No último dia 25, cerca de 24 indígenas da aldeia Yanomami Aracaçá, em Roraima, desapareceram após a denúncia de que garimpeiros ilegais estupraram e assassinaram uma menina de doze anos e sumiram com outra criança de quatro anos. A aldeia foi encontrada incendiada.
Na última quinta feira (5) o povo Yanomami da comunidade Aracaçá foi encontrado. Segundo o líder indígena Júnior Hekurari, alguns Yanomamis se mudaram para outras áreas indígenas, como a comunidade Palimiú. A Polícia Federal informou que irá instalar uma base durante seis meses na região para proteger os indígenas dos garimpeiros
Segundo Júnior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena e Ye'kuana (Condisi-YY), os Yanomamis fugiram após o episódio de estupro e estão escondidos na floresta. O Condisi-YY disse também que é comum os indígenas deixarem suas casas e procurarem outro lugar para viver quando perdem membros da aldeia. Alguns indígenas foram encontrados na região, mas se recusaram a falar pois teriam recebido cinco gramas de ouro dos garimpeiros em troca do silêncio.
Apesar de atuar na região desde 1980, o garimpo ilegal cresceu nesses últimos anos (46% a mais que em 2020), tornando a região tomada por esta atividade que afeta 16 mil indígenas. Além disso, por consequência, os conflitos de terra em 2020 aumentaram 174% em comparação a 2019, somando 96 casos. E os assassinatos aumentaram 61% em relação a 2019, sendo 182 indígenas assassinados. Invasões, explorações ilegais e danos ao patrimônio em 2020 atingiram pelo menos 201 terras indígenas, de 145 povos, em 19 estados.
Muitas entidades a favor dos direitos humanos indígenas criticam o governo Bolsonaro por se abster e até apoiar os garimpeiros, discutindo a legalização da mineração nas terras indígenas por exemplo. Além deste impulso por parte do governo, especialistas criticam as penas para este crime que não ultrapassam quatro anos de reclusão e que são normalmente substituídas por prestação de serviços. Também condenam a fiscalização precária destas áreas que sofrem dos mesmos crimes por mais de 40 anos.
A Câmara dos Deputados instalou nesta terça-feira (10) uma comissão externa criada na semana passada para acompanhar as denúncias de violações de direitos contra indígenas na Terra Yanomami. A comissão terá 13 membros e será coordenada pela única parlamentar indígena do Congresso, a deputada Joenia Wapichana (Rede -RR).
De acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 algumas modalidades de violência no campo, como a invasão de territórios indígenas, sofreram crescimento exponencial em relação aos anos anteriores. Das 81.225 famílias vítimas de invasão, 58.327 são indígenas.
Segundo a Funai, há 248 processos de demarcação de terras indígenas em curso. Essas áreas equivalem a um décimo das terras já demarcadas, ou 1,2% do território nacional. Após o início do governo de Jair Bolsonaro, os processos de demarcação de terras foram reduzidos. No início de seu mandato, Bolsonaro transferiu a Fundação Nacional do Índio (Funai) do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura e retirou do órgão a atribuição de demarcar terras indígenas.
As mudanças agradaram à bancada ruralista, que exerce forte influência sobre o Ministério da Agricultura e historicamente vê a Funai com desconfiança.
Quando questionado, Jair Bolsonaro, utiliza como justificativa para suas constantes ações contra a preservação dos povos e terras indígenas, que os indígenas devem ser “integrados” à sociedade nacional - mesmo discurso adotado pelo governo durante a ditadura militar.
Ao discursar na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2019, o presidente afirmou que “algumas pessoas, de dentro e fora do Brasil, apoiadas por ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas”.
A Constituição de 1988, no entanto, reconheceu a organização social, os costumes, as línguas, as crenças e as tradições indígenas, rompendo com a perspectiva integracionista adotada pelo Estado Brasileiro até então.
A luta indígena é uma pauta notavelmente marginalizada nos setores social e político, sendo o histórico da colonização europeia o responsável pela posição em segundo plano assumida por esse grupo nas discussões. Entre os meios em que essa exclusão é evidente, o jornalismo não pode ser descartado por negligenciar as vozes dos povos originários, oferecendo mínimo espaço para a exposição de suas agendas. Embora as redes sociais representem um novo meio de comunicação para disseminação e acessibilidade a esse debate, para o entrevistado Anápuàka Tupinambá “seja nas mídias, redes sociais, plataformas, e estruturas midiáticas digitais, ainda há muito para se manifestar e ocupar”.
Respeitando uma lógica de mercado, os jornais sempre buscam voltar suas pautas para aquilo que gera maior lucro, ‘’o jornalismo é preguiçoso para ir atrás de coisas significantes, busca muito mais uma contemplação pelos views, a quantidade de jornais que são vendidos, [...] do que fazer sua função de comunicação social”, argumenta Anápuàka. Além disso, ao falar sobre o papel da mídia jornalística para as lutas indígenas, o entrevistado acredita ser “insignificante”, já que sempre notou certa indiferença jornalística com os movimentos indígenas, seja dentro das redações, da TV ou do rádio.
Segundo o radialista, o racismo estrutural é o grande culpado por essa desigualdade de protagonismo nas notícias dos meios de comunicação: "Existe o racismo, existe um preconceito muito grande, mas o racismo é um dos fatores que mais leva a gerar a desigualdade de repercussão dentro das mídias de massa não indígenas”. Ainda nesse sentido, argumenta que essa herança disseminada na sociedade é refletida na formação dos jornalistas: “Existe uma ignorância e estupidez na formação do jornalista [...] não há uma formação antropológica dentro desse ambiente para entendimento da diversidade dos povos indígenas e isso não tem grande expressão na abordagem das pautas”.
Em busca de maior representatividade das vozes indígenas nas mídias, Anápuàka fundou a primeira rádio indígena do país, a Rádio Yandê, um espaço voltado para uma educação a respeito dos povos originários. Iniciativas como essas são importantes para que haja uma reeducação mais assertiva sobre a história e as tradições indígenas. Para ele, as etnomídias representam o início de um processo de ressignificação “estamos em ascensão, construindo nossas próprias mídias, até porque as mídias não indígenas não nos representam [...]. Nós indígenas não temos espaço, somos invisibilizados por conta do racismo estrutural e do holocausto indígena que até então permanece”.
Nas eleições de 2020, os indígenas tiveram um aumento de 14% em relação às de 2016, segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) e do Instituto Socioambiental (ISA) no primeiro turno. As tribos conseguiram 213 cadeiras nas Câmaras Municipais, 10 prefeituras e 11 postos de vice. Apesar disso, a representatividade na política segue pequena e com pouca adoção de políticas indigenistas. No entanto, associações, aldeias e indígenas, conseguem, mesmo fora da política, se articular e promover pequenas transformações, tentando dialogar com a mesma sociedade que os exclui.
Indígenas em contexto urbano - Programas índios para a cidade
Um exemplo dessas organizações tem o nome de “Indígenas em contexto urbano - Programa Índios para a cidade" que tem como objetivo principal "Diálogo, troca de experiências, eventos e políticas públicas para indígenas em contexto urbano", conforme descrito no perfil da organização no facebook. Para divulgar notícias sobre os indígenas, a ANAI possui uma rede com esse objetivo, além de seus ativistas intervirem em políticas públicas, direcionadas para os povos indígenas da região nas áreas fundiária, de educação, saúde, sustentabilidade etc.
Instituto de Formação e Pesquisa em Educação Indígena
Já o Instituto de Formação e Pesquisa em Educação Indígena (IEPÉ), foca sua ação em fortalecer política e culturalmente juntamente com o desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas que vivem no Amapá e norte do Pará. Eles proporcionam "assessoria especializada e capacitação técnica diversificada para que se organizem e possam enfrentar de forma articulada os desafios crescentes que se colocam hoje às suas comunidades e organizações, para a defesa de seus interesses".
O instituto, desenvolve ações com mais de 22 povos, que totalizam mais de 13 milhões de hectares. Por meio de seus quatro programas, desenvolve projetos junto aos moradores para o fortalecimento de suas línguas e culturas e para a gestão socioambiental de suas terras em acordo com suas formas de gestão comunitária e coletiva. Segundo o cacique Simehtu Tiriyó, a união entre os caciques está melhor: "agora podemos nos encontrar nas reuniões que o Iepé promove. As mulheres estão tecendo mais, colocando para fora coisas que estavam esquecidas, porque o Iepé valorizou e apoiou. Nossas crianças estão aprendendo mais com os livros que foram feitos. Queremos que vocês façam com que as mulheres e os jovens continuem seguros no que estão fazendo.”
Instituto Socioambiental
O Instituto Socioambiental (ISA) tem quatro programas relacionados à defesa e garantia dos povos indígenas no Brasil.
Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS)
Tem como finalidade a promoção de políticas públicas e a certificação da implementação de medidas que assegurem um meio ambiente equilibrado e condições dignas de vida para populações indígenas e tradicionais. Ele atua no Legislativo, Executivo e Judiciário.
Programa monitoramento e proposição de alternativas às políticas pública
Elabora, compila e dispõe informações sobre Terras Indígenas (TIs), Unidades de Conservação (UCs), reservas garimpeiras, terras militares e outras que sejam de interesse público. Ele também monitora a situação jurídica, demográfica, projetos governamentais, caracterização ambiental e empreendimentos em TIs e UCs. Pesquisa, difusão, documentação de informações socioambientais, Desenvolvimento de modelos participativos de sustentabilidade socioambiental e Fortalecimento institucional dos parceiros locais.
Além desses, também existe o Programa Rio Negro e o Parque Parque Indígena do Xangu.
Projeto "Vídeos nas Aldeias" (VNA)
Foi criado em 1986, com o objetivo de "apoiar as lutas dos povos indígenas para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais, por meio de recursos audiovisuais e de um produção compartilhada com os povos indígenas com os quais o VNA trabalha". A produção audiovisual indígena foi capaz de evidenciar suas lutas e facilitar no processo de reivindicação de direitos, como na ocasião dos primeiros contatos com os povos isolados da Gleba Corumbiara em Rondônia, em que os fazendeiros e a própria Funai negavam sua existência. A produção e divulgação dessas imagens foi essencial e determinante para que o direito de proteção desse povo fosse concedido pela justiça federal, além de ações em Roraima e Mato Grosso.
A moda sempre foi um espaço muito exclusivo. A Europa, considerada o berço desta área, ainda hoje é - na maioria das vezes - o padrão. O olhar, as tradições, roupas, modelos, todos advém do ponto de vista eurocêntrico. Pensando em mudar essa situação a estilista indígena Dayana Molina se tornou uma ativista da causa, criando o movimento #DescolonizeAModa.
Molina, que hoje tem sua própria marca de roupas, busca abrir o olhar das pessoas para valorizarem a beleza nacional “Precisamos ver aquilo que é original desse país como algo belo. É importante que haja diversidade para que todas nos sintamos bem e representadas enquanto mulheres e indivíduos humanos" — disse ela em entrevista à revista Vogue.
Ela ainda comentou, em entrevista ao O Globo, sobre o impacto da indústria fashion no mundo: "A moda é um dos mercados que mais empregam pessoas no mundo. Mas também é um grande agente de poluição ambiental e exploração humana. Além de ser um ambiente hostil, elitista, excludente e consumista.”. Sobre a falta de representatividade no meio ela comentou: “Isso tudo me faz entender por que não existem muitas pessoas indígenas e negras nas universidades de moda. Consequentemente, também não há professores indígenas e negros ensinando moda”.
Em janeiro de 2021, fundou a primeira escola de design descolonial, Aldeia Criativa Design do Futuro. Com o objetivo de capacitar profissionalmente e conectar novos talentos indígenas com o mercado de moda. A Aldeia Criativa, é uma parceria da estilista com o Coletivo Indígenas Moda Br, onde juntos visam capacitar 100 jovens por ano de diferentes territórios do Brasil e América Latina.
Dayana está inserida nesse meio há 14 anos, tempo no qual se consolidou como a mulher indígena mais bem sucedida da indústria e conta que na maioria das vezes era também a única indígena nesses espaços. Em uma entrevista para o Uol, ela diz: "Nunca me senti feliz por ser a única mulher indígena nesses espaços. Muitos nunca me perceberam assim, preferiram me olhar como mestiça. Ou uma mulher morena bonita, mas não uma mulher indígena."
Cansada das referências eurocêntricas, em um continente originalmente indígena, questiona o mercado da moda, branco e elitizado, Dayana vê seu ativismo fundamental para seu trabalho e utiliza suas plataformas nas redes sociais para a conscientização de outros sobre a falta de representatividade no mundo fashion.
Apesar de se tratar de uma discussão antiga, como Dayana pontuou que desde o início de sua carreira, não há mudanças significativas acontecendo na indústria da moda sobre a questão social. A falta de corpos diversos durante as Semanas de Moda de 2021 em todo o mundo levantou diversas críticas negativas e mostrou que a indústria da moda ainda tem um longo caminho a seguir para a descolonização da moda.
A ideia da criação do World Indigenous Games (WIN), ou Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMI), em português, surgiu primeiramente em 1977, pelo Willie Littlechild, um respeitado advogado canadense e líder da tribo indígena Cree. Littlechild pregava que jogos indígenas seriam benéficos para as tribos de todo o mundo, promovendo assim a integração entre os povos através dos esportes, mesmos princípios observados nas Olimpíadas. O fotógrafo e professor Lamarr Oksasikewiyin, indígena originário de Sweetgrass First Nation, reserva no Canadá, divide o mesmo pensamento que Littlechild: “esses jogos mostram para os colonizadores que nós ainda estamos aqui, mostram a cultura que eles estavam tentando se livrar, a nossa cultura”.
Os povos indígenas frequentemente sofrem repressão pela sociedade, não apenas nos dias de hoje, mas desde os primórdios do contato entre os europeus ocidentais com as outras civilizações. Suas culturas nunca foram respeitadas em todos os parâmetros, inclusive os esportivos. Buscando o devido reconhecimento, os povos indígenas reuniram-se em prol da criação dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, o qual teve sua existência em 2015, com a primeira edição ocorrendo em solo nacional, na cidade de Palmas, capital de Tocantins.
O fotógrafo contou que, por sorte, conseguiu uma vaga para participar de última hora: “de um modo foi um sonho que se tornou realidade, e quando isso aconteceu foi irreal”. Porém, não deixou de criticar a organização da 2ª edição do evento, “vários países não conseguiram ir por ser longe de tudo”. Já sobre o ocorrido no Brasil, Lamarr elogiou as cerimônias de encerramento: “eles ficaram mostrando os jogos de diferentes tribos para todos, e isso foi emocionante e incrível”, além de ressaltar as interações entre as tribos.
O canadense realçou a importância de mostrar as peculiaridades de cada tribo e de seus jogos: “se eu pudesse dar uma sugestão, seria dar mais oportunidades para todos se concentrarem em compartilhar seus próprios jogos”. Lamarr contou então, sobre a experiência que teve assistindo um jogo chamado “Fireball”, onde os jogadores usam suas próprias mãos para passar uma bola de fogo: “é um jogo de cura, quando jogam eles convidam pessoas que eles sabem que estão com problemas para elas pensarem em tudo de mal e passarem para a bola durante o jogo”.
Um dos pontos altos do evento, segundo Oksasikewiyin, foram os jogos de futebol das tribos indígenas. Em uma dessas partidas (Tocantins vs Canadá) ele teve a oportunidade de jogar lado a lado com o ex-jogador Cafu, um dos melhores laterais direitos da história do futebol: “eu também tive a oportunidade de jogar com o Cafu, e nós tivemos que driblar a bola com ele”.
“Os colonizadores não gostam de ser incomodados” diz Lamarr sobre os protestos indígenas de 2015 contra projeto que alterava a demarcação de terras, além de pedir o impeachment da ex-presidente. O fotógrafo diz que: “se realmente tivesse uma maior mídia sobre os jogos, eu deixaria eles falarem e protestarem, mas não por muito tempo. Exatamente para não tirar o principal foco dos jogos, que é mostrar para o mundo a nossa cultura”.
“Eu não sei como o mundo nos vê, mas o Canadá é na verdade um país muito racista com os povos indígenas, o Brasil e os Estados Unidos também” adiciona Oksasikewiyin. Além de terem sido massacrados, escravizados e exterminados, os mesmos não recebem quase nenhuma visibilidade, principalmente nos Jogos Mundiais, cujo principal objetivo é dar esperança de um futuro melhor.