Comecei a escrever esse texto na pandemia, mas não terminei, estava na busca de contemplar minha incompletude
por
Manuela Amaral Silva
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13/06/2025 - 12h

A busca pela validação parece ser infinda. Alguns filósofos acreditam que, no estado de menor de idade, o homem é incapaz de dirigir a si mesmo, tornando-se assim dependente do governo dos outros - ou seja, não consegue exercer o pensamento crítico a nível de mudança, mas apenas se move pela trajetória do comodismo. Acho isso ainda pertinente nos dias atuais, e que nunca sairemos da menoridade enquanto dependermos dos outros para a nossa existência. Estamos nos autocondenando a uma vida cíclica e sem mudanças existenciais. As únicas mudanças que fazem diferença são as "notificações" que recebemos em nossos dispositivos de comunicação. 

O celular às vezes fica mudo, e eu também. Não sei se devo falar porque ainda não vi as notícias. Elas ainda não apareceram nas notificações do meu celular. Quero vê-las, explorar esse mundo digital e fugir do real; quero sumir em alguma conta com um user fake. E no final perceber que nunca foi real. Essa sociedade digital só existe no mundo irreal. Talvez um dia paremos de ver o mundo através da câmera do celular. Talvez eu esteja sendo pessimista por acreditar em minhas verdades, e tenho fé de que isso não permaneça como algo atemporal. Espero por mudança, mas que alguém se mova por mim. 

Um amor subjetivo nas redes sociais e a busca por idolatria de ambos os lados: onde querem mostrar um quê de superioridade pelas fotos e, ao mesmo tempo, querem ser tratados como iguais. Minha mãe tem depressão. Quando a vejo, às vezes fico deprimida também. Não entendo sua dor. Apenas a vejo. O afeto... sinto falta dele, apesar de sentir que ainda está aqui. Ele me recorda de sua existência às vezes da maneira mais dolorosa -- quando lembro-me de minha existência. "Esse amor que me fere é o mesmo que me cura, é o mesmo que possibilita", diz Adélia Prado e acrescenta: ponha cataplasma sobre as feridas". 

Uma crônica sobre escolher seu próprio caminho todos os dias
por
Manuela Amaral
Natália Matvyenko
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11/06/2025 - 12h

Laura escolheu seu nome. Aquele que veio ao mundo com ela, não lhe servia mais e pesava como roupa emprestada. Laura soava fácil, escorregava pela boca como algo que sempre foi dela. E assim ela se fez: Laura, de cabelos que já foram curtos e agora descem vermelhos pelos ombros, como fios de outono que nunca caem. Seu sorriso é frequente, mas não ingênuo. Carrega os cantos da boca para cima na maioria dos dias, como quem insiste em acreditar que a luz vale mais que a sombra ainda que às vezes duvide.

Entre os dedos, um cigarro; na mesa, uma xícara de café meio vazia. Quando nos encontramos, é assim: fumaça desenhando curvas no ar, o amargo do café na língua e ela, sempre ela, dizendo "venha ler o que estou escrevendo". Mas Laura quase nunca me deixa ler. Em vez disso, abre a boca e solta os pensamentos antes que eles cheguem ao papel. Fala de ideias que ainda estão se formando, de histórias que nascem tortas e que ela endireita com as mãos no ar, como quem amassa barro. Eu escuto, tentando acompanhar o fio invisível de sua lógica, enquanto o cigarro queima esquecido no cinzeiro.  

Ela ri alto, de uma risada que desafia qualquer melancolia. "Você tá bem?", pergunta, e eu minto às vezes, um "tudo ótimo" que ela desmonta com um olhar. Laura conhece as dores que a gente cala, porque carrega as dela sem disfarce: a transfobia que deixa marcas, o HIV que virou parte da história, mas não a definição dela. "Sou mais que um vírus", disse certa vez, enquanto acendia outro cigarro. "Sou mais que um corpo que o mundo quis decidir por mim".

Quero aprender com Laura. Não como quem estuda um livro, mas como quem observa o mar: sabendo que nunca se repete, que cada onda traz algo novo. Ela não é professora, mas ensina sem querer: sobre resistência, sobre a beleza que persiste mesmo quando o mundo insiste em negá-la. Suas histórias não são ficção, são memórias com as garras afiadas, e quando ela as conta, por um instante, vemos através dos seus olhos. E tudo fica mais claro: a vida, a luta, a coragem de existir apesar de.  Laura não pede pena, ela só quer viver, e isso a torna uma revolução inteira.

 

Comissão parlamentar de inquérito, ou comissão de personalidade Influente
por
Fernando Amaral, João Bueno e Pedro Banhara
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09/06/2025 - 12h

No silêncio do Senado, o primeiro ato da CPI das Bets desenhou um cenário mais de novela do que de tribunal. Era novembro de 2024 quando o nome “Fernandin OIG” ecoou pelos corredores. O empresário acusado de divulgar o “jogo do tigrinho”, caça-níquel virtual que se infiltrou nas redes sociais, e que agora respira o ar pesado da suspeita de lavagem de dinheiro. Logo ao lado, nas cadeiras reservadas ao público, a relatora pôs em pauta influenciadores peças-chave da engrenagem: Deolane, Gkay, Jojo Todynho, Virgínia Fonseca, e perguntou, sem medo, se o brilho dos likes escondia uma sombra rentável. A plateia reagiu com risos nervosos, e por trás dos memes, pipocavam relatórios de prejuízo, promessas quebradas e ações que prometem endurecer a regulação. 
 
Na rampa do Senado em Brasília, o ar estava tenso. A névoa burocrática foi interrompida por um perfume doce, talvez de baunilha, talvez de marketing bem calculado. Virgínia Fonseca acabava de chegar. Não chegou vestida para depor, chegou vestida para convencer. O moletom oversized, preto e confortável, não era apenas uma peça de roupa: era uma mensagem. Estampada no peito, a imagem da filha. No punho, o inseparável copo Stanley lilás, símbolo da mãe influenciadora dos tempos líquidos. Calça jogger, tênis branco limpo como reputação de publicidade, e o cabelão loiro alinhado até demais para quem diz estar nervosa, talvez tenha achado que a tal bet, era aquela boneca de beleza irretocável. 

Assim que adentrou ao salão da CPI, ela rompeu o protocolo com a leveza de quem está acostumada a romper telas: foi cumprimentando um por um dos senadores com beijo no rosto. Beijo aqui, beijo ali. Como se estivesse chegando num aniversário infantil. Como se os parlamentares fossem tios de grupo de WhatsApp. Como se a formalidade do Senado coubesse em um story do Instagram. Era o gesto final para compor o personagem: o da boa mãe, da boa moça, da mulher real, que só quer trabalhar e proteger os seus. O figurino já dizia isso — mas o beijo no rosto selava o personagem: "não sou ameaça, sou afeto". 

Hoje, quem tem rasgado fotos de casamento não é o ciúme, nem o tédio: é o jogo. A advogada Mérces da Silva Nunes bem que tentou não se espantar, mas ano após ano, o escritório dela virou confessionário de promessas quebradas e dívidas feitas no escuro. Conta, em entrevista à AGEMT, que chega de tudo, esposa descobrindo que o marido pegou empréstimo no nome da sogra, marido surpreso com a fatura do cartão estourada pela parceira, e até falsificação de assinatura em silêncio, como quem falsifica a esperança. 

E não se trata só de dinheiro. Mérces diz que "o vício em apostas é um destruidor de tudo, do fim de semana em família à confiança que sustentava o teto". Quando o jogo entra, o diálogo sai pela porta da frente. A convivência, que já andava manca, tropeça de vez. E então resta o divórcio, mas nem isso vem sem cálculo: quem não jogou,  quem tentou segurar a casa de pé. No fim, a aposta mais alta foi feita no casamento. E foi perdida", conclui Mérces. 

“É isso, que Deus abençoe a nossa audiência, e bora pra cima!”, diz Virgínia Fonseca ao se apresentar no Senado. O “bora pra cima”. Aquela expressão que pode significar tudo e absolutamente nada. Ali, no plenário, soou como tentativa de blindagem moral, ou quem sabe um mantra da positividade automática. Como se a CPI fosse um unboxing a ser apresentado, mas que com fé, skincare e foco, daria tudo certo. 

No fundo, ela queria mostrar que estava tranquila, leve, inofensiva, quase maternal. Uma mulher multitarefas que entre um café com leite da filha e uma publi no feed, teve que passar ali rapidinho no Senado pra esclarecer umas coisinhas. Quase um favor. Mas CPI, meu amigo, não é uma sala de estar. Ou não deveria ser. 

Enquanto ela sorria e cruzava as pernas como quem espera o café da tarde, em Carapicuíba, na fila do ônibus Jardim Popular, linha mais lotada da cidade da Grande São Paulo, Antônio Cláudio dos Santos, 42 anos, pai de três filhos, estava na tentativa daquele animal listrado soltar a carta e duplicar seu salário. 

“Todos os meus colegas de trabalho jogam, uns ganham 100, 200 reais por dia. Um outro colega fez o salário em apenas um dia. Parecia fácil, eu fui colocando de 20 em 20, e na tentativa de recuperar o perdido, meu salário se foi” – Relata Antônio, após ter perdido o salário do mês em apostas. Mas se a convocação de Virgínia Fonseca ao Senado parecia coisa de filme, o comportamento dos senadores foi digno de uma sitcom de comédia.

Em vez de interrogatório sério, o que se viu parecia tietagem de fãs adolescentes com cantores pop. O senador Cleitinho, por exemplo, largou o papel de fiscal da República para pedir uma selfie com a influenciadora (foto), e não parou por aí: pediu também um vídeo para a esposa, rasgou elogios e, por pouco, não pediu um autógrafo no crachá. Já o senador Kajuru parecia mais interessado em ser convidado para o próximo churrasco na mansão da Virgínia do que em discutir a tal cláusula da “desgraça alheia”. 

Enquanto isso, a relatora Soraya Thronicke, com cara de quem queria desligar o wi-fi do Senado inteiro, tentava manter a compostura no meio da bagunça. A audiência, que deveria investigar um esquema de bilhões em apostas online, virou praticamente uma coletiva de imprensa pós-festa. E assim, entre risadinhas, selfies e elogios embaraçosos, a CPI foi virando o que muitos já suspeitavam: mais um show de vaidades. 

E o resultado disso? Bom, o Instagram respondeu rápido: Virgínia perdeu mais de 117 mil seguidores em dois dias. Mas nada que tire o sono de quem ainda tem 53,2 milhões de pessoas assistindo tudo de camarote. No fim das contas, ela saiu da CPI como entrou, maquiada, milionária e ainda influente. Porque no Brasil, até escândalo pode virar engajamento e virar 71% OFF em todo o site da Wepink. 

CPI investiga supostas irregularidades no setor de apostas e o uso de influenciadores digitais na divulgação de jogos online
por
Luenir Gomes Batista
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09/06/2025 - 12h

No dia 13 de maio de 2025, Virgínia Fonseca foi convocada a prestar depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), popularmente apelidada de “CPI das Bets”. A influenciadora, que é uma das maiores figuras do marketing digital no Brasil, foi chamada para esclarecer sua relação com empresas de apostas online. Vestida de um moletom preto com o rosto da filha estampado, óculos, pouca maquiagem e equipe de mídia a postos, Virginia  já estava pronta para que a CPI se tornasse mais um de seus conteúdos.

Virgínia Fonseca:  -- Primeira vez, né? Tô um pouco nervosa... Mas enfim. Comecei na internet com 17 anos . Hoje tenho 26, fiz agora em abril.

Como quem atualiza o público sobre o feed da própria vida. Desde o início, garantiu que fazia tudo sozinha: o pai não apoiava, a mãe apoiava, mas deixava ela ir…

Virgínia Fonseca: --  E hoje eu sou tudo isso. Espero poder esclarecer todas as dúvidas aqui.

Talvez ela não soubesse, mas não estava em um programa do BBB. Diferente de outras testemunhas, que falaram com uma certa solenidade, Virgínia tratou o momento como quem entra ao vivo no próprio canal. 

Virgínia Fonseca: -- É isso. Que Deus abençoe a nossa audiência. Bora pra cima!

A frase, dita, arrancou risos da mesa. Alguns senadores não resistiram à ironia, riram também. Mas, em meio à descontração forçada, havia uma exceção: a senadora Soraya Thronicke manteve-se séria, impassível. Enquanto outros brincavam, ela parecia ser a única disposta a levar aquilo a sério. Foi então que veio o momento mais performático da manhã: a fala do deputado André Janones. Com uma postura mais próxima de um influencer do que de um parlamentar.

André Janones: -- Eu não vim aqui pra apontar o dedo pra você, não - disse o senador, como quem esqueceu ou preferiu esquecer que estava numa CPI. Em vez de inquirir, optou por discursar. Em vez de investigar, decidiu pregar. 

André Janones: -- Quero tocar seu coração como um cristão. 

Em vez de questionar a influenciadora sobre o impacto de suas campanhas de apostas, fez propaganda dos “pré-treinos” dela. “Inclusive, tomei um hoje. Maravilhoso.” E não parou aí: pediu que ela mandasse “um abraço pra esposa e sua filha”, como se ela não estivesse para testemunhar e sim como uma celebridade. Só não falou como o que deveria ser naquele momento: um fiscal do povo, diante de uma prática que movimenta bilhões e afeta milhões.

Certo de que a sessão viralizaria nas redes. A CPI agora havia se transformado em palco. E, como em todo show, o objetivo principal não era obter respostas, mas garantir audiência. O presidente da comissão, o senador Jorge Kajuru, interveio. A fala de Kajuru foi um raro momento de tentativa de ordem. Mas o ponto alto da seriedade viria depois, com a intervenção firme de Soraya Thronicke.

Soraya Thronicke: -- Entendo a forma de Vossa Excelência se pronunciar. Já estamos acostumados. Gostaria de tê-lo aqui todos os dias, assim o senhor veria que esta CPI é necessária, sim. Estamos legislando para proteger jogadores, e não lacrando por likes. Tem político que entrou aqui pensando que veio ser influencer. Não se aprofunda em nada, não entende de direito tributário, não lê a reforma da Previdência[…] Mesmo declarando apreço pessoal, fez questão de marcar o desacordo. 

Para o cientista político e pesquisador em comunicação digital Luiz Fernando Moreira, o que se viu foi menos um depoimento e mais um episódio. 

Luiz Fernando: — Quando uma influenciadora chega a uma CPI e transforma o depoimento em conteúdo, e quando parlamentares decidem atuar como fãs em vez de representantes do povo, temos um sinal claro de que a lógica do entretenimento venceu — afirmou Fernando. 

No fim das contas, a "CPI das Bets" se revelou menos uma comissão de inquérito e mais um espelho do nosso tempo: um palco onde a política tenta disputar atenção com o entretenimento. E o povo, esse sim, continua sendo plateia; assistindo, entre risos e likes, aos meros cortes em que se transformou o debate público.

De um lado, uma mulher rica e popular que prometia demais, do outro uma ministra tentando defender o meio ambiente
por
Lucca Cantarim dos Santos
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03/06/2025 - 12h

Recentemente, fui assistir a um espetáculo. O tema? Uma mulher rica e popular que prometia demais, não cumpria nada e recebia tudo. Ela contava sobre seus atos para autoridades de justiça que apenas riam, a abraçavam e tiravam fotos, alegando que era “aquela das redes sociais”, enquanto poucos (que eu achei os personagens mais coerentes) tentavam apontar os erros dela e fazê-la pagar por seus atos.

Parecia desafiar todo meu conceito de certo e errado, era tragicômico! As vestes da personagem não combinavam com o ambiente sério. A inocência e infantilidade eram bem atuadas, pois dava a impressão que a própria personagem tinha outra personagem para interpretar. Fiquei a peça inteira torcendo por uma reviravolta, que talvez a protagonista fosse punida não só pelos seus atos, mas por em contar sobre tanta destruição com um sorriso no rosto. Mas no fim, ela apenas saiu livre e com novos amigos dentre as autoridades.

Voltei ao teatro na semana seguinte, o produtor da peça decidiu criar uma nova história, se passando no mesmo universo sisudo, com personagens diferentes do mesmo grupo de autoridades. Dessa vez, uma idosa também influente, conhecida por defender causas ambientais, estava conversando sobre a criação de uma nova área de conservação marinha, mas a preocupação das autoridades com a exploração de petróleo era mais importante que o meio ambiente, e a mulher era tratada com humilhações e ataques extremamente misóginos.

Foi mais uma peça que me deixou na ponta da cadeira, angustiado, quase mastigando todas as minhas unhas enquanto eu rezava para a mulher (a única ali que tinha senso comum) sair por cima das ofensas. Mas no fim... Ela saiu dali, mas não sem bater de frente com as ofensas que recebia.

Nunca cheguei a entender o ponto das peças, a mulher que deveria ser criticada e punida por seus atos era tratada com carinho, amor e veneração apenas por ser a “famosa das redes sociais” enquanto a mulher que deveria ser apreciada e admirada por seu ativismo era criticada, sendo retratada como “aquela ministra chata de meio ambiente”. Até hoje fico ponderando sobre isso, sobre como os valores de respeito estão distorcidos, e sobre como é tão fácil, mesmo sendo uma pessoa ruim, fugir de suas responsabilidades uma vez que você tem dinheiro e influência. Bom... Ainda bem que eram apenas espetáculos.  

Como um tour de lugares assombrados por Nova York me levou ao lugar que incentivou a criação do oito de março como dia Internacional da mulher
por
Camila Stockler das Neves Moreira
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08/03/2024 - 12h

Era uma sexta feira escura e fria. Com os ventos uivantes do começo de fevereiro, todas as árvores de Nova York se estremeciam com suas sombras, se contorcendo e tomando as ruas pouco iluminadas de Greenwich Village, um dos bairros mais fantasmagóricos da cidade. Neste cenário era conduzido um tour de lugares assombrados do bairro. Histórias aterrorizantes de assassinatos, possessões e poltergeists invadiram o imaginário do grupo que se encaminha para o fim do passeio. E neste fim, estava uma antiga fábrica de roupas - hoje, prédio universitário - palco de um dos incêndios mais trágicos dos Estados Unidos: “The Triangle Shirtwaist Fire” em 1911.

“E dizem que ainda é possível sentir o cheiro de queimado e ver reflexos nas janelas das pessoas queimadas em agonia” nos diz o guia. E nesta situação eu não tenho outra escolha a não ser pensar ensandecidamente nesta situação porque…. Calma, mas é claro que eu conheço essa história! Esse incêndio não foi um dos motivos do dia da mulher ser lembrado no dia oito de março? Mas como um edifício com uma história tão terrível se tornou um prédio universitário e parada de tour de fantasmas? 

Não é de hoje que a especulação imobiliária de Nova York é agressiva, de tal maneira que alguns anos depois do incêndio, o prédio inteiro foi comprado por um especulador e anos depois doado para a NYU (New York University), ficando conhecido como Brown Building. Mesmo antes do incêndio os andares inferiores do lugar já serviam como depósito para a universidade, e após o fogo, os andares que a antiga fábrica ocupava se tornaram uma biblioteca e salas de aula. 

Desde então, já havia relatos de assombrações no prédio. Ainda assim, parando para pensar, faz sentido haver essas histórias: em 20 minutos de incêndio mais de 130 trabalhadores morreram no dia, em sua maioria jovens mulheres. Assim, marcando o pior incêndio industrial da história de Nova York. Sem saídas de emergência e com portas trancadas para evitar "preguiça", os trabalhadores que estavam no prédio tiveram que se jogar do nono andar ou morreram queimados.

E é nítido que além de histórias fantasmagóricas, esse incêndio catalisou a luta das mulheres na cidade em busca tanto por direitos trabalhistas quanto pelo direito ao voto. Além disso, provocou marchas e levou à criação de novas leis sobre segurança do trabalho, mas o mais importante foi uma das razões para o dia oito de março marcar o dia internacional da mulher.

No primeiro capítulo da série “O que é o tal do futebol”, conto os motivos que me fizeram gostar e, posteriormente, amar esse esporte incrível.
por
Guilherme Silvério Tirelli
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26/05/2023 - 12h

Por Guilherme Tirelli

Em algum lugar do planeta, existe alguém que viveu em Nápoles, em 86, ou na Baixada Santista na década de 60. Alguns testemunharam e vibraram com o esquadrão em 1970. Viram até mesmo o surgimento de uma laranja mecânica. Mais recentemente, outros muitos presenciaram uma nova forma de se pensar e jogar o futebol. Definitivamente, o Barcelona treinado por Guardiola no início da década de 2010, despertou a atenção de todos. Porém, ele nunca foi inédito – foi inspirado no Cruyffismo, oriundo da geração de ouro holandesa. Todo esse mar de coincidências apenas traduz o quanto esse esporte é maravilhoso.

Na verdade, o futebol é um fenômeno tão único, capaz de encantar o mais cético dos boleiros. Ele marca época e tem o poder de simbolizar ícones eternos. O soco no ar do Rei Pelé, o calcanhar de Sócrates, as estupendas cobranças de falta do Galinho. Como pode alguém jogar tão bem, mesmo com pernas tortas? Será que as “canhotadas” de Gerson não inspiraram inúmeros meninos mundo afora?

O fato é que o futebol consegue construir laços e inspirar a todos. Não é à toa que o maior sonho de um garoto da periferia pode ser o mesmo do jovem de Alphaville: tornar-se um jogador profissional. Seja dentro de um condomínio de luxo, nas “quadras de asfalto” ou nos terrões, o que prevalece é o drible, a vontade, o suor. Não importa se seus pés estão descalços ou dentro de uma Mercurial. No fim da história, cada pique, passe ou chute vem do coração.

Vimos ídolos nascerem e morrerem, carregando com eles uma mostra daquilo que o esporte teve de melhor, dentro e fora das 4 linhas. Acho que foram eles os responsáveis por aflorar a minha paixão pela bola. Talvez a magia do Bruxo, Ronaldinho, tenha feito toda a diferença. Possivelmente, as incontáveis e emocionantes voltas por cima do Fenômeno. A genialidade de um tal de Lionel Messi, o esforço monumental de Cristiano. Ou até mesmo a ginga brasileira, a garra argentina, o Tiki-Taka espanhol. O futebol realmente é um caso a parte e um dos capítulos mais belos da minha vida. Por 90 minutos, ou até mais, todos nós somos livres para pensar, imaginar e criar as jogadas mais lindas da história, em uma espécie de transe que transcende o tempo e o espaço.

Ídolos do futebol
Os ídolos do futebol - Fonte: Getty Images

É por tudo isso que, até o momento em que eu parar de respirar, irei amá-lo incondicionalmente. Esse é o tal do futebol. Aquele que emociona, e marca a trajetória daqueles fissurados por uma bola.

Em todos esses casos, seja a Copa ou uma eleição, vale o recado sóbrio e confortador do meu tio: “Calma, filho. Daqui a 4 anos tem de novo”.
por
Luan Leão
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02/12/2022 - 12h

Onde você estava em 2 de julho de 2010 ? Eu lembro perfeitamente onde estava e o que estava fazendo. Era meio da tarde quando peguei o telefone, em um ato de desespero, e liguei chorando para o meu tio. Ele estava no trabalho, e em meio aos meus soluços me acalmou e me tranquilizou dizendo: “Calma, filho. Daqui 4 anos tem de novo”.

Se você não lembra, em 02 de julho de 2010, o Brasil foi derrotado pela Holanda por 2 a 1 de virada, com um jogo cercado de emoções. O Brasil abriu o placar logo aos 10 minutos com Robinho. A partida estava longe de ser fácil, o time holandês era forte. Mas a camisa brasileira pesa independente de quem seja o adversário. Afinal, todo mundo tenta, mas só o Brasil é penta. 

Dunga, técnico da seleção na época, não vivia bom relacionamento com a imprensa durante o mundial. Mas uma vitória contra os holandeses certamente aliviaria a pressão sobre o técnico. O Brasil ainda tinha tido chances de ampliar o placar na primeira etapa. Não o fez. Indo para o intervalo vencendo, o Brasil estava a 45 minutos de voltar a uma semifinal depois de uma Copa em 2006 abaixo do esperado. 

Mas logo no começo do segundo tempo, antes dos 10 minutos de partida, Wesley Sneijder começou sua atuação de gala. Primeiro ele cruza para área, a tão temida “Jabulani” varia no ar, Júlio César e Felipe Melo não se entendem e a bola passa. Foi o empate holandês. 

Depois, após cobrança de escanteio, a bola é desviada na primeira trave, e o baixinho Sneijder aparece para completar de cabeça para o gol. Era a virada. Mais tarde, Felipe Melo ainda seria expulso. Era o fim. 

O apito final em decisões na Copa do Mundo não acaba apenas com o jogo. Acaba o sonho do campeonato, no nosso caso o hexa. Acaba a alegria de uma nação que gosta de viver a Copa do Mundo. De vestir a camisa verde e amarela, cantar o hino nacional e vibrar a cada lance. Gritar com a televisão. Abraçar um desconhecido depois do gol. Beijar de alegria com a classificação. 

Acaba e dá lugar ao silêncio. A raiva. A apatia. A frustração. As lágrimas. 

Seleção Uruguai
Adolescente uruguaio chora após eliminação para Gana. Foto: Siphiwe Sibeko / Reuters 

No Catar, foram as lágrimas de Luis Suárez. A fúria de Edinson Cavani com a cabine do VAR. A apatia dos jogadores alemães com a desclassificação mesmo após a vitória. Uma Copa do Mundo permite esses dissabores. Ganhar não é ganhar. Afinal, conta mesmo é quem ganha a taça. Ou talvez não. 

Pode ganhar um povo, como os palestinos, que vibraram com uma campanha espetacular de Marrocos. Os tunisianos, que foram eliminados, mas saíram vencendo os colonizadores franceses. Traz esperança para a Costa Rica, de algo novo que pode vir a ser. Mas também tem tristeza. Tristeza dos equatorianos, no último jogo antes de sentir o gosto do mata-mata. 

Seleções Marrocos
Jogador marroquino comemora classificação com a bandeira da palestina. Foto: Reuters

Uma Copa do Mundo é como uma eleição. Pode despertar sentimentos diversos dentro de cada um de nós. Somos diferentes. Pensamos diferentes. Sentimos diferentes. Perder, não ganhar ou se desclassificar, pode doer. Machucar. Frustrar. Decepcionar. Fazer chorar. Despertar um ataque de fúria. Mas passa. 

Em todos esses casos, seja a Copa ou uma eleição, vale o recado sóbrio e confortador do meu tio: “Calma, filho. Daqui a 4 anos tem de novo”. Serve para quem fica pelas rodovias ou pelo caminho da fase grupos. Ganhar ou perder faz parte do jogo. Mas, mais importante que ganhar ou perder, é saber sentir o agridoce do competir. 2026 é logo ali, e aí começa tudo de novo.

 

Diversidade de pessoas que passam pelas cabines revela um aspecto bonito do pleito, mesmo diante da polarização
por
Esther Ursulino
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01/12/2022 - 12h

Por Esther Ursulino

Não sei onde estava com a cabeça quando decidi me inscrever para ser mesária de uma das eleições mais polarizadas da história do Brasil. Afinal, quem em sã consciência escolhe acordar cedo em um domingo para cumprir funções burocráticas?! Conheço alguns amigos que foram mesários pelo direito aos dias de folga no trabalho. Já eu, que tenho a mania de achar tudo interessante, quis apenas participar ativamente desse momento histórico. 

Dois meses antes do pleito recebi um email de convocação que dizia: “Para desempenhar a função para a qual foi convocado(a), você deverá comparecer no local de votação acima indicado às 7 horas do dia 2/10/2022 e, se houver 2° turno, também no dia 30/10/2022. Sua participação, juntamente com a de milhares de eleitores(as) que foram convocados para esse fim, será de extrema importância para a lisura e transparência do processo eleitoral e da democracia brasileira.”

Contei a novidade para alguns amigos. Um deles brincou: 

Vish… se prepare porque a partir de agora você vai ser convocada eternamente! 

Dei risada. Mesmo com esse “risco” eu estava feliz. Quer dizer, feliz e um pouco apreensiva. Em meio a tantos ataques às urnas eletrônicas, ao sistema eleitoral e à própria democracia, senti medo que essa fosse a única e última eleição em que eu trabalharia. Também tive receio de sofrer algum tipo de agressão física ou verbal enquanto estivesse realizando minhas funções no colégio, devido a propagação de ódio através das fake news. Entretanto, a experiência que tive foi outra. Apesar do contexto de polarização e de alguns rostos apáticos, consegui ver beleza nesse ritual de passagem chamado eleição. 

No domingo do primeiro turno acordei às seis, tomei café da manhã, me troquei e segui para a escola. Conforme fui me aproximando do local, notei que pessoas já formavam uma fila antes mesmo dos portões se abrirem para o início da votação. Queriam ser as primeiras. Entrei no colégio, procurei minha sessão e, juntamente com os outros mesários da sala, testamos e ajustamos os equipamentos. Às oito em ponto o sinal tocou, e os mais variados tipos de pessoas foram surgindo. 

Ao folhear o caderno de nomes notei que havia muitas “Marias”. Maria de Lourdes, Maria de Fátima, Maria das Graças, Maria das Dores… quanta Maria! Mesmo com nomes semelhantes, cada uma tinha sua particularidade. Me lembro que uma das primeiras a chegar foi uma senhora com roupas brilhantes e vários anéis nos dedos, que me disse: 

Já nem preciso vir, mas quero votar até meus cem anos! 

Notei que uma mulher trans, super sorridente, também estava empolgada para votar. Ela me disse que tinha sido incentivada por amigos, e por isso entraria na cabine pela primeira vez para escolher seus representantes. Assim que o terminal do mesário a habilitou para ir até a urna, a jovem apertou as teclas do equipamento com a maior satisfação do mundo. Depois de terminar a votação disse:

Só isso? Caramba, que legal!

E saiu da sala agradecendo. 

No decorrer do dia, pessoas com deficiências visuais, cognitivas e de locomoção,  também compareceram às urnas. Um eleitor autista, mesmo com algumas dificuldades, fez questão de assinar seu nome completo no caderno. A mãe, que o acompanhava, observava a cena com orgulho:

Ele treinou bastante só para isso.

De tardezinha, uma senhora simples entrou na sala um pouco sem graça. Disse que não conseguiria deixar seu nome no caderno pois não sabia escrever. Um colega de mesa disse: 

Não tem problema nenhum, dona Maria. A senhora pode assinar a folha com sua digital. De qualquer forma vão pedir sua biometria lá na frente. O importante é votar! 

Ela sorriu e posicionou seu polegar contra a almofada de carimbo, pressionando, em seguida, o dedo no papel. 

Em um certo momento, tive flashbacks da minha infância. Diversas mães e pais chegavam com baixinhos animados para apertar as teclas da urna e ouvir o famoso som do “trililili”, que tanto os fascina. No segundo turno das eleições, uma das crianças, ingenuamente, me perguntou:

Tia, quanto custa pra votar? 

Todos na sala riram. O pai da menina disse: 

Não custa nada não, filha. Quando você tiver dezesseis anos vai poder votar, tá bom?

A questão que aquela garotinha tinha colocado me deixou pensativa. Quanto será que custa um voto? As eleições se tornaram um evento tão comum que sequer nos perguntamos como adquirimos o direito de escolher nossos representantes. A sensação que muitos têm é de que isso foi dado “de graça”. Entretanto, não se pode comprar com 600 reais algo que tem um valor imensurável. Não há como calcular o preço de vidas perdidas, sangue, suor e lágrimas derramados em prol da participação política. 

Sei que a democracia brasileira está longe de ser, de fato, uma democracia. Não são todos que têm voz e vez neste sistema. Sei também que não basta apertar teclas a cada dois anos, esperando que a mudança aconteça. Precisamos nos mobilizar sempre para avançar e, sobretudo, manter conquistas. Mas para isso, é fundamental que estejamos em um Estado Democrático de Direito – ambiente em que podemos contestar injustiças e lutar por participação e pluralidade. Pensando bem, acho que eu decidi ser mesária nas eleições de 2022 para contemplar essa diversidade e, de alguma forma, contribuir para que ela continue existindo.

Normalmente a rede não é amiga de Pombo, mas deste é. E como é amiga, são tão íntimos, que juntos podem formar uma obra de arte após um lindo voo de Richarlison.
por
Bruno Scaciotti
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25/11/2022 - 12h

O Pombo é uma ave, encontrada em todo o mundo, geralmente em áreas urbanas. 

Tratamos de um Pombo diversificado, afinal, além de um ser humano, tem seu gene o futebol e o DNA do Brasil, ou seja, a combinação perfeita para o sucesso. Calma, sucesso ? Um pombo ? Sim! Como disse anteriormente, ele é diferente.

Pouco a pouco, jogo a jogo, ganhando espaço nos times em que atuava desde menino, ia chamando atenção de forma positiva. Logo, Nova Venécia se tornava pequena demais para o nosso pombo e voou para novas áreas urbanas, como a capital de Minas Gerais, e floriu no América-MG. Destaque de BH e destaque no Rio. Flu. Dom. Gol. E haja gol, muitos feitos por lá, exatamente 19, que fizeram ele despertar interesse da Europa. 

Cada voo, o ninho é estudado para se chegar ao topo, mas mesmo em um local menor da Inglaterra surge o amor da nossa Ave: A Canarinho, um amor de anos, como algo platônico, sempre buscando alcançar e estar com ela um dia, veio aos 23 anos, ainda jovem. Ele se identificou com ela logo de cara.

Os voos aumentam, Watford para Everton, Everton para Tottenham… Mas com a Canarinho, o nosso Pombo é diferente. Uma relação que combina, ao pensarmos Richarlison, respondemos sempre o do Brasil, não o que joga na Inglaterra. Vitória com gol contra o Peru em 2019, derrota em 2020 para a Argentina. Mas o ouro olímpico de 2020, conquistado em 2021, talvez tenha sido o grande espetáculo.

Recordam da estreia. Brasil e Alemanha. Reedição da última final olímpica, vitória da nossa canarinho, 4 a 2, com direito a três gols dele, o Pombo. 

Mas o voo gigante veio em 2022, no Catar, em uma Copa do Mundo. A Sérvia era a adversária. O início não foi o dos melhores, é verdade. O nervosismo era grande. No segundo tempo a dúvida pairava no ar: Será que o pombo estaria sentindo a pressão? Não seria melhor sair ? (Eis a questão).

17 do segundo tempo, Neymar leva a esquerda e Vini Junior, ligado, finaliza ao gol. Milinkovic-Savic espalma e, com calma, o Pombo finaliza com a força da alma, manda para o fundo da rede. Ufa, sai peso, sai para o abraço. 

Normalmente a rede não é amiga de Pombo, mas deste é. E como é amiga, são tão íntimos, que juntos podem formar uma obra de arte após um lindo voo de Richarlison. Após a bola estufar a rede, 200 milhões pulam, gritam e ali voa de tudo em um instante de extrema alegria. Voleia Rich, e voa Copa, voa cerveja, voam os pássaros com os gritos e até mesmo voam as almofadas na residência dos editores da AGEMT.

Crônica Brasil
Richarlison em finalização do segundo gol contra a Sérvia. Foto: Justin Setterfield / FIFA

A Alegria predomina em todos os sentidos com a Canarinho. Pombo é Brasil, é alegria, é identificação, é comprometimento e Amor com a Nação. Sem precisar exaltar as cores do país e fazer discursos patrióticos, é sobre ser quem é de maneira verdadeira. E nós te amamos! Obrigado por nos trazer o primeiro passo dos sete que buscamos finalizar da maneira mais alegre, com a taça do mundo, para um país carente de ídolos e que quer sorrir novamente.

A caminhada só está começando e vamos juntos voar como uma Canarinho ou um Pombo no Catar.

Voa, canarinho, voa

Mostra pra esse povo que és um rei

Voa, canarinho, voa

Mostra no Catar o que eu já sei