Por Thais Oliveira
Na tela do celular, o relógio marca meia-noite. O tempo passou e a culpa veio à tona, mas isso não a atrapalha de continuar rolando o Instagram por horas ou até mesmo de compartilhar vídeos do Tiktok com os amigos que estão dormindo. O dia começou por volta das 6h00min, logo após desligar o despertador pela terceira vez e a noite mal dormida levou Heloísa, uma advogada de 27 anos, que mora em um apartamento decorado com plantas e com cheiro de capim limão, ao questionamento de se deveria, ou não, levantar e ir ao trabalho.
O ciclo de consumo de conteúdo e a hiperconectividade impactam diretamente na qualidade do sono, relata o professor doutor Pedro Calabrez, especialista em Psicologia e Neurociências Aplicadas. Heloísa comenta que sente o vazio após passar horas nas redes sociais se perdendo em fotos e histórias alheias e deixando de viver a própria vida. Devido ao acesso em massa à Internet, os usuários sentem a pressão de estar sempre atualizados, recebendo durante o dia, múltiplas informações que interrompem a produção de melatonina e interferem nas horas de descanso, criando um ciclo vicioso que prolonga a insônia e afeta o bem-estar.
O destino de Heloísa estava predestinado, independente das poucas horas dormidas. Na mão, um café coado forte com um pedaço de pão francês, enquanto apoia o celular em sua perna para continuar assistindo os vídeos compartilhados e, responder rapidamente às mensagens do Whatsapp, pois era 7h00min da manhã e estava atrasada para o seu compromisso. Heloisa explicou que durante o trabalho no escritório o celular nunca estava em suas mãos e por isso não conseguiria responder tão rápido. Foi preciso confiar em sua palavra e aguardar por seis horas o seu retorno.
O avanço tecnológico trouxe muitos benefícios para o cotidiano, mas também, alguns desafios que passam despercebidos, como o uso do celular à noite. Nesses ambientes corporativos para troca de mensagens digitais as pessoas vivem em um mundo infinito, onde milhares de notícias surgem por segundo e impede o sono de jovens e adultos. O número de usuários que sofrem com a insônia vêm aumentando a cada década, principalmente depois da pandemia. Dados da Associação Brasileira do Sono (ABS) apontam cerca de 73 milhões de brasileiros nessas condições. São horas virando de um lado para o outro na cama sem entender o motivo da dificuldade de fechar os olhos e descansar.
Durante os dias que Heloísa trabalha em casa, o uso do celular é constante. Ao acordar, percebe que está na hora de bater o ponto, são 9h00min e ela não escovou os dentes. Pega o notebook e vai direto verificar os duzentos e-mails que chegaram de uma noite para outra, mas ao lado, coloca uma série para assistir no celular. Heloisa diz que isso ajuda a se concentrar melhor nas tarefas automáticas e assim, foram dois, três, quatro episódios de um dorama na Netflix e algumas horas de vídeos assistidos no Tik Tok.
A dependência por notificações instantâneas e a necessidade constante de estar conectado cria um ciclo vicioso que prejudica a saúde tanto física quanto mental. Ao mergulhar no universo digital antes de dormir ou de fazer uma tarefa importante, o cérebro recebe um sinal contraditório, confundindo o dia e a noite. As consequências vão além da falta de sono, afetando a capacidade de tomar decisões, a memória e até mesmo a imunidade. Para Heloísa, estes ambientes são uma bolha de comparação e de produtividade, parece que todos conseguem dormir cedo e acordar às cinco da manhã para correr 21km na rua. Esses conteúdos geram uma grande frustração e o sentimento de atraso na vida de quem se deita sem conseguir descansar. É como viver em um modo de alerta automático, impedindo o corpo de entrar em estado de relaxamento profundo e reparador.
Heloísa chega do trabalho antes do seu marido Luciano e adianta o jantar, porém apenas às 21h35min, depois de tomar banho e mexer um pouco mais no celular, pois sente que perdeu alguma notícia importante e precisa se informar novamente, tira o alho da geladeira, pega o arroz, coloca a panela no fogo e logo se distrai com uma notificação de mensagem de sua mãe perguntando como estão as coisas. Áudios vão e vem e nada de arroz no fogo.
A madrugada chega e as notificações continuam subindo na tela. Para Heloisa, que vive na correria do dia a dia, o seu momento de lazer é deitar e ficar por horas navegando até conseguir pegar no sono, entretanto, o inesperado acontece, a insônia bate na porta e a luz azul do celular ganha intensidade em meio a escuridão do quarto. Essa exposição emitida antes de dormir desregula o relógio biológico e aumenta os níveis de alerta no corpo, desencadeando problemas temporários e crônicos para a saúde.
De acordo com Calabrez, conforme o cérebro envelhece, a capacidade de atingir o sono profundo diminui. Recomenda que, para entrar em estado de sono profundo, é preciso evitar qualquer tipo de luz artificial, entre às dez da noite e às quatro da manhã. Essas luzes derrubam a produção natural da melatonina, hormônio produzido pela glândula pineal no cérebro que sinaliza ao corpo a hora de dormir, e a sua ausência gera a sensação de cansaço, indisposição e dificuldade em focar nas tarefas. Pessoas que usam dispositivos digitais à noite relatam um sono mais fragmentado e encaram a noite obscura sem ruído externo, mas com um grito insistente dentro de si, o que pode levar a um aumento de até 20% na sensação de sonolência diurna. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 45% da população mundial sofre de algum tipo de distúrbio do sono, e o uso excessivo do tempo de tela em celulares, notebooks e televisão à noite é o principal fator que contribui para o aumento desse número.
O uso da tecnologia na vida de Heloísa tem sido um grande desafio, desde que começou a trabalhar em casa. A ansiedade e o desânimo são sentimentos comuns no seu cotidiano e o seu principal refúgio está vinculado ao uso de aparelhos eletrônicos para relaxar e dormir, porém nem sempre ela descansa ou dorme profundamente. A luz azul continua pela madrugada diante dos olhos dela.
No dia 21 de maio de 1964, pouco tempo após a instauração do Regime Militar no Brasil, Milton Viola Fernandes, mais conhecido como Millôr Fernandes, lançou o jornal “Pif Paf”. A revista, caracterizada por traços críticos, humorísticos e debochados, tinha como objetivo se posicionar como oposição as práticas do período de golpe e repressão que assombraram o país por mais de 20 anos. Além disso, o impresso, que foi censurado e durou apenas oito edições, foi o responsável por abrir as portas para um novo movimento na história das mídias brasileiras: o “Jornalismo Alternativo”.
Nascido em 16 de agosto de 1923, no Rio de Janeiro, mesmo local do lançamento do periódico, Millôr Fernandes é considerado como um dos expoentes da imprensa alternativa no Brasil. O dramaturgo e escritor brasileiro dono de um estilo próprio e de um humor ácido e inconfundível definia a si mesmo como jornalista.
Conhecido por seus textos críticos e sátiros ao mesmo tempo, Millôr trabalhou em diversos veículos brasileiros de comunicação e deixou sua marca por onde passou. Responsável por peças teatrais, que abordavam temas como liberdade, moral e política, Fernandes se tornou símbolo do nascimento do jornalismo alternativo no Brasil com a publicação do primeiro “Pif Paf”.
Para Silvio Roberto Mieli, Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e professor de Jornalismo na Universidade, Millôr Fernandes “era o que se pode definir como o gênio da raça”. De acordo com ele, o escritor brasileiro “era um cara muito antenado com o seu tempo, muito ligado, inclusive às novas tecnologias”. Além disso, segundo Silvio “essa mistura de frasista, filósofo e anarquista, com um humor refinado e certeiro, nos ajudaria muito a compreender a realidade brasileira da época, relatada nas páginas do Pif Paf".
O impresso de Millôr Fernandes, lançado pouco tempo após o início da Ditadura Militar, se destacou como uma das primeiras manifestações de jornalismo alternativo no país. Responsável por desempenhar um papel crucial no enfrentamento do regime ditatorial no Brasil, o periódico funcionou como um símbolo de resistência em um período marcado pela repressão e censura.
De acordo com Silvio Mieli, “é insuficiente, muito pouco, nos referirmos ao golpe de 64 só como um retrocesso social, político e econômico. Não foi só um atraso, mas uma espécie de recalque existencial. Uma mudança de rota de um país que poderia ter sido e que não foi. Um golpe fascista mesmo, que representa paralisia e violência”.
Diante desse cenário, o “Pif Paf” emergiu como uma voz contrária, que desafiava as regras e expunha os abusos da Ditadura por meio de uma abordagem crítica e bem-humorada. A proposta editorial do jornal era clara: utilizar sátiras para expor as falhas e injustiças do regime militar.
Millôr Fernandes e sua equipe utilizavam uma combinação de textos incisivos, ilustrações e crônicas provocativas para abordar assuntos políticos e sociais. Essa estratégia não apenas atraía leitores, mas também estimulava o pensamento crítico e incentivava a discussão sobre temas que eram tabus na mídia tradicional.
Silvio revela que “em geral, a tática era de, através de uma escrita primorosa, mostrar, acima de tudo, o quão pobre e tosco era o projeto do regime militar”. Mieli também afirma que “era uma tática de contraste mesmo. Diante de um regime absolutamente pobre, tosco, ignorante, você fazer exatamente o oposto”.
O professor da PUC-SP também afirma que “a partir do nome do jornal, já se tinha uma ideia do que essa gente queria com a revista”. Eles buscavam estabelecer um pacto lúdico com o leitor, “um jogo de cartas”. “Vamos brincar, vamos brincar com as coisas, vamos brincar com a realidade e encarar essa ditadura pelo aspecto do bom humor”.
Apesar do impacto político e social causado pelo impresso, na oitava edição, com uma fotomontagem que representava o general Castelo Branco comendo uma perna de Carlos Lacerda, o jornal chegou ao fim. No texto final, Millôr advertiu: “se o governo continuar deixando que circule esta revista, dentro em breve cairemos numa democracia”. Após a declaração do dramaturgo brasileiro, o periódico foi apreendido nas bancas pela polícia e não voltou a circular.
Por meio de uma abordagem inovadora e corajosa, o jornal de Millôr Fernandes ajudou a abrir caminho para uma maior diversidade de vozes e perspectivas na mídia brasileira. O “Pif Paf”, mesmo com a curta existência, influenciou a forma como a informação seria abordada e disseminada nos anos seguintes.
Para Mieli, a revista de Millôr “foi a mãe inspiradora de uma das mais conhecidas experiências da imprensa alternativa dos anos 70: o Pasquim”. Silvio também acredita que “o embrião do Pasquim está todo lá nos oito números da Pif Paf. É claro que houve uma mudança geracional, outras pessoas entraram no projeto da Pasquim depois. Mas a base da equipe era a mesma”.
De acordo com o pesquisador em Jornalismo Contra Hegemônico, “é incrível a atualidade da revista e a qualidade do trabalho de Millôr, é como se fosse um conteúdo atemporal. Se você digitalizar todo o material da Pif Paf, colocar na internet e tirar a data original, muita gente vai achar que esse conteúdo foi produzido agora. Mas ele já tem 60 anos!”. Para Silvio Mieli, “o maior legado, sem dúvida, deixado pela revista é o da valorização da linguagem e da inteligência do leitor”.
“Voz da Unidade surge para ser expressão e veículo de uma corrente de pensamento, cuja linha de ação está orientada para ajudar a classe operária e todas as forças democráticas do país a conseguirem que a solução dos problemas políticos, econômicos e sociais que afligem a nação se dê em benefício das grandes massas do nosso povo, rompendo com os privilégios dos monopólios, banqueiros e latifundiários. E buscará contribuir para que esta classe operária, e com ela a maioria do povo brasileiro, amadureça para a compreensão de que o socialismo é capaz de oferecer soluções definitivas para seus problemas fundamentais.”
Foi assim que o jornal Voz da Unidade descreveu seu objetivo em sua primeira edição, publicada em 30 de março de 1980. Ao custo de 20 cruzeiros, o periódico chega às bancas de São Paulo publicado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), no contexto da abertura democrática e fim da censura aos meios de comunicação, o jornal pôde ser publicado legalmente, porém a própria existência do partido que o fazia ainda era proibida.
Depois de sobreviver aos anos de repressão no âmbito clandestino, o PCB buscava voltar à tona, participando do debate referente a abertura política do Brasil e tentando atrair novos filiados e seguidores. O nome foi escolhido pelos diretores do partido para representar algo que foi oprimido por muito tempo na história do país, e só naquele momento podia voltar ao debate público: a voz dos comunistas. Não só a deles como também dos socialistas e marxistas em geral, o que gerou a parte da unidade.
A história do Voz se confunde com a do PCB enquanto sua organização e produção. No começo, com a volta dos exilados políticos, houve um embate de ideias entre os chamados Eurocomunistas e o Centro Pragmático. O Eurocomunismo era uma corrente que propunha a superação do leninismo e o avanço do socialismo por vias democráticas, sem uma quebra total com o capitalismo. Já o centro do partido era composto por marxista-leninistas mais tradicionais.
Em entrevista, a bibliotecária e Mestre em Memória Social, Andréa Côrtes Torres afirma que era um período de mudança e discussão dentro do PCB:
“Com a volta ao Brasil dos exilados políticos, houve as primeiras emoções de otimismo, inclusive dirigentes do PCB que também retornaram ao país. Entretanto, veio à tona publicamente as diferenças e embates entre os integrantes do Comitê Central. A questão era quanto aos novos passos políticos que o Partido deveria dar no processo em curso, ou seja, na saída dos militares do governo. Giocondo Dias defendeu a unidade de todas as forças de oposição na conquista da democracia, iniciando a campanha pela legalização do Partido. Discordando de Prestes, Armênio Guedes não acreditava que a passagem ao regime socialista no Brasil se faria por luta armada, pois isto, na opinião dele, resultaria num socialismo de tipo autoritário e não democrático.”
Durante seus primeiros anos de publicação, o Voz da Unidade era redigido pela ala considerada renovadora do partido. Assim, a ideia era ser amplo e mais democrático, já que o PCB era historicamente visto na opinião pública como totalitário.
“Esse jeito novo de caminhar era considerado, pela ala renovadora do Partido composta pelos eurocomunistas, como um movimento de restauração e de renovação para a construção não só de um partido de massas, democrático e nacional, plenamente autônomo, mas igualmente de um partido laico, ou seja, independente da influência do modelo soviético e de fundamentos filosóficos e obrigatórios, adequando os princípios marxistas às condições do mundo atual entre as nações, que se constituíam em diálogo e negociação.” Diz Andéa.
O jornal contava com diferentes editorias, buscando trazer o posicionamento do partido em diversos âmbitos da sociedade. Não só, porém, apresentando seus ideais como unicamente verdadeiros, mas também buscava dialogar com outras áreas da sociedade, que não aqueles já adeptos ao partido.
“Com a abertura política, o Partido, por meio do Voz da Unidade, desejava ingressar com tudo na vida política do país, trazendo em suas colunas questões nacionais, internacionais, políticas e sociais. Suas seções eram distribuídas em: cartas, política, sindicalismo, economia, educação, internacional, cultura, questões da mulher cidadã e esportes. Gildo Marçal Brandão, primeiro editor-chefe do jornal, enfatizou que o PCB, após anos sem ‘voz’, deveria reconquistar a sua legalidade, com influência real e decisiva na totalidade da vida política brasileira, abarcando tanto os do campo quanto os da metrópole.” Afirma a bibliotecária.
O jornal aprofundava-se principalmente em assuntos relacionados ao comunismo na prática. Por exemplo, na seção de educação a luta pelo ensino básico e superior gratuito de qualidade, além de noticiar eventos de movimentos estudantis. No caderno internacional falava-se do socialismo e comunismo em outros países como Cuba e, já em declínio, União Soviética. No âmbito da cultura, discutiam livros, peças e filmes que traziam reflexão sobre a realidade no capitalismo. Por último, no esporte, não se falava apenas do futebol objetivamente, mas buscava refletir em como as questões políticas recaiam também dentro de campo.
Um pouco mais tarde, já em 1981, houve uma mudança no Conselho Editorial do Voz. Escolheu-se que os eurocomunistas não podiam representar o partido, visto que eles eram minoria e até considerados pelos mais tradicionais como uma ala que desestabilizava a imagem da legenda.
O periódico continuou assim até o fim da sua existência em 1991. Sendo também afetados pelo cenário político internacional da queda do Muro de Berlim, o desmanche da União Soviética, as guerras nos Bálcãs e o fim da Guerra Fria, o PCB decidiu que precisava seguir novos rumos. Novamente em crise, o partido convocou nesse mesmo ano, o seu IX Congresso, nele se discutiu que estavam pouco inseridos nas lutas sindicais, sendo superados pelo jovem Partido dos Trabalhadores (PT), que surgiu com o sindicato dos metalúrgicos. Também o desempenho ruim nas eleições e foi constatado uma ineficiência do Voz da Unidade como instrumento partidário, esse que já não era mais legitimado pela militância.
Apesar de existir durante um momento de muita turbulência no PCB, o Voz foi seu veículo de comunicação principal dentro de uma época de muito movimento político no Brasil, entre a abertura da ditadura militar para a democracia, as diretas já, e finalmente a legalidade que o partido tanto buscou durante quase 50 anos de luta.
Ao entrar em uma pequena loja escondida em uma das muitas galerias do bairro da Liberdade, numa tentativa de escapar do calor escaldante que dominava a cidade de São Paulo e procurar mulheres para entrevistar, fui imediatamente tomada por um cheiro quase sufocante de mofo misturado a um aromatizador de ambientes. Pilhas de bolsas se acumulavam em prateleiras apertadas, criando uma atmosfera opressiva. A vendedora, Márcia, com o rosto perfeitamente maquiado, oferecia sorrisos milimetricamente calculados, afirmando com confiança que todas as peças eram verdadeiras.
Márcia vestia uma camiseta de gola V com o logo da Gucci estampado, daquelas que você reconhece à primeira vista e já sabe que não é original. Combinava a camiseta com uma calça jeans sem marca aparente e um batom vermelho forte, que estava meio borrado para além do contorno labial. Ela me garantiu que a Louis Vuitton que eu examinava era autêntica. “Essa aqui acabou de chegar. Dá pra ver pela costura, e é exatamente como a original", disse ela, apontando para as alças de couro da bolsa, que aparentava estar desgastada, com manchas de dedos bem visíveis.
A loja era apertada, e segundo a vendedora, não ficava vazia por muito tempo. Durante o período em que estive ali, algumas curiosas entraram e passaram alguns minutos manipulando as bolsas. Foi nesse cenário que Vera, uma mulher de 52 anos, examinava cuidadosamente uma bolsa Chanel em meio à desordem. Seus cabelos loiros estavam impecavelmente pintados e penteados, ela vestia um kaftan longo em tons de azul, formando uma espiral que lembrava a estampa característica do designer italiano Emilio Pucci, embora claramente não fosse. Afinal, quem tem condições de comprar uma bolsa autêntica provavelmente poderia adquirir roupas de grife, e não frequentaria lugares como aquela galeria.
Apesar da precisão na imitação da bolsa que estava analisando, Vera parecia indiferente. Para ela, o que realmente importava era a imagem que a peça transmitia. Sem hesitar, enquanto acariciava os detalhes dourados, ela me confidenciou que seu sonho sempre foi possuir uma Chanel, e que o simples fato de ter um exemplar – mesmo que falso – a fazia sentir-se elegante e poderosa. Embora soubesse que a bolsa não era original, o prazer de tê-la em mãos parecia compensar a falta de autenticidade. O preço da original, disse, era exorbitante, e ela não via necessidade de gastar tanto para obter "o mesmo efeito".
Naquela tarde, algumas horas depois, Lúcia, de 42 anos, vestia uma blusa preta larga, calça pantalona da mesma tonalidade e sandálias anabela baixas em tom creme. Ela teclava no celular enquanto observava as prateleiras abarrotadas de bolsas Louis Vuitton, Chanel, Prada, Miu Miu e Hermès. Percebi que ela parecia um pouco receosa de se abrir com uma total desconhecida, então resolvi fingir que também estava interessada em comprar uma bolsa.
Lúcia contou que frequenta aquele lugar há bastante tempo e, para ela, o valor das imitações compensa muito, já que o preço das originais beira o absurdo. Ela ressaltou que as peças nas prateleiras possuem uma aparência tão similar às originais que ninguém percebe a diferença, a menos que a pessoa tenha muito conhecimento ou se aproxime demais. Para Lúcia, as imitações ofereciam uma maneira acessível de expressar seu estilo sem carregar o peso financeiro das grifes. Apesar de não ter uma marca favorita, gostava da sensação de caminhar pelas ruas com uma bolsa que, aos olhos dos outros, era vista como um símbolo de status social.
Naquele espaço abafado, entre as bolsas amontoadas, o burburinho das vozes de outros consumidores ecoava pelas lojas vizinhas que dividiam o mesmo espaço. O que se destacava não era apenas o comércio em si, mas o valor simbólico que aquelas peças carregavam para as mulheres que frequentavam o local com regularidade. Para elas, as bolsas iam muito além de simples acessórios; eram símbolos de status, de pertencimento a um mundo de luxo e exclusividade, mesmo que apenas pela aparência.
A busca por um produto de luxo, ainda que ilusório, era quase tangível. A cada gesto, a cada conversa, ficava claro que as consumidoras estavam menos preocupadas com a autenticidade do item e mais focadas no que ele poderia lhes proporcionar: uma sensação de pertencimento, poder e sucesso. Não se tratava apenas de possuir uma bolsa, mas de construir uma imagem de sofisticação e status. Vera deixou isso claro ao afirmar que ninguém iria parar na rua para questionar se o produto era original ou não. Carregá-lo já era o suficiente para atrair olhares diferentes, conferindo-lhe a distinção que tanto buscava.
Essa busca por símbolos de status se torna ainda mais complexa quando analisada à luz das explicações da psiquiatra Mariana Pampanelli. Para ela, esses itens de luxo – mesmo que falsificados – cumprem diversas funções psicológicas, dependendo do contexto. O anseio por prestígio social, seja para se sobressair aos demais ou para fortalecer a própria autoestima, figura entre os principais impulsionadores. E esse valor, que ela enfatizou, é determinado pelo ambiente cultural em que o indivíduo está inserido. Em alguns círculos, possuir uma bolsa de grife é apenas um reflexo natural da riqueza. Em outros, representa uma tentativa de ascensão, de se destacar do meio social em que vivem.
As redes sociais, claro, ampliam ainda mais essa dinâmica. Mariana afirmou que a comparação constante com os outros, impulsionada pelas redes sociais, intensifica o desejo por determinados itens. Ela acrescentou dizendo que as pessoas buscam estar à altura das imagens que veem na tela, e os itens de luxo são uma forma de alcançar isso. No entanto, ela também alertou para o perigo dessas compras impulsivas, pois quando o desejo por status ultrapassa o planejamento financeiro, o resultado geralmente é o arrependimento, acompanhado de uma sensação de perda de controle sobre a própria vida.
Essa constante exposição à desigualdade social intensifica o desejo de pertencer a uma classe social privilegiada. Para muitas pessoas, adquirir uma falsificação é a única forma de sentir que estão participando dessa narrativa de luxo e exclusividade, ainda que de maneira temporária. A psiquiatra explica que o item falsificado oferece uma ilusão de pertencimento, e mesmo sabendo que não é real, a pessoa se sente parte daquele mundo, ainda que por um momento. Esse sentimento é amplificado pela percepção de injustiça social, levando muitos a crer que, se não podem adquirir o item original, ao menos podem simular essa posse.
O que essas mulheres buscavam nas bolsas falsificadas não era o objeto em si, mas tudo o que ele representava. A sensação de carregar um item de luxo, mesmo que não fosse real, dava a elas a sensação de poder e pertencimento. E, nesse mundo de aparências, isso era o suficiente. A autenticidade do produto tornava-se secundária diante da necessidade de se sentir parte de algo maior, de projetar uma imagem que, na prática, não condizia com suas realidades.
O ‘’Grande Irmão’’ do Luxo: Vigilância na Era das Falsificações
No vórtice das redes sociais, onde cada curtida se transforma em moeda e cada seguidor em um troféu, um perfil no Instagram emergiu como uma caçadora implacável. "The Fake Birkin Slayer" (@thefakebirkinslayer) tornou-se um oráculo em um mundo onde a busca pelo luxo não é apenas desejo, mas flerta com a obsessão. Sua missão principal é desmascarar as falsificações que se infiltram nos feeds dos usuários da rede, compartilhando nos stories o emoji que representa um par de olhos atentos. Não é apenas uma página de denúncias, mas um espelho implacável da ambição humana de conquistar o que está para além do alcance.
No epicentro desse turbilhão de desejos está a Birkin, a intocável criação da grife francesa Hermès. Muito além de ser uma simples bolsa, ela personifica um símbolo de status e poder, desejada tanto por fashionistas quanto por aqueles que almejam ingressar em um mundo que não os acolhe naturalmente, com a mesma intensidade de quem busca água em um deserto árido. Poucos têm o privilégio de atravessar as portas da exclusividade, e menos ainda conseguem segurar uma Birkin autêntica em suas mãos. Ela é a promessa de pertencimento a um círculo fechado, onde o luxo não é apenas um adorno, mas a própria identidade.
Mas como todo objeto de desejo, a Birkin tem seu lado sombrio. Na penumbra das transações secretas e nas esquinas mais discretas da internet, as imitações florescem como ervas daninhas. E "The Fake Birkin Slayer" está presente, assumindo o papel de uma justiceira digital, desmascarando com precisão quase cirúrgica os defeitos nas réplicas exibidas por aqueles que ousam postá-las. Cada nova publicação é uma sentença para quem ousou tentar enganar o olhar observador, uma exposição pública da farsa do luxo.
A Hermès, com sua produção controlada, faz de cada Birkin uma raridade. Não basta ter uma conta bancária cheia. É preciso ter acesso, influência e, sobretudo, paciência. A escassez faz o coração desejar mais, e essa falta é cuidadosamente mantida. A bolsa, que nunca está à espera nas prateleiras das boutiques, carrega consigo o peso de uma conquista — ou, para muitos, de uma frustração constante.
E é nesse limiar entre o desejo e a frustração que a falsificação encontra o terreno fértil. Para alguns, segurar uma imitação é o mais próximo que chegarão de sentir o toque do inalcançável. O brilho falso de uma Birkin não é apenas uma mentira para os outros, mas também uma ilusão auto infligida, uma tentativa desesperada de pertencer a um mundo de aparências que, no fundo, todos sabem ser efêmero. O conforto de segurar uma réplica, mesmo que por breves momentos, oferece um respiro na longa corrida pelo prestígio.
A caçada de "The Fake Birkin Slayer" revela algo maior do que apenas o desejo por autenticidade: escancara a era em que vivemos, onde o valor de um objeto não reside mais no que ele é, mas na história que ele conta. E, no palco das redes sociais, onde cada foto é uma performance encenada e cada postagem um ato de exibição, a autenticidade é a última fronteira. Quem possui o real, exerce o poder, mas, para muitos, sobra apenas a sombra do que poderia ter sido.
A Ética do Consumo e o Futuro do Luxo
Nos bastidores reluzentes do mercado de luxo, onde o brilho das vitrines oculta um submundo nebuloso, as falsificações surgem como sombras inquietantes, desafiando não apenas as marcas, mas também a moralidade de quem as consome. De um lado, há quem veja na compra de uma imitação a chance de tocar, ainda que de forma enganosa, o poder e a exclusividade que as grifes prometem. De outro, há uma realidade mais sombria: o impacto desse comércio clandestino na economia global e a exploração humana que muitas vezes alimenta esse ciclo.
Essas falsificações, frequentemente produzidas em fábricas clandestinas na China, onde a mão de obra escrava opera longe dos holofotes, trazem à tona uma questão ética ainda mais profunda. Ao comprar um produto falsificado, não se adquire apenas uma réplica de luxo; compactua-se, ainda que indiretamente, com a exploração de trabalhadores submetidos a condições desumanas, mal remunerados e forçados a produzir incessantemente para alimentar um mercado que prospera sobre suas costas. Nesse cenário, o glamour associado ao objeto de desejo torna-se, de certa forma, cúmplice de uma cadeia de injustiças.
Nesse contexto, o futuro do luxo parece caminhar sobre um terreno não muito fértil. As grandes etiquetas enfrentam não apenas o desafio de manter sua exclusividade, mas também a ameaça crescente das falsificações, que não só diluem sua imagem, mas também perpetuam a exploração da mão de obra barata. A questão agora não é mais apenas sobre como manter o controle sobre o mercado de luxo, mas sobre o que esse mercado significa num mundo onde o valor de um produto vai além de seu preço — está vinculado à ética de como é feito e por quem.
Enquanto isso, as consumidoras continuam a navegar entre o desejo de possuir o impossível e o dilema moral que surge ao considerar o verdadeiro preço de suas escolhas. A cada compra, consciente ou não, elas caminham por um território onde luxo e exploração se entrelaçam, onde o brilho de uma bolsa Hermès, Chanel ou Louis Vuitton pode estar manchado pelo suor de trabalhadores esquecidos, relegados ao anonimato. E assim, enquanto o mercado de falsificações prospera, o preço a ser pago — tanto financeiramente quanto eticamente — se torna mais difícil de ignorar.
O debate sobre as falsificações não é apenas sobre as réplicas em si, mas sobre o que estamos dispostos a sacrificar em nome do luxo. Não se trata apenas de quem pode ou não comprar o autêntico, mas de quem somos como consumidores, e de como nossas escolhas ressoam em uma cadeia global de produção onde o verdadeiro custo do desejo muitas vezes permanece invisível.
As bolsas de luxo, com todo o seu brilho e exclusividade, são muito mais do que simples acessórios. Elas carregam o peso simbólico de um mundo que valoriza a imagem sobre a substância, o ter sobre o ser. Cada peça é uma promessa de que se pode adentrar em um círculo restrito, onde o prestígio e o poder parecem estar ao alcance de quem as porta. Porém, seja autêntica ou falsificada, a verdade que essas bolsas revelam é a mesma: elas são objetos que tentam preencher um vazio que vai muito além do material.
Para alguns, possuir uma dessas bolsas é uma forma de validar sua personalidade em um mundo onde o sucesso é medido pelo que se exibe. Para outros, a imitação é a única maneira de participar dessa narrativa, ainda que apenas temporariamente. No entanto, seja no couro genuíno ou na réplica meticulosamente elaborada, a busca pelo pertencimento raramente encontra sua satisfação. A bolsa, por mais rara ou desejada que seja, não tem o poder de transformar quem a carrega. O luxo que ela promete é falacioso, efêmero, e deixa para trás apenas o eco de um desejo que nunca se apaga.
E assim, o ciclo continua. O fascínio pelo luxo persiste, alimentado pela fantasia de que, ao segurá-la, se pode finalmente tocar o inatingível. Mas, no fundo, o que as bolsas de luxo realmente oferecem é a mesma ilusão que o próprio mercado capitalista vende: uma busca interminável por algo que nenhum artefato, por mais exclusivo que seja, será capaz de entregar. Afinal, o verdadeiro valor nunca esteve no objeto, mas no fetiche que a mercadoria representa.
Aconteceu em São Paulo em abril uma das maiores convenções de tecnologia, inovação e comércio digital da América Latina, VTEX DAY. O evento reúne líderes empresariais, especialistas em tecnologia, empreendedores e entusiastas para discutir tendências emergentes, compartilhar conhecimento e explorar soluções inovadoras que estão moldando o futuro do e-commerce e da digitalização empresarial. Com uma programação rica em palestras, workshops e exposições, o congresso oferece uma plataforma única para networking, aprendizado e inspiração, destacando-se como um ponto de encontro essencial para aqueles que buscam estar na vanguarda da transformação digital.
Entre os dias 11 e 12 de abril no São Paulo Expo, com um público diversificado e engajado, as palestras contaram com a participação de renomadas mulheres, como Laysa Peixoto, astronauta brasileira da NASA e Malala Yousafzai, ativista paquistanesa, que compartilharam suas experiências e visões sobre o futuro da tecnologia.
Um dos principais tópicos discutidos foi o impacto da inteligência artificial (IA) nas operações empresariais. A IA está revolucionando a maneira como as empresas operam, oferecendo soluções inovadoras para otimização de processos, personalização de experiências do cliente e tomada de decisões baseadas em dados. Empresas de diversos setores estão adotando tecnologias de IA para se manterem competitivas em um mercado cada vez mais dinâmico.
Durante o evento, especialistas apresentaram casos de sucesso e discutiram as melhores práticas para a implementação de IA. Empresas como Magazine Luiza, Natura e Banco do Brasil destacaram como estão utilizando inteligência artificial para melhorar a eficiência operacional, prever demandas e oferecer um atendimento mais personalizado aos clientes. A tecnologia está permitindo uma transformação digital que antes parecia impossível, tornando-se uma ferramenta essencial para o crescimento e inovação nos negócios.
Outro tema de grande relevância foi a inclusão de crianças e adolescentes no mundo da tecnologia. Programas de educação tecnológica voltados para jovens estão ganhando cada vez mais importância, preparando as novas gerações para um futuro onde a tecnologia estará presente em todas as esferas da vida. Iniciativas como, por exemplo, cursos de programação, oficinas de robótica e clubes de ciência foram destaque no evento. Essas atividades não só desenvolvem habilidades técnicas, mas também estimulam o pensamento crítico, a criatividade e a resolução de problemas. Empresas e organizações educacionais apresentaram projetos que buscam democratizar o acesso à tecnologia, especialmente para jovens de comunidades carentes. "A tecnologia, quando utilizada de maneira consciente e educativa, pode ser uma ferramenta poderosa para estimular o aprendizado, a criatividade e o pensamento crítico. É essencial que integremos essas ferramentas no cotidiano dos jovens de forma equilibrada. Aqui destacamos como a educação tecnológica pode preparar nossos jovens para os desafios do futuro, oferecendo-lhes oportunidades iguais e incentivando a inovação desde cedo", diz Ilda Aparecida, psicóloga convidada pelo evento.