ao Jornal Plural, de Curitiba, um problema ginecológico pelo qual sua colega enfrentou e que outras mulheres também devem sofrer. “[A hemorragia] começou na segunda, fui visitá-la no domingo e ainda não tinha parado. Eu falei para ela ir ao médico, mas ela disse que já tinha tentado. Quando demora o atendimento, elas batem na ‘bocuda’. Ela fez isso. E em vez de ser tirada para o atendimento, foi mandada para o castigo”, comentou.
Há também escassez de papel higiênico. São concedidos dois rolos a cada 30/45 dias. Esquecem-se de que as mulheres usam mais pelo fator menstrual e pela anatomia. Por conta desses déficits, ficam na dependência dos “jumbos”, itens que suas visitas podem lhe fornecer. Contudo, muitas são abandonadas pela família e ficam sem essa possibilidade de receber mais absorvente. E, com a pandemia, isso se agravou. O envio das mercadorias precisou ser via Sedex, mas, por ter que pagar taxa, deixaram de entregar – já que as pessoas, em sua maioria, têm baixa renda.
Como uma forma de buscar auxiliar as presas, começaram a surgir muitas organizações comunitárias para arrecadar e doar itens de higiene a elas, como o coletivo Nós Mulheres, de São Paulo; coletivo Narcisa Amália, do curso de Jornalismo da PUC-SP; Flores no Cárcere, de Minas Gerais e o projeto Absorvidas, do Rio de Janeiro.
Presos que menstruam: a brutal vida das mulheres - tratadas como homens - nas prisões brasileiras, de Nana Queiroz
Neste livro, há relatos de sete mulheres com quem a jornalista conviveu por um tempo, entre outras que teve apenas um breve encontro, algo passageiro. As entrevistadas eram de diferentes localidades, pelo menos uma de cada região do Brasil. A narrativa contém explicações sobre o sistema penitenciário feminino, descrições de agressões que as presas sofrem, histórias de vida e como são as condições gerais do cárcere - marcados pela insalubridade das celas, alimentos em mau estado e falta de recebimento dos itens essenciais de saúde, como absorvente e papel higiênico. Sem contar que retrata como as mulheres são vistas como homens. Em um dos casos, elas tinham um espelho que deformava o rosto e vestidas por uniformes masculinos que as despersonalizavam. Narramos trechos da obra que representam a pobreza menstrual nos presídios. Ouça aqui!
Entrevista Absorvidas RJ
Confira aqui a entrevista que foi realizada com o projeto Absorvidas, uma organização que luta contra a pobreza menstrual nos presídios.
A pandemia provocou uma crise econômica e social sem precedentes. Para tentar conter a disseminação do vírus no país, as autoridades brasileiras buscaram estabelecer algumas medidas restritivas desde o início de 2020. Porém, alguns setores não pararam, como a área de saúde.
Ao mesmo tempo em que o Brasil vive o agravamento da situação pandêmica, com o novo avanço do número de mortes, segue em alta a discussão sobre o conflito entre medidas para salvar vidas ou a economia.
Dados de 26 estados mostram que o gasto conjunto com saúde somou no ano passado R$ 164,8 bilhões. Este valor decorre de um aumento superior ao dobro da taxa de crescimento das receitas.
Há mais de um ano atuando na linha de frente contra a Covid-19, o impacto na vida dos trabalhadores deste setor é generalizado. De acordo com a Fiocruz, 95% dos profissionais de saúde tiveram suas vidas afetadas de uma forma significativa pela pandemia.
Os dados obtidos pela pesquisa feita em março de 2021, que ouviu mais de 25 mil participantes, mostram um quadro estarrecedor onde a exaustão, a insegurança, o sofrimento e o medo são rotinas.
Além disso, 50% desses profissionais apresentaram aumento na carga horária de trabalho. Vale ressaltar que 45% desses profissionais necessitam de dois empregos para sobreviver.
Um dos aspectos relevantes para a gestão das atividades em saúde é planejar ações com antecedência, algo que não é possível em um cenário pandêmico onde o inesperado e imprevisível fazem parte das rotina diária.
Em épocas de surto, as unidades de saúde podem ser caracterizadas como locais conturbados e caóticos, pressionados por uma demanda bem superior à usual. .
No que se refere aos trabalhadores do setor, manter a competência técnica e científica exige muito controle emocional, considerando que o atendimento apresenta riscos, responsabilidades e sofrimentos. A combinação destes fatores pode ocasionar o adoecimento profissional, e assim impactar o processo de trabalho, e, consequentemente, ameaçar a qualidade e segurança dos serviços.
O fisioterapeuta da Santa Casa de São Paulo Lucas Del Sarto foi um dos afetados pela alta demanda de profissionais de saúde em razão da Covid-19. Ele relata que sua carga horária aumentou radicalmente, passando a 60 horas semanais. Para ele, mais de um ano depois do início da pandemia, é inviável continuar com o mesmo ritmo de trabalho.
Lucas conta que no começo pensava que seria igual à crise da H1N1 (gripe causada pelo vírus influenza que atingiu mais de 200 países entre 2009 e 2010,na primeira pandemia do século 21). Com o tempo, porém, ele foi percebendo que o problema era mais sério. “Eu não fiquei com medo quando os números começaram a aumentar, eu fiquei com pavor”, diz.
Um dos maiores problemas de gestão de crise sanitária e econômica, segundo o fisioterapeuta, é o tempo que as pessoas permanecem internadas. “Os doentes chegam muito rápido, mas demoram para sair”, relata Lucas ao ser questionado sobre a superlotação dos hospitais. “Hoje tem mais de 400 pacientes esperando uma vaga na UTI.”
Segundo o governo de São Paulo, de janeiro a março deste ano, os pacientes com coronavírus ficaram, em média, 19 dias internados na UTI em São Paulo. A média aumentou em comparação com os dados de 2020, que mostravam de 14 a 15 dias.
Lucas, no entanto, relata que o maior problema que tem enfrentado é o isolamento afetivo. Durante a pandemia, ele perdeu o pai, seu grande companheiro. “Eu me sinto em um labirinto cheio de medo, impotência e irritabilidade.” Porém Del Sarto fez questão de frisar a sua esperança em um futuro melhor: “Está difícil, mas a vacina está chegando”.
Esta realidade não é apenas de Lucas, mas de milhares de profissionais que se viram pressionados ao extremo e afastados de seus entes queridos durante a pandemia. Ainda de acordo com o estudo da Fiocruz, durante a pandemia, as alterações mais citadas pelos profissionais foram perturbação do sono (15,8%), irritabilidade/choro frequente/distúrbios em geral (13,6%), incapacidade de relaxar/estresse (11,7%), dificuldade de concentração ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na vida/tristeza/apatia (9,1%), sensação negativa do futuro/pensamento negativo/ suicida (8,3%) e alteração no apetite/alteração do peso (8,1%).
Pesquisa apresentada pelo Journal of Management & Health of Care, a pandemia forçou a modificação de hábitos de vida em trabalhadores da área da saúde, principalmente em fisioterapeutas e enfermeiros, considerados profissionais da linha de frente. O maior impacto observado foi o sedentarismo, que pode levar ao desenvolvimento de doenças e afetar o trabalho.
O fato é que a pandemia expôs a essencialidade dos cuidados em saúde para todos os seres humanos. Contraditoriamente, revelou o quanto estes profissionais ainda não são considerados e respeitados nesse processo.
Já se passou mais de um ano desde a chegada da pandemia do novo coronavírus ao Brasil. A partir disso, muita coisa mudou, como a adaptação de boa parte dos trabalhadores ao regime de trabalho remoto. Com isso, a carga horária dos funcionários também foi afetada e pesou bastante para a rotina daqueles que ainda tinham que cuidar da casa ou estender seu período de serviço até altas horas.
Um exemplo disso está na pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente, da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG). O relatório “Trabalho Docente em tempos de Pandemia” mostrou que 82% dos mais de 15 mil professores da educação básica entrevistados tiveram um aumento significativo das horas de trabalho em comparação com o tempo de preparação das aulas presenciais.
A professora de artes Cristina Souza, que atua na rede pública, afirma que seu horário de serviço foi modificado. “No início eu começava às 7h e ia até as 22h, eram 14 horas trabalhando por dia. Atualmente já consigo fazer apenas oito horas, mas a demanda continua muito exaustiva para quem não tinha tanto trabalho diário e precisa estar disposto a responder aos alunos até em momentos de lazer, como em um sábado”, conta Cristina.
Terapia e psicólogos são disponibilizados
Com isso, os trabalhadores vêm tendo dificuldades para a concentração e descanso durante a pandemia. Na verdade, com todo o caos que o país enfrenta, números de óbitos alarmantes, medo do coronavírus, aumento de produtos para consumo básico e carga horária acima do exigido comumente, algumas empresas precisaram planejar novos benefícios para seus funcionários.
Pensando nessa possibilidade, startups, como a Resultados Digitais, enxergaram a necessidade de oferecer sessões de terapia e psicoterapia no pacote de benefícios dos funcionários. A medida alivia a exaustão das jornadas de trabalho e ajuda na organização mental dos empregados.
A supervisora de RH da empresa, Lillian Steves, comenta que esse foi um processo lento para ser implementado dentro dos critérios em seu serviço. “Tivemos que ir aprendendo a adaptar os funcionários nas atuais condições da crise sanitária. Por isso, a partir desse semestre, temos dez sessões de terapia online a cada seis meses para poder descarregar um pouco da nossa carga emocional e mental, também ajudando no desempenho da companhia”, explica a profissional.
Outras formas de compensar o trabalho árduo são as reuniões no final do expediente, os chamados happy hour, que estão sendo feitos de maneira virtual. “Sempre que possível, toda sexta-feira, eu e minha equipe tentamos fazer uma reunião online para curtir um pouco esse momento livre, compartilhando nossos laços. Também temos um cupom para gastar em um aplicativo de delivery e comprarmos algum lanche dentro de casa. Parece mesmo que estamos dentro de um bar ou algo assim, acho que alivia bastante após um dia cansativo”, conclui Lillian.
Além disso, ações para saúde mental dentro do universo corporativo também estão aparecendo cada vez mais nesse período, o que possibilita outras alternativas para manter o equilibro emocional em grupo. O arquiteto de soluções e desenvolvedor operacional de nuvem Felipe Viana explica isso melhor: “Na minha empresa, fora a oportunidade de realizar 20 sessões particulares de terapia ao longo do ano, também temos palestras envolvendo aulas de ioga, como lidar com o luto, como manter a saúde mental, como dormir melhor e outros assuntos que possam ajudar o psicológico”.
Apesar disso, ainda fica um pouco inviável estar presente nessas conversas abertas e manter o desempenho no trabalho, considerando os horários e afazeres do serviço. “Essas palestras são disponibilizadas somente nas quartas-feiras à tarde, e eu não consigo ver por estar trabalhando ou até mesmo em uma reunião com algum cliente durante a hora, então para mim não ajudam em nada. Portanto, o que mais me alivia após o expediente são os happy hour online”, finaliza Felipe.
Ainda faltam melhorias em várias empresas
Não obstante, não são todas as empresas que investiram na saúde mental dos funcionários nesse período de crise. De acordo com uma pesquisa realizada pela Vittude, 47% das empresas não buscaram nenhuma iniciativa para melhorar a saúde psicológica dos funcionários desde o início da pandemia. Entre os entrevistados, 33% afirmaram que houve sobrecarga e acúmulo de funções no trabalho e 24% tiveram dificuldades de manter a rotina de casa funcionando.
Entre as possíveis melhorias do ambiente de trabalho e cuidados com a saúde mental daqueles que movem uma empresa, muita coisa precisa ser aperfeiçoada para que o meio social desses empregados possa dar apoio às suas angústias dentro ou fora de uma crise sanitária. Aliás, entrar em contato com seu controle emocional e os estresses mentais é um meio de proporcionar uma profunda jornada para o autoconhecimento e fortalecer outros aspectos pessoais.