
“Desde 1500, com a chegada dos portugueses, há um preconceito enorme contra a gente, com os povos indígenas, falam que o indígena, quando usa o rap, ele perdeu a sua cultura. E, quando a gente mostra a nossa cultura, falam que o indigena é selvagem. Mas a gente vai continuar seguindo, mostrando nossa cultura, nossa arte e nossa tecnologia, que também é a nossa cultura!”, diz Owerá MC, rapper nativo. São artistas como esse que lutam por representatividade no país e ainda encontram dificuldades ao adentrar na sociedade contemporânea. Mesmo com uma cultura rica em diversidades que compõem parte do Brasil, sua arte ainda é ignorada e, muitas vezes, silenciada. Presentes em vários âmbitos – como a música, a gastronomia, o artesanato, a moda etc. – os indígenas sofrem para conquistar espaços de representatividade.
Na sede da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, ocorreu dos dias 13 a 27 de setembro um painel de diálogo para debater sobre como a indústria do entretenimento pode contribuir na co-criação de um futuro justo e sustentável. Nesse contexto, diversos indígenas estavam presentes para discutir essas questões, como Mapu Huni Kui: “O que a gente fez foi apresentar a nossa música para passar de geração em geração, porque um dia isso será preciso para compartilhar com os homens que não têm conhecimento do que é a floresta”.
A ação é apoiada pelo Greenpeace, ONG que tem como uma de suas pautas a importância da presença dos povos indígenas em discussões pela proteção do clima e do meio ambiente: "Quero mostrar para as pessoas que nós não ficamos presos em 1500, evoluímos como todo o mundo. Porque muitas pessoas têm esse pré-conceito com os povos originários, que não podemos ter celular, carros, televisão, e que devemos morar em uma oca’’ declara o trapper indígena Tahw em entrevista para a Agência de Jornalismo Maurício Tragtenberg.
Através de sua cultura originária, esses povos conseguem transmitir para a população um conhecimento que tentou ser silenciado por séculos. Seus artefatos, suas músicas, suas pinturas e rituais são característicos de muita luta e resistência no cenário brasileiro. Um exemplo é o ritual ancestral da Ayahuasca, bebida utilizada para cura espiritual em cerimônias indígenas. Essa tradição tornou-se comum não só entre esses povos, mas também entre outras camadas da sociedade, o que possibilitou a criação de eventos referentes ao assunto, como a Conferência de Ayahuasca. Tahw também se utilizou de elementos originários de sua cultura para produzir a sua arte: ‘’ na minha cultura Pataxó tem muito dessas coisas das cantorias no nosso idioma materno o Patxohã, sempre que vamos fazer nossos rituais cantamos para Tupã (Deus). Com isso eu resolvi juntar o RAP com minha cultura e começar fazer rap com a língua materna do meu povo.’’
Mesmo com uma maior visibilidade das redes sociais, os povos indígenas ainda lutam pelos seus direitos na política, na cultura e na educação, uma vez que o atual governo de Jair Bolsonaro sempre se manifestou de forma contrária à essa parcela da população e é contra a demarcação de terras indígenas no país. O chefe do Executivo também vetou a mudança do nome do “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas”, sendo que o termo “índio” anula a pluralidade de povos e culturas, remetendo ao Brasil colônia.
No entanto, existem pessoas e instituições, como a Organização das Nações Unidas (ONU), que buscam por uma maior representatividade e abrem espaços para discussão da importância da preservação e disseminação desses conhecimentos originários. O evento, ocorrido em Nova York, possibilitou voz para esses artistas indígenas debaterem sobre a atual situação do Brasil e exporem suas artes dentro de um grande centro de influência, com convidados de todo o mundo.
“Ser indígena na cidade é não ser”, disse Emerson Guarani, doutorando em Antropologia Social na Universidade de São Paulo (USP) no segundo dia da 14ª Retomada Indígena na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A palestra teve como tema “Povos Indígenas em contexto urbano: a luta pelo acesso às políticas públicas”, em que também foram convidadas Avani Fulni-ô e Selma Pankararu.
Ele acrescenta: “É ser isolado e ausente de tudo. Ninguém sabe quem você é e quem representa, onde está, seus costumes. Você não existe.” Em um país em que, de acordo com o Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem cerca de 35 mil indígenas vivendo na Grande São Paulo, 25 mil apenas na capital paulista; Emerson se mostrou preocupado, mas não surpreso, com o atual cenário dos nativos. “Parece que as políticas indigenistas e que aquele nacionalismo prejudicial aos indígenas está voltando. Um governo em que o ministro do meio ambiente não gosta do meio ambiente, uma Fundação Nacional do Índio (FUNAI) que odeia indígenas. A extrema direita sempre fez parte da história dos povos indígenas, ela vai e volta, mas pra nós ela nunca nos deixou”.
Emerson ainda trouxe em debate a questão do racismo estrutural. Na capital de São Paulo existem avenidas, pontos turísticos, estátuas e outras formas de homenagear personagens da história brasileira que, principalmente para os indígenas, não deviam ser vangloriados. Ele falou como os povos deveriam contar o lado deles da História, e - assim como o nome do evento - retomar espaços públicos, como as universidades, os livros e a política.
Avani Fulni-ô, presidente do Conselho Municipal dos Povos Indígenas (COMPISP), iniciou a palestra dizendo que o desafio do cenário urbano começa quando “as pessoas não veem os indígenas que vivem nas cidades como indígenas”. Ava também comentou sobre as lutas e dificuldades que precisa passar, e embora ela presencie diversas discriminações por ser quem é e ocupar um cargo importante na política, a presidente segue firme e com orgulho de suas conquistas com os povos originários. Ela também ressaltou a importância de os povos nativos ficarem unidos, mas que nem todas as comunidades pensam da mesma maneira: “Estou falando de nós todos, nós todos somos parentes. Tem alguns que não aceitam e só falam ‘meu povo’, mas nós trabalhamos com indígenas não só com um povo”.
“É necessário começar a luta com identidade e união, e por isso é um desafio muito grande”, afirmou Selma Pankararu, assistente social do Projeto Casulo, sobre ser indígena no contexto urbano. Isso porque, segundo ela, os povos não tiveram nenhuma política pública de ‘mão beijada’. "O Programa Saúde da Família (PSF) para os Pankararu de Real Parque - localizados no Morumbi - foi conquistado, e a cada reajuste dessas políticas, nós perdemos direitos. Por isso devemos continuar lutando em conjunto para conquistar e defender nossos direitos básicos”, acrescentou.
Selma também contou como, de modo geral, os indígenas estão perdendo disparadamente os direitos sociais em todas as esferas políticas (municipais, estaduais e federais). Além de viverem um momento desafiador com as Secretarias, a assistente social denunciou a perda do direito de traslado e o acesso de medicamentos caros, a falta de reconhecimento e legitimidade do COMPISP (que foi votado) e a presença de uma pequena equipe de profissionais na UBS de Real Parque após a demissão de um médico em maio deste ano. “É se reconhecer como indígena apesar de tanta negação, violência e preconceito. É desafiador.”, finalizou.
“Os direitos de 1988 foram garantidos porque lutamos, por isso é importante estarmos em lugares democráticos para lutarmos por mais”, afirmou Selma, fazendo referência a Nova Constituição, estabelecida naquele ano. Os convidados aproveitaram para falar sobre as eleições e a importância de votar em candidatos indígenas ou que têm propostas para eles.

“Esse ano a Terra Indígena Yanomami completa 30 anos e não temos histórias bonitas para contar”, é como Júnior, representante da comunidade, recorda o passado insistente de dor e luta. A violência contra os povos originários remonta raízes históricas, mas, o legado de resistência permitiu relativa autonomia Yanomami até o final do século XIX, quando mantinham contato apenas com grupos vizinhos. Com o projeto desenvolvimentista do governo militar e a construção da Rodovia Perimetral Norte, o horizonte começou a se degradar: a descoberta das jazidas minerais da região levou ganância à Terra-Floresta, manchando com sangue indígena o ouro minerado e comprovando que nem tudo que brilha é relíquia nem joia.
Constitucionalmente, o garimpo não pode acontecer em Terras Indígenas. No entanto, aproximadamente 20 mil garimpeiros ilegais se concentram no território Yanomami. A população nômade, conta com cerca de 10 mil habitantes a mais que o número de garimpeiros, e é obrigada a confrontar seu oponente e enraizar-se para reivindicar seu próprio solo agora deteriorado. Maria Laura Canineu, diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch, organização atuante na proteção de direitos humanos, aponta: “Dentro dessa coexistência existe muita dor, violência, mortes e prejuízos.”
Nesta perspectiva, o dinheiro é o motor das injúrias. As mineradoras instalam, dentro das clareiras - área desmatada da floresta -, suas redes criminosas. Com financiamentos e logísticas externas, esquematizam o processo de ilegalidade e convertem a riqueza do minério em genocídio. Júnior Yanomami, vivenciou de perto a estrutura facínora que movimenta o mercado dos minérios provenientes da região: ‘’O maquinário desmontado chega através de helicópteros. Ano passado, a Polícia apreendeu mais de 80 helicópteros Executivos vindos do Rio de Janeiro.’’
Gabriel Chaim, fotojornalista que acompanhou a comunidade Yanomami durante operações da Polícia Federal contra as ilegalidades cometidas na região exemplifica a estrutura: “no rio Uraricoera – cujos afluentes abastecem a população local -, há uma balsa apelidada pelos garimpeiros de ‘Balsa do Milhão’. Ela fica extraindo ouro 24 horas por dia, e custa um milhão de reais para colocar essa balsa no rio para funcionar. A Polícia destrói essas balsas e eles colocam mais 10.” O uso de aeronaves, a construção de pistas de pouso, a compra de utensílios para o minério, a contratação de garimpeiros, entre outros gastos, revela o alto investimento. Mas nada disso parece intimidar os criminosos, que têm consciência da impunidade. Segundo Chaim, os garimpeiros sabem que quando uma operação acaba, dificilmente acontecerá outra.

As dragas alimentam o mercado minerador encontrando respaldo no padrão de consumo e na dificuldade de fiscalização que engrena as vendas. Para quem compra, ouro e cassiterita são artigos de luxo e de aproveitamento industrial. Enquanto, a realidade é que o brilho dos minérios é polido pela ruína amazônica. Para dar liga ao projeto, o governo federal, esfacela os órgãos de proteção indígena, escolhe dirigentes ideologicamente próximos de interesses ruralistas, investe na desterritorialização dos povos originários e professa sua omissão: “interesse na Amazônia não é no índio, nem na porra da árvore. É no minério.”
, exclamou o presidente.
As redes de ilegalidade, armadas com seus maquinários e estruturadas pelo dinheiro injetado, aproveitam o contexto e se engajam em discursos como os do presidente Jair Bolsonaro para continuar na impunidade. Misturam o ouro ilegal à ouro legalizado, dificultam o rastreio e logram dos incentivos que o governo atual tenta passar na Câmara, como a PL 191/2020, que prevê a exploração de minérios em terras indígenas.
Hoje, as bateias concentram a tragédia social e ambiental arquitetadas por interesses financeiros. As pretensões econômicas, levaram à decomposição das cadeias naturais dos Yanomamis. Os rios estão contaminados por mercúrio. A caça, prejudicada pela devastação. São inúmeras as denúncias de estupro. Os interesses financeiros na região crescem como o número de mortes. O consumo de minérios continua por omissão e desconhecimento. Os órgãos de proteção indígena estão em processo de desmonte. E o saque é incentivado pelo governo que classifica indígenas como “pobres em terras ricas”.
Vida e morte, Amazônia.
Nasce nas profundezas do rio, sobe as esteiras rolantes nas clareiras abertas em meio a floresta, e voa até o dedo de alguém, durante as juras de amor eterno.
Por de trás desse ouro, tem muito sangue de indígena morto pela ganância humana.
– Gabriel Chaim
Por Ana Karolina Reis
Os povos originários se deparam com um cenário de terror no Brasil nos últimos tempos. No início do ano, uma criança indígena de 12 anos foi estuprada e morta por garimpeiros na comunidade Araçá, no norte de Roraima. Outra criança indígena da mesma comunidade foi levada pelos invasores e desapareceu. Além dos homicídios, a invasão ilegal de mineradores na terra Yanomami estão contaminando os rios da região com mercúrio. Os conflitos neste território fizeram também com que uma comunidade inteira desaparecesse, fugindo dos conflitos com os garimpeiros.
O clima de violência é crescente, e o atentado mais recente a luta indígena foi o assassinato do indigenista e servidor da Funai, Bruno Pereira, e do jornalista britânico, Dom Phillips. Servidores da Funai já alertavam sobre os perigos da exposição desses profissionais em áreas onde ocorriam exploração ilegal do território indígena, e que as ameaças de morte eram presentes, não apenas aos que denunciavam os crimes, mas também às suas famílias. Antes das eleições, Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil, declarou que daria uma "foiçada no pescoço da Funai".
Assassinatos de defensores da causa indígena também marcam a história sangrenta do país, desde a morte do sindicalista Chico Mendes, em 1988, no Acre, até a morte de Dorothy Mae Stang, em 2005, no Pará. Segundo relatório do Global Witness, o Brasil é quarto país em que mais se mata ativistas. Três quartos desses assassinatos ocorrem na região da Amazônia.
Os povos indígenas resistem ao genocídio étnico há mais de 500 anos. Os defensores da causa são executados brutalmente, explicitando a notória falta de interesse político em coibir esses crimes. A Amazônia está cada vez mais entregue nas mãos de criminosos, e a conivência do governo atual aumenta a violência e a impunidade, consentindo perversamente com a sangria promovida nessas terras.
Os desafios também se estendem não só em terras isoladas, e o preconceito acompanha os povos indígenas em outras regiões do Brasil. A falta de empregabilidade, de acesso à educação, a moradia de qualidade, a saneamento básico, o preconceito linguístico, as ameaças e a exclusão. Esses foram alguns dos problemas citados por Monalisa, indígena Pankararu que vive em São Paulo há 6 anos.
A luta para que seu povo não sofra apagamento histórico e para que todos os indígenas possam ocupar espaços se torna cada vez mais árdua diante de tanto ataque e desumanidade. Os retrocessos causados pela atual gestão violam os direitos dos povos originários e incentiva as práticas criminosas na maior floresta do mundo. O desmatamento ilegal, a falta de demarcação de terras indígenas, a garimpagem, a grilagem de terras, a pistolagem, o narcotráfico... o atual momento na Amazônia é de terror. “É triste ver sua história sendo apagada aos poucos e manchada de sangue. Não somos aceitos em lugar nenhum, mas chegamos antes de todo mundo aqui”, declara Monalisa.
É necessário que continuemos vigilantes. O Estado mata ativistas e indígenas, os perseguem e mata todos aqueles que denunciam e resistem a qualquer tipo de crime ou exploração. O povo que luta por suas terras não deve ser oprimido e nem silenciado. Esse cenário não deve ser normalizado. Precisamos cobrar a garantia do direito à vida e a integridade física dos povos que estão sendo ameaçados e mortos. Os povos indígenas estavam aqui antes mesmo de qualquer colonizador. Todo território brasileiro é território indígena.
Realizado no Teatro Oficina nesta terça feira (14/06), o evento contou com a presença de lideranças indígenas femininas componentes da Bancada do Cocar, pais de santo, lideranças políticas e culturais para o lançamento da pré-candidatura de Sônia Guajajara a Deputada Federal, pelo PSOL.
A narrativa expressa pelos discursos foi a de que São Paulo é uma terra indígena, que o vocabulário destes povos originários (como Mooca, Itaquera, Carapicuíba, etc) compõem e integram o dia-a-dia urbano sem se destoar da cidade; que a luta indígena não está longe da capital do estado.
“A partir de hoje é impossível negar a presença dos povos indígenas na política”, diz Zé Celso (diretor e dramaturgo) em seu discurso de abertura logo após ser saudado pelas lideranças da Bancada do Cocar. Célia Xakriabá, pré-candidata a Deputada Federal em Minas Gerais pelo PSOL, segue o dramaturgo na ordem dos discursos e exclama que “o Brasil nunca existiu nem nunca existirá sem as mulheres indígenas”. Xakriabá segue dizendo que as mulheres precisam transformar o Congresso Nacional no Congresso Ancestral e que o século 21 (vinte e um) é das mulheres indígenas.
Também estava presente no evento Sidnei Nogueira, ou Pai Sidnei de Xangô, que, tirando os sapatos, anunciou que não poderia se “furtar de reverenciá-las da maneira como merecem: colocando a minha testa no chão por vocês [Bancada do Cocar]”. Guilherme Boulos, como penúltimo a discursar, reiterou o fato de que ele e Sônia não são concorrentes, mas companheiros; diz que não quer chegar ao Congresso sozinho, quer chegar em grupo.
Sônia Guajajara foi a última na lista de discursos e apresentou a importância dos povos indígenas para o mundo, revelou que eles correspondem a 5% da população mundial e que 82% da biodiversidade do planeta se encontra em terras indígenas. Diz que as empresas que poluem os rios, que poluíram Mariana e Brumadinho, seguem impunes, mas que quando esses são poluídos: ”não é só o rio que se perde, a nossa cultura vai junto. Todo mundo vai sentir sede, vai ver a água correr, mas a água estará contaminada”.
Guajajara anuncia que o primeiro projeto de lei que a Bancada do Cocar irá promover vão ser as derrubadas das estátuas e a troca de nomes das estradas que carregam a memória de quem fez sofrer os povos indígenas do Brasil. Constata que os partidos atualmente não são capazes de compreender a luta ou a história dos povos e que “o futuro é ancestral, o futuro é indígena”.
Em clima de festa o evento é encerrado. As lideranças presentes se confraternizaram e as crianças indígenas do Jaraguá, que ao início cantaram músicas em conjunto, fizeram uma fogueira do lado de fora para se esquentar e continuaram cantando.