Todo dia a mesma correria. Acorda às 5h, toma banho e corre para pegar o trem.
- Mas e o café, meu filho? - Não dá tempo, se parar eles te engolem. Como no caminho.
Vagão lotado, não tem onde sentar. Sardinha humana, que humilhação diária. “Ah mas não pode parar, se parar, eles te engolem”. Chega na empresa às 7h30, é estagiário, recebe como estagiário, mas é cobrado da mesma forma que o CLT que trabalha do seu lado. Mas se reclamar eles te engolem. Trabalha, trabalha e trabalha, porque já sabe se parar, eles te engolem. Já é meio dia, a barriga está gritando por comida. Ele vai ao encontro da sua tribo, os outros estagiários. Senta na mesa, abre sua marmita, porque o VR não permite comer todos os dias na praça de alimentação. A mãe fez sua comida favorita, strogonoff de frango. O sorriso estampado no rosto, uma alegria no meio da semana corrida.
Depois de comer, precisa voltar para o trabalho, ainda tem muitas pendências. Tem reunião, integração entre estagiários de outros setores e mais trabalhos chegando, mas não pode parar, pois se parar eles te engolem.
São 15h30, tem que correr pra faculdade, para ter tempo de estudar para a prova. O ônibus passa 15h40, se perder tem que pegar o das 16h10 e aí chega tarde na faculdade. Corre para o ponto. Vê o busão, mas está longe, grita para o motorista, é seu Luiz, ele é gente boa.
Entra no ônibus, bate o desespero, será que ainda tem crédito? Tem que ter. Foi na segunda passada ou retrasada que carregou o cartão. Foi passada, tem que ter sido na passada. Passou, ainda tem R$ 15, dá para seis dias. Ah não, não são seis dias. São dois dias. Sexta, antes de voltar para a casa precisa recarregar. Melhor, recarregar quando for para a faculdade.
O cansaço bateu, um cochilo antes de chegar no ponto seria bom. É um longo percurso até a faculdade. O cochilo veio e o ponto também. Despertou no momento certo. O relógio marca 16h40 e vai dar tempo para estudar. A biblioteca está vazia, mas antes um café. Na cafeteria, o café expresso é R$ 5,50, na barraquinha do Valdir é R$ 3. É final do mês e o VR está quase acabando, vai ser com seu Valdir.
São três textos separados para a prova, cada um com 15 páginas. O professor já avisou, a análise tem que abordar os três. Foco total, não deu para ler antes, são 9 disciplinas, mais o estágio. Tem que dar agora.
O relógio marca 18h30, a aula vai começar. Tem que correr pra sala. O professor ainda não chegou. A prova será escrita, pega a caneta e toma seu primeiro copo de água do dia. Depois dessa disciplina, tem mais uma que vai até às 22h30.
- Será que o professor libera mais cedo?
Foco na prova!
O professor já entregou a folha, ele quer uma análise crítica, três páginas no mínimo.
Acaba a primeira aula, o sono já chegou e a fome também, mas se parar eles te engolem. Tem ainda a última aula e depois dela mais um ônibus antes de chegar em casa. O tempo da segunda aula passou rápido, já o ônibus, ele passa em 20 minutos. Ainda tem mais uns 40 minutos até o ponto. É preciso correr para não atrasar e ter que esperar mais uma hora pelo próximo ônibus.
Chega em casa, por volta da 00h00, a família toda dormindo, mas deixaram comida no forno.
De banho tomado, corpo relaxado e despertador programado para daqui cinco horas é momento para descansar. Realmente ele vai despertar? Vai! Foi programado. Então, agora dá para parar, mas não totalmente, porque se parar, eles te engolem.
A rotina se repete cinco vezes na semana e nos dias que seriam de descanso, tem texto para ler, trabalho para fazer e o momento de lazer só se der tempo, porque se parar, eles te engolem.
Sempre está dando o melhor de si, mas sabendo que não é suficiente. Falar mais de dois idiomas é fundamental para ter uma pequena chance profissional.
Aceitar todos os pedidos, sem reclamar ou questionar, até ser efetivado. Para depois a rotina ficar mais intensa e você não pode parar, porque se parar, eles te engolem.
São de quatro a cinco anos nesse ritmo e após a formação, o descanso não é atingido. Vai se emendando exaustão atrás de exaustão, para não parar e ser engolido.
O tempo passa e a rotina fica cada vez mais intensa. A vida pessoal? Não existe. Momentos de pausa e de descanso estão cada vez mais distantes.
A exaustão já tomou conta de tudo. Eles te engoliram a muito tempo, só você não percebeu. Sem saber quem você é, sua vida parou antes mesmo de começar.


Amo música. Um dos momentos que mais gosto no meu dia é a hora que pego o ônibus para voltar para casa e ligo no aplicativo musical. Ao encostar a cabeça na janela com o som alto, minha mente desliga e meu espírito se renova. Marisa Monte, Akon, Beyonce, Alice in Chains, Mc Kekel, Kanye West (me cancelem) e, claro, Oasis, passam pelo bluetooth até chegar em meus ouvidos e tornam minha viagem muito melhor.
Se me perguntam, falo que sou “eclético”. Esta é, descaradamente, a resposta mais óbvia para quem não entende nada de música, ou pra quem entende pouco.
Minha banda favorita é Pink Floyd, é verdade, fez parte da minha formação como cidadão e da minha “formação musical” também, bem entre aspas. Another brick in the wall, Comfortably Numb, Wish you were here, Young Lust e One of these days são algumas das faixas que mais aprecio e tatuaria alguma passagem delas em meu corpo (mas logo esse pensamento se esvai).
Mas existem bandas e bandas, grupos e grupos, mc’s e mc’s, dj’s e dj’s, sou jovem e vou a festas e baladas, portanto, vivendo em plena década de 2020, o que escuto, majoritariamente, nesses ambientes, é funk, e eu adoro. Como não gostar? Letras intensas, algumas engraçadas, com um grave que não te deixa desanimar. Às vezes cansativas, é verdade, mas, apesar dessa minha contradição, é, inevitavelmente, um gênero presente e de peso.
Quando o assunto é “formação de repertório musical”, a minha área é o rock, mesmo que minimamente.
No meu último ano de escola, decidi formar uma banda com mais dois amigos e uma amiga. Eu era o baterista, Matheus o baixista, João o guitarrista e Malu a vocalista. João e Malu realmente dominavam seus ofícios, eu e Matheus, por outro lado, necas.
Então, decidimos começar a ter aulas, e foi ótimo. Entre o fim de 2019 e o começo de 2020 aprendemos muito, cada um com seu respectivo instrumento musical. Nós quatro conseguimos nos reunir umas cinco vezes para treinar na escola onde fazíamos as aulas antes que a pandemia viesse e varresse nossos sonhos para um universo paralelo.
Mas, até que isso ocorresse, tiramos Another one bites the dust, do Queen, Like a stone, do Audioslave e Seven Nation Army, do White Stripes. A gente se via com futuro ali, uma alternativa pras nossas frustrações envolvendo o vestibular, pelo menos. Como eu disse, a pandemia varreu nossos sonhos e cada um seguiu seu caminho. Mas, antes que isso acontecesse e fossemos seguir nossos sonhos na área da comunicação, da matemática e do serviço social, sonhamos e imaginamos muito, e, com esses sonhos, vinham as inspirações.
Como só posso responder por mim, devo dizer que meu repertório, ainda mais limitado na época, de inspiração, era Arctic Monkeys, Oasis, Red Hot Chilli Peppers, Linkin Park e Pink Floyd, além de mais algumas outras bandas de rock. As duas primeiras eu discutia com o João, as outras duas eu discutia com Matheus e a última eu só conversava com meu pai.
Malu conversava sobre todas, era a mais eclética entre nós (mas aqui especificamente, o termo “eclético” faz jus à realidade). No que diz respeito à banda Oasis, além de ser muito boa, gruda muito. A faixa Wonderwall é um hino inabalável, assim como Stand by me ou Champagne Supernova.
Rodeados de polêmicas e briga entre irmãos - por que não? -, o Oasis havia acabado em 2009, e todos pensaram que era por tempo limitado, até irem perdendo as crenças de seu retorno. Até que, no último mês, 15 anos depois, vem a bomba: eles retornarão para uma turnê no Reino Unido.
Esse fato - espero que eles não voltem a brigar até lá - me despertou uma nostalgia da época da escola, quando eu conversava com João sobre a banda e o quão “influente” ela foi não para a nossa “formação”.
No fim das contas, não sou nenhum músico. Apenas um jovem que se viu inspirado por dois irmãos brigados - Liam e Noel Gallagher - e que agora se encontra num estado de esperança de que, no ano que vem, ao realizarem sua turnê, tenham a compaixão de pisar em solos brasileiros para tocar no, provavelmente, Allianz Parque.
É difícil, mas, quem sabe, se eles não brigarem e virem que é legal ser uma banda novamente, eles não saiam do quintal inglês e compareçam por aqui, com ingressos na faixa de 60 reais, como nos velhos tempos!
É…sonhar é importante.
O Jornalismo esportivo hoje está de luto. Três astros nosso meio foram descansar. Em menos de 24 horas. Washington Rodrigues, o Apolinho, comentarista esportivo do rádio carioca, Antero Greco, comentarista e dos canais ESPN e Silvio Luiz, narrador esportivo que teve como última passagem o portal R7.
Três nomes, cada um com sua característica, mas todos com imensa genialidade quando o assunto era falar de futebol. Admirados por todos colegas e pelos espectadores.
Anterito, Apolinho e seu Silvio, mostraram que é possível falar de futebol com humor e sem perder a credibilidade. Aliás, há que vá achar que o jornalismo esportivo é fácil. Esses, se ao menos tentarem cobrir uma partida de qualquer esporte, vão tomar um chocolate. Para definir com a expressão famosa usada pelo flamenguista Apolinho ao comentar uma vitória do Vasco por 4 a 0.
Se futebol é emoção, quando três astros se despedem, automaticamente nos vem as lembranças do que vivemos. Do que eles nos contaram. Da alegria que viveram junto com a gente, mesmo sem ao menos saber. O que nós vamos dizer lá em casa em um dia como hoje, seu Silvio?
O Jornalismo esportivo, que virou sinônimo de bom humor, muito pelo trabalho de Antero, Apolinho e Silvio, hoje chorou. Na tela de todos os canais, na linha de cada jornal e portal.
Todos aqueles que esperavam o riso contido de Paulo Soares, o amigão, após uma boa tirada do Antero, hoje se emocionaram. Pelas barbas do profeta, que dia triste.
Cada um transcendeu e mostrou que o esporte junto da cominunicação, vai muito além dos textos. Das coberturas de jogos. De um mês de campeonato. Não é o ego de um nome em uma materia. O esporte é um agente social, que pode e deve tratar de todos os assuntos, mas com leveza mesmo nos dias mais difícieis.
Ainda que com certo abatimento, não devemos lamentar e sim agradecer. O tal planeta bola teve a honra e o privilégio de contar com Antero, Apolinho e Silvio. Gigantes dentro e fora das transmissões.
Mesmo com a sensação de gol contra: ânimo, my friends! Temos o legado deles para honrar. Olho no lance que agora a responsabilidade é maior. Anterito, Apolinho e seu Silvio, essa foi, foi, foi, foi por vocês.
12 de maio. Dia das mães. Mãe às vezes pode ser avó. A tia. A madrinha. Uma irmã. Talvez a prima. Alguém que destine a nós um carinho extraordinário. Difícil colocar em palavras o que é o amor de uma mãe - seja ela quem for - para com o seu filho ou filha.
E quando ela já não está mais entre nós, o que fica? Alguns vão dizer que ficam as memórias. Lembranças de momentos felizes que dividimos juntos com quem se foi. Estudos apontam que as memórias que persistem por longos períodos envolvem uma região profunda do cérebro, chamada de área tegmental ventral. Isso porque alguns fatos, em um curto espaço de tempo, são "deletados" da nossa mente.
Sabe aquela pessoa que você trocou olhares no transporte público na última semana? Você sabe, mas não lembra o rosto. Não sabe exatamente em que momento começou a olhar. Porque essa memória não te marcou. É óbvio que uma mãe marca o filho, e o inverso também.
Mas e se você esquece? O que fica? Antes de qualquer indignação com a pergunta, adianto que, sim, é possível. Talvez você, assim como eu, esteja encarando o primeiro dia das mães sem essa pessoa aqui. Ou talvez já seja o segundo. Terceiro. Se você conta, é porque lembra.
Uma vez li um artigo sobre a importância da memória. Para o autor, o neurocientista Carlos Tomaz, a memória é a base para os nossos conhecimentos, planos e desejos. Nesse artigo, intitulado "A Psicobiologia da Memória", o professor afirma que a memória é essencial para compreender a psique humana.
Outro dia, no feed de uma rede social, uma moça escreveu que, após seis anos da morte da mãe, estava com a sensação de estar esquecendo detalhes sobre ela. Voz. Trejeitos. A moça disse que se sentia "traída" pela própria memória. Nesse caso, a falta dela. Essa sensação acompanha o luto. Qualquer que seja ele. Isso porque quando perdemos algo ou alguém, somos submetidos a um elevado nível de estresse. Esse estresse afeta nossos neurotransmissores cerebrais. E então ficamos "desconfigurados" com relação a algumas memórias.

Foto: Irina Somoylova
É comum que nesse momento algumas pessoas sejam medicadas. Os medicamentos benzodiazepínicos - mais vendidos e prescritos - além do efeito tranquilizante, também podem afetar nossa capacidade de guardar informações por mais tempo - a chamada amnésia anterógrada. Mas, lembrar de quem já foi é manter vivo dentro da gente o amor. Mais do que a "psique", memória é sobre gente. Memória é sobre a gente. Eu. Você que lê.
Qual música sua mãe cantarolava quando te colocava para dormir? Qual o cheiro dela? O que ela fazia que você gostava? Onde ela gostava de ir? O que ela gostava de fazer? Talvez você fique em dúvida nas respostas. Normal. São os neurotransmissores afetados. Mas, você lembra. Porque do amor a gente nunca vai esquecer.
Se memória é sobre quem somos, lembrar quem partiu, ainda que com algumas confusões, é nos entender um pouco mais. Ou tentar.
Seja seis anos ou algumas horas. Sempre vai dar saudade. E a saudade vai nos fazer lembrar. As memórias, ainda que por nós confundidas, serão o vínculo até a eternidade.
O amor é a resposta para toda e qualquer pergunta quando falamos de mãe. Isso não está em nenhum artigo ou publicação em rede social. Por sorte da vida, tive duas. Me despedi de uma, mas sigo tendo outra. Não tem amar uma mais ou menos. Tem amar. Quem me ensinou isso foram elas. Para elas, a crônica e o meu amor. E o compromisso de lembrar do que for possível, sempre que possível, até não poder mais. Mãe é eterna dentro da gente. Feliz seu dia, mãe.
Revolta. Em qualquer mulher que acompanhou o caso de Kleiton Lima, esse sentimento surgiu. Foram 19 denúncias contra o agora ex-técnico do Santos Feminino. Foram 19 atletas desse mesmo clube, que tiveram a coragem de expor situações de assédio e, ainda assim, não foram ouvidas.
Durante sua primeira passagem pelas Sereias da Vila, em 2023, foram escritas cartas, de forma anônima, denunciando comportamentos do comandante. Alguns meses depois, ele retorna ao mesmo cargo, e com diversos protestos é ele quem pede para sair, e não o Santos que o demite. Mesmo depois de incentivar as jogadoras a denunciar, o próprio clube as coloca sob uma situação de imenso desconforto. E mesmo assim, não o tira do comando.
Os protestos foram fundamentais para a saída dele. De times do Brasileirão Feminino à Rayssa Leal na SLS, as mulheres mostraram que não vão se deixar ser silenciadas. Mas, mesmo assim, Marcelo Teixeira, presidente do Santos – time pioneiro no investimento do futebol praticado por mulheres – disse, em coletiva, que “o futebol feminino não precisa de protestos”.

Para quem acompanha o futebol feminino, sabe que isso passa longe de ser a realidade, e que o cenário é bem diferente da modalidade masculina. Os protestos, a expressão de opiniões e daquilo que incomoda são infinitamente mais presentes, do que com os homens. A luta é diária, por mais investimentos e seriedade na modalidade. Tudo que elas querem são boas condições para praticar o esporte que elas escolheram viver.
Ainda assim, é inevitável.
A sensação que fica é de que nunca conseguiremos ser ouvidas. Acredito que seja por isso que é tão difícil para mulheres denunciarem casos de assédio, violência doméstica e estupro. Por que acreditam que não serão ouvidas. “Se dezenove mulheres não foram, por que eu, sozinha, seria?”. É por isso que muitas mulheres no país seguem sem voz. Infelizmente, alguns casos no futebol brasileiro mostram que quem faz tudo o que faz, ainda tem espaço.
Mas continuaremos a ocupar os lugares que nos foram negados. Na imprensa. Nas arquibancadas. Nos gramados.