Quanta cultura cabe num prato? Essa pergunta me prendeu em pensamentos nacionalistas, daqueles seguros de se alimentar. Busquei no PF do bairro alguma identidade brasileira, mas só encontrei São Paulo naquele pernil. Rendi-me ao impulso de procurar mais longe, pousando no açaí com farofa que amortece o pirarucu. Foi convincente, mas enxerguei mais o Amazonas e o Pará do que quaisquer outras terras. Segui reto toda vida e cheguei na carne de sol. Se eu não fosse um juiz tão sério, poderia jurar que o sal me cantava na boca um forró qualquer. Fiz-me rigoroso e contornei o litoral, encontrando bolo de rolo, acarajé, vatapá, torta de caranguejo e o bom bacalhau da colônia. Não me deixei convencer por nenhum porque senti que seria injusto com as terras que o mar não quis encostar. A culpa me fez menos teimoso e decidi dar uma chance ao Centro. Quando pisei na terra cerrada, receberam-me com galinhada e arroz aninhados no sabor dos pequis. Não satisfeitos, ofereceram mojica de pintado numa cumbuca, que de tão farta já não me sobrava espaço para terceiras avaliações. Disseram que este era parecido com o Norte, por isso a insistência para que ganhasse. Dispensei a sugestão e deixe-me voltar às origens. Na Cidade Maravilhosa, cantei cardápio com o meu nobre-campeão-garçom e ele me trouxe canja da boa, mas não vencia a panela de Dona Marly. Como bom brasileiro, porém, não me deixei desistir. Cedi ao chimarrão para agradar nossos irmãos quase “hermanos” e dali provei sagu, pinhão, ambrosia. Então lembrei que Brasil não era um nem dois, mas tudo junto e misturado num prato só, que também pode ser dois, três - e ai daquele que não deixar espaço pro pudim. Bem verdade que aqui sentido nunca fez Direito e a mistura é a mãe, filha e irmã de nossa antropologia. A Terra Dourada também é a terra do brigadeiro, do cajá, pão de queijo, pamonha, arroz carreteiro e do caldo de piranha. Por isso incomoda tanto saber que Brasil é fartura reduzida a prato vazio. O país que se gaba de alimentar mais de 800 milhões de pessoas ao redor do mundo não deveria permitir que seu povo sequer conhecesse o que é fome. E, na falta de um para justificar, são 33 milhões de brasileiros. Quem diria que de uma cultura tão rica e heroica, também nasce a pobreza retumbante. Nossa desigualdade está ilustrada nos pratos plácidos, rendida ao desperdício de tanta mistura. Com isso, confesso que comecei esta busca já sabendo a resposta. De Roraima ao Rio Grande do Sul, da Paraíba ao Acre, não há variedade neste país que vença o arroz e feijão. Essa combinação é insubstituível porque representa nossa cultura como um todo: sobreviver à fome, à miséria e estender a permanência dos negligenciados. É a união e o sustento do que nos faz brasileiros, em todas as suas instâncias e sotaques, e a certeza de que nosso grito não veio do Ipiranga. Ele bate na terra.
Poucas coisas são tão rápidas quanto foi o primeiro pronunciamento do presidente após ter perdido as eleições no segundo turno pro Lula. Todo mundo sintonizou no canal e esperou, por mais de uma hora e meia, a chegada do derrotado. Eu, por exemplo, fiquei analisando a quantidade de microfones que tinham naquela mesinha de acrílico e percebi que o logo do Metrópoles parece dois prédios. Também analisei quantos fotógrafos estavam com aquelas escadinhas portáteis para terem o melhor ângulo, além de quantas vezes o apresentador da TV repetia as informações sobre qualquer assunto - uma hora e meia é muito tempo pra nada, assim como 2 minutos e 5 segundos é nenhum tempo para muito.
Esperamos, esperamos, esperamos até que, no tempo de ir no banheiro, o presidente não só chegou, como se pronunciou e foi embora sem dar vestígios - um ninja do sumiço, um samurai do silêncio, um cavalheiro da derrota envergonhada.
Para a leitora ter noção da rapidez, listarei algumas coisas que demoram mais do que o discurso do Bolsonaro:
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Passar um café
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Se espreguiçar
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Pipoca de panela
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Macarrão instantâneo de copinho
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Esta crônica
Me decepciona a conduta de Paulo Guedes, o antigo empreendedor indomável que hoje se contenta com propostas quase omissas de tão pouco inovadoras. Quero o Guedes Foguete Privatizador de volta!
Achei, de fato, que as últimas condutas pouco libertárias de Guedes eram deslizes, mas depois dessa semana vejo que o espírito empreendedor dele sumiu. Vender praias inteiras, ministro? É esse o máximo de seu empreendedorismo neo liberal revolucionário? Normalmente não me envolvo com economia, mas agora vou fazer minha proposta que talvez desperte o Foguete.
Vender praias inteiras não é prático, ministro! Sugiro a venda de Kits Praia portáteis. Por que vender algo por inteiro se podemos fracioná-lo e lucrar mais?
Kits Praia serão revolucionários. Venderemos até o último grão de areia de todas as praias do Brasil; uma venda quase infinita! Virão em diferentes tamanhos do pequeno ao grande: Kit Praia estúdio 10m² na Faria Lima, Kit Praia casa com quintal em Alphaville e Kit Praia Itu. Os preços? Ah, esses variam de acordo com a qualidade da areia, da água e até os eventuais mini quiosques que tiverem dentro dos Kits. Será revolucionário!
Os brasileiros que moram nos EUA receberão seus Kits dados pessoalmente pelo Foguete em pessoa! Os brasileiros que moram em outros países receberão via Sedex, o Ministro se sente mais confortável indo aos EUA.
Enfim, vendam até o último grão de areia da última praia, isso sim vai democratizá-las ao povo. Isso porque não vamos pagar nada, só vender tudo!
Todo o ano voltamos à velha pergunta: “quem regula o poder de quem regula o poder?”, ou “quem regula aquele que regula?”, a pergunta mais famosa entre a direita anti-establishment, que, no final das contas, é quem regula o poder e quem regula o poder de quem regula o poder - agentes duplos!
Fiquei sabendo que essa discussão é uma das quais nem as Forças Armadas escapam. Essas, que querem fiscalizar a contagem dos votos, não querem ser, por sua vez, fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União… ah, a ironia.
Segue o diálogo:
- Queremos fiscalizar as urnas, truco!
- Queremos fiscalizar a fiscalização de vocês… seis!
- Pô, aí não né marreco…
Prevejo a entrada de uma terceira força fiscal - para fiscalizar a fiscalização da fiscalização - mas, a partir daí, não garanto que o carrossel termine. Eu, por exemplo, já mandei a redação contratar um revisor que revise as revisões que meu atual revisor faz nos meus textos… não confio nele. Agora, se ele contratar um revisor que revise seu revisor que eu contratei para revisar as suas revisões, teremos um problema.
Em reunião do Alto Comando:
- Presidente, a coisa tá feia: estamos sendo invadidos e precisamos de exatos 210 mísseis, aqueles que tanto custou negociar com os EUA
- Servem 189? 21 deles disparamos semana passada em homenagem à minha campanh… ao Bicentenário
- Mas presidente! Agora não temos nem mais um míssel para cada ano de independência, presidente!
- Cadete, quem te autorizou a ser anti independência?
Na reunião dos ministérios:
- Então vamos marcar esse churrasco!
- Já molhei o pão e acendi a churrasqueira!
- Gente, alguém sabe onde está o coração de Dom Pedro?
No velório:
- Aê Carlinhos! Como tá a família?
Na cúpula:
- Lira, já pensou em abandonar as fazendas e entrar em novos negócios imobiliários?
Na cópula:
- Imbroxável!