Antropoceno e os colapsos ambientais foram os temas centrais da última palestra do dia 13 de março, em comemoração aos 13 anos da Agência Pública. Com participação do ativista e escritor, Ailton Krenak, do professor e Climatologista, Carlos Nobre, e da repórter ambiental e internacional, Daniela Chiaretti, a roda de conversa ocorreu no teatro Tucarena, em São Paulo, onde a discussão sobre a crise climática e o que nos espera no futuro tomou conta da arena.
A pergunta “estaríamos vivendo uma era antropocena” (ou a “era dos humanos”) iniciou a discussão. Isso porque em uma reunião recente da Comissão Internacional de Estratigrafia (ICM), foi definido que não. Por essa decisão, é possível perceber que a ICM ignora a marca que os seres humanos fizeram na geologia da terra pelos próximos anos. O professor Carlos Nobre explica: “[A] união internacional de Geologia quer ver se essas épocas geológicas não têm nenhuma que acontece na escala de séculos só em milhares de anos”, diz Nobre.
O professor explica que, diferente da Comissão, ele concorda com a nova nomeação da era: “Se a gente continuar com as emissões, nós vamos chegar em 2100 com 4 graus de aumento. Em 100 anos, nós vamos ter o mesmo aquecimento que levou 12.000 anos para sair da época Glacial e chegar na Interglacial”. No fim de sua fala, o climatologista exemplifica o impacto disso, explicando que, quando a temperatura subir, resultará em uma grande extinção: “Nós estamos tão próximos dessa extinção que fica difícil imaginar porque que não pode se chamar antropoceno”.
Após o professor falar, foi a vez de Ailton Krenak. O ativista inicia exemplificando o pensamento binário da ciência, e apresenta a ideia de uma fita métrica que guia os cientistas: "A metade do planeta já morreu, mas a ciência pode dizer ‘não, ainda não morreu, porque naquele ponto ali [na fita métrica]. Ele menciona que as ações do homem influenciaram tanto o planeta que a era antropocena foi antecipada: “Nunca na história do planeta nenhum organismo espertalhão, como os humanos, acelerou tanto as mudanças no mundo”.
O eruditismo dos povos tradicionais, em respostas a tendências específicas da ciência, toma cada vez mais rumo nas conversas. Krenak argumenta que a perspectiva científica da coisa está atrasada. Ele questiona “E se o nome da coisa não fosse “era geológica”? Se fosse por exemplo uma “era de sensibilidade cósmica”, essa coisa que você não acha que vive só dentro de uma esfera”. Ele conclui: “Para mim, as cosmovisões têm muito mais alcance que uma apreciação geológica”.
A jornalista Daniela Chiaretti diz que a grande mídia tem papel importante na exploração e distribuição dessa informação sobre as crises ambientais. Afirma também que no início das conversas sobre o aquecimento global, havia dificuldade para explicar alguns conceitos: “As convenções que iam ser feitas de clima de biodiversidade. Eu me lembro dos editores falando ‘o que é biodiversidade?’ Daí eu falava ‘é diversidade biológica", ressalta Chiaretti.
Parte da ciência moderna é compreender os pensamentos de comunidades tradicionais. A jornalista do Valor conta sobre sua experiência: “Eu adorei depois tentar traduzir um pouco o pensamento dos povos tradicionais indígenas Isso é Um Desafio".
Por fim, Ailton Krenak falou sobre sua experiência com o mundo contemporâneo e com as hipocrisias de estar falando desse tema em uma “estrutura ferro, cimento, fazendo os abrigos subterrâneos como se a gente já tivesse no apocalipse nuclear adiantado”. Descalço, o ativista e escritor perguntou qual a verdadeira utilidade e conhecimento acadêmico nessa luta a favor da vida na terra e da vida: “Deveriam fechar, por exemplo, uma faculdade de arquitetura que só reproduz essas coisas de ferro, cimento e vidro. Tá passando um atestado de que ela é incompetente e burra. Porque ela está construindo cemitérios futuristas para todos nós”, afirma Krenak.
Na quarta-feira, 13 de março, o Tucarena reuniu convidados renomados como Ailton Krenak, Ana Toni, Juliana Dal Piva e Letícia Cesarino no evento que comemorou o aniversário de 13 anos da Agência Pública, em parceria com o curso de Jornalismo e a Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP. Com o tema "o jornalismo na linha de frente da democracia", as duas mesas no período da manhã debateram sobre desinformação e populismo digital. A noite, o tema do debate foi "o Colapso climático e o antropoceno". Mediados pela jornalista Giovana Girardi, os convidados Carlos Nobre, Ailton Krenak e Daniela Chiaretti abordaram os impactos da ação humana nos ciclos da natureza.
Ailton Krenak, Carlos Nobre e Daniela Chiaretti durante o evento de celebração de 13 anos da Agência
Pública. Imagem: José Cícero/ Agência Pública
Na conferência, transmitida pela TV PUC, Ailton defendeu a tese do racismo climático. “O planeta hoje, tem estimativa de cerca de 600 milhões de pessoas desabrigadas. Se afogando nos oceanos, tomando tiro no México, no Haiti, na Palestina. A experiência humana radicalizou a violência”, diz Krenak, que evidenciou que os mais pobres são os mais vulneráveis às mudanças climáticas e arremata o raciocínio com uma citação do escritor Eduardo Galeano que diz: “A serpente prefere picar o pé descalço, ela não pica o pé de quem usa bota. O ambientalista questiona qual o lugar da democracia numa sociedade em que existe uma camada popular que não tem condições de alcançar o patamar mínimo de ser humano, que vive esmagada pela polícia e abusada pelos governos.
O ativista expõe seu descontentamento, contra as grandes organizações como a ONU, UNESCO, OMS, entre outras. Expõe que estas não têm interesse algum pela democracia. “São superestruturas autoritárias que suportam a marcha capitalista do planeta, comendo o corpo da terra”. Ele relata que participou junto à UNESCO em um projeto em função da criação de uma reserva da biosfera na Serra do Espinhaço. Foi no meio do processo, enquanto tentavam achar alternativas para auxiliar a preservação do meio ambiente, que descobriu que a organização, na verdade, estava agendando outra conferência, que decidiria como seriam feitas as minerações em reservas de biosfera ao redor do planeta. “Então como vamos falar de democracia se os agentes estruturadores de uma ordem global não querem a democracia viva?”, destaca o filósofo.
Krenak evidencia a situação de total emergência do planeta. Compartilha que, por muitos mil anos, a Terra foi algo sagrada para os humanos, a natureza era um símbolo divino. Na sua visão, tudo muda quando o homem evolui e descobre como manusear a agricultura, colocando em sua função os metais e artefatos. O líder indígena lamenta, “passaram a acreditar que a terra é um organismo plástico, que podemos esticar, dobrar, enrolar, derrubar montanhas, comer os oceanos e acabar com as florestas[...] Não foi uma ação geológica que fez isso, fomos nós humanos.” A transmissão completa das mesas está disponível clicando aqui.
Quem é Ailton Krenak?
Ailton Alves Lacerda Krenak, nascido em 1953, é um líder indígena, filósofo, professor, escritor e ativista do meio ambiente. Desde sempre desejou impulsionar a cultura indígena e fazer a diferença para sua comunidade. Ailton foi alfabetizado e se formou em computação gráfica e jornalismo no Paraná. Em 1980, Ailton focou em movimentos indígenas e cinco anos depois fundou um instituto não governamental que prometia impulsionar a cultura indígena. Oito anos depois se conciliou com a União dos Povos Indígenas, a fim de proporcionar maior reconhecimento nacional à minoria. Também se alinhou com uma organização que era a favor da preservação de reservas naturais. Os anos como ativista tornaram Ailton um grande nome na luta ambiental. Em 2003, Krenak foi nomeado assessor especial de Minas Gerais com o intuito de visar os povos originários.
Recebeu título de Professor Doutor pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 2016 e cinco anos depois pela Universidade de Brasília. Krenak foi chamado pela Netflix, para protagonizar a série Guerras do Brasil, onde ele cita momentos históricos de conflito armado. Durante sua vida, Ailton já lançou oito livros e desde o início de 2024, tem seu nome na Academia Brasileira de Letras.
Em 20 de janeiro deste ano, o território Yanomami foi declarado em Estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pelo Ministério da Saúde brasileiro. Concentrados em uma região Amazônica entre o Brasil e a Venezuela, com cerca de 30,4 mil habitantes, Yanomamis sofrem com a intensa atividade de garimpos ilegais no local. Epidemias - como gripe e malária - insegurança alimentar, morte sistemática de crianças indígenas e destruição do meio ambiente são provenientes das ações dos extrativistas na região.
Em entrevista por telefone ao repórter Artur Maciel, da Agência Maurício Tragtenberg (AGEMT), o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Condisi) e representante do Conselho de Saúde Indigena (SESAI), Júnior Hekurari Yanomami, fala sobre a importância da atuação do poder público no combate ao genocídio provocado pela extração ilegal de minérios.
“A ajuda aos Yanomami deu esperança de poder olhar de novo. Olhar o sol brilhante na floresta que estava no escuro”. Júnior Hekurari Yanomami
A fim de combater a desassistência sanitária no território Yanomami, o Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE - Yanomami) - cuja gestão está sob a responsabilidade da SESAI. Segundo a pasta, ao chegar na terra Yanomami, o órgão “se deparou com crianças e idosos em estado grave de saúde, com desnutrição grave, além de muitos casos de malária, infecção respiratória aguda (IRA) e outros agravos”.
“Durante 6 meses, muita gente voluntária. Médicos. Enfermeiros. Farmacêuticos. De São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba”, explica Júnior Hekurari, quando questionado sobre o suporte atual na região após declarada crise sanitária. “A ajuda aos Yanomami deu esperança de poder olhar de novo. Olhar o sol brilhante na floresta que estava no escuro”.
Segundo ele, “antes não tínhamos uma visão, apenas medo. O garimpeiro poluindo nossas terras. Nossas águas. Interrompendo nossos rituais. Culpa do governo ladrão de jóias. As crianças voltaram a brincar e andar depois das ações”. “Eu tinha medo do povo morrer. Sem o Lula, o povo Yanomami ia morrer. Em 2020, 2021, 20 mil garimpeiros destruíram nossas vida” desabafa, citando o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e a atuação do Estado na crise humanitária. Mas pontua com veemência que “ainda tem muita coisa a melhorar”.
Quando perguntado sobre como era tratado o impacto ambiental na região, em relação ao lixo gerado pela atividade garimpeira, o presidente do Condisi declara que “os garimpeiros não respeitam. Desmatam e tiram a terra de nossa vida”. “Durante 4 anos, fomos abandonados pelo governo brasileiro. Por um governo ladrão de jóias. Agora o governo voltou e os profissionais de saúde estão apagando o fogo das emergências pensando em uma restauração”, completa. Ele se refere ao governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), que não raras vezes, ao longo de sua vida pública, legitimou publicamente as atividades ilegais dos garimpos.
Doença, fome e violência: genocídio em prática
As doenças, a insegurança alimentar, a violência e a morte passaram a fazer parte do cotidiano dos Yanomami diante da negligência do Estado em frear a extração indevida de minérios na região. De acordo com levantamento do Malária Journal, o aumento do número de casos de malária - causa recorrente de mortes de crianças indígenas - na região Yanomami saltou de 2.559, em 2010, para 18.765, em 2020. Sobre a presença da doença na região, o representante da Sesai afirma que a doença contamina até mesmo quem vai em seu combate. “Muitos dos médicos 'adoeceu'. Pegou malária e voltaram (para casa)”, conta. “Mas o importante é que a maioria 'desse' profissionais viram Roraima. Viram o Brasil!”, completa, demonstrando, em sua voz, um misto de preocupação pela saúde dos profissionais e esperança diante da visibilidade à situação de seu povo.
Outro aspecto da presença dos garimpeiros na região é o acúmulo de lixo nas proximidades das comunidades. Por conta disso, os indígenas locais entram em contato com elementos provenientes de fontes aquém da natureza - produzidos com materiais que não se reintegram àquele território. Pelo contrário, o desequilibram e o prejudicam. “Hoje tem lama em todo lugar, os garimpeiros deixaram lixo em todo lugar. Máquinas, latas e lixo”.
O que nos leva a outro problema que compõe esse efeito dominó no descaso com a saúde Yanomami: a fome. A alimentação indígena é, primordialmente, garantida pela natureza por meio da caça, pesca e consumo de frutas. Diretamente afetada pelo uso de mercúrio no garimpo, a água foi contaminada. Com isso, peixes mortos, impróprios para consumo, perdem-se nos rios onde a atividade garimpeira está. “O garimpo destruiu nossos rios. Nossas vidas. As mulheres não iam pescar. Não tinha peixe nem camarão para comer. Mataram tudo, não tinha alimento”, aponta Junior. E questiona, em seguida: “que dia vamos voltar a comer peixe? Voltar a comer camarão? O povo não tem”.
Além da malária e da fome, os indígenas ainda precisavam se proteger de outro perigo. Júnior Hekurari Yanomami denuncia que os crimes cometidos pelos garimpeiros também se estendem à violência sexual. Deixando, ainda mais evidente, o risco que a presença desse grupo não-indígena e extrativista provoca na população local. “O que aconteceu aqui foi muito traumático. Meninas de 12 anos grávidas. Estupradas por garimpeiros. Estamos agregando trauma de mães com luta dos filhos. Deram tiros nas crianças”, expõe a liderança. “Destruíram meu povo. Tem cicatrizes grandes até hoje e vai demorar para curar. Talvez em 50 anos. Quem sabe se cura”, conclui, reflexivo.
*Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.
Começou nesta segunda-feira (30), a 15ª Retomada Indígena na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no Campus Monte Alegre. O Programa Pindorama organizou o evento e esteve responsável pela frente de apoio ao acesso e à permanência de estudantes indígenas na universidade. A Retomada se estende até o dia 10/11 (sexta-feira), e conta com programações diversas: feira de arte indígena, exibição de filmes e rodas de conversas.
O evento coloca as demandas indígenas à luz do debate, bem como contribui para a preservação das práticas dos povos tradicionais. Entre as pautas que a Retomada procura promover estão: a presença de indígenas nas instituições de ensino, direitos humanos e territoriais. Josemar Pereira, artista participante da feira, ressaltou a relevância de divulgar o seu trabalho. “Estamos divulgando que a gente existe, que a gente vai continuar existindo e levando um pouco da cultura dos indígenas para os não indígenas."
Além da programação do evento, a 15ª Retomada Indígena conta com a exposição do Manto Tupinambá, peça tradicional, feita com penas vermelhas de Guará, uma ave típica do litoral atlântico. A solene vestimenta retrata o protagonismo indígena na arte e a necessidade de um resgate cultural. Em junho de 2023, o Nationalmuseet (Museu Nacional da Dinamarca) anunciou a sua devolução e a PUC-SP é um dos locais que irá hospedá-lo.
PROGRAMAÇÃO DA 15° RETOMADA INDÍGENA:
30, 31/10, 01/11 e 06 a 10/11 das 10h às 21h
Feira de Arte Indígena
Local: corredor em frente a biblioteca
06/11 – das 19h às 21h
Abertura da Retomada Indígena e da Exposição do Manto Tupinambá
Local: início na Prainha com o Toré em direção ao Auditório 239.
Convidada: Glicéria Tupinambá
07/11 – 17h
Filme: Glicéria Tupinambá e Alexandre Mortagua
Local: Auditório Paulo VI
7/11 das 19h às 21h00 - Roda de Conversa:
TERRA: MARCO TEMPORAL, TERRITÓRIOS E A LUTA PELOS DIREITOS INDÍGENAS.
Local: sala tecnológica 305
Convidados: Valcenir Tibes Karaí (Liderança da TI TENONDÉ PORÃ), Gilberto Awa Tupi Guarani, liderança da Aldeia Multiétnica Filhos desta Terra de Guarulhos (lideranças ainda a definir) e Álvaro Gonzaga Guarani Kaiowá (advogado indigenista e professor de Direito da PUC-SP)
08/11 das 10h às 12H00 - Roda de Conversa:
JUVENTUDES INDÍGENAS E A LUTA POR DIREITOS
Convidados: Pedro Pankararé, Sabrina Xucuru e Talyta Terena
Local: auditório 134 C
08/11 às 12h
Filme: Glicéria Tupinambá e Alexandre Mortagua
Local: Auditório Paulo VI
09/11 das 19h às 21h - Roda de Conversa:
DIREITO À CIDADE E POVOS INDÍGENAS
Convidados: Egina Silva Kaimbé, Estudantes Indígenas e Escritório Modelo da PUC-SP
Local: a confirmar com Eventos.
INSCRIÇÃO PARA O EVENTO É GRATUITA:
https://eventos.pucsp.br/retomadaindigena/