Como um tour de lugares assombrados por Nova York me levou ao lugar que incentivou a criação do oito de março como dia Internacional da mulher
por
Camila Stockler das Neves Moreira
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08/03/2024 - 12h

Era uma sexta feira escura e fria. Com os ventos uivantes do começo de fevereiro, todas as árvores de Nova York se estremeciam com suas sombras, se contorcendo e tomando as ruas pouco iluminadas de Greenwich Village, um dos bairros mais fantasmagóricos da cidade. Neste cenário era conduzido um tour de lugares assombrados do bairro. Histórias aterrorizantes de assassinatos, possessões e poltergeists invadiram o imaginário do grupo que se encaminha para o fim do passeio. E neste fim, estava uma antiga fábrica de roupas - hoje, prédio universitário - palco de um dos incêndios mais trágicos dos Estados Unidos: “The Triangle Shirtwaist Fire” em 1911.

“E dizem que ainda é possível sentir o cheiro de queimado e ver reflexos nas janelas das pessoas queimadas em agonia” nos diz o guia. E nesta situação eu não tenho outra escolha a não ser pensar ensandecidamente nesta situação porque…. Calma, mas é claro que eu conheço essa história! Esse incêndio não foi um dos motivos do dia da mulher ser lembrado no dia oito de março? Mas como um edifício com uma história tão terrível se tornou um prédio universitário e parada de tour de fantasmas? 

Não é de hoje que a especulação imobiliária de Nova York é agressiva, de tal maneira que alguns anos depois do incêndio, o prédio inteiro foi comprado por um especulador e anos depois doado para a NYU (New York University), ficando conhecido como Brown Building. Mesmo antes do incêndio os andares inferiores do lugar já serviam como depósito para a universidade, e após o fogo, os andares que a antiga fábrica ocupava se tornaram uma biblioteca e salas de aula. 

Desde então, já havia relatos de assombrações no prédio. Ainda assim, parando para pensar, faz sentido haver essas histórias: em 20 minutos de incêndio mais de 130 trabalhadores morreram no dia, em sua maioria jovens mulheres. Assim, marcando o pior incêndio industrial da história de Nova York. Sem saídas de emergência e com portas trancadas para evitar "preguiça", os trabalhadores que estavam no prédio tiveram que se jogar do nono andar ou morreram queimados.

E é nítido que além de histórias fantasmagóricas, esse incêndio catalisou a luta das mulheres na cidade em busca tanto por direitos trabalhistas quanto pelo direito ao voto. Além disso, provocou marchas e levou à criação de novas leis sobre segurança do trabalho, mas o mais importante foi uma das razões para o dia oito de março marcar o dia internacional da mulher.

No primeiro capítulo da série “O que é o tal do futebol”, conto os motivos que me fizeram gostar e, posteriormente, amar esse esporte incrível.
por
Guilherme Silvério Tirelli
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26/05/2023 - 12h

Por Guilherme Tirelli

Em algum lugar do planeta, existe alguém que viveu em Nápoles, em 86, ou na Baixada Santista na década de 60. Alguns testemunharam e vibraram com o esquadrão em 1970. Viram até mesmo o surgimento de uma laranja mecânica. Mais recentemente, outros muitos presenciaram uma nova forma de se pensar e jogar o futebol. Definitivamente, o Barcelona treinado por Guardiola no início da década de 2010, despertou a atenção de todos. Porém, ele nunca foi inédito – foi inspirado no Cruyffismo, oriundo da geração de ouro holandesa. Todo esse mar de coincidências apenas traduz o quanto esse esporte é maravilhoso.

Na verdade, o futebol é um fenômeno tão único, capaz de encantar o mais cético dos boleiros. Ele marca época e tem o poder de simbolizar ícones eternos. O soco no ar do Rei Pelé, o calcanhar de Sócrates, as estupendas cobranças de falta do Galinho. Como pode alguém jogar tão bem, mesmo com pernas tortas? Será que as “canhotadas” de Gerson não inspiraram inúmeros meninos mundo afora?

O fato é que o futebol consegue construir laços e inspirar a todos. Não é à toa que o maior sonho de um garoto da periferia pode ser o mesmo do jovem de Alphaville: tornar-se um jogador profissional. Seja dentro de um condomínio de luxo, nas “quadras de asfalto” ou nos terrões, o que prevalece é o drible, a vontade, o suor. Não importa se seus pés estão descalços ou dentro de uma Mercurial. No fim da história, cada pique, passe ou chute vem do coração.

Vimos ídolos nascerem e morrerem, carregando com eles uma mostra daquilo que o esporte teve de melhor, dentro e fora das 4 linhas. Acho que foram eles os responsáveis por aflorar a minha paixão pela bola. Talvez a magia do Bruxo, Ronaldinho, tenha feito toda a diferença. Possivelmente, as incontáveis e emocionantes voltas por cima do Fenômeno. A genialidade de um tal de Lionel Messi, o esforço monumental de Cristiano. Ou até mesmo a ginga brasileira, a garra argentina, o Tiki-Taka espanhol. O futebol realmente é um caso a parte e um dos capítulos mais belos da minha vida. Por 90 minutos, ou até mais, todos nós somos livres para pensar, imaginar e criar as jogadas mais lindas da história, em uma espécie de transe que transcende o tempo e o espaço.

Ídolos do futebol
Os ídolos do futebol - Fonte: Getty Images

É por tudo isso que, até o momento em que eu parar de respirar, irei amá-lo incondicionalmente. Esse é o tal do futebol. Aquele que emociona, e marca a trajetória daqueles fissurados por uma bola.

Em todos esses casos, seja a Copa ou uma eleição, vale o recado sóbrio e confortador do meu tio: “Calma, filho. Daqui a 4 anos tem de novo”.
por
Luan Leão
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02/12/2022 - 12h

Onde você estava em 2 de julho de 2010 ? Eu lembro perfeitamente onde estava e o que estava fazendo. Era meio da tarde quando peguei o telefone, em um ato de desespero, e liguei chorando para o meu tio. Ele estava no trabalho, e em meio aos meus soluços me acalmou e me tranquilizou dizendo: “Calma, filho. Daqui 4 anos tem de novo”.

Se você não lembra, em 02 de julho de 2010, o Brasil foi derrotado pela Holanda por 2 a 1 de virada, com um jogo cercado de emoções. O Brasil abriu o placar logo aos 10 minutos com Robinho. A partida estava longe de ser fácil, o time holandês era forte. Mas a camisa brasileira pesa independente de quem seja o adversário. Afinal, todo mundo tenta, mas só o Brasil é penta. 

Dunga, técnico da seleção na época, não vivia bom relacionamento com a imprensa durante o mundial. Mas uma vitória contra os holandeses certamente aliviaria a pressão sobre o técnico. O Brasil ainda tinha tido chances de ampliar o placar na primeira etapa. Não o fez. Indo para o intervalo vencendo, o Brasil estava a 45 minutos de voltar a uma semifinal depois de uma Copa em 2006 abaixo do esperado. 

Mas logo no começo do segundo tempo, antes dos 10 minutos de partida, Wesley Sneijder começou sua atuação de gala. Primeiro ele cruza para área, a tão temida “Jabulani” varia no ar, Júlio César e Felipe Melo não se entendem e a bola passa. Foi o empate holandês. 

Depois, após cobrança de escanteio, a bola é desviada na primeira trave, e o baixinho Sneijder aparece para completar de cabeça para o gol. Era a virada. Mais tarde, Felipe Melo ainda seria expulso. Era o fim. 

O apito final em decisões na Copa do Mundo não acaba apenas com o jogo. Acaba o sonho do campeonato, no nosso caso o hexa. Acaba a alegria de uma nação que gosta de viver a Copa do Mundo. De vestir a camisa verde e amarela, cantar o hino nacional e vibrar a cada lance. Gritar com a televisão. Abraçar um desconhecido depois do gol. Beijar de alegria com a classificação. 

Acaba e dá lugar ao silêncio. A raiva. A apatia. A frustração. As lágrimas. 

Seleção Uruguai
Adolescente uruguaio chora após eliminação para Gana. Foto: Siphiwe Sibeko / Reuters 

No Catar, foram as lágrimas de Luis Suárez. A fúria de Edinson Cavani com a cabine do VAR. A apatia dos jogadores alemães com a desclassificação mesmo após a vitória. Uma Copa do Mundo permite esses dissabores. Ganhar não é ganhar. Afinal, conta mesmo é quem ganha a taça. Ou talvez não. 

Pode ganhar um povo, como os palestinos, que vibraram com uma campanha espetacular de Marrocos. Os tunisianos, que foram eliminados, mas saíram vencendo os colonizadores franceses. Traz esperança para a Costa Rica, de algo novo que pode vir a ser. Mas também tem tristeza. Tristeza dos equatorianos, no último jogo antes de sentir o gosto do mata-mata. 

Seleções Marrocos
Jogador marroquino comemora classificação com a bandeira da palestina. Foto: Reuters

Uma Copa do Mundo é como uma eleição. Pode despertar sentimentos diversos dentro de cada um de nós. Somos diferentes. Pensamos diferentes. Sentimos diferentes. Perder, não ganhar ou se desclassificar, pode doer. Machucar. Frustrar. Decepcionar. Fazer chorar. Despertar um ataque de fúria. Mas passa. 

Em todos esses casos, seja a Copa ou uma eleição, vale o recado sóbrio e confortador do meu tio: “Calma, filho. Daqui a 4 anos tem de novo”. Serve para quem fica pelas rodovias ou pelo caminho da fase grupos. Ganhar ou perder faz parte do jogo. Mas, mais importante que ganhar ou perder, é saber sentir o agridoce do competir. 2026 é logo ali, e aí começa tudo de novo.

 

Diversidade de pessoas que passam pelas cabines revela um aspecto bonito do pleito, mesmo diante da polarização
por
Esther Ursulino
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01/12/2022 - 12h

Por Esther Ursulino

Não sei onde estava com a cabeça quando decidi me inscrever para ser mesária de uma das eleições mais polarizadas da história do Brasil. Afinal, quem em sã consciência escolhe acordar cedo em um domingo para cumprir funções burocráticas?! Conheço alguns amigos que foram mesários pelo direito aos dias de folga no trabalho. Já eu, que tenho a mania de achar tudo interessante, quis apenas participar ativamente desse momento histórico. 

Dois meses antes do pleito recebi um email de convocação que dizia: “Para desempenhar a função para a qual foi convocado(a), você deverá comparecer no local de votação acima indicado às 7 horas do dia 2/10/2022 e, se houver 2° turno, também no dia 30/10/2022. Sua participação, juntamente com a de milhares de eleitores(as) que foram convocados para esse fim, será de extrema importância para a lisura e transparência do processo eleitoral e da democracia brasileira.”

Contei a novidade para alguns amigos. Um deles brincou: 

Vish… se prepare porque a partir de agora você vai ser convocada eternamente! 

Dei risada. Mesmo com esse “risco” eu estava feliz. Quer dizer, feliz e um pouco apreensiva. Em meio a tantos ataques às urnas eletrônicas, ao sistema eleitoral e à própria democracia, senti medo que essa fosse a única e última eleição em que eu trabalharia. Também tive receio de sofrer algum tipo de agressão física ou verbal enquanto estivesse realizando minhas funções no colégio, devido a propagação de ódio através das fake news. Entretanto, a experiência que tive foi outra. Apesar do contexto de polarização e de alguns rostos apáticos, consegui ver beleza nesse ritual de passagem chamado eleição. 

No domingo do primeiro turno acordei às seis, tomei café da manhã, me troquei e segui para a escola. Conforme fui me aproximando do local, notei que pessoas já formavam uma fila antes mesmo dos portões se abrirem para o início da votação. Queriam ser as primeiras. Entrei no colégio, procurei minha sessão e, juntamente com os outros mesários da sala, testamos e ajustamos os equipamentos. Às oito em ponto o sinal tocou, e os mais variados tipos de pessoas foram surgindo. 

Ao folhear o caderno de nomes notei que havia muitas “Marias”. Maria de Lourdes, Maria de Fátima, Maria das Graças, Maria das Dores… quanta Maria! Mesmo com nomes semelhantes, cada uma tinha sua particularidade. Me lembro que uma das primeiras a chegar foi uma senhora com roupas brilhantes e vários anéis nos dedos, que me disse: 

Já nem preciso vir, mas quero votar até meus cem anos! 

Notei que uma mulher trans, super sorridente, também estava empolgada para votar. Ela me disse que tinha sido incentivada por amigos, e por isso entraria na cabine pela primeira vez para escolher seus representantes. Assim que o terminal do mesário a habilitou para ir até a urna, a jovem apertou as teclas do equipamento com a maior satisfação do mundo. Depois de terminar a votação disse:

Só isso? Caramba, que legal!

E saiu da sala agradecendo. 

No decorrer do dia, pessoas com deficiências visuais, cognitivas e de locomoção,  também compareceram às urnas. Um eleitor autista, mesmo com algumas dificuldades, fez questão de assinar seu nome completo no caderno. A mãe, que o acompanhava, observava a cena com orgulho:

Ele treinou bastante só para isso.

De tardezinha, uma senhora simples entrou na sala um pouco sem graça. Disse que não conseguiria deixar seu nome no caderno pois não sabia escrever. Um colega de mesa disse: 

Não tem problema nenhum, dona Maria. A senhora pode assinar a folha com sua digital. De qualquer forma vão pedir sua biometria lá na frente. O importante é votar! 

Ela sorriu e posicionou seu polegar contra a almofada de carimbo, pressionando, em seguida, o dedo no papel. 

Em um certo momento, tive flashbacks da minha infância. Diversas mães e pais chegavam com baixinhos animados para apertar as teclas da urna e ouvir o famoso som do “trililili”, que tanto os fascina. No segundo turno das eleições, uma das crianças, ingenuamente, me perguntou:

Tia, quanto custa pra votar? 

Todos na sala riram. O pai da menina disse: 

Não custa nada não, filha. Quando você tiver dezesseis anos vai poder votar, tá bom?

A questão que aquela garotinha tinha colocado me deixou pensativa. Quanto será que custa um voto? As eleições se tornaram um evento tão comum que sequer nos perguntamos como adquirimos o direito de escolher nossos representantes. A sensação que muitos têm é de que isso foi dado “de graça”. Entretanto, não se pode comprar com 600 reais algo que tem um valor imensurável. Não há como calcular o preço de vidas perdidas, sangue, suor e lágrimas derramados em prol da participação política. 

Sei que a democracia brasileira está longe de ser, de fato, uma democracia. Não são todos que têm voz e vez neste sistema. Sei também que não basta apertar teclas a cada dois anos, esperando que a mudança aconteça. Precisamos nos mobilizar sempre para avançar e, sobretudo, manter conquistas. Mas para isso, é fundamental que estejamos em um Estado Democrático de Direito – ambiente em que podemos contestar injustiças e lutar por participação e pluralidade. Pensando bem, acho que eu decidi ser mesária nas eleições de 2022 para contemplar essa diversidade e, de alguma forma, contribuir para que ela continue existindo.

Normalmente a rede não é amiga de Pombo, mas deste é. E como é amiga, são tão íntimos, que juntos podem formar uma obra de arte após um lindo voo de Richarlison.
por
Bruno Scaciotti
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25/11/2022 - 12h

O Pombo é uma ave, encontrada em todo o mundo, geralmente em áreas urbanas. 

Tratamos de um Pombo diversificado, afinal, além de um ser humano, tem seu gene o futebol e o DNA do Brasil, ou seja, a combinação perfeita para o sucesso. Calma, sucesso ? Um pombo ? Sim! Como disse anteriormente, ele é diferente.

Pouco a pouco, jogo a jogo, ganhando espaço nos times em que atuava desde menino, ia chamando atenção de forma positiva. Logo, Nova Venécia se tornava pequena demais para o nosso pombo e voou para novas áreas urbanas, como a capital de Minas Gerais, e floriu no América-MG. Destaque de BH e destaque no Rio. Flu. Dom. Gol. E haja gol, muitos feitos por lá, exatamente 19, que fizeram ele despertar interesse da Europa. 

Cada voo, o ninho é estudado para se chegar ao topo, mas mesmo em um local menor da Inglaterra surge o amor da nossa Ave: A Canarinho, um amor de anos, como algo platônico, sempre buscando alcançar e estar com ela um dia, veio aos 23 anos, ainda jovem. Ele se identificou com ela logo de cara.

Os voos aumentam, Watford para Everton, Everton para Tottenham… Mas com a Canarinho, o nosso Pombo é diferente. Uma relação que combina, ao pensarmos Richarlison, respondemos sempre o do Brasil, não o que joga na Inglaterra. Vitória com gol contra o Peru em 2019, derrota em 2020 para a Argentina. Mas o ouro olímpico de 2020, conquistado em 2021, talvez tenha sido o grande espetáculo.

Recordam da estreia. Brasil e Alemanha. Reedição da última final olímpica, vitória da nossa canarinho, 4 a 2, com direito a três gols dele, o Pombo. 

Mas o voo gigante veio em 2022, no Catar, em uma Copa do Mundo. A Sérvia era a adversária. O início não foi o dos melhores, é verdade. O nervosismo era grande. No segundo tempo a dúvida pairava no ar: Será que o pombo estaria sentindo a pressão? Não seria melhor sair ? (Eis a questão).

17 do segundo tempo, Neymar leva a esquerda e Vini Junior, ligado, finaliza ao gol. Milinkovic-Savic espalma e, com calma, o Pombo finaliza com a força da alma, manda para o fundo da rede. Ufa, sai peso, sai para o abraço. 

Normalmente a rede não é amiga de Pombo, mas deste é. E como é amiga, são tão íntimos, que juntos podem formar uma obra de arte após um lindo voo de Richarlison. Após a bola estufar a rede, 200 milhões pulam, gritam e ali voa de tudo em um instante de extrema alegria. Voleia Rich, e voa Copa, voa cerveja, voam os pássaros com os gritos e até mesmo voam as almofadas na residência dos editores da AGEMT.

Crônica Brasil
Richarlison em finalização do segundo gol contra a Sérvia. Foto: Justin Setterfield / FIFA

A Alegria predomina em todos os sentidos com a Canarinho. Pombo é Brasil, é alegria, é identificação, é comprometimento e Amor com a Nação. Sem precisar exaltar as cores do país e fazer discursos patrióticos, é sobre ser quem é de maneira verdadeira. E nós te amamos! Obrigado por nos trazer o primeiro passo dos sete que buscamos finalizar da maneira mais alegre, com a taça do mundo, para um país carente de ídolos e que quer sorrir novamente.

A caminhada só está começando e vamos juntos voar como uma Canarinho ou um Pombo no Catar.

Voa, canarinho, voa

Mostra pra esse povo que és um rei

Voa, canarinho, voa

Mostra no Catar o que eu já sei

 

Vamos de Sabatina versão crônica; se preparem, não virem tchutchucas, e, se puderem, não privatizem tudo
por
Artur dos Santos
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01/09/2022 - 12h

Tem coisas que a gente esquece… não é sempre que lembramos de reabastecer o bilhete único, de lavar a louça, colocar o despertador pra tocar… realmente existem coisas imemoráveis e tudo bem. Tem coisas que eu, inclusive, só lembro quando preciso - como, por exemplo, um guarda-chuva, que eu sempre levo na mochila em dias secos e o qual milagrosamente eu esqueço em casa quando chove. Tem coisas, também, que eu só lembro quando aparecem como: aniversários de antigos colegas de sala, grão de bico, casamentos, fãs de Legião Urbana, Capital Inicial, Jota Quest, Wesley Safadão, o Partido Novo, etc. Todas essas coisas têm algo em comum: eu sempre nego tê-las esquecido. Subitamente vejo algo do qual eu não havia me esquecido; subitamente está lá, no  meio do debate o candidato milionário Felipe D’ávila e penso “ih, olha lá! O Felipinho privatizador!… confesso que não tinha esquecido de você”.

 

Como estamos em clima de sabatina, vou dar a minha versão da análise dos candidatos que foram ao debate. Simone Tebet mais me parece com uma nova Tabata Amaral - só que surpreendentemente mais liberal. Pelo menos, a antiga professora aparentemente apoia o randandan, já que dará 5 mil reais para estudantes de todo o Brasil para que consigam “pagar a entrada de uma moto (...)”. Soraya, a onça direitista, só não pisca mais por suas pálpebras ainda não terem sido privatizadas pelo candidato Felipe D’ávila e esse, por sua vez, só não resolveu a questão do assédio no país por não ter privatizado os corpos das mulheres - inclusive, ouvi dizer que, para ele, pessoas não binárias devem ser geridas por um regime público-privado, o meio termo do projeto neo-liberal.

 

Ciro Gomes, Bolsonaro e Lula foram os três que não me surpreenderam, então vou propor um jogo de adivinhação quem-é-quem: qual deles parece ter as mãos coladas uma na outra? Qual pareceu ter comido uma feijoada antes do debate? Qual deles começou calmo e deu piti?

 

Virar jacaré é a mais nova figura de linguagem que constará nos vestibulares de todo o país
por
Artur dos Santos
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23/08/2022 - 12h

Vestibulandos, se preparem: tenho péssimas notícias. Não, não é uma reforma do ensino médio, o esforço de fazê-los desaprender a escrever um texto para fazer “redações”, falta de merenda, falta de material, de estrutura ou mesmo de incentivo ao estudo - por essas injúrias você já passa e já se acostumou -, o assunto é sério. Descobri ontem que temos uma nova figura de linguagem; o presidente mesmo me anunciou. “Virar Jacaré” é a mais nova figura de linguagem da língua portuguesa, e, garanto, estará nas próximas provas que você enfrentará!

Chega de choro, vamos à análise. Primeiramente, de onde veio essa nova figura de linguagem? Claramente da junção do milenar folclore brasileiro que tanto teme a Cuca ao mais novo negacionismo que tanto teme a ciência, hora! Viu? Não é tão difícil. Em relação ao sentido, a situação pode ficar mais complicada…

O que quer dizer, afinal, essa nova figura de linguagem? Ainda estamos em período de análise, querido vestibulando, mas acho que encontraremos seu sentido dentre as linhas da covardia e do cinismo. 

De onde veio? Ah essa é uma boa pergunta. Não temos como dizer quando uma expressão surge dentro de uma língua, é como traçar o intraçável, pesquisar o impesquisável, mas, se eu tivesse que chutar, diria que veio da boca do atual presidente da república quando, em meio à pandemia, desmotivava a adesão da população à vacinação contra a Covid-19. Enfim, como disse, não dá para dizer exatamente.

Nenhuma análise gramatical está completa sem exemplos! Segue abaixo situações nas quais você poderá utilizar a nova figura de linguagem:

  1. Ao querer desincentivar a adesão de uma população ao programa nacional de vacinação:

“Se você virar jacaré, problema é seu”

  1. Durante uma redação:

“Outrossim, virará jacaré aquele que (...)” - note que eu, assim como você, utilizei erroneamente o terrível “Outrossim”.

  1. Em um debate:

“É indubitável que a moção em questão fez com que o excelentíssimo delegado tenha virado jacaré

  1. Se explicando em um diálogo no Jornal Nacional: “Eu usei uma figura de linguagem” “Figura de linguagem?” “Isso é parte da literatura portuguesa” “Virar jacaré?”

Por que estamos sós nesta multidão?
por
Fernanda Querne
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21/08/2022 - 12h

Alguém sabe o quanto você está destruído? Alguém sabe quem te destruiu? Será que você realmente sabe quem te destruiu? As pessoas nos destroem ou nós permitimos que elas façam isso? Foi você que fez isso consigo? Não foi você? Tem certeza? Absoluta? Dói, não é? Essa dor passa? Será?  Essa dor é por falta ou excesso de amor? Mas amar não devia te encher de alegria? É normal a tristeza preencher o vazio da dor? Por que nos sentirmos vazios incomoda tanto? Já fomos felizes de verdade? Estamos felizes? Somos felizes? Qual é a razão de nos sentirmos incompletos até alcançar a felicidade absoluta? Seremos miseráveis até morrer? E em nome de que? Orgulho profissional? Estabilidade econômica? Vida pessoal?

 

Por que nos traumatizamos? Por que nos desentendemos? Por que esse ciclo nunca para? Como vou alcançar a minha felicidade absoluta assim? É normal brigar com tanta potência e/ou frequência? Por que comigo? Por que isso acontece só comigo? Será que é só comigo? Acontece com você? Mesmo? Não está dizendo isso só para me confortar, não é? Jura? Bom, como consertamos isso? Ou melhor, quem nos conserta? Depois de tanta destruição, temos conserto? Ou é melhor desistir de nós? Se não tem ninguém por nós, algo de bom acontecerá para nós? Nossa, não tem ninguém mesmo, né? Nossa, um silêncio, não acha? Essa solidão mata. 

Bolsonaro foi chamado de Tchutchuca do Centrão e duas crônicas foram necessárias para dar conta do recado
por
Artur dos Santos
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19/08/2022 - 12h

Se tem uma coisa que a gente aprende com apelidos é que, se reagirmos, eles pioram e quem nos zoa demorará pra esquecer. Acontece com todo mundo, pode ver. Pergunta pra sua priminha, seu irmão ou até seu pai (porque a gente sabe que o apelido não tem limite de idade aqui neste país). Zoiudo, pernudo, “ô grande!”, dentinho, espeto, rato, bobo alegre, cabeçudo, pé de meia, agente secreto, pinguim, batman, tchutchuca do centrão - a nossa criatividade não tem limites. Agora, o exato momento em que você reage negativamente a esses apelidos é o seu batizado extraoficial… daí pra frente não tem jeito. Se, por exemplo, você ficar bravo que te chamaram de Tchutchuca do Centrão e, ainda, reagir, você é oficialmente a Tchutchuca do Centrão, não tem outra. Então fica a dica, sr. Centrão, reagiu, o apelido colou, se não a gente esquecia rápido.
 

Dose dupla! É muita coisa para uma crônica só então fiz duas. Não vai se acostumando, hein!?

 

Trombadinhas, Caixas Baixas, Capitães da Areia, Presidente da República… assim que chamo aqueles que batem carteiras e celulares nas ruas. O último apelido é recente, afirmo; não sabia que um presidente tentaria roubar um celular ao vivo - ênfase no tentar. Enfim, Bolsonaro por muito não consegue pegar um celular da mão de um youtuber que lhe chamava de “Tchutchuca do Centrão” (olha as coisas que este país me faz explicar) e acho que se tornou presidente pois seu futuro de batedor de carteira seria, sem dúvidas, incerto. Tem histórico de atleta, isso sabemos, então conseguiria escapar da polícia todas as vezes que não conseguisse, por muito, pegar um celular de um turista distraído pelo MASP. Não sei não, ein? Tô começando a entender o porquê de termos tantos batedores de carteira hoje em dia: por fome e miséria? Não; eles sabem que o pior deles pode se tornar presidente! Ah deve ser uma competição e tanto; já imagino até o nome “Quase batedores de bolso” e o troféu é “Bolsonaro, o erra bolso” - em bronze, lindo! Se forem tão ruins em bater bolsos, poderemos nos despreocupar e andar mexendo no celular, o problema é se forem tão milicianos quanto quem o prêmio homenageia. 

 

Agora é oficial: o processo eleitoral começou. Lula e Bolsonaro mostraram suas armas.
por
Henrique Alexandre
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17/08/2022 - 12h

O pontapé inicial das eleições brasileiras começou oficialmente. Embora os últimos meses tenham sido de movimentações políticas intensas com os principais candidatos disputando pela melhor visibilidade junto ao eleitorado, somente a partir de hoje, segundo o TSE, estão liberadas as propagandas eleitorais e os pedidos de votos.

Para marcar o início das eleições, os líderes em intenção de votos para a presidência da República foram à lugares representativos de suas trajetórias políticas.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escolheu uma fábrica de automóveis, em São Bernardo do Campo para iniciar seu 3° mandato como presidente. O local escolhido pelo petista é um berço do sindicalismo operário e deu visibilidade ao ex-presidente durante a ditadura militar. Lula optou por estar junto ao chão de fábrica. Resta saber se o "chão de fábrica" estará com o PT nessa eleições, o que não ocorreu em 2018.

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Luis Inácio Lula da Silva tenta seu terceiro mandato como presidente de república - Foto: Carla Carniel/Reuters



Jair Bolsonaro (PL) também escolheu um lugar representativo para sua trajetória politica. O atual presidente foi até Juiz de Fora, em Minas Gerais, local do atentado à faca que sofreu em 2018, para lançar a sua candidatura. Bolsonaro afirmou que a cidade representa o seu renascimento e que por isso o escolheu. O atual presidente discursou para os seus apoiadores, mantendo a narrativa conservadora, cristã e da luta do "bem contra o mal"

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Segundo lugar nas pesquisas eleitorais, Bolsonaro tenta se manter no poder - Foto: MAURO PIMENTEL/AFP via Getty Images


Serão contadas novas histórias até o 1° turno das eleições de 2022. Os dois nomes da política brasileira neste momento já estavam se provocando e se atacando antes do pontapé inicial. Com o sinal verde, a tendência é o aumento da temperatura.

Digo apenas Lula e Bolsonaro, pois, com o passar do tempo, fica cada vez mais claro que a terceira via não decolou e não vai se quer fazer cócegas aos atuais candidatos.

Agora, resta saber quais serão os novos enredos para a trajetória política do candidato petista e do atual presidente. De qualquer forma, o país vai registrar a sua maior eleição desde a redemocratização. Muita coisa estará em jogo.