Comecei a escrever esse texto na pandemia, mas não terminei, estava na busca de contemplar minha incompletude
por
Manuela Amaral Silva
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13/06/2025 - 12h

A busca pela validação parece ser infinda. Alguns filósofos acreditam que, no estado de menor de idade, o homem é incapaz de dirigir a si mesmo, tornando-se assim dependente do governo dos outros - ou seja, não consegue exercer o pensamento crítico a nível de mudança, mas apenas se move pela trajetória do comodismo. Acho isso ainda pertinente nos dias atuais, e que nunca sairemos da menoridade enquanto dependermos dos outros para a nossa existência. Estamos nos autocondenando a uma vida cíclica e sem mudanças existenciais. As únicas mudanças que fazem diferença são as "notificações" que recebemos em nossos dispositivos de comunicação. 

O celular às vezes fica mudo, e eu também. Não sei se devo falar porque ainda não vi as notícias. Elas ainda não apareceram nas notificações do meu celular. Quero vê-las, explorar esse mundo digital e fugir do real; quero sumir em alguma conta com um user fake. E no final perceber que nunca foi real. Essa sociedade digital só existe no mundo irreal. Talvez um dia paremos de ver o mundo através da câmera do celular. Talvez eu esteja sendo pessimista por acreditar em minhas verdades, e tenho fé de que isso não permaneça como algo atemporal. Espero por mudança, mas que alguém se mova por mim. 

Um amor subjetivo nas redes sociais e a busca por idolatria de ambos os lados: onde querem mostrar um quê de superioridade pelas fotos e, ao mesmo tempo, querem ser tratados como iguais. Minha mãe tem depressão. Quando a vejo, às vezes fico deprimida também. Não entendo sua dor. Apenas a vejo. O afeto... sinto falta dele, apesar de sentir que ainda está aqui. Ele me recorda de sua existência às vezes da maneira mais dolorosa -- quando lembro-me de minha existência. "Esse amor que me fere é o mesmo que me cura, é o mesmo que possibilita", diz Adélia Prado e acrescenta: ponha cataplasma sobre as feridas". 

Uma crônica sobre escolher seu próprio caminho todos os dias
por
Manuela Amaral
Natália Matvyenko
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11/06/2025 - 12h

Laura escolheu seu nome. Aquele que veio ao mundo com ela, não lhe servia mais e pesava como roupa emprestada. Laura soava fácil, escorregava pela boca como algo que sempre foi dela. E assim ela se fez: Laura, de cabelos que já foram curtos e agora descem vermelhos pelos ombros, como fios de outono que nunca caem. Seu sorriso é frequente, mas não ingênuo. Carrega os cantos da boca para cima na maioria dos dias, como quem insiste em acreditar que a luz vale mais que a sombra ainda que às vezes duvide.

Entre os dedos, um cigarro; na mesa, uma xícara de café meio vazia. Quando nos encontramos, é assim: fumaça desenhando curvas no ar, o amargo do café na língua e ela, sempre ela, dizendo "venha ler o que estou escrevendo". Mas Laura quase nunca me deixa ler. Em vez disso, abre a boca e solta os pensamentos antes que eles cheguem ao papel. Fala de ideias que ainda estão se formando, de histórias que nascem tortas e que ela endireita com as mãos no ar, como quem amassa barro. Eu escuto, tentando acompanhar o fio invisível de sua lógica, enquanto o cigarro queima esquecido no cinzeiro.  

Ela ri alto, de uma risada que desafia qualquer melancolia. "Você tá bem?", pergunta, e eu minto às vezes, um "tudo ótimo" que ela desmonta com um olhar. Laura conhece as dores que a gente cala, porque carrega as dela sem disfarce: a transfobia que deixa marcas, o HIV que virou parte da história, mas não a definição dela. "Sou mais que um vírus", disse certa vez, enquanto acendia outro cigarro. "Sou mais que um corpo que o mundo quis decidir por mim".

Quero aprender com Laura. Não como quem estuda um livro, mas como quem observa o mar: sabendo que nunca se repete, que cada onda traz algo novo. Ela não é professora, mas ensina sem querer: sobre resistência, sobre a beleza que persiste mesmo quando o mundo insiste em negá-la. Suas histórias não são ficção, são memórias com as garras afiadas, e quando ela as conta, por um instante, vemos através dos seus olhos. E tudo fica mais claro: a vida, a luta, a coragem de existir apesar de.  Laura não pede pena, ela só quer viver, e isso a torna uma revolução inteira.

 

Comissão parlamentar de inquérito, ou comissão de personalidade Influente
por
Fernando Amaral, João Bueno e Pedro Banhara
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09/06/2025 - 12h

No silêncio do Senado, o primeiro ato da CPI das Bets desenhou um cenário mais de novela do que de tribunal. Era novembro de 2024 quando o nome “Fernandin OIG” ecoou pelos corredores. O empresário acusado de divulgar o “jogo do tigrinho”, caça-níquel virtual que se infiltrou nas redes sociais, e que agora respira o ar pesado da suspeita de lavagem de dinheiro. Logo ao lado, nas cadeiras reservadas ao público, a relatora pôs em pauta influenciadores peças-chave da engrenagem: Deolane, Gkay, Jojo Todynho, Virgínia Fonseca, e perguntou, sem medo, se o brilho dos likes escondia uma sombra rentável. A plateia reagiu com risos nervosos, e por trás dos memes, pipocavam relatórios de prejuízo, promessas quebradas e ações que prometem endurecer a regulação. 
 
Na rampa do Senado em Brasília, o ar estava tenso. A névoa burocrática foi interrompida por um perfume doce, talvez de baunilha, talvez de marketing bem calculado. Virgínia Fonseca acabava de chegar. Não chegou vestida para depor, chegou vestida para convencer. O moletom oversized, preto e confortável, não era apenas uma peça de roupa: era uma mensagem. Estampada no peito, a imagem da filha. No punho, o inseparável copo Stanley lilás, símbolo da mãe influenciadora dos tempos líquidos. Calça jogger, tênis branco limpo como reputação de publicidade, e o cabelão loiro alinhado até demais para quem diz estar nervosa, talvez tenha achado que a tal bet, era aquela boneca de beleza irretocável. 

Assim que adentrou ao salão da CPI, ela rompeu o protocolo com a leveza de quem está acostumada a romper telas: foi cumprimentando um por um dos senadores com beijo no rosto. Beijo aqui, beijo ali. Como se estivesse chegando num aniversário infantil. Como se os parlamentares fossem tios de grupo de WhatsApp. Como se a formalidade do Senado coubesse em um story do Instagram. Era o gesto final para compor o personagem: o da boa mãe, da boa moça, da mulher real, que só quer trabalhar e proteger os seus. O figurino já dizia isso — mas o beijo no rosto selava o personagem: "não sou ameaça, sou afeto". 

Hoje, quem tem rasgado fotos de casamento não é o ciúme, nem o tédio: é o jogo. A advogada Mérces da Silva Nunes bem que tentou não se espantar, mas ano após ano, o escritório dela virou confessionário de promessas quebradas e dívidas feitas no escuro. Conta, em entrevista à AGEMT, que chega de tudo, esposa descobrindo que o marido pegou empréstimo no nome da sogra, marido surpreso com a fatura do cartão estourada pela parceira, e até falsificação de assinatura em silêncio, como quem falsifica a esperança. 

E não se trata só de dinheiro. Mérces diz que "o vício em apostas é um destruidor de tudo, do fim de semana em família à confiança que sustentava o teto". Quando o jogo entra, o diálogo sai pela porta da frente. A convivência, que já andava manca, tropeça de vez. E então resta o divórcio, mas nem isso vem sem cálculo: quem não jogou,  quem tentou segurar a casa de pé. No fim, a aposta mais alta foi feita no casamento. E foi perdida", conclui Mérces. 

“É isso, que Deus abençoe a nossa audiência, e bora pra cima!”, diz Virgínia Fonseca ao se apresentar no Senado. O “bora pra cima”. Aquela expressão que pode significar tudo e absolutamente nada. Ali, no plenário, soou como tentativa de blindagem moral, ou quem sabe um mantra da positividade automática. Como se a CPI fosse um unboxing a ser apresentado, mas que com fé, skincare e foco, daria tudo certo. 

No fundo, ela queria mostrar que estava tranquila, leve, inofensiva, quase maternal. Uma mulher multitarefas que entre um café com leite da filha e uma publi no feed, teve que passar ali rapidinho no Senado pra esclarecer umas coisinhas. Quase um favor. Mas CPI, meu amigo, não é uma sala de estar. Ou não deveria ser. 

Enquanto ela sorria e cruzava as pernas como quem espera o café da tarde, em Carapicuíba, na fila do ônibus Jardim Popular, linha mais lotada da cidade da Grande São Paulo, Antônio Cláudio dos Santos, 42 anos, pai de três filhos, estava na tentativa daquele animal listrado soltar a carta e duplicar seu salário. 

“Todos os meus colegas de trabalho jogam, uns ganham 100, 200 reais por dia. Um outro colega fez o salário em apenas um dia. Parecia fácil, eu fui colocando de 20 em 20, e na tentativa de recuperar o perdido, meu salário se foi” – Relata Antônio, após ter perdido o salário do mês em apostas. Mas se a convocação de Virgínia Fonseca ao Senado parecia coisa de filme, o comportamento dos senadores foi digno de uma sitcom de comédia.

Em vez de interrogatório sério, o que se viu parecia tietagem de fãs adolescentes com cantores pop. O senador Cleitinho, por exemplo, largou o papel de fiscal da República para pedir uma selfie com a influenciadora (foto), e não parou por aí: pediu também um vídeo para a esposa, rasgou elogios e, por pouco, não pediu um autógrafo no crachá. Já o senador Kajuru parecia mais interessado em ser convidado para o próximo churrasco na mansão da Virgínia do que em discutir a tal cláusula da “desgraça alheia”. 

Enquanto isso, a relatora Soraya Thronicke, com cara de quem queria desligar o wi-fi do Senado inteiro, tentava manter a compostura no meio da bagunça. A audiência, que deveria investigar um esquema de bilhões em apostas online, virou praticamente uma coletiva de imprensa pós-festa. E assim, entre risadinhas, selfies e elogios embaraçosos, a CPI foi virando o que muitos já suspeitavam: mais um show de vaidades. 

E o resultado disso? Bom, o Instagram respondeu rápido: Virgínia perdeu mais de 117 mil seguidores em dois dias. Mas nada que tire o sono de quem ainda tem 53,2 milhões de pessoas assistindo tudo de camarote. No fim das contas, ela saiu da CPI como entrou, maquiada, milionária e ainda influente. Porque no Brasil, até escândalo pode virar engajamento e virar 71% OFF em todo o site da Wepink. 

CPI investiga supostas irregularidades no setor de apostas e o uso de influenciadores digitais na divulgação de jogos online
por
Luenir Gomes Batista
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09/06/2025 - 12h

No dia 13 de maio de 2025, Virgínia Fonseca foi convocada a prestar depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), popularmente apelidada de “CPI das Bets”. A influenciadora, que é uma das maiores figuras do marketing digital no Brasil, foi chamada para esclarecer sua relação com empresas de apostas online. Vestida de um moletom preto com o rosto da filha estampado, óculos, pouca maquiagem e equipe de mídia a postos, Virginia  já estava pronta para que a CPI se tornasse mais um de seus conteúdos.

Virgínia Fonseca:  -- Primeira vez, né? Tô um pouco nervosa... Mas enfim. Comecei na internet com 17 anos . Hoje tenho 26, fiz agora em abril.

Como quem atualiza o público sobre o feed da própria vida. Desde o início, garantiu que fazia tudo sozinha: o pai não apoiava, a mãe apoiava, mas deixava ela ir…

Virgínia Fonseca: --  E hoje eu sou tudo isso. Espero poder esclarecer todas as dúvidas aqui.

Talvez ela não soubesse, mas não estava em um programa do BBB. Diferente de outras testemunhas, que falaram com uma certa solenidade, Virgínia tratou o momento como quem entra ao vivo no próprio canal. 

Virgínia Fonseca: -- É isso. Que Deus abençoe a nossa audiência. Bora pra cima!

A frase, dita, arrancou risos da mesa. Alguns senadores não resistiram à ironia, riram também. Mas, em meio à descontração forçada, havia uma exceção: a senadora Soraya Thronicke manteve-se séria, impassível. Enquanto outros brincavam, ela parecia ser a única disposta a levar aquilo a sério. Foi então que veio o momento mais performático da manhã: a fala do deputado André Janones. Com uma postura mais próxima de um influencer do que de um parlamentar.

André Janones: -- Eu não vim aqui pra apontar o dedo pra você, não - disse o senador, como quem esqueceu ou preferiu esquecer que estava numa CPI. Em vez de inquirir, optou por discursar. Em vez de investigar, decidiu pregar. 

André Janones: -- Quero tocar seu coração como um cristão. 

Em vez de questionar a influenciadora sobre o impacto de suas campanhas de apostas, fez propaganda dos “pré-treinos” dela. “Inclusive, tomei um hoje. Maravilhoso.” E não parou aí: pediu que ela mandasse “um abraço pra esposa e sua filha”, como se ela não estivesse para testemunhar e sim como uma celebridade. Só não falou como o que deveria ser naquele momento: um fiscal do povo, diante de uma prática que movimenta bilhões e afeta milhões.

Certo de que a sessão viralizaria nas redes. A CPI agora havia se transformado em palco. E, como em todo show, o objetivo principal não era obter respostas, mas garantir audiência. O presidente da comissão, o senador Jorge Kajuru, interveio. A fala de Kajuru foi um raro momento de tentativa de ordem. Mas o ponto alto da seriedade viria depois, com a intervenção firme de Soraya Thronicke.

Soraya Thronicke: -- Entendo a forma de Vossa Excelência se pronunciar. Já estamos acostumados. Gostaria de tê-lo aqui todos os dias, assim o senhor veria que esta CPI é necessária, sim. Estamos legislando para proteger jogadores, e não lacrando por likes. Tem político que entrou aqui pensando que veio ser influencer. Não se aprofunda em nada, não entende de direito tributário, não lê a reforma da Previdência[…] Mesmo declarando apreço pessoal, fez questão de marcar o desacordo. 

Para o cientista político e pesquisador em comunicação digital Luiz Fernando Moreira, o que se viu foi menos um depoimento e mais um episódio. 

Luiz Fernando: — Quando uma influenciadora chega a uma CPI e transforma o depoimento em conteúdo, e quando parlamentares decidem atuar como fãs em vez de representantes do povo, temos um sinal claro de que a lógica do entretenimento venceu — afirmou Fernando. 

No fim das contas, a "CPI das Bets" se revelou menos uma comissão de inquérito e mais um espelho do nosso tempo: um palco onde a política tenta disputar atenção com o entretenimento. E o povo, esse sim, continua sendo plateia; assistindo, entre risos e likes, aos meros cortes em que se transformou o debate público.

De um lado, uma mulher rica e popular que prometia demais, do outro uma ministra tentando defender o meio ambiente
por
Lucca Cantarim dos Santos
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03/06/2025 - 12h

Recentemente, fui assistir a um espetáculo. O tema? Uma mulher rica e popular que prometia demais, não cumpria nada e recebia tudo. Ela contava sobre seus atos para autoridades de justiça que apenas riam, a abraçavam e tiravam fotos, alegando que era “aquela das redes sociais”, enquanto poucos (que eu achei os personagens mais coerentes) tentavam apontar os erros dela e fazê-la pagar por seus atos.

Parecia desafiar todo meu conceito de certo e errado, era tragicômico! As vestes da personagem não combinavam com o ambiente sério. A inocência e infantilidade eram bem atuadas, pois dava a impressão que a própria personagem tinha outra personagem para interpretar. Fiquei a peça inteira torcendo por uma reviravolta, que talvez a protagonista fosse punida não só pelos seus atos, mas por em contar sobre tanta destruição com um sorriso no rosto. Mas no fim, ela apenas saiu livre e com novos amigos dentre as autoridades.

Voltei ao teatro na semana seguinte, o produtor da peça decidiu criar uma nova história, se passando no mesmo universo sisudo, com personagens diferentes do mesmo grupo de autoridades. Dessa vez, uma idosa também influente, conhecida por defender causas ambientais, estava conversando sobre a criação de uma nova área de conservação marinha, mas a preocupação das autoridades com a exploração de petróleo era mais importante que o meio ambiente, e a mulher era tratada com humilhações e ataques extremamente misóginos.

Foi mais uma peça que me deixou na ponta da cadeira, angustiado, quase mastigando todas as minhas unhas enquanto eu rezava para a mulher (a única ali que tinha senso comum) sair por cima das ofensas. Mas no fim... Ela saiu dali, mas não sem bater de frente com as ofensas que recebia.

Nunca cheguei a entender o ponto das peças, a mulher que deveria ser criticada e punida por seus atos era tratada com carinho, amor e veneração apenas por ser a “famosa das redes sociais” enquanto a mulher que deveria ser apreciada e admirada por seu ativismo era criticada, sendo retratada como “aquela ministra chata de meio ambiente”. Até hoje fico ponderando sobre isso, sobre como os valores de respeito estão distorcidos, e sobre como é tão fácil, mesmo sendo uma pessoa ruim, fugir de suas responsabilidades uma vez que você tem dinheiro e influência. Bom... Ainda bem que eram apenas espetáculos.  

Todo dia uma correria
por
Victória Toral de Oliveira
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06/11/2024 - 12h

 

Todo dia a mesma correria. Acorda às 5h, toma banho e corre para pegar o trem. 
- Mas e o café, meu filho? - Não dá tempo, se parar eles te engolem. Como no caminho. 
Vagão lotado, não tem onde sentar. Sardinha humana, que humilhação diária. “Ah mas não pode parar, se parar, eles te engolem”. Chega na empresa às 7h30, é estagiário, recebe como estagiário, mas é cobrado da mesma forma que o CLT que trabalha do seu lado. Mas se reclamar eles te engolem. Trabalha, trabalha e trabalha, porque já sabe se parar, eles te engolem. Já é meio dia, a barriga está gritando por comida. Ele vai ao encontro da sua tribo, os outros estagiários. Senta na mesa, abre sua marmita, porque o VR não permite comer todos os dias na praça de alimentação. A mãe fez sua comida favorita, strogonoff de frango. O sorriso estampado no rosto, uma alegria no meio da semana corrida. 
Depois de comer, precisa voltar para o trabalho, ainda tem muitas pendências. Tem reunião, integração entre estagiários de outros setores e mais trabalhos chegando, mas não pode parar, pois se parar eles te engolem. 
São 15h30, tem que correr pra faculdade, para ter tempo de estudar para a prova. O ônibus passa 15h40, se perder tem que pegar o das 16h10 e aí chega tarde na faculdade. Corre para o ponto. Vê o busão, mas está longe, grita para o motorista, é seu Luiz, ele é gente boa. 
Entra no ônibus, bate o desespero, será que ainda tem crédito? Tem que ter. Foi na segunda passada ou retrasada que carregou o cartão. Foi passada, tem que ter sido na passada. Passou, ainda tem R$ 15, dá para seis dias. Ah não, não são seis dias. São dois dias. Sexta, antes de voltar para a casa precisa recarregar. Melhor, recarregar quando for para a faculdade. 
O cansaço bateu, um cochilo antes de chegar no ponto seria bom. É um longo percurso até a faculdade. O cochilo veio e o ponto também. Despertou no momento certo. O relógio marca 16h40 e vai dar tempo para estudar. A biblioteca está vazia, mas antes um café. Na cafeteria, o café expresso é R$  5,50, na barraquinha do Valdir é R$  3. É final do mês e o VR está quase acabando, vai ser com seu Valdir. 
São três textos separados para a prova, cada um com 15 páginas. O professor já avisou, a análise tem que abordar os três. Foco total, não deu para ler antes, são 9 disciplinas, mais o estágio. Tem que dar agora. 
O relógio marca 18h30, a aula vai começar. Tem que correr pra sala. O professor ainda não chegou. A prova será escrita, pega a caneta e toma seu primeiro copo de água do dia. Depois dessa disciplina, tem mais uma que vai até às 22h30. 
- Será que o professor libera mais cedo? 
Foco na prova!
O professor já entregou a folha, ele quer uma análise crítica, três páginas no mínimo. 
Acaba a primeira aula, o sono já chegou e a fome também, mas se parar eles te engolem. Tem ainda a última aula e depois dela mais um ônibus antes de chegar em casa. O tempo da segunda aula passou rápido, já o ônibus, ele passa em 20 minutos. Ainda tem mais uns 40 minutos até o ponto. É preciso correr para não atrasar e ter que esperar mais uma hora pelo próximo ônibus.
Chega em casa, por volta da 00h00, a família toda dormindo, mas deixaram comida no forno.
De banho tomado, corpo relaxado e despertador programado para daqui cinco horas é momento para descansar. Realmente ele vai despertar? Vai! Foi programado. Então, agora dá para parar, mas não totalmente, porque se parar, eles te engolem. 
A rotina se repete cinco vezes na semana e nos dias que seriam de descanso, tem texto para ler, trabalho para fazer e o momento de lazer só se der tempo, porque se parar, eles te engolem.
Sempre está dando o melhor de si, mas sabendo que não é suficiente. Falar mais de dois idiomas é fundamental para ter uma pequena chance profissional. 
Aceitar todos os pedidos, sem reclamar ou questionar, até ser efetivado. Para depois a rotina ficar mais intensa e você não pode parar, porque se parar, eles te engolem. 
São de quatro a cinco anos nesse ritmo e após a formação, o descanso não é atingido. Vai se emendando exaustão atrás de exaustão, para não parar e ser engolido. 
O tempo passa e a rotina fica cada vez mais intensa. A vida pessoal? Não existe. Momentos de pausa e de descanso estão cada vez mais distantes.
A exaustão já tomou conta de tudo. Eles te engoliram a muito tempo, só você não percebeu. Sem saber quem você é, sua vida parou antes mesmo de começar. 

O paulistano passa, em média, 2h47min diariamente no transito, segundo pesquisa do Ipec em 2023. Foto: Victória Toral/arquivo pessoal
O paulistano passa, em média, 2h47min diariamente no transito, segundo pesquisa do Ipec em 2023. Foto: Beatriz Toral/arquivo pessoal


 

No fim das contas, não sou nenhum músico. Apenas um jovem que se viu inspirado por dois irmãos brigados
por
FABRICIO GRACIOSO DE BIASI
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07/10/2024 - 12h
Os irmãos Liam e Noel Gallagher com a camisa do Manchester City (Foto: Reprodução)

Amo música. Um dos momentos que mais gosto no meu dia é a hora que pego o ônibus para voltar para casa e ligo no aplicativo musical. Ao encostar a cabeça na janela com o som alto, minha mente desliga e meu espírito se renova. Marisa Monte, Akon, Beyonce, Alice in Chains, Mc Kekel, Kanye West (me cancelem) e, claro, Oasis, passam pelo bluetooth até chegar em meus ouvidos e tornam minha viagem muito melhor.

Se me perguntam, falo que sou “eclético”. Esta é, descaradamente, a resposta mais óbvia para quem não entende nada de música, ou pra quem entende pouco.

Minha banda favorita é Pink Floyd, é verdade, fez parte da minha formação como cidadão e da minha “formação musical” também, bem entre aspas. Another brick in the wall, Comfortably Numb, Wish you were here, Young Lust e One of these days são algumas das faixas que mais aprecio e tatuaria alguma passagem delas em meu corpo (mas logo esse pensamento se esvai).

Mas existem bandas e bandas, grupos e grupos, mc’s e mc’s, dj’s e dj’s, sou jovem e vou a festas e baladas, portanto, vivendo em plena década de 2020, o que escuto, majoritariamente, nesses ambientes, é funk, e eu adoro. Como não gostar? Letras intensas, algumas engraçadas, com um grave que não te deixa desanimar. Às vezes cansativas, é verdade, mas, apesar dessa minha contradição, é, inevitavelmente, um gênero presente e de peso.

Quando o assunto é “formação de repertório musical”, a minha área é o rock, mesmo que minimamente.

No meu último ano de escola, decidi formar uma banda com mais dois amigos e uma amiga. Eu era o baterista, Matheus o baixista, João o guitarrista e Malu a vocalista. João e Malu realmente dominavam seus ofícios, eu e Matheus, por outro lado, necas.

Então, decidimos começar a ter aulas, e foi ótimo. Entre o fim de 2019 e o começo de 2020 aprendemos muito, cada um com seu respectivo instrumento musical. Nós quatro conseguimos nos reunir umas cinco vezes para treinar na escola onde fazíamos as aulas antes que a pandemia viesse e varresse nossos sonhos para um universo paralelo.

Mas, até que isso ocorresse, tiramos Another one bites the dust, do Queen, Like a stone, do Audioslave e Seven Nation Army, do White Stripes. A gente se via com futuro ali, uma alternativa pras nossas frustrações envolvendo o vestibular, pelo menos. Como eu disse, a pandemia varreu nossos sonhos e cada um seguiu seu caminho. Mas, antes que isso acontecesse e fossemos seguir nossos sonhos na área da comunicação, da matemática e do serviço social, sonhamos e imaginamos muito, e, com esses sonhos, vinham as inspirações.

Como só posso responder por mim, devo dizer que meu repertório, ainda mais limitado na época, de inspiração, era Arctic Monkeys, Oasis, Red Hot Chilli Peppers, Linkin Park e Pink Floyd, além de mais algumas outras bandas de rock. As duas primeiras eu discutia com o João, as outras duas eu discutia com Matheus e a última eu só conversava com meu pai.

Malu conversava sobre todas, era a mais eclética entre nós (mas aqui especificamente, o termo “eclético” faz jus à realidade). No que diz respeito à banda Oasis, além de ser muito boa, gruda muito. A faixa Wonderwall é um hino inabalável, assim como Stand by me ou Champagne Supernova.

Rodeados de polêmicas e briga entre irmãos - por que não? -, o Oasis havia acabado em 2009, e todos pensaram que era por tempo limitado, até irem perdendo as crenças de seu retorno. Até que, no último mês, 15 anos depois, vem a bomba: eles retornarão para uma turnê no Reino Unido.

Esse fato - espero que eles não voltem a brigar até lá - me despertou uma nostalgia da época da escola, quando eu conversava com João sobre a banda e o quão “influente” ela foi não para a nossa “formação”.

No fim das contas, não sou nenhum músico. Apenas um jovem que se viu inspirado por dois irmãos brigados - Liam e Noel Gallagher - e que agora se encontra num estado de esperança de que, no ano que vem, ao realizarem sua turnê, tenham a compaixão de pisar em solos brasileiros para tocar no, provavelmente, Allianz Parque.

É difícil, mas, quem sabe, se eles não brigarem e virem que é legal ser uma banda novamente, eles não saiam do quintal inglês e compareçam por aqui, com ingressos na faixa de 60 reais, como nos velhos tempos!

É…sonhar é importante.

Uma pequena homenagem da AGEMT para três grandes comunicadores do esporte
por
Bruno Scaciotti
Luan Leão
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20/05/2024 - 12h

O Jornalismo esportivo hoje está de luto. Três astros nosso meio foram descansar. Em menos de 24 horas. Washington Rodrigues, o Apolinho, comentarista esportivo do rádio carioca, Antero Greco, comentarista e dos canais ESPN e Silvio Luiz, narrador esportivo que teve como última passagem o portal R7.

Três nomes, cada um com sua característica, mas todos com imensa genialidade quando o assunto era falar de futebol.  Admirados por todos colegas e pelos espectadores. 

Anterito, Apolinho e seu Silvio, mostraram que é possível falar de futebol com humor e sem perder a credibilidade. Aliás, há que vá achar que o jornalismo esportivo é fácil. Esses, se ao menos tentarem cobrir uma partida de qualquer esporte, vão tomar um chocolate. Para definir com a expressão famosa usada pelo flamenguista Apolinho ao comentar uma vitória do Vasco por 4 a 0.

Se futebol é emoção, quando três astros se despedem, automaticamente nos vem as lembranças do que vivemos. Do que eles nos contaram. Da alegria que viveram junto com a gente, mesmo sem ao menos saber. O que nós vamos dizer lá em casa em um dia como hoje, seu Silvio?

O Jornalismo esportivo, que virou sinônimo de bom humor, muito pelo trabalho de Antero, Apolinho e Silvio, hoje chorou. Na tela de todos os canais, na linha de cada jornal e portal.

Todos aqueles que esperavam o riso contido de Paulo Soares, o amigão, após uma boa tirada do Antero, hoje se emocionaram. Pelas barbas do profeta, que dia triste. 

Cada um transcendeu e mostrou que o esporte junto da cominunicação, vai muito além dos textos. Das coberturas de jogos. De um mês de campeonato. Não é o ego de um nome em uma materia. O esporte é um agente social, que pode e deve tratar de todos os assuntos, mas com leveza mesmo nos dias mais difícieis.

Ainda que com certo abatimento, não devemos lamentar e sim agradecer. O tal planeta bola teve a honra e o privilégio de contar com Antero, Apolinho e Silvio. Gigantes dentro e fora das transmissões. 

Mesmo com a sensação de gol contra: ânimo, my friends! Temos o legado deles para honrar. Olho no lance que agora a responsabilidade é maior. Anterito, Apolinho e seu Silvio, essa foi, foi, foi, foi por vocês.

Mais do que a "psique", memória é sobre gente. Memória é sobre a gente.
por
Luan Leão
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10/05/2024 - 12h

12 de maio. Dia das mães. Mãe às vezes pode ser avó. A tia. A madrinha. Uma irmã. Talvez a prima. Alguém que destine a nós um carinho extraordinário. Difícil colocar em palavras o que é o amor de uma mãe - seja ela quem for - para com o seu filho ou filha.

E quando ela já não está mais entre nós, o que fica? Alguns vão dizer que ficam as memórias. Lembranças de momentos felizes que dividimos juntos com quem se foi. Estudos apontam que as memórias que persistem por longos períodos envolvem uma região profunda do cérebro, chamada de área tegmental ventral. Isso porque alguns fatos, em um curto espaço de tempo, são "deletados" da nossa mente. 

Sabe aquela pessoa que você trocou olhares no transporte público na última semana? Você sabe, mas não lembra o rosto. Não sabe exatamente em que momento começou a olhar. Porque essa memória não te marcou. É óbvio que uma mãe marca o filho, e o inverso também. 

Mas e se você esquece? O que fica? Antes de qualquer indignação com a pergunta, adianto que, sim, é possível. Talvez você, assim como eu, esteja encarando o primeiro dia das mães sem essa pessoa aqui. Ou talvez já seja o segundo. Terceiro. Se você conta, é porque lembra. 

Uma vez li um artigo sobre a importância da memória. Para o autor, o neurocientista Carlos Tomaz, a memória é a base para os nossos conhecimentos, planos e desejos. Nesse artigo, intitulado "A Psicobiologia da Memória", o professor afirma que a memória é essencial para compreender a psique humana. 

Outro dia, no feed de uma rede social, uma moça escreveu que, após seis anos da morte da mãe, estava com a sensação de estar esquecendo detalhes sobre ela. Voz. Trejeitos. A moça disse que se sentia "traída" pela própria memória. Nesse caso, a falta dela. Essa sensação acompanha o luto. Qualquer que seja ele. Isso porque quando perdemos algo ou alguém, somos submetidos a um elevado nível de estresse. Esse estresse afeta nossos neurotransmissores cerebrais. E então ficamos "desconfigurados" com relação a algumas memórias.

 

Crônica de Dia das Mães
Saudade vai nos fazer lembrar. As memórias são vínculos eternos. 
Foto: Irina Somoylova


É comum que nesse momento algumas pessoas sejam medicadas. Os medicamentos benzodiazepínicos - mais vendidos e prescritos - além do efeito tranquilizante, também podem afetar nossa capacidade de guardar informações por mais tempo - a chamada amnésia anterógrada. Mas, lembrar de quem já foi é manter vivo dentro da gente o amor. Mais do que a "psique", memória é sobre gente. Memória é sobre a gente. Eu. Você que lê.

Qual música sua mãe cantarolava quando te colocava para dormir? Qual o cheiro dela? O que ela fazia que você gostava? Onde ela gostava de ir? O que ela gostava de fazer? Talvez você fique em dúvida nas respostas. Normal. São os neurotransmissores afetados. Mas, você lembra. Porque do amor a gente nunca vai esquecer. 

Se memória é sobre quem somos, lembrar quem partiu, ainda que com algumas confusões, é nos entender um pouco mais. Ou tentar. 

Seja seis anos ou algumas horas. Sempre vai dar saudade. E a saudade vai nos fazer lembrar. As memórias, ainda que por nós confundidas, serão o vínculo até a eternidade. 

O amor é a resposta para toda e qualquer pergunta quando falamos de mãe. Isso não está em nenhum artigo ou publicação em rede social. Por sorte da vida, tive duas. Me despedi de uma, mas sigo tendo outra. Não tem amar uma mais ou menos. Tem amar. Quem me ensinou isso foram elas. Para elas, a crônica e o meu amor. E o compromisso de lembrar do que for possível, sempre que possível, até não poder mais. Mãe é eterna dentro da gente. Feliz seu dia, mãe.

O futebol feminino é a resistência de mulheres silenciadas de forma sistemática. Resistiremos!
por
Helena Cardoso
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27/04/2024 - 12h

Revolta. Em qualquer mulher que acompanhou o caso de Kleiton Lima, esse sentimento surgiu. Foram 19 denúncias contra o agora ex-técnico do Santos Feminino. Foram 19 atletas desse mesmo clube, que tiveram a coragem de expor situações de assédio e, ainda assim, não foram ouvidas. 

Durante sua primeira passagem pelas Sereias da Vila, em 2023, foram escritas cartas, de forma anônima, denunciando comportamentos do comandante. Alguns meses depois, ele retorna ao mesmo cargo, e com diversos protestos é ele quem pede para sair, e não o Santos que o demite. Mesmo depois de incentivar as jogadoras a denunciar, o próprio clube as coloca sob uma situação de imenso desconforto. E mesmo assim, não o tira do comando. 

Os protestos foram fundamentais para a saída dele. De times do Brasileirão Feminino à Rayssa Leal na SLS, as mulheres mostraram que não vão se deixar ser silenciadas. Mas, mesmo assim, Marcelo Teixeira, presidente do Santos – time pioneiro no investimento do futebol praticado por mulheres – disse, em coletiva, que “o futebol feminino não precisa de protestos”.

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Jogadoras do time feminino do Corinthians protestaram, no único jogo de Kleiton Lima no comando das Sereias. - Foto: Reprodução/CBF

Para quem acompanha o futebol feminino, sabe que isso passa longe de ser a realidade, e que o cenário é bem diferente da modalidade masculina. Os protestos, a expressão de opiniões e daquilo que incomoda são infinitamente mais presentes, do que com os homens. A luta é diária, por mais investimentos e seriedade na modalidade. Tudo que elas querem são boas condições para praticar o esporte que elas escolheram viver. 

Ainda assim, é inevitável. 

A sensação que fica é de que nunca conseguiremos ser ouvidas. Acredito que seja por isso que é tão difícil para mulheres denunciarem casos de assédio, violência doméstica e estupro. Por que acreditam que não serão ouvidas. “Se dezenove mulheres não foram, por que eu, sozinha, seria?”. É por isso que muitas mulheres no país seguem sem voz. Infelizmente, alguns casos no futebol brasileiro mostram que quem faz tudo o que faz, ainda tem espaço. 

Mas continuaremos a ocupar os lugares que nos foram negados. Na imprensa. Nas arquibancadas. Nos gramados.