Ministro também absolveu seis réus acusados de golpe de Estado e defendeu que o julgamento dos oito denunciados seja realizado pela 1ª instância da Justiça Federal
por
Giuliana Barrios Zanin
Maria Eduarda Cepeda
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11/09/2025 - 12h

Após dois votos favoráveis à condenação dos oito réus pela tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, o ministro Luiz Fux fez a leitura do seu voto na última quarta (10). Foram mais de 12 horas de sessão e, até o momento, Fux é o único da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a se manifestar em desacordo com o relator do caso, Alexandre de Moraes. Entre as argumentações, o ministro considerou o STF inadequado para o julgamento da ação penal 2668 e pontuou atraso no envio de materiais probatórios às defesas dos denunciados.

Logo no início de sua fala, Fux discorreu sobre o papel imparcial e técnico que os julgadores devem ter durante o processo penal. Ele reforçou que a Constituição deve servir como “ponto de partida”. "Cumprimos, enquanto magistrados, zelar pela verticalidade das normas constitucionais e legais no âmbito da vida social, de modo que cada cidadão brasileiro reconheça na Constituição a necessária autoridade que a torna, não apenas um texto, mas uma norma viva, respeitada e eficaz”, afirmou durante leitura do seu voto, nesta quarta-feira (10).

 

PEDIDO DE NULIDADE DO PROCESSO

Ao detalhar seu voto, o ministro destacou preliminares trazidas pelas defesas que culminariam na anulação total da ação. Entre elas, estão:

  • Incompetência de julgamento pelo STF

Fux reforçou que não compete ao grupo o julgamento da ação, uma vez que Bolsonaro e os outros réus não exercem mais os cargos. Segundo o ministro, caso estivessem na ativa, os denunciados teriam foro apropriado de responsabilidade do STF. “Compete a este tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional; legal ou ilegal”, enfatizou.

  • Cerceamento do direito de defesa

Segundo as partes denunciadas, a disponibilidade tardia de mais de 70 terabytes de documentos, mensagens e arquivos utilizados pela denúncia comprometeram a elaboração da defesa. Fux levanta que o acesso foi enviado 20 dias, após o documento da PGR (Procuradoria Geral da República), em maio, e que a Polícia Federal enviou o link com os materiais cinco dias antes do início do julgamento, em junho. Isso teria comprometido os denunciados, de acordo com o juiz. “Como se não bastasse, novos arquivos foram incluídos no curso da instrução processual – inclusive em 15 de junho de 2025”. 

  • Incompetência do julgamento pela primeira turma do STF

Fux utilizou do último regimento interno da Casa que afirma que casos criminais são julgados pela 1ª instância. Por isso, a partir das ações penais, de acordo com o ministro, não caberia à Primeira Turma julgar. Além disso, ele citou uma normativa que propõe que o presidente da República deve ser julgado em Plenário, ou seja, com todos os 11 ministros.

  • Validação da delação de Mauro Cid

Para Fux, o ex-ajudante de ordens colaborou com as investigações da ação penal. Além disso, o ministro cita que a delação não foi “voluntariamente” realizada e apontou ter havido um “vício de homologação” no processo. 

 

O magistrado ainda evocou a Ação Penal 937 que afirma que apenas senadores e deputados devem ser julgados pelo STF, caso o crime tenha sido cometido após a diplomação. "Meu voto é no sentido de reafirmar a jurisprudência desta corte adotada na questão adotada na AP 937.” 

A opinião de Fux, porém, não é unânime. O assessor da Secretaria Nacional da Justiça do Ministério da Justiça, Rodrigo Portella, entende que o julgamento deve acontecer na Primeira Turma diante “da competência privativa de âmbito criminal”, uma vez que não há nenhuma determinação descrita no regimento sobre o julgamento de ex-presidentes da República em Plenário.

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Ministro Alexandre de Moraes durante a leitura de voto do ministro Fux Foto: Gustavo Moreno/STF 

 

A ABSOLVIÇÃO PELO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

Baseado em múltiplos conceitos e referências jurídicas, o ministro destacou não haver requisitos importantes para levar à concretização da tipificação, como a realização de reuniões regulares e habituais com objetivos indeterminados e estruturalmente ordenados. Ele também descartou a existência de uma associação criminosa. 

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”

Art. 1 § 1º da Lei  Nº 12.850, de 2 de agosto de 2013

 

VOTO DE FUX EM RELAÇÃO ÀS ACUSAÇÕES DOS RÉUS

Os oito réus estão sendo julgados pelos crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado de Direito; golpe de Estado; dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado. 

Para Portella, o ministro teve um olhar “mais delicado ao réu” quando decidiu se basear nos atos preparatórios, que não são puníveis, ao invés da materialidade e absolvição dos crimes. “Desde o começo do voto, ele não tem um olhar detalhado e apurado dos fatos processuais.", observa. "Ele trabalhou nas preliminares, discutindo muitas teses jurídicas, mas não olhou os autos para discutir os fatos. E acontece o mesmo na questão política.”. Portella também chamou a atenção para a fala acusatória de Fux que tentou colocar na mesma balança o julgamento do Mensalão, em 2005, equivalendo o escândalo envolvendo o Partido dos Trabalhadores a um golpe de Estado.

 

Mauro Cid

Fux julgou “improcedente” a condenação do ex-ajudante de ordens do ex-presidente por participação em uma organização criminosa. Os fundamentos defendem que não há provas de que ele se reuniu com um grupo a fim de abolir o Estado de direito. Por outro lado, o ministro votou pela responsabilização de Cid pelo crime de tentativa de abolição violenta contra o Estado Democrático de Direito. Ele destaca que foram encontradas mensagens que demonstraram o financiamento de manifestações que incitavam a derrubada do poder. Além de participar do plano “Punhal Verde-Amarelo”, com o objetivo de assassinar o relator da ação, o ministro Alexandre de Moraes; o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Cid também teria acompanhado de perto a realização da minuta do golpe. As informações foram confirmadas durante a colaboração de Cid com as investigações. 

 

Almir Garnier

O ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, teve o voto de Fux para absolvição de todos os crimes que foram denunciados pela PGR durante seu julgamento. Para o ministro, não há provas do envolvimento e da prática de Garnier nos crimes imputados pela Procuradoria Geral da República. O ex-comandante foi absolvido então dos crimes de: dano qualificado contra o patrimônio da União; deterioração do patrimônio tombado; organização criminosa armada e golpe de Estado;

Fux entendeu que, devido a posição de comandante de Garnier, as suas disposições com a Marinha e os decretos de Bolsonaro não sinalizam “dolo de praticar uma série indeterminada de delitos”. E que não seria possível acusá-lo de fazer parte de uma organização criminosa, apenas pela sua participação em duas reuniões.

Jair Messias Bolsonaro

O ministro votou pela absolvição do ex-presidente da República de todas as acusações. Para Fux, não é possível penalizá-lo pelos atos de 8 de janeiro de 2023 por conta de suas falas inconstitucionais durante o mandato ou falas contrárias ao uso de urnas eletrônicas. O magistrado alegou a utilização de acusações genéricas por parte da Procuradoria Geral da República.

Alexandre Ramagem

Fux pediu pela suspensão total das condenações de Alexandre Ramagem, que é deputado federal e esteve no cargo de diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no momento da investigação. O ministro votou pela suspensão dos cinco crimes. Ramagem já teve parte da ação penal suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.

Walter Braga Netto

O ex-ministro da Casa Civil e da Defesa do governo Bolsonaro levou o voto do ministro pela condenação por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Fux argumenta que o general se manteve ativo no planejamento de execução do ministro Alexandre de Moraes - e essa ação poderia ameaçar a estrutura dos Poderes. O réu foi preso preventivamente em dezembro de 2024 pela Polícia Federal pelo crime ao qual o ministro Fux o condenou.

Paulo Sérgio Nogueira

De acordo com Fux, a PGR não comprovou a participação do ex-ministro da Defesa na tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Por isso, ele absolveu o réu de todas as acusações.

Augusto Heleno

O ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) recebeu o voto de absolvição de Fux por todos os crimes de que foi acusado. Para o ministro, a agenda do general que continha escritos sobre a desconfiança nas urnas eletrônicas não corresponde a um crime, sendo apenas de caráter privado - o que a torna inviável como prova.

Anderson Torres

Fux votou pela absolvição de todas as acusações relacionadas ao ex-ministro da Justiça. O magistrado compreende que Torres não estava no país no dia 8 de janeiro de 2023 - e não poderia, portanto, ser responsabilizado, já que aquela era uma ação da Polícia Militar. Além disso, não ficou comprovado para o magistrado da Primeira Turma que os impedimentos da Polícia Rodoviária Federal durante o segundo turno das eleições de 2022 tenham sido coordenados por Torres.

 

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Ministro Luiz Fux no julgamento da trama golpista. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

 

O voto extenso e descritivo do ministro deixou alta as expectativas para os próximos dias. Portella avalia que há duas questões a serem pensadas após esta quarta-feira: quais serão os recursos utilizados, caso a condenação não seja unânime - o único recurso previsto seria o de embargos infringentes; e qual seria a turma julgadora. Geralmente, nesse tipo de recurso, a análise vai a Plenário, porque entende-se que não houve um resultado unânime. Caso ele fosse um embargo declaratório, a mesma turma que julgou faria uma revisão para sanar algum vício material. 

Desde 2023, o ministro Luiz Fux se põe à favor da condenação dos 400 réus envolvidos na depredação da Praça dos Três Poderes. Para Portella aponta aí uma contradição no comportamento exercido pelo magistrado nesta ação penal: “Fux tem um perfil punitivista, mas está adotando, neste voto, um perfil ultra garantista.” 

Cerca de 42 mil apoiadores de Bolsonaro se reuniram na Paulista contra julgamento do ex-presidente
por
Annick Borges
Davi Rezende
|
10/09/2025 - 12h

 

Apoiadores do ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro, se reuniram em manifestação no domingo (7), feriado da independência, na avenida Paulista, em São Paulo, em pedido de anistia aos réus da trama golpista.Segundo metodologia do Monitor do Debate Político do Cebrap em parceria com a ONG More in Common, o comício reuniu cerca de 42 mil pessoas na capital paulista, e contou com a presença de figuras da direita como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, o pastor Silas Malafaia, que organizou a manifestação, e a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro.

Os manifestantes foram às ruas para protestar contra o julgamento que corre no STF, em acusação aos envolvidos na trama golpista do atentado de 8 de janeiro de 2023, no Palácio do Planalto. Entre as exigências do público, estava o pedido de anistia ampla, geral e irrestrita ao ex-presidente e os demais réus julgados pelo Supremo, que eram apoiados pelos líderes políticos e religiosos que ficavam sob um carro de som, cruzando a avenida na altura do MASP.

Ambulantes vendendo produtos do Brasil na Av. Paulista
Ambulantes vendendo produtos com a estampa do Brasil em manifestação pró-anistia na Av. Paulista Foto:Rafael Pessoa

 

O protesto bolsonarista incluía placas que afirmavam que “eleição sem Bolsonaro é ditadura”, e até pediam “SOS Trump" e “Bolsonaro free”, acompanhado de bandeiras brasileiras, dos EUA e de Israel espalhadas pelas ruas. Outros objetos, como bonecos infláveis e faixas, criticaram diretamente Alexandre de Moraes e o presidente Lula. 

Os discursos começaram às 15 horas e se estenderam pela tarde com falas em defesa da anistia dos réus, assim como ataques ao PT, STF e os respectivos integrantes de ambos.

André do Prado, presidente nacional do PL, foi um dos primeiros a discursar na manifestação. Durante toda a sua fala, demonstrou extremo apoio à família  Bolsonaro. Disse que "O verdadeiro julgamento do golpe será nas eleições do ano que vem, quando será julgado o golpe da picanha prometida". O político ainda completou dizendo que está muito confiante com a anistia a Bolsonaro, assim como com a possibilidade do ex -presidente se tornar elegível novamente. 

O governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, esteve presente no ato, logo após o desfile do 7 de setembro, que ocorre anualmente no sambódromo do Anhembi. O político foi ovacionado pelos apoiadores de Bolsonaro, enquanto discursava: "Dá pra ter independência sem liberdade? Essa festa não está completa porque Jair Messias Bolsonaro não está conosco" declarou. Tarcísio continuou sua fala atacando opositores, voltando ao passado da esquerda: "Se o PT existe hoje é porque houve anistia em 1979, aqueles que gritam “sem anistia” foram beneficiados pela anistia" concluiu Tarcisio. 

O governador se referiu ao período pós-ditatorial no Brasil, quando a lei n° 6.683 foi sancionada por João Baptista Figueiredo, depois de uma ampla mobilização social. De acordo com o primeiro artigo do decreto: É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”. 

Para o governador, e para grande parte da direita, uma atitude similar deveria ser tomada sobre o 8 de janeiro. Chamado de “Leão a favor da anistia” pelo pastor Silas Malafaia, Freitas concluiu: "A direita não falava, a direita não ia pra rua, isso mudou. Nasceu a direita que tem como slogan a liberdade. A direita anti-sistema. Nasceu uma direita que quer transformar o Brasil e nasceu com Bolsonaro"

O organizador do ato, Pastor Silas Malafaia, foi um dos últimos a se apresentar. Em seu discurso, não poupou críticas ao STF, principalmente ao ministro relator e sua turma. Em meio a uma trilha sonora dramática, o pastor fala que aos poucos tem mostrado como Alexandre de Moraes vem rasgando sucessivamente a constituição. Seu discurso foi inteiramente pautado em atingir o Supremo e figuras de esquerda. “Há 4 anos, em mais de 50 vídeos, eu venho denunciando os crimes do ditador da toga: Alexandre de Moraes” disse o pastor. Ele ainda completa: “É um homem destruindo o estado democrático de direito”.

Mulher loira, em meio a multidão segura faixa "Fora Moraes!" no ato
Mulher segurando faixa “Fora Moraes!” em manifestação pró-anistia na Av. Paulista Foto: Rafael Pessoa

 

Além de afrontar o presidente Lula, Silas também atacou a ex- presidente impeachmada Dilma Rousseff: "Tem gente da imprensa que tem amnésia, mas eu não tenho. Em 2016, Dilma em Nova York, convocou a imprensa e pediu sanções contra o Brasil. Quando é a direita é traidor da pátria, quando é a esquerda é direito” e recebeu aplausos dos presentes. 

No entanto, com a análise de registros oficiais, não existe uma declaração em que Dilma tenha pedido diretamente sanções econômicas ou diplomáticas ao Brasil. O que a, até então presidente dizia em entrevistas era que, recorreria a diversos organismos para monitorar o processo de seu impeachment, que considerava ilegítimo. Queria denunciar o que estava acontecendo, e não punir a população brasileira com medidas externas.

Sobre o 8 de janeiro, Malafaia continuou: “Só se dá golpe com um exército, nem com marinha e aeronáutica dá pra dar um golpe. Dona de casa com pedra vai dar golpe?” afirmou. O pastor defende Bolsonaro em forma de invalidar as acusações da trama golpista, afirmando que o verdadeiro traidor da pátria é o presidente Lula: “Nós somos a favor de costumes, nós somos a favor da família, nós somos a favor da pátria e a esquerda combate historicamente”, completou.

A ex- primeira dama, Michelle Bolsonaro, que desde do início do comício era a mais aguardada, foi a última a discursar. Em prantos, Michelle começa: "Não tem como não lembrar do 7 de setembro de 2022, onde mais de 1 milhão de pessoas de bem estavam em Brasília, pra poder ouvir Jair Messias Bolsonaro falar, e hoje ele não pode falar". Ainda diz que o ex- presidente já foi uma voz “solitária (sic)”, mas que hoje tentam calar um exército que ele formou.”

Apoiador de Bolsonaro, vestindo uma camisa em sua defesa "ele não matou, ele não roubou"
Apoiador de Bolsonaro na Av. Paulista. Foto: Rafael Pessoa

 

O discurso focou pouco no 8 de janeiro, e mais no sofrimento pessoal da ex-primeira dama: “A humilhação faz parte do processo” disse sobre a situação que vem vivendo cotidianamente desde que Bolsonaro virou réu na trama golpista. "Quem era pra estar aqui era o meu marido, que está amordaçado dentro de casa com um tornozeleira, não foi julgado e tá preso". 

Ao fim do comício, os manifestantes se reuníram em frente ao MASP e estenderam a bandeira dos EUA no meio da avenida, como forma de pedir suporte do governo do país norte-americano na anistia de Bolsonaro. O julgamento do primeiro núcleo da trama golpista ainda segue com sessões nos dias 11 e 12 de setembro. 

Com discussões entre Fux, Moraes e Dino, o primeiro dia de votações teve votos de dois dos cinco ministros
por
Daniella Ramos
Maria Clara Palmeira
Maria Mielli
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09/09/2025 - 12h

O terceiro dia de julgamento do núcleo 1 começou nesta terça-feira (7), às 9h12. Com a abertura do presidente da primeira turma do STF, Cristiano Zanin, logo começou o voto de Alexandre de Moraes. 


VOTO DE ALEXANDRE DE MORAES

Alexandre de Moraes durante julgamento de 09 de Setembro. Foto: Sophia Santos/STF
Alexandre de Moraes durante julgamento de 09 de Setembro. Foto: Sophia Santos/STF

Com pouco mais de cinco horas de fala, Alexandre de Moraes votou a favor da condenação de Almir Garnier Santos, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Messias Bolsonaro, Mauro Cid Pereira, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto pela tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, e Alexandre Ramagem (ex-diretor da ABIN) por tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. 

Moraes analisou as preliminares, destacando que já haviam sido avaliadas pela corte e para as quais, segundo o Ministro, não havia nenhum fato relevante que pudesse alterar o posicionamento do que foi votado no recebimento da denúncia. Luiz Fux o interrompeu para salientar que, em seu voto, iria voltar à abordagem das preliminares, porque desde o recebimento da denúncia, por coerência, gosta de ressalvar o que foi visto na apresentação do caso. Em seguida, Moraes respondeu: “todas as preliminares a que me referi até o momento foram votadas por unanimidade, inclusive com voto de vossa excelência [Luiz Fux]”.

Durante o voto, foram apontados todos os questionamentos feitos pela defesa e como resposta o ministro mostrou provas (prints e documentos) de que muitas das falas dos advogados eram infundadas ou falsas. Entre elas, ressaltou a importância da delação de Mauro Cid, muito atacada pela defesa dos outros réus.

Moraes afirmou que não se deve esperar que o juiz seja uma “samambaia jurídica”, após relembrar a fala do advogado de Augusto Heleno, que o criticava por supostamente adotar um caráter acusatório ao participar da instrução do processo penal. Segundo o relator, o papel do magistrado não é passivo: cabe ao juiz conduzir o processo, garantir o equilíbrio da instrução e intervir sempre que necessário para esclarecer pontos relevantes. Nos interrogatórios, o juiz deve fazer perguntas, permitindo que a defesa exerça a autodefesa do réu. Para Moraes, o comentário do advogado soou como uma tentativa de censurar o juiz, ao sugerir também que o número de perguntas define o caráter acusatório.

Depois das respostas aos argumentos da defesa, Moraes fez a cronologia de como tudo começou, em julho de 2021 e como chegou a 08 de janeiro de 2023. 

“Com divisão de tarefas e com vários atos executórios, atentar contra o Estado Democrático de Direito e tentar depor por meio de violência ou grave ameaça o governo legitimamente constituído, são crimes diferentes”, esclareceu Moraes após repercussão de que poderiam ser ambos um só crime.

Na cronologia, o ministro refuta as teorias apresentadas por Bolsonaro em lives sobre a ineficiência das urnas. Moraes questiona com indignação como poderia se considerar normal achar na agenda de Augusto Heleno um detalhamento do golpe, assim como o documento online criado por Ramagem, que serviria como um roteiro para o ex-presidente Jair Bolsonaro sobre como sustentar a narrativa de que as urnas eram fraudulentas. Em tom irônico, ainda completou: “seria um ‘meu querido diário'?”.

Ao lembrar de 18 de Julho de 2022, na ilegal reunião com embaixadores, Moraes diz que ali começou o “entreguismo e retorno de colônia brasileira, mas não mais a Portugal”. A ilegalidade da reunião teria se dado pelo conteúdo fraudulento apresentado por Bolsonaro para questionar a ação do TSE. 

Ao longo de sua fala, Moraes repetiu diversas vezes à expressão “líder da organização criminosa” para se referir ao ex-presidente, indicando o entendimento do Ministro de que Bolsonaro teria agido como chefe de um esquema que teve planejamento, hierarquia e objetivos claros: desacreditar o sistema eleitoral, fragilizar as instituições e pavimentar um caminho para se perpetuar no poder.

Para Wagner Gundim, professor de direito Público e Constitucional, a fala de Moraes pode influenciar no aumento da pena: “Uma das causas de aumento de pena, nos termos do art. 2º, da Lei 12.850, que define organizações criminosas: § 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução. A PGR pediu duas causas de aumento de pena: o emprego de arma de fogo, por alguns integrantes; e o fato de Bolsonaro ser o mandante, o que poderia gerar um aumento da pena de 1/6 a 2/3.”

O ministro Alexandre de Moraes finalizou o voto pela condenação dos envolvidos, reforçando que Bolsonaro não apenas teria estimulado atos antidemocráticos, mas teria comandado uma engrenagem criminosa dentro do próprio Estado brasileiro.

 

VOTO DE FLÁVIO DINO

O ministro Flávio Dino seguiu o relator Alexandre de Moraes e votou a favor da condenação dos 8 réus. Iniciou a justificativa do seu voto assegurando que este julgamento, em termos técnicos, é mais um como qualquer outro e que não haverá nada de excepcional– seguirá uma “moldura de absoluta normalidade”. Ainda na introdução, destacou que os crimes em julgamento, que ferem a ordem constitucional e o Estado democrático de direito, são insuscetíveis de anistia e inafiançáveis. Dino, concluiu a primeira parte de sua justificativa dizendo que fatores extra-autos não afetam, e nem poderiam, a execução legítima das decisões de quem veste a capa. “Não há nos votos e no voto que vou proferir, nenhum tipo de recado, mensagem, backlash, nada desse tipo. O que há é o exame estrito daquilo que está nos autos”. 

 

Ministro Flávio Dino. Foto: Rosinei Coutinho/STF
Ministro Flávio Dino. Foto: Rosinei Coutinho/STF

Em seu voto, Dino analisou que os réus e os seus apoiadores fizeram o uso inerente da violência, relacionando sua fala à invasão da esplanada no dia 7 de setembro de 2021; as incitações e ameaças aos ministros do supremo– plano Punhal Verde e Amarelo –; acampamentos nas portas de quartéis; tanques desfilando e fechamento de rodovias federais; ataques ao prédio e a policiais da Polícia Federal(PF) no dia da diplomação presidencial; tentativa de fechar aeroportos; ataques do 8 de Janeiro de 2023 e ao não cumprimento das ordens judiciais, que segundo ele, pode causar um mal injusto grave a um magistrado. Afirmou, também, que as provas orais declaradas pelo delator Mauro Cid, são “absolutamente compatíveis com o acervo probatório dos autos”. Apesar de apresentarem pequenas contradições, Dino as avalia como completamente normais perante limites da mente humana. 

Na parte final da declaração de voto, o ministro disse acompanhar a decisão de Moraes, mas defendeu penas diferentes para os réus, considerando os diferentes níveis de responsabilidade. Para ele, os réus Almir Garnier, Anderson Torres, Jair Messias Bolsonaro, Mauro Cid e o general Walter Braga Netto, devem ser punidos com uma pena maior do que a dos outros indiciados, por ocuparem posições de figuras dominantes na organização criminosa. Em particular, Mauro Cid seria beneficiado ao máximo possível pela colaboração feita na delação. Já Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira teriam tido participação de menor importância nos atos criminosos, e por isso Flávio Dino defendeu a redução das penas para abaixo do mínimo legal. 

Dino também manifestou espanto de que alguém acredite que um tuíte, feito por uma liderança estrangeira, iria assustar o STF. “Será que alguém acredita que um cartão de crédito ou o Mickey vai mudar o julgamento do Supremo?” questionou. E logo em seguida brincou: “o Pateta aparece com mais frequência nesses eventos todos”. 

O Ministro Flavio Dino encerrou o voto dizendo que o STF está cumprindo seu dever e que isso não é tirania, muito menos ditadura. 

Terceira sessão teve a conclusão de manifestações das defesas dos oito réus
por
Thaís de Matos
Marcelo Barbosa
|
04/09/2025 - 12h

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade, na manhã dessa quarta-feira (3), ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos outros sete réus do “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado. A sessão foi aberta por volta das 9h20 pelo presidente da Primeira Turma do STF, o ministro Cristiano Zanin. Em seguida, começaram as manifestações das defesas de Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.

 

Matheus Milanez durante a defesa do general Augusto Heleno | Foto: Gustavo Moreno/STF
Matheus Milanez durante a defesa do general Augusto Heleno | Foto: Gustavo Moreno/STF

AUGUSTO HELENO

Durante a sustentação oral, Matheus Milanez, advogado do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, apontou três tópicos: a “nulidade pela manipulação e impossibilidade de análise das provas colhidas durante a investigação, nulidade pela violação ao sistema acusatório e ao direito ao silêncio, e a necessidade de absolvição do general Heleno”.

Em seu primeiro ponto, Milanez questiona a maneira como a Polícia Federal (PF) coletou provas relacionadas ao cliente e que os arquivos do processo foram disponibilizados sem tempo hábil para análise. Além disso, o advogado aponta que a partir dos nomes dos documentos, “que não se entendem e não se sabem da onde vem”, não é possível examinar as acusações feitas ao general Heleno. Diante dessa impossibilidade, o defensor alega que as provas não são válidas e que, portanto, o sistema acusatório deveria ser anulado.

Ainda na sustentação, o advogado de Augusto Heleno contesta o caráter e a quantidade de perguntas feitas ao réu no dia do interrogatório, e destaca que o relator do processo, Alexandre de Moraes, teria feito mais perguntas do que o procurador Paulo Gonet. Também é mencionado que o general teve seu direito ao silêncio contestado, de modo que o réu “só foi constrangido”.

No terceiro tópico, é defendida a absolvição do militar diante da sua postura em uma live realizada por Bolsonaro no dia 21 de julho de 2021, em que o ex-presidente disseminou teorias da conspiração em relação às urnas eletrônicas. Milanez argumenta que Heleno “não se manifestou, ele não falou, ele estava mexendo em seu celular”, e que isso não sustenta a acusação de que o general também teria promovido desinformação do sistema eleitoral.

Ao longo da defesa, Matheus Milanez ressaltou o afastamento entre Augusto Heleno e Jair Bolsonaro, que iria contra a acusação do envolvimento do general na trama golpista. “General Heleno foi uma figura política importante, mas esse afastamento foi comprovado. No entanto, não foi completo. Se fosse assim, ele teria saído do Governo”.

Também é destacada a agenda do general, localizada pela PF com nomes de pessoas ligadas ao PT, escritos como “a ABIN está de olho nele” e “válido continuar a criticar a urna eletrônica”. Sob a ótica do advogado, a caderneta – usada frequentemente pelo cliente – entra em contradição com o depoimento de Heleno, afirmando que não havia um “encadeamento lógico de ideias” e que era usada para organizar a memória dele.

JAIR BOLSONARO

“Ele não atentou contra o Estado Democrático de Direito. Não há provas que liguem o presidente ao Punhal Verde e Amarelo”. O plano citado pretendia matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.

Ainda na sustentação de Vilardi, ele questiona a veracidade da delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que teria mudado diversas vezes o discurso de seu interrogatório. O advogado também atenta para um perfil falso nas redes sociais, “@gabrielar702”, que pelo acordo da delação, não poderia ser usado por Cid.

"A Meta mandou da onde vieram os códigos dos computadores que a utilizaram. A Meta diz quem abriu o perfil falso, tratando de delação, com o advogado do processo. Foi aberta por um e-mail que pertence ao colaborador há mais de dez anos. [...] Ela [Meta] dá a localização aproximada; de onde vieram essas mensagens? Do condomínio do colaborador!", aponta Vilardi.

​  Da esquerda para a direita, os advogados de Jair Bolsonaro, Paulo da Cunha Bueno e Celso Vilardi | Foto: Rosinei Coutinho/STF ​
Da esquerda para a direita, os advogados de Jair Bolsonaro, Paulo da Cunha Bueno e Celso Vilardi | Foto: Rosinei Coutinho/STF

A defesa também alega que não conhece a íntegra da ação penal, e questiona as acusações de grave violência ou ameaça relacionadas à tentativa de golpe de Estado. “Dizer que esse crime começou em uma live é subverter o próprio código penal. Por mais detalhado que ele possa ser, é a execução que configura o delito”.

Pouco tempo depois, o outro advogado do ex-presidente, Paulo da Cunha Bueno, seguiu a defesa, às 11h. Complementando o discurso de Vilardi, ele questiona quando houve o emprego de violência nos crimes pelos quais Bolsonaro é acusado.

“Não é possível acreditar que, em algum momento, o presidente Bolsonaro tenha cometido uma grave ameaça ou de violência. Uma reunião em que se discutiu elementos constitucionais não constitui grave ameaça”. Na fala, Bueno faz referência a um encontro feito pelo ex-presidente no dia 7 de dezembro de 2022, em que teria sido apresentada a minuta do golpe.

PAULO SÉRGIO NOGUEIRA

O ex-ministro da Defesa foi representado por Andrew Farias. Ao longo da sustentação, o advogado refuta as acusações de que o réu teria endossado a narrativa de fraude eleitoral e de que teria aderido à trama golpista.

Segundo Farias, Paulo Sérgio Nogueira também tentou “demover” Jair Bolsonaro de qualquer medida de exceção. "O general Paulo Sérgio tentou fazer com que o governo desmobilizasse as pessoas, para as pessoas saírem de lá [quartéis com manifestantes]. E estava tentando convencer o presidente a não cair nesses assessoramentos de grupos radicais”.

A defesa ainda questiona a acusação de que o réu tentou dar um golpe de Estado. De acordo com Farias, os ataques que o ex-ministro sofreu e a ausência dele no documento que previa um “gabinete de crise” pós-golpe constituem uma “prova dos nove″ – ou seja, uma “contraprova” de que ele não fazia parte da trama golpista.

Ainda sobre a tentativa de golpe, o advogado alega que Paulo Sérgio “atuou contra” a trama. “O general Paulo Sérgio atuou? Atuou, contra. Atuou para impedir. E por isso foi afastado. É o que revela a prova dos autos”.

WALTER BRAGA NETTO

Ao fim da sessão, por volta do 12h, o também ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto, foi representado por José Luiz de Oliveira. Durante sua fala, o advogado se opôs à veracidade da delação de Mauro Cid, destacando as oito versões apresentadas pelo ex-ajudante de ordens. Oliveira também volta a citar o perfil falso nas redes sociais usado pelo réu colaborador.

Além disso, o advogado sustenta que Cid “mentiu” diversas vezes em suas declarações e que “não existe voluntariedade” na delação. “Não há a menor dúvida de que a voluntariedade nesse acordo de colaboração premiada ficou ali, à margem, esquece a voluntariedade. Foi coagido sim e quem diz isso é ele, não é esse advogado, não são os outros advogados que vem à esta tribuna, simplesmente ele.”

O defensor, por fim, reforça que Braga Netto é inocente e que “não deve passar o resto da sua vida no cárcere”.

 

OUTRAS DEFESAS

As manifestações das defesas de Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier e Anderson Torres foram realizadas ontem. O primeiro dia de julgamento também contou com a leitura do relatório que resume a ação penal 2668 pelo ministro Alexandre de Moraes e a sustentação da condenação dos réus feita pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet.

Os réus respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

 

PRÓXIMOS PASSOS

Feitas as defesas, o julgamento no Supremo retorna na próxima terça-feira (9), em sessões das 9h às 12h e das 14h às 19h. É esperado que o relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes, vote nas questões preliminares para verificar se o processo deve prosseguir.

Moraes fará a leitura do voto do relator e, em seguida, os demais ministros da Primeira Turma votarão pela absolvição ou condenação dos réus. A ordem de votação dos parlamentares é a seguinte: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin – que, em seguida, deve anunciar o resultado do julgamento.

Outras sessões estão previstas nos dias 10 e 12 de setembro, quando a sentença deve ser divulgada.

Dados do Fórum Nacional de Segurança Pública mostram um aumento de 474% de pessoas com certificado pra arma de fogo
por
Murari Vitorino
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29/06/2022 - 12h

Temporada de tiroteio corre solta país das “liberdades irrestritas”, um aumento considerável de assassinatos de crianças acompanhado de um descaso das forças policiais, usando desculpas como “Mas estaríamos botando em risco a vida de nossos homens” enquanto 19 jovens eram brutalmente baleados no colégio de Uvalde, Texas. Uma situação tão drástica que até o mais conservador dos Republicanos questionar da eficácia da polícia que, como relatado no dia 22 de junho que os oficiais não sabiam que a porta da sala do atirador estava destrancada pois eles não haviam tentado abri-la. 

Este é apenas um dos muitos casos frequentes nos Estados Unidos, um problema que pode ser explicado pelo fácil acesso às armas de calibre pesado. Um lugar onde é possível comprar um rifle automático sem grandes dificuldades e com mais armas em circulação do que pessoas. De acordo com os dados do “Small Arms Survey” (Pesquisa de armas de pequeno porte) a cada 100 cidadãos, 120 estão armados: Enquanto a população americana em 2017 era 326 milhões para 393 milhões armas registradas estavam em circulação. 

Porte de armas entra em pauta no Brasil Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
Porte de armas entra em pauta no Brasil Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

E enquanto este cenário tenebroso paira ao norte, aqui em terras brasileiras acontece uma corrida armamentista promovida pelo nosso atual presidente Jair Messias Bolsonaro. Desde o início de seu mandato, o acesso a armas de fogos vem se expandido exponencialmente, com mais de 40 atos do executivo sobre o tópico. Decretos passados por todos os lados, medidas aprovadas e revogadas, causando uma confusão difícil de ser acompanhada para quem se encarrega de cobrir estas pautas gerando uma confusão sobre o que está ou não em vigor. Corroborando com a carência de noticiabilidade dos dados sobre aquisição de arma crescentes, nos últimos três anos aconteceram um desastre após o outro no país, naturalmente chamando mais a atenção. 

Porém, sem ser notado pelo público, este cenário escalou por debaixo do nariz. No Brasil de hoje, está previsto pela legislação que um civil pode possuir até 60 armas de grande porte, sendo 30 o limite de uso restrito como fuzis. Isto se principalmente do CAC emitido pelo exército, um documento que visa permitir que caçadores e colecionadores ou atiradores esportivos, está categoria sendo a mais predominante.  

De acordo com dados levantados através do exército obtidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no dia 28 de junho foi relatado que desde o início do mandato de Bolsonaro teve um aumento de 474% de pessoas com acesso ao porte de arma. Em 2018 117 mil pessoas tinham registros, em 2022 673 mil possuíam o mesmo registro. Existe mais armas em posse de mãos de pessoas particulares do que órgãos públicos, das 1.490.323 armas com registro ativo no total, apenas 384.685 estavam nas mãos das instituições públicas de acordo com Sistema Nacional de armas da polícia federal.

De acordo com a ONG Sou da Paz, um dos grandes problemas desta circulação abundante de armas que vemos está na falta de controle encontrado, quando é possível facilmente ser desviado as 60 armas previstas em lei que começam a circular sem grande fiscalização, caindo na mão daqueles que estão propensos a causar crimes. E ainda mais, sem o rastreamento de munição, esta arma pode causar muito mal sem ter ferramentas de rastrear o autor da violência.  

O acesso a essas informações carece em transparência, o acesso à informação em si não é de difícil acesso, mas a organização de como elas são apresentadas aparenta ser orquestrada para dificultar o máximo que dá, sendo geridas por ONGs algo que em teoria deveria ser serviço realizado por instituições públicas, tendo que reunir os dados disponibilizados pelas Regiões Militares, das quais não abrangem todas as regiões do país. 

Mais armas estão circulando cada dia mais, a cada 24 horas 449 pessoas se tornam legais perante o CAC. A violência doméstica e crimes passionais podem ter altas preocupantes nos próximos anos. “A gente identificou que de 2014 para 2019 o percentual de mulheres mortas por arma de fogo dentro de casa aumentou. Antes, o total de mulheres mortas dentro de casa eram 1 a cada 5, por volta de 20%, já em 2019, último ano que teve esse dado disponível, eram 1 a cada 4, aumentou pra 25%” Natália Pollachi, gerente de projetos da Sou da Paz. 

Os números disponíveis sobre armamento do passado não refletem como vivenciamos nossa violência, estamos entrando em um período novo no Brasil, com taxas recorde de armamento. Uma realidade que aparenta tentar espelhar a realidade americana da qual ceifa a vida de várias pessoas inocentes por seu estilo de vida neoliberal.  

A violência ao norte se faz notória nos últimos tempos camuflando sua ideologia com uma resistência ao governo da qual não existe a séculos, e ainda assim, vemos um presidente que defende o porte legal de arma para se defender do estado. Medidas regulatórias se fazem necessárias antes que a realidade brasileira seja sobrepujada pela americana

O movimento estudantil ganha força na atual conjuntura política e trava suas batalhas, apesar das críticas
por
Maria Clara Alcântara
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28/06/2022 - 12h

   O movimento estudantil está presente na rotina do ambiente universitário. Ao entrar em qualquer universidade do país, pública ou privada,  é possível encontrar grupos que se reúnem e lutam por suas diversas ideologias, porém nem sempre essa foi a realidade, esse tipo de organização já sofreu com censuras e dura repressão. 

   Os estudantes conquistaram vários direitos a partir de lutas lideradas por esses movimentos, como o voto aos dezesseis anos, a lei de cotas, em conjunto com o movimento negro, o passe livre estudantil, entre outras que impactaram a rotina de estudantes e mudaram a realidade das universidades brasileiras.

    Mesmo com esses resultados, muitos governantes ignoram a participação dessa parcela da sociedade em decisões políticas. Governos mais conservadores tendem a excluir os estudantes de discussões por medo de uma resposta mais radical e pensamentos que diferem de sua ideologia. O atual presidente Jair Bolsonaro já se mostrou desfavorável a essas lutas diversas vezes. 

    Em 2019, no primeiro ano de governo, estudantes estavam lutando contra cortes na educação promovidos pelo governo federal. Bolsonaro se referiu a eles como o “movimento do pessoalzinho que eu cortei verba” em tom irônico. 

     As falas de Jair Bolsonaro para os estudantes lembram os xingamentos sofridos por esse grupo durante o período de maior luta deles contra a opressão, a ditadura militar brasileira, momento histórico do qual o presidente é saudoso. Onde os estudantes tiveram o papel fundamental de lutar contra a opressão e ajudaram a derrubar o poder vigente e trazer a democracia de volta ao país.

    Nos trinta e sete anos desde dessa redemocratização conquistada por eles, a luta dos estudantes parece ser a mesma, derrubar um governo autoritário que não aceita escutá-los e não garante os seus direitos. Théo Brandão, estudante de direito da PUC-SP e militante do coletivo Afronte, discursa sobre os objetivos dos alunos para as eleições presidenciais de 2022, “No segundo semestre a gente tem uma tarefa histórica da um geração, que é derrotar o Bolsonaro. Estamos diante do governo mais antidemocrático e brutal desde o fim da ditadura, e a tarefa número um de toda a juventude e de movimentos sociais junto com a classe trabalhadora é derrotar o Bolsonaro”. 

Juventude do Afronte em manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro( Foto: reprodução instagram @afronte.sp)
Juventude do Afronte em manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro( Foto: reprodução instagram @afronte.sp)

 

 Inúmeros movimentos estudantis têm se unido com o objetivo de somar forças políticas para derrotar um governo antidemocrático que não aceita ouvir a juventude que é o futuro da nação, com isso, vem juntando forças para reeleger o ex-presidente Lula, principalmente por seu histórico de lutas e criação de leis durante o seu governo que auxiliam na democratização da educação.

 Outros governantes começaram a perceber a influência dessa juventude para as eleições e seus mandatos, o pré-candidato a governador e ex-candidato a prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos foca sua campanha política para esse público e os inclui na tomada de decisões, “a gente foi o coletivo que mais fez campanha para o Boulos e participamos do programa de elaboração da juventude de seu governo”, contou Theo. 

     O movimento estudantil também cumpre outro papel para a maior participação política dos jovens. Muitos políticos tiveram o primeiro contato com lutas e movimentos sociais através desse movimento, caso da vereadora da denominada bancada feminista Paula Nunes que era militante do afronte e teve no coletivo o primeiro contato com a política.  

   O ativista e estudante Theo presenciou momentos como esse “o movimento estudantil dá uma oportunidade, é muito comum que jovens que entram no ambiente universitário encontrem no movimento estudantil o primeiro contato com  espaço político,  o movimento sempre teve uma capacidade muito grande de angariar politicamente muitas pessoas e estudantes”

      Porém mesmo ganhando forças e dando poder e voz a milhares de estudantes, os movimentos encontram dificuldade de crescer diante as críticas de pessoas que não conhecem sua realidade, pois se tornou comum no Brasil movimentos sociais sofrerem com a opinião pública. 

      A luta pela permanência e por uma universidade democratizada parece incomodar aqueles que são privilegiados pelas condições atuais, que tentam de qualquer derrotar as vitórias conquistas por esse povo, como as cotas que estão sempre em perigo constante de críticas e abolição.

    O movimento estudantil mudou  desde a sua criação, passando por momentos de turbulência como a ditadura militar e o governo Bolsonaro, e por diversas vitórias, porém uma coisa continua constante, o poder desse povo em mudar a realidade e eleger seus candidatos. 

 

Entenda como o pagamento de shows pelas prefeituras se tornaram escândalos públicos
por
Laís Bonfim
Marcelo Zenardo Penna
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28/06/2022 - 12h

 No dia 6 de junho deste ano, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu o show do cantor sertanejo Gusttavo Lima na 16º Festa da Banana, sediado na cidade de Teolândia (BA). O motivo da ação orquestrada pelo presidente do STJ, Humberto Martins, foi a baixa receita do município em relação ao preço do evento, que excedia em 40% o valor investido no setor de saúde.

 Sobre o ocorrido, Renato Eliseu Costa, professor e coordenador executivo da especialização em administração pública e gestão governamental da EACH-USP, diz que a instituição "está extrapolando qualquer razoabilidade e qualquer moralidade quando faz um contrato desse tipo; não é que há um impedimento para fazer shows, mas eles têm que fazer um show que corresponda à realidade daquele município”.

 Outra polêmica envolvendo o cantor ocorreu na cidade de Conceição do Mato Dentro (MG), na 32º Cavalgada do Jubileu, em que a prefeitura usou a verba destinada para saúde, educação , meio-ambiente e infraestrutura para pagar o cachê de 1,2 milhões de reais de Gusttavo. Em resposta, o município alegou ter usado o tributo dos mineradores, CFEM, e que não há restrições quanto ao uso da verba em eventos. Em contradição com a resposta da prefeitura, o portal da Agência Nacional de Mineração publicou o destino do dinheiro para os setores citados. 

 O professor explica que o financiamento da cultura no Brasil é apoiado  de dois modos, via renúncia fiscal, que são regidos pela lei federal de incentivo à cultura, a lei Rouanet e a  audiovisual, em que um empresário faz um aporte de recursos e recebe benefícios, como por exemplo, um abate no imposto de renda. Nessa via, os projetos são aprovados pela pasta da Secretaria Especial da Cultura e seguem normas de critérios de recomendação. Outra possível via é chamada de financiamento direto, em  que a Secretaria de Cultura do município utiliza de seu próprio recurso financeiro para arcar com o projeto artístico.

  

Anitta, Zusttavo e Zé Neto
Zé Neto à esquerda, Anitta no meio e Gusttavo Lima à  direita.

Em entrevista para o Fantástico, Anitta declarou que algumas prefeituras já ofereceram esquema de desvio de verba. "Eu já recebi propostas, eu e meu irmão [seu empresário]. 'Você cobra tanto, aí eu vou e pego um pedaço.' Eu falei não". O pronunciamento da artista gerou questões pertinentes sobre a postura dos municípios e dos cantores sertanejos.

 No  dia 13 de maio deste ano, no município de Sorriso, em Mato Grosso, Zé Neto (da dupla Zé Neto & Cristiano) criticou a Lei Rouanet e a cantora. “Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet. Nosso cachê quem paga é o povo”, disse Zé Neto, declarando, também, que não precisa de tatuagem na região íntima para fazer sucesso, se referindo a Anitta. O cachê do cantor custou 400 mil para que ele integrasse a grade de programação cultural da festa de 36 anos do município de Sorriso.

  O discurso do sertanejo desencadeou uma sequência de discussões em torno dos pagamentos de cantores sertanejos renomados, e o assunto logo entrou em alta nas redes sociais como "#CPIdoSertanejo". Como consequência desse cenário, no dia 8 de junho, a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de realização de uma audiência, com a finalidade de esclarecer o financiamento público de atividades artísticas no Brasil. O Ministério Público está investigando 24 prefeituras: Gaúcha do Norte, Sorriso, Porto Alegre do Norte, Figueirópolis D’Oeste, Nortelândia, Salto do Céu, Alto Taquari, Novo São Joaquim, Nova Mutum, Sapezal, Canarana, Acorizal, Brasnorte, Água Boa, São José do Xingu, Vera, Barra do Garças, Juína, Querência, Bom Jesus do Araguaia, Santa Carmem, Matupá, Nova Canaã do Norte e Novo Horizonte do Norte.

 O método de financiamento direto, utilizado pelos sertanejos, é mais propício para desvios públicos, segundo o coordenador Renato Eliseu. Ele diz que, ao contrário da lei Rouanet, a qual passa por duas prestações de contas, o financiamento passa apenas por uma, sendo suscetível a erros. "Em casos como esses shows de grande dispensas, a prefeitura alega e faz o uso da dispensa da licitação, alegando a especificidade daquele show."  A especificidade pode ser alegada quando não há uma atração semelhante àquela, e a ação de dispensa da licitação por esse motivo é  garantida pela Lei nº 8.666/93.

 O especialista traz, também, o conceito de desvio de verba pública. “Não é só aquele recurso que acaba parando na conta de uma pessoa física ou jurídica, o desvio de verba pública é todo aquele recurso não utilizado”. Além disso, acrescenta que o desvio pode ocorrer "desde a construção inadequada do processo de licitação, uma contratação errônea, um pagamento excessivo até a não prestação de contas como determina a lei", não tendo um lugar específico. A pena para esse crime, como prevista na Lei nº 8.429 sobre improbidade administrativa, é de 2 a 12 anos, além do pagamento de multa.

 

 

Como funciona a destinação de verbas públicas de incentivo à cultura ? E a Lei Rouanet ? E quem recebe sem prestar contas ? Calma, AGEMT Explica.
por
Malu Araújo
Maiara Yokota
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10/06/2022 - 12h

 

Zé neto iniciou polémica com Anita e  alcançou outros artistas, como Gustavo Lima
Zé neto iniciou polémica com Anita e alcançou outros artistas, como Gusttavo Lima (fotos: divulgação)

Criada em dezembro de 1991, a lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet, voltou aos debates nos últimos dias após fala do cantor sertanejo Zé Neto, da dupla Zé Neto & Cristiano, durante um show em Sorriso, no Mato Grosso Sul, no dia 13 de maio. No show, Zé Neto disse que “não somos artistas que não dependemos da Lei Rouanet”, pois “nosso cachê quem paga é o povo”, de fato, quem paga é o povo. Durante a fala, o cantor também fez um ataque indireto à cantora Anitta, alegando que não precisam fazer “tatuagem no tob*” para mostrar que está bem ou mal.

A fala do cantor direcionou a atenção da mídia e do público para o uso de verbas públicas para custear os cachês de cantores sertanejos em shows realizados em pequenos municípios do Brasil, e detalhe: sem a utilização da Lei Rouanet.

Começando pelo cachê da dupla a qual Zé Neto faz parte, neste mesmo evento em Sorriso, foi constatado que os sertanejos receberam R$ 400 mil reais para fazer o show. 

 

Não para por aí…

Em 26 de maio, o Ministério Público do Estado de Roraima abriu um procedimento para apurar a contratação do cantor sertanejo Gusttavo Lima para um show na cidade de São Luiz, cidade de 8.232 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com um cachê de R$800 mil. No dia 27 de maio, foi a vez do MP de Minas Gerais protocolar uma ação para apurar outra apresentação do cantor, desta vez no município de Conceição do Mato Dentro. Para esse evento, Lima foi contratado por R$1,2 milhão. Você não leu errado!

Este valor foi obtido através de recursos de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), as receitas compensatórias devem ser revertidas e aplicadas, direta ou indiretamente, em prol da comunidade local em temas voltados para qualidade ambiental, saúde e educação.

Para esse evento, na cidade que tem cerca de 17 mil habitantes segundo o IBGE, outros cantores também foram contratados. Artistas como a dupla Bruno e Marrone (R$520 mil), Israel e Rodolffo (R$310 mil), Di Paulo e Paulino (R$120 mil), João Carreiro (R$100 mil) e Thiago e Jonathan (R$90 mil). Sabe quanto a cidade desembolsou no total ? Isso mesmo, R$2,3 milhões de reais. 

Mansão de Gustavo Lima em Goiás. (reprodução: Instagram)
Mansão de Gusttavo Lima em Goiás. (reprodução: Instagram) 

Após a polêmica, por meio de nota, a assessoria de imprensa do cantor Gusttavo Lima disse que ele não é responsável por “fiscalizar as contas públicas”. A prefeitura de Mato Dentro cancelou o show previsto para o dia 20 de junho. 

Na vaquejada em São Luís, que falamos a pouco, fora o cantor, a prefeitura contratou nomes como Solange Almeida e a dupla César Menotti e Fabiano. No total, o valor que seria gasto pelo município é de R$3 milhões, com os cachês e a estrutura do local. 

Na Bahia, o Ministério Público fez um pedido judicial para o cancelamento de outro show, desta vez na cidade de Teolândia, no "Festival da Banana", onde Gusttavo Lima receberia um cachê de R $704 mil reais. Na noite de domingo (05), o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), manteve a decisão de primeira instância, favorável à suspensão do show.

Após todas as polêmicas sobre os cachês milionários dos sertanejos, além de Sorriso, outras 23 prefeituras passaram a ser investigadas no Mato Grosso do Sul.

 

E como funciona a lei Rouanet ?

Para que um projeto consiga ser aprovado para ser financiado pela Lei Rouanet, é necessário um processo criterioso. Primeiro, os artistas procuram e submetem seus projetos à Secretaria Especial da Cultura, explicando os detalhes e cada gasto. 

Após a entrega, a Secretária analisa a proposta, e caso atenda aos critérios, o projeto é submetido a análise da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que pode dar a homologação, assinada pelo Ministério da Cidadania.  

A Lei possui um banco de dados, o que facilita para a população consultar quais são os projetos financiados, os valores e todas as questões que envolvem o patrocínio. 

Os artigos 18 e 26, da Instrução Normativa número 5, do Ministério da Cultura, tratam dos projetos que podem ou não pedir financiamento por meio da lei. Os artigos classificam não apenas apresentações de atividades artísticas(cênicas, audiovisuais, visuais, musicais e etc.), mas também serviços, como restauração, reparos, manutenção e preservação de espaços que possam promover a arte. Em caso de cinemas de cidades com menos de 100 mil habitantes, a lei avalia que estes podem virar centros culturais. 

A quarta fase desse processo é a busca por um patrocinador. Depois de receber o "ok" da Secretaria, o produtor interessado vai em busca de empresas e/ou pessoas para patrocinar o projeto. Para facilitar essa procura, o governo oferece, em contrapartida aos interessados, dedução de parte ou do total do Imposto de Renda (IR). Na prática funciona assim:

 

  • Projetos baseados no ART. 18 recebem dedução de 100% do valor doado/incentivado. Ou seja, caso doe R$350 mil, esse será o valor deduzido.

  • Projetos baseados no ART. 26 obedecem a um abatimento do IR conforme tabela já definida. Em caso de doação de pessoas jurídicas é de 40% do valor, já em caso de patrocínio é 30%. Para pessoas físicas, em caso de doação, é 80% do valor, caso seja patrocínio, 60%. 

 

A diferença entre a doação e patrocínio é que o doador não pode ter seu nome vinculado ao projeto quando ele for exibido ou apresentado, enquanto o patrocinador, com a finalidade promocional e institucional de publicidade.

Detalhe importante: Os cachês de artistas solos na Lei tem o teto, ou seja, valor máximo a ser pago, de R$3 mil.

Passado todo esse processo, você acha que acabou ? Errado. É hora de prestar contas! O produtor precisa explicar e submeter a análise da Secretaria, fotos, registros, notas e etc., de tudo que for realizado. Tudo isso é criteriosamente avaliado pela Secretaria para que possa ser aprovado. 

 

E a destinação de verba direta?

A destinação de verba direta, como realizado pelas prefeituras de pequenos municípios para custear os shows dos cantores sertanejos, não obedece um processo tão criterioso assim e tem menos fases. 

Nesses casos, a prefeitura escolhe um artista e negocia e faz um contrato sem licitação, já que há apenas um fornecedor possível (o cantor contatado). Com a contratação, o município costuma arcar com despesas como transporte, hotel, e camarim. Tudo isso fora o cachê. Ou seja, as despesas vão além dos cachês milionários. 

E qual o problema ? A questão nessa forma de contratação é de que não há fiscalização específica, ou prestação de contas extras além das contas gerais do município. Com a falta de detalhamento nos pagamentos, é mais fácil de haver irregularidades na contratação ou no pagamento. Os Tribunais de Contas ou o Ministério Público podem questionar os gastos das prefeituras. 

 

Resumindo a ópera

O grande ponto que difere as duas formas de destinação de verbas públicas para a cultura é a transparência e o rigor do processo. Enquanto a Lei Rouanet oferece um processo criterioso, e que podemos acompanhar, a destinação de verba direta pelas prefeituras tem um caminho nebuloso e de difícil acompanhamento.

Devemos lembrar que NÃO é errado o investimento de dinheiro público em projetos de promoção cultural, seja por lei Rouanet ou destinação direta. Por isso, atenção aos políticos e artistas que criticam a lei Rouanet, alegando razões ideológicas e a famosa “mamata”. Desconfie de notícias que não explicam a destinação, e em caso de dúvidas, AGEMT Explica!

Em um contexto político instável, o futebol tem papel fundamental na defesa da democracia
por
Gustavo Pereira
Lucas G. Azevedo
|
08/06/2022 - 12h

 

As torcidas organizadas são grupos de apaixonados pelo futebol que buscam formas de apoiar sua equipe em conjunto. Porém, a união dos fanáticos vai além da esfera futebolística. 

Os coletivos historicamente envolveram-se em disputas relacionadas a causas sociais, como a luta contra o fascismo e a favor da democracia. Afinal, o esporte pode servir como meio de expor esses conflitos e de unir as pessoas em nome de uma causa.

Segundo o coordenador do curso de ciências sociais da PUC-SP e autor do livro “A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro”, José Paulo Florenzano, não é simples definir o fascismo e “hoje se usa muito essa expressão e de uma maneira às vezes excessiva e sem um rigor científico acadêmico”. Para o professor, “você tem a experiência do fascismo clássico na Itália, sobretudo, e depois na Alemanha que se define pela maneira como o estado é capturado por um projeto de poder, autoritário, hierárquico, centrado numa figura populista - isso fica muito bem exemplificado na figura do Mussolini - que procura estabelecer uma relação direta com a sociedade, portanto eliminando as instituições políticas e reprimindo as associações da sociedade”. “Ele se caracteriza sobretudo pela maneira violenta como se impõem na sociedade. Com perseguições, ameaças, torturas, eliminações físicas dos opositores”, conclui Florenzano.

O movimento fascista utilizou o esporte como propaganda em vários momentos da história. Na Alemanha, o Bayern de Munique carregava a suástica em seu emblema durante o governo de Hitler e na Itália a Lazio foi usada por Mussolini da mesma forma - ainda hoje há torcidas abertamente fascistas, mas o clube busca se afastar desse rótulo. Além disso, sintomas desse fascismo, foram sentidos na virada do século, com manifestações racistas e xenofóbicas constantes nos jogos do campeonato italiano. Algo que ainda é presente em estádios do mundo inteiro.

Assim como houve apoiadores, o esporte também participou ativamente na luta contra o fascismo. Durante a segunda guerra mundial, a Ucrânia foi invadida pelos nazistas e logo o futebol parou no país. Jogadores de algumas equipes acabaram trabalhando numa padaria e formaram o F.C. Start como forma de continuar jogando. Eles começaram a acumular vitórias e logo chamou a atenção dos alemães. Eles foram obrigados a jogar duas vezes contra um time formado por membros da força aérea germânica. Com duas vitórias (a segunda partida ficou conhecida como jogo da morte) aquela equipe é lembrada até os dias atuais como símbolo da luta contra o fascismo.

No Brasil, a democracia corintiana foi o movimento que enfrentou a ditadura militar durante os anos 80. O projeto durou dois anos e apoiou o direito de voto para presidente no país, além de modificar a gestão do clube (todo funcionário podia votar sobre decisões do time – com o mesmo peso). José Paulo comentou sobre o significado da democracia corinthiana: “Ter ao lado das forças que combatiam o regime militar uma equipe que simbolicamente, talvez seja a mais importante do país, um clube popular com visibilidade, projeção, engajamento dos atletas no movimento pelas diretas já, amplia a percepção social do quanto a democracia é importante, a ideia de que a democracia não é algo abstrato que está no parlamento, na universidade, no livro dos intelectuais”, foi de uma, “importância extraordinária, um capítulo marcante da história da redemocratização do país”.

Sócrates, um dos líderes do movimento da “democracia corinthiana” com o punho cerrado. - Divulgação/Twitter
Sócrates, um dos líderes do movimento da “democracia corinthiana” com o punho cerrado. Foto: Divulgação/Twitter

O movimento antifascista atualmente pode ser visto em clubes amadores. Esse movimento só cresce, com times e ligas em diversos estados do Brasil. Só em São Paulo são 15 times que se consideram antifascistas. Tais agremiações disputam campeonatos e buscam trazer para a “cena” futebolística ideais contrários à intolerância e autoritarismo. Danilo Heitor, fundador do time antifa “Autônomos”, falou sobre a importância do surgimento desses clubes: “Acredito que no momento que o Brasil atravessa, com o fascismo crescendo nos últimos anos, (jogar em um time antifa) vai para além da questão de tentar construir o futebol da forma como você enxerga o mundo. Mas sim de marcar posição em uma disputa política que se coloca no país”.

Diferente do que acontece nos campos de várzea, o futebol profissional deixa a desejar quando o assunto envolve causas sociais. Clubes e jogadores evitam entrar em assuntos referentes a esse tipo de disputa. É o que afirma o cientista social, “Os clubes estão muito aquém dessa função social [...] No que diz respeito ao combate a essa cultura da intolerância que envolve: xenofobia, racismo, sexismo, homofobia, intolerância religiosa e as múltiplas faces dessa cultura, há uma omissão, para não dizer cumplicidade”. Na visão dele os times deveriam, “promover esse debate nas torcidas e tentar esclarecê-las a respeito do que significa replicar a cultura da intolerância, que pode de repente se voltar contra elas próprias, que estão sendo instrumentalizadas por essa cultura”.

O Bahia tem se posicionado frente a essa realidade. O time nordestino tornou-se pioneiro ao ter um Núcleo de Ações Afirmativas. O projeto está focado em tratar de temas pouco debatidos no ambiente do futebol, como homofobia, racismo, machismo, entre outros.

Mesmo com a indiferença apresentada por muitas agremiações, as torcidas organizadas têm mostrado atitude para lutar pelas causas sociais. Em 2020, os fanáticos deixaram a rivalidade de lado para protestar contra a possibilidade de um novo golpe militar. Renato Daniel, membro da Palmeiras Antifascista falou sobre a criação desse protesto: “o ato das torcidas foi muito simbólico, porque nós vimos alguns grupos de torcedores se organizando para compor altos de direita e pessoas completamente ligadas com ideias de extrema-direita, neonazistas, carecas e afins. A gente viu essa galera se organizando e falamos ‘Mano temos que dar uma resposta’ se eles estão lá usando a camisa do nosso clube, se eles estão se organizando, a gente vai dar a cara também e vai organizar algo maior”. O protesto aconteceu em São Paulo e em mais 15 cidades em maio de 2020. A ação uniu torcidas organizadas de diferentes times em prol da democracia e para dissolver uma manifestação de apoiadores do presidente Bolsonaro que pediam a intervenção militar no país. 

Torcedores do Palmeiras antifascista no ato das torcidas. Foto: Acervo pessoal/ Renato Daniel
Torcedores do Palmeiras antifascista no ato das torcidas. Foto: Acervo pessoal/ Renato Daniel

O futebol surgiu como prática esportiva e em pouco tempo se tornou entretenimento. Porém, a história e a visibilidade que as instituições esportivas possuem mostra a importância do esporte como meio de combate a intolerância. "O futebol é uma ferramenta política também [...] olhar o futebol como uma ferramenta possível de construir outras relações sociais, construir outras didáticas populares" conclui Danilo.