Entenda como funciona a manipulação da extrema-direita que reacende sinal de alerta para 2026
por
Oliver de Souza Santiago
Rafael Pessoa
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15/04/2025 - 12h

O cenário político brasileiro tem apresentado um rumo preocupante nestes últimos anos. O aumento dos lobbies de outsiders como Elon Musk e Luciano Hang, somados com a polarização e diversas linhas ideológicas dos partidos nas redes sociais, tem alertado o Legislativo, Judiciário e o Executivo. O discurso de mudanças e urgências, baseado em instigar emoções como ódio, medo e esperança, tem fortalecido o crescimento de políticas extremistas.

No dia 6 de março, o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros políticos de sua base, como Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP), Eduardo Bolsonaro (PL/SP) e entre outros,  reuniram-se em Copacabana,  para manifestar o apoio à anistia para os crimes cometidos no atentado do dia 8 de janeiro de 2023. O evento teve a participação de 18,3 mil apoiadores, e apesar da derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022, a presença do poder de controle e manipulação do bolsonarismo se mantém presente. Afirmações sobre uma suposta manipulação do pleito eleitoral de 2022 e apoio à anistia para Bolsonaro, que está sendo investigado por envolvimento na trama golpista, foi um dos temas mais comentados.

A imagem acima retrata uma charge do ex-presidente Jair Bolsonaro no ato pró-Anistia, realizado em Copacabana
Charge sobre o protesto sobre o ato pró-Anistia para presos do 8 de janeiro em Copacabana. Foto/Reprodução: Rafael Pessoa (Agemt)

O que começou com o Movimento Passe Livre em 2013, para o atentado de 08 de janeiro de 2023, evidencia o uso de mecanismos de manipulação das massas na mídia ocidental. Veículos de comunicação como Jovem Pan, Brasil Paralelo e Revista Oeste, destacam-se por sua linguagem fácil para todos os públicos, alcance midiático e por propagação de fake news. Além do surgimento de figuras como o ex-presidente, Jair Bolsonaro, a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro, o deputado federal, Nikolas Ferreira, o vereador Lucas Pavanato e a vereadora Zoe Martinez, com todos sendo do mesmo partido: o Partido Liberal (PL). Os parlamentares são conhecidos nas redes sociais por sua comunicação intensiva com seus apoiadores e grande parte do eleitorado brasileiro.

Da esquerda para a direita: a vereadora, Zoe Martinez, o ex-presidente, Jair Bolsonaro, a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro e o vereador, Lucas Pavanato (Foto/Reprodução: instagram @zoebmartinez, instagram @lucaspavanato)
Da esquerda para a direita: a vereadora, Zoe Martinez, o ex-presidente, Jair Bolsonaro, a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro e o vereador, Lucas Pavanato (Foto/Reprodução: instagram @zoebmartinez, instagram @lucaspavanato)

Em entrevista exclusiva para a AGEMT, o influencer político Henrique Lopes, 25 anos, mestrando em Ciências Sociais na USP, explicou quais são os métodos utilizados em maioria pela extrema-direita. “[..] Dentro do universo das redes sociais hoje, principalmente quando você trabalha com política, é praticamente impossível fugir da questão emocional. Toda influência que você tem, e faz conteúdo, para poder influenciar alguma pessoa, tratando-se aqui no Brasil, somos um povo em que a emoção é mais aflorada. Há uma necessidade muito grande de comover alguém a ter algum sentimento. A extrema-direita consegue convencer facilmente com sentimentos negativos.”

“Gerando ódio nas pessoas, deixando elas assustadas, e trabalhando narrativas que se montam em cima desses sentimentos, é fácil conseguir que aquele que está te assistindo tenha a reação que o criador de conteúdo queira passar para o consumidor.”

 

Henrique relembrou sobre o caso da suposta taxação do pix, divulgada amplamente pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL), e apresentou quais argumentos são mais utilizados na propagação destes conteúdos: “Não é sobre defender a família, é colocar um temor na população de caso o outro lado ganhe, ele é inimigo. você precisa ter medo dele, porque senão a sua família vai ser destruída. Que a sua família vai acabar, não ter mais dinheiro para se manter, que todos vão passar fome e o Brasil virar uma Venezuela.”

“A questão do Pix, era o medo de ser vigiado e o governo pegar as suas informações e forçar o povo a pagar mais imposto. De onde ele (Nikolas) tirou essas informações? Ele inventou. O vídeo foi convincente o suficiente para ter 300 milhões de visualizações e muita gente acreditou. Então, são pautas delicadas. As pessoas têm um certo amor por aquilo. Amam a família delas, querem ter condições de comprar o que quiserem, morar no Brasil, e ter a liberdade de expressão. E aí, se eu ataco tudo isso de que o ‘outro lado’ irá destruir tudo o que você gosta, é bem substancial!”

Henrique também respondeu sobre os principais objetivos dos outsiders brasileiros e internacionais: priorizar o lucro próprio ou apoiar a ideologia que estão investindo. Seja por interesse próprio, ou às vezes, de alguém que está financiando aquilo.

Um desses que está super em alta agora, não é brasileiro, mas é um nome forte, é o Elon Musk. Ele faz toda aquela articulação em cima das políticas que acredita, porque ele tem interesses secundários. Um dos ataques ao Brasil que o bilionário fez, por exemplo, é porque uma mina de lítio, que ele tinha interesse, foi leiloada para a China.

Gesto de Elon Musk para apoiadores de Trump durante o desfile inaugural dentro da Capitol One Arena, em Washington, DC - ANGELA WEISS / AFP
Gesto de Elon Musk para apoiadores de Trump durante o desfile inaugural dentro da Capitol One Arena, em Washington, DC - ANGELA WEISS / AFP

Henrique também citou sobre o lobby político do agro, onde o representante desta indústria recebe o dinheiro, e beneficia este mercado no Legislativo, além de manter uma relação mútua onde ambos podem “sair felizes”.

Sobre os possíveis resultados desta manipulação, Henrique ressalta: “Hoje em dia, de um jeito bem grosso, parece que a esquerda eram ‘os caras legais’. Os anti-sistemas. O discurso foi tomado pela direita e extrema-direita, que hoje domina majoritariamente a internet.”

Relatório mostra a fatalidade das intervenções beirando o cotidiano dos jovens
por
Leticia Falaschi
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11/04/2025 - 12h

Na última quinta-feira (3) foi publicada a segunda edição do relatório As câmeras corporais na Polícia Militar no estado de São Paulo: Mudanças na política e impacto nas mortes de adolescentes, realizado pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O que se destacou no documento foi o aumento no número de vítimas fatais das intervenções policiais entre crianças e adolescentes: de 2022 para 2024 houve um salto de 120%. O estudo buscou explorar a origem desse salto e analisar sua relação com atual gestão do estado.  

O que mudou nos últimos dois anos, nos órgãos de segurança, foi o aumento de ataques aos programas de contenção de risco. Essas ofensivas tiveram força e apoio pois foram oriundas de representantes de altos cargos, como o atual governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública. A primeira edição do relatório, realizada em 2022, conseguiu acompanhar os números antes e depois da implementação das câmeras corporais nos policiais militares do estado. Os resultados foram esclarecedores: comparando dados de 2017 e 2022, houve uma queda de 66,3% nas mortes na faixa etária de 10 a 19 anos por autoria da polícia militar. Na publicação, a queda foi atribuída ao Programa Olho Vivo adotado pela PMESP e pela Secretaria de Segurança Pública no segundo semestre de 2020. 

gráfico de mortes causadas por intervenção policial em São Paulo de 2001 a 2024
Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

As crianças e adolescentes vítimas da ação truculenta da PM, registradas no ano passado, superaram o dobro do que foi contabilizado em 2022: saindo de 35 mortes para 77, entre elas, as negras são 3,7 vezes mais atingidas em intervenções letais. Segundo o relatório, a maioria das alterações no modo operante da PM diz respeito ao controle de força e punição dos responsáveis. Apesar do número de câmeras a disposição não ter diminuído, o uso não está sendo cumprido, e a quantidade de arquivos a serem consultados estão mais escassos. Além disso, a acessibilidade desses arquivos foi burocratizada: “Um levantamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, baseado em 457 solicitações de ocorrências entre julho e novembro de 2024, mostrou que a PMESP não forneceu resposta para 48,3% dos casos. No caso das ocorrências respondidas, em apenas 100 casos foi possível realizar a análise.” diz um trecho do estudo. 

O afrouxamento da Corregedoria da PMESP também foi fortemente sinalizado no relatório. Isso, somado às declarações de representantes do governo questionando a efetividade das câmeras parece ter encorajado os oficiais a abandonarem o uso. A Corregedoria também teve sua autonomia reduzida: agora, para realizar o afastamento de um oficial, a decisão será submetida à solicitação do um subcomandante geral. 

O governo assinou, em setembro de 2024, um contrato com a empresa Motorola para a compra de 12 mil novas câmeras, que substituirão as atuais. Porém, esse novo modelo apresenta alterações sensíveis: além das gravações não serem ininterruptas, o seu acionamento depende da decisão do policial que a usa. As inflexões do programa Olho Vivo são protagonistas nos resultados que assombram a juventude paulista. Apesar de representar apenas 0,6% do orçamento da Secretaria de Segurança, ao longo de 2023 o programa sofreu 37% de cortes do valor inicial de investimento. 

Tabela de princiais mudanças na gestão da Polícia Militar de SP - 2024 para 2025
Fonte: Unicef

No panorama geral, o relatório é alarmante para as crianças paulistas. As reformas questionáveis que insistem em ser realizadas pelos gestores, mesmo diante a eficiência das câmeras se traduzem em letalidade para os jovens do estado. “É importante destacar que 30,1% das mortes de crianças e adolescentes nos últimos oito anos foram provocadas por policiais militares durante a folga desses agentes, o que soma mais 316 vítimas. Em 2024, 1 em cada 4 mortes de adolescentes pela PMESP foi causada pela ação de policiais militares de folga, em ocorrências que não foram classificadas como homicídio doloso.”, expõe a investigação. 

Motoboys articularam-se em cidades por todo o Brasil exigindo melhores condições de trabalho
por
Leticia Falaschi
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07/04/2025 - 12h

Na última segunda-feira (31) motociclistas articulados pela Anea (Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativo) e outras associações, realizaram uma paralisação dos serviços como forma de protesto. O objetivo era reivindicar ajustes nas taxas e na remuneração, limites de distância para entregas feitas com bicicletas, conciliação do tempo diário de operação, entre outras demandas de trabalho. Com destaque para o ato na cidade de São Paulo, os manifestantes expuseram seu descontentamento com a desvalorização da categoria, que, principalmente na pandemia, foi vital para o funcionamento da vida nas cidades. A paralisação começou em frente ao estádio do Pacaembu, durante a manhã, seguiu para a Avenida Paulista e, ao final, se concentrou em frente à sede do IFood na cidade de Osasco, na zona oeste da região metropolitana. 

Entregadores no movimento na Av. Dos Autonomistas na cidade de Osasco, São Paulo.
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil 

Uma das principais exigências levantadas pelos motoboys foi o aumento da taxa das corridas, que hoje é de R$ 6,50. O que revolta muitos dos trabalhadores são os valores baixos oferecidos para um serviço de imensa demanda. Quando se trata do trabalho autônomo, a segurança e a saúde para exercer os serviços estão intrinsecamente ligados a remuneração. No Brasil, só no ano de 2024, foram 483 mortes no trânsito envolvendo motociclistas, segundo dados do DETRAN (Departamento Estadual de Trânsito). A realidade de boa parte dos motoqueiros, infelizmente, é escolher entre pagar as contas ou fazer a ajustes em suas motocicletas, o que acaba precarizando os trajetos do trabalhador e colocando sua segurança em risco.  

Em 2023, o Ministério do Trabalho criou um GT (grupo de trabalho) para discutir a regulamentação do trabalho por aplicativo, mas os termos propostos foram muito desvantajosos, segundo os motociclistas. Os motoristas de aplicativo (que levam passageiros, como os serviços oferecidos pela Uber), porém, aderiram às medidas, o que, segundo os motoboys, enfraqueceu o movimento. Desde então, o órgão prometeu um relatório com uma resposta aos motociclistas da categoria, o que nunca aconteceu: a discussão segue estagnada. Os breques acontecem desde 2020, e os resultados oferecidos até então pelo IFood (empresa que controla, hoje, cerca de 80% do mercado brasileiro de delivery) foi a alteração da taxa de R$ 6,00 para R$ 6,50 em 2022, depois disso não houve mais reajustes. Apesar de necessárias para impor as reivindicações de trabalho, as paralisações são difíceis de serem realizadas pois significam um dia a menos de captação para os motoboys. 

Manifestantes em frente à sede do IFood em Osasco, São Paulo
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil 

Entre os outros pedidos, estavam o aumento de R$ 1,50 para R$ 2,50 no pagamento por quilômetro percorrido nas corridas, limite de 3 quilômetros para entregas feitas por bicicletas e o pagamento de taxas separados por número de entregas, e não pelo número de corridas.  

Quando os manifestantes se concentraram em frente à sede do IFood, exigiram que o João Sabino, diretor de Políticas Públicas da empresa, saísse do estabelecimento para negociar com os líderes do movimento publicamente. O pedido foi negado, e diante a pressão, a empresa convocou nove representantes para entrarem e discutirem as demandas, mas nenhuma delas foi atendida. Como resultado, os motociclistas se dispersaram em clima de descontentamento. A paralisação seguiu por 48h. 

Supremo Tribunal Federal julga altos oficiais e políticos, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro
por
Manoella Marinho
Carolina Zaterka
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05/04/2025 - 12h

Nas eleições de 2022, o cenário político brasileiro foi marcado pela vitória de Luiz Inácio Lula da Silva sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em meio a esse contexto, a Procuradoria-Geral da República apresentou uma denúncia fundamentada em uma ampla gama de evidências, que vão desde manuscritos e arquivos digitais até planilhas e trocas de mensagens, acusando um esquema destinado a manter Bolsonaro no poder. De acordo com a acusação, tal grupo teria se empenhado em adotar medidas que minassem os pilares do Estado Democrático de Direito, configurando uma possível trama golpista.

No cerne do processo, o STF analisa a participação de um núcleo de altos oficiais militares e políticos, conhecido informalmente como “Núcleo 1’’. Entre os denunciados estão: Jair Bolsonaro, Almir Garnier Santos, Alexandre Ramagem, Anderson Torres, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Walter Braga Netto.

O ex-comandante da Marinha na gestão Bolsonaro, Almir Garnier, responde a seríssimas acusações devido a uma suposta conspiração de golpe de Estado. Ele foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República e está incluído no “inquérito do golpe”, instaurado após a pressão pública das eleições de 2022. A acusação afirmou que o então comandante da Marinha vinha discutindo com outros generais da reserva a elaboração de um plano de golpe, cujo cotidiano previa a execução de um atentado contra altas autoridades. Nesse plano, nos seus próprios termos, Garnier enfrentava a missão de assassinato do presidente eleito, do vice-presidente e de um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Ex-comandante da Marinha, almirante da reserva Almir Garnier Santos, durante programa A Voz do Brasil
Ex-comandante da Marinha, almirante da reserva Almir Garnier Santos, durante programa A Voz do Brasil/ Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil 

Em uma reunião realizada com Jair Bolsonaro, pouco após a derrota eleitoral, Garnier teria supostamente afirmado que suas tropas estavam prontas para agir, enquanto outros comandos militares haviam se recusado a aderir ao plano. Conversas interceptadas pela Polícia Federal mostram que Garnier estava disposto a mobilizar recursos militares e, assim, foi o único chefe das Forças Armadas a se opor, pela força, à posse do presidente eleito.

Em 26 de março de 2025, a Primeira Turma do STF admitiu a denúncia contra Garnier e seus corréus, tornando-o réu em um processo no qual, se condenado, cumprirá mais de 30 anos de prisão. Antes disso, sua carreira no Exército não foi marcada por escândalos especiais; no entanto, seu nome foi associado a investigações de organizações golpistas, e o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos atos de 8 de janeiro definiu motivos para acreditar que Garnier cometeu três crimes relacionados à intenção golpista. Outra notícia em torno do ex-comandante foi a contínua ocupação de um apartamento da Marinha após sua aposentadoria, o que levou a especulações e suspeitas sobre sua ação durante a transição.

No entanto, no mérito, a defesa de Garnier, encampada pelo advogado Demóstenes Torres, anteviu “nulidade absoluta” do processo, por ausência de justa causa, e “frágil prova” – classificando a denúncia como uma “grande mentira”. O que foi voto vencido na Corte no julgamento deste caso. Contudo, com base na manifestação do relator, ministro Alexandre de Moraes, os ministros da Suprema Corte entenderam que todos os elementos, relatos, mensagens e depoimentos autorizavam o prosseguimento, sobretudo mantendo a validade dos depoimentos da delação premiada de Mauro Cid.

Portanto, o processo vai agora para a fase de instrução, com as oitivas das testemunhas e a produção de novas provas. Nota-se, dessa forma, um julgamento de impacto político e institucional, o primeiro contra um ex-comandante militar desde a reabertura da redemocratização, por tentativa de ruptura democrática.

Posteriormente, Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro no início do mandato (2019–2022) e atualmente delator dos criminosos nas maiores acusações, atua como réu nas denúncias. Na medida em que a acusação o incluiu no “núcleo decisório” da conspiração, ele foi envolvido nas mesmas narrativas de crime organizado por armamento e atentado contra a ordem democrática, dentre outros. Em 2 de março de 2025, o STF também aceitou denúncia contra o acusado, consolidando-o como réu no processo do golpe.

Após defesa de Bolsonaro pedir a nulidade da delação, o advogado de Cid reforçou a integridade    do acordo.    Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Após defesa de Bolsonaro pedir a nulidade da delação, o advogado de Cid reforçou a integridade do acordo/ Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil 

Além da acusação de participar da tentativa de golpe, Mauro Cid está sob investigação por outros crimes graves. Uma das principais acusações diz respeito à fraude em cartões de vacinação da Covid-19. Ele foi preso pela Polícia Federal em maio de 2023 na Operação Venire, que investigava a fraude nos dados inseridos no sistema de vacinação do Ministério da Saúde. Cid está sendo acusado de liderar um grupo que falsificou os certificados de vacinação do próprio Bolsonaro, de sua filha e de outros assessores que, em seguida, foram utilizados para driblar as exigências sanitárias impostas a viajantes internacionais.

Outro crime investigado foi a comercialização de joias e presentes de alto valor roubados em feiras clandestinas de Cid, apreendidos de sua posse, que ele alega ter ganhado do ex-presidente da República, subtraídos do acervo presidencial de bens, com valor total em torno de 86 mil dólares.

Historicamente, Mauro Cid era visto como um fiel executor das ordens do ex-presidente. Ele havia ganhado a confiança do círculo bolsonarista e era chamado de “faz-tudo”. Apesar disso, assim que o governo caiu, seu nome passou a ser envolvido em uma série de esquemas controversos, que vão desde a participação em reuniões para discutir a invasão das urnas eletrônicas até os ilícitos envolvendo vacinação e patrimônio.

Em setembro de 2023, após alguns meses de investigação, ele fechou um acordo de delação premiada. Em seus depoimentos, Cid levou provas documentais e fez de sua fala um relato de base factual que traçou, procedimento a procedimento, cada passo que garantia a conexão de Bolsonaro com os crimes, incluindo a ordem para fazer cartões de vacina com mais doses do que a real e o envolvimento em tratativas para vender presentes oficiais dados ao presidente brasileiro.

Em seu primeiro dia de julgamento, Bolsonaro  acompanha julgamento no STF na primeira fila   Reprodução - TV Justiça
Em seu primeiro dia de julgamento, Bolsonaro  acompanha julgamento no STF na primeira fila./ Reprodução: TV Justiça

Seu papel como colaborador, apesar de resultar em benefícios da perspectiva do processo, foi cercado por dificuldades, exemplificadas pela referida prisão em março de 2024, após vazamento de áudios que implicavam sua coação para incriminar Bolsonaro. Enquanto isso, sua colaboração foi retida, mantendo-o uma peça vital do conjunto maior das investigações, que abrangem não apenas o golpe, mas também o falso processo de vacinação e a corrupção patrimonial.

Essa interposição peculiar, réu e testemunha ao mesmo tempo, intensifica os efeitos explosivos de suas apresentações, que quebraram o véu de segredo e jogaram luz nos detalhes das atividades ilícitas por trás do governo, além de acentuar a pressão legal abrangente sobre o ex-presidente e seus associados.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) avança nos julgamentos de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, também acusado de envolvimento no caso de golpe de Estado.

Anderson Torres responde a três crimes principais: Omissão nos atos de 8 de janeiro de 2023, posse de Minuta de Decreto para Estado de Defesa e disseminação de Conteúdo Golpista.

O advogado Eumar Roberto Novacki, defensor do réu, apresentou argumentos afirmando que não poderiam julgar Torres pelo atentado do dia 8 de janeiro pelo fato de ele não estar em território nacional no período do ocorrido. Além disso, afirmou que as provas encontradas em sua residência não comprovaram sua participação ativa no plano golpista, além de reiterar a desconsideração de mensagens que deveriam ser privadas e não necessariamente demonstrariam uma intenção criminosa.

A Procuradoria-Geral da República sustenta que a soma de elementos, aliada à postura passiva diante do golpe, à presença de um documento com teor anticonstitucional em sua casa e o incentivo a discursos antidemocráticos, revela uma justificativa de sua responsabilização penal.

Já o outro acusado, Paulo Sérgio Nogueira, também envolvido nos recentes atos, é acusado dos seguintes crimes: Participação em reuniões para planejar um golpe e pressão sobre comandantes militares.

Poder 360 Gustavo Moreno Sustentação oral do advogado de Paulo Sérgio Nogueira, Andrew Fernandes Farias (esq.), em julgamento da denúncia.
Sustentação oral do advogado de Paulo Sérgio Nogueira, Andrew Fernandes Farias (esq.), em julgamento da denúncia./ Foto: Gustavo Moreno/Poder 360

Porém, seu advogado de defesa, no momento do julgamento, afirmou que o réu teria sido um dos que se opuseram a um golpe de Estado e que apenas participou de reuniões onde se debatiam diferentes cenários políticos, baseando-se na delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que citou Paulo Sérgio como um dos militares contrários à tentativa de golpe. Andréa Fernandes Farias afirmou:

A aceitação das denúncias contra Anderson Torres, Paulo Sérgio Nogueira, Almir Garnier e Mauro Cid pelo STF representa um avanço na responsabilização de agentes que, direta ou indiretamente, contribuíram para o agravamento da crise democrática no Brasil, principalmente no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O caso reflete a tensão entre setores militares e a política institucional. Enquanto parte da cúpula das Forças Armadas tentou se distanciar dos acontecimentos, há registros de que militares de diferentes patentes se envolveram nos atos antidemocráticos. O STF está avaliando cada caso e os julgados aguardam resultado.

 

 

 

 

135 anos após o fim dos reis no Brasil, articuladores trazem pauta
por
Marcelo Barbosa Prado Filho
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26/03/2025 - 12h

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Congresso Nacional colocou em pauta uma proposta inusitada: a realização de um plebiscito para substituir o atual sistema presidencialista por uma monarquia parlamentarista.

A monarquia foi abolida no Brasil em 1889, quando Dom Pedro II foi deposto por um golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca. Sob intensa pressão política, Deodoro comandou a transição para a República, encerrando o período imperial.

Atualmente, os descendentes da antiga família real brasileira formam a chamada Casa Imperial do Brasil, que reúne os herdeiros de Dom Pedro II e tem raízes nas Casas de Bragança e Órleans. O atual chefe da Casa Imperial é o príncipe Bertrand de Órleans e Bragança.

Curiosamente, um dos entusiastas do tema dentro do Congresso é Luiz Philippe de Órleans e Bragança, tetraneto de Dom Pedro II e integrante do partido de Jair Bolsonaro, um ex-militar. A proposta, porém, não especifica quem assumiria o trono caso a monarquia fosse restaurada, nem detalha como funcionaria a estrutura desse governo.

Iniciativas semelhantes já ocorreram no Brasil. Em abril de 1993, um plebiscito decidiu entre presidencialismo, parlamentarismo e monarquia, resultando na manutenção do atual sistema presidencialista.

Apesar de estar em discussão no Senado, a proposta não partiu de parlamentares, mas sim da sociedade civil. Uma petição reuniu 29 mil assinaturas e foi encaminhada à CDH em 2024 por um cidadão identificado como "Ilgner A.", segundo apuração do jornal O Estado de S. Paulo.

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra de Jair Bolsonaro e atual presidente da CDH, foi a responsável por dar andamento ao tema. Segundo ela, a proposta estava paralisada até sua chegada à comissão. Em entrevista ao Estadão, Damares defendeu o debate:

"Uma iniciativa vinda da sociedade não pode ficar na gaveta. Nem que seja um 'não' bonito, tem que ser apreciado. Não é o presidente de uma comissão que decide o que deve ser discutido, é o plenário. Vamos colocar o assunto em debate. Por que não?"

Enquanto isso, pesquisas indicam que a principal preocupação dos brasileiros está voltada para temas como economia, saúde e segurança pública. Sob a óptica da professora de história da PUC-SP Yvone Dias Avelino, "não é possível a volta de uma monarquia. Os parlamentares da câmara preferem uma democracia e Damares não é um exemplo de uma política forte para conduzir essa ideia. A Europa, por exemplo, demonstra que as monarquias estão desaparecendo. No Brasil, não se ouviram os cidadãos brasileiros, não se ouviu o STF, não se ouviram os jornais, não se ouviram a câmara e o Senado. Ou seja, as instâncias políticas, jurídicas e sociais não foram consultadas. Os gastos ainda poderiam ser enormes.” Então, essa é uma pauta que eu acredito que não vai pra frente.” Segundo um levantamento da Quaest, a volta de uma monarquia poderia significar custos elevados para o país, a exemplo do Reino Unido, onde a manutenção da família real custou mais de 102 milhões de libras (aproximadamente R$ 650 milhões) aos cofres públicos apenas em 2021.

Caso a CDH aprove a proposta, ela seguirá para votação no Senado e, posteriormente, na Câmara dos Deputados. Se aprovada em ambas as casas, ainda dependerá da sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


 

A medida visa dar suporte e proteção a terras indígenas, que sofrem uma crise humanitária e invasões violentas de grupos garimpeiros.
por
Laura Celis
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06/04/2023 - 12h

Na última segunda-feira (3), o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou a medida provisória concedendo R$ 640 milhões que auxiliarão a proteção e resguarda de vidas indígenas. Segundo a atual presidente da Funai, Joenia Wapichana, o crédito será enviado principalmente para comunidades localizadas nos estados do Pará, Maranhão, Amazonas, Rondônia e Roraima,

 

A verba será dividida entre cinco órgãos governamentais: Funai - Fundação Nacional dos Povos Indígenas (R$ 146 milhões), Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (R$ 144,7 milhões), Ministério da Defesa (R$ 135,5 milhões), Ministério do Meio Ambiente (R$ 86,5 milhões) e o Ministério da Justiça e Segurança Publica (R$ 126,7 milhões). A MP ainda será analisada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

 

No início deste ano, o Brasil viu um dos maiores escândalos de descaso com a população indígena, em especial, a comunidade Yanomami. A omissão do estado sobre o garimpo ilegal em regiões indígenas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro foi registrada em janeiro.

Por conta da crise, a região foi colocada em estado de emergência por 90 dias, com início em 20 de janeiro. Ela teve como objetivo a expulsão dos garimpeiros ilegais e cuidados com os indígenas, principalmente aqueles que apresentam subnutrição, doenças (como malária e viroses) e risco de vida.

Com a apresentação do estado de saúde e da situação real das comunidades indígenas, o Governo Federal está buscando auxiliá-las com verbas e assistências de todos os tipos.

A Funai

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que receberá a maior verba, foi criada em 5 de dezembro de 1967 e é vinculada ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Segundo informações oficiais do Governo Federal, "Cabe à Funai promover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas. A Funai também coordena e implementa as políticas de proteção aos povos isolados e recém-contatados”, que é justamente a ideia que o estado promove com a implantação do crédito especial. Esse segmento ainda promove o desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas, promovendo ações que enfraquecem os impactos ambientais causados por interferências não programadas.

Outros ministérios

Os outros ministérios que farão parte do crédito especial estão responsáveis pela distribuição de alimentos em prol do combate à fome, fiscalização das terras indígenas e da invasão do garimpo ilegal. Além disso, serão responsáveis pela cobertura de outros gastos, como deslocamento de oficiais até os respectivos estados. A decisão foi assinada pelo presidente Lula e tomada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luís Roberto Barroso, na proteção das comunidades indígenas.

As manifestações contra a reforma do judiciário acendeu o debate acerca do estado desigual, especialmente na relação entre israelenses e palestinos
por
Carolina Rouchou
Maria Luiza Araújo
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06/04/2023 - 12h

Há três meses as ruas de Israel vem sendo preenchidas por manifestações, que chegaram a reunir mais de 160 mil pessoas, contrárias à reforma do judiciário proposta pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. O que inicialmente parecia somente revelar o uso de mecanismos políticos para a manutenção irregular do poder do primeiro-ministro, coloca em pauta no cenário mundial a luta identitária dentro do país e seus níveis desiguais de força. 

  Desde 2019 Israel enfrenta uma crise política sem precedentes. Com cinco governos nos últimos quatro anos, o país apresenta dificuldades para se organizar. As últimas eleições em novembro de 2022, que reelegeram Netanyahu, conhecido também por Bibi, acalmaram a mídia e o público, mas no início de 2023 o governo propôs uma reforma jurídica que gerou revolta. 

  A reforma visa limitar o poder da Suprema Corte de Israel, aumentando as possibilidades de ação da Assembleia legislativa do país, o Knesset. Para muitos, essa medida ameaça a democracia israelense.

Para o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Bruno Huberman, por trás da reforma do judiciário existe a tentativa de se "minorar" o principal contraponto ao parlamentarismo presente no país.

Ameaça à democracia

Caso a reforma seja aprovada, o Suprema Corte deIsrael ficará impedida de revisar ou vetar leis do parlamento que, por sua vez, poderá alterar decisões do tribunal e ganhará mais relevância na hora de nomear os juízes do país, inclusive os da Suprema Corte. A problemática por trás dessa reforma é que a Suprema Corte é responsável por impor limites ao poder legislativo, aspecto substancial para a sobrevivência da democracia israelense. Logo, se não houver ninguém para dividir o poder com o Knesset, o país ficará em vias de se tornar uma ditadura.

Dentro desse panorama, a reforma do judiciário na política israelense serve como uma clara exemplificação de como a democracia pode enfraquecer aos poucos, inclusive, a partir do uso de mecanismos legais para a manutenção, forçada, de políticos no poder.  E nesse sentido, o ponto de ruptura dentro da democracia em Israel aconteceria justamente por meio da “diminuição dos instrumentos democráticos, como os de freios e contrapesos, existentes para a população israelense judaica”, elucida Huberman.

Início da crise

 A última eleição do Knesset aconteceu em novembro de 2022. Ela trouxe de volta Netanyahu ao poder e inaugurou seu mandato apontando políticos de extrema-direita para alguns dos cargos mais importantes do gabinete, incluindo ministro das Relações Exteriores, ministro da Defesa e ministro da Justiça. 

   Essa configuração facilitou a criação da reforma judicial, protagonista da atual crise política. A reforma judicial visa implementar medidas para fortalecer o poder do Knesset, diminuindo a autoridade da Suprema Corte. 

 A opinião pública entende que o ministro está se aproveitando da situação para fugir das acusações de corrupção, mas seus aliados o defendem dizendo que Bibi está apenas representando o povo, que deu seu aval nas urnas ao elegê-lo.

Israelense X Palestinos

Um dos pontos críticos deflagrados após o início das manifestações e a consequente visibilidade da cobertura midiática sobre o conflito vivido no país é acerca da crise identitária que se arrasta a anos em Israel. Muito embora a “visão ocidental” acredite que Israel seja uma democracia, existe internamente uma questão central sobre um Estado que foi historicamente “construído pelos israelenses judeus para os israelenses judeus”, alega Huberman.

   Para a brasileira Vera Metzner, que recentemente se tornou cidadã israelense, os resultados da última eleição parlamentar ilustram a polarização ideológica presente e afirma que é contrária às decisões do ministro. “O que está acontecendo é bem assustador, eu participo dos protestos pois não me sinto representada por esse governo e suas decisões. As medidas de Bibi me agridem, agridem as pessoas em volta de mim, os palestinos e os direitos humanos. Eu me sinto completamente ameaçada e desrespeitada”. 

E o sentimento compartilhado por Metzner é comum há muito tempo a parcela da população palestina. O professor Huberman pontua que essa desigualdade governamental está inserida no país há anos,  se sobrepondo diretamente a um apartheid etnico, no qual existe uma democracia para os israelenses judeus e “um estado de exceção, colonial, segregacionista para os palestinos, em diferentes níveis”. 

Durante os mandatos

 

Linha do tempo dos principais momentos do primeiro-ministro na política- Infográfico: Carolina Rouchou

Em 2016, as acusações de corrupção contra Netanyahu desencadearam a perda da confiança de seus eleitores e de apoiadores políticos. Já em 2018, o primeiro-ministro arriscou sua aliança com o líder do partido Yisrael Beiteinu e então ministro de defesa, Avigdor Lieberman. 

  Um projeto de lei que visava tornar obrigatória a participação de judeus Haredi (judeus ultra-ortodoxos dedicados aos estudos dos textos sagrados) nas forças armadas de Israel deu início às divergências. O premier se opôs, pois buscava fortalecer novas alianças com partidos religiosos de ultra-direita, mas essa decisão afastou Lieberman. 

   Este projeto continuou sendo razão para polêmicas e acabou dissolvendo a estrutura do Knesset eleito. O que seguiu foram repetidas tentativas de estabelecer coligações fortes o suficiente para eleger um primeiro-ministro, todas falhas. 

Netanyahu não estava disposto a abrir mão de seu poder. Nos últimos quatro anos fez o que pôde para barrar decisões que pudessem removê-lo do jogo político e em troca, arruinou a estabilidade política e econômica de Israel. 

Revogação 

  Os protestos contra a reforma judicial, por hora, foram suficientes para Bibi remarcar a data de decisão para depois do recesso de Pessach, feriado judaico que se encerra dia 13 de Abril.

 Apesar de ter ganhado tempo, isso não expandiu o leque de opções de Netanyahu. Visto que, seja no início ou metade do ano, o primeiro-ministro terá que pôr em prática suas habilidades de negociação para evitar mais uma dissolução do Knesset. 

 Se negar a reforma, Bibi perderá muitos aliados em sua coligação, decisão que pode ser fatal para seu governo perder a maioria na Assembleia. Se aprovado, irá intensificar a crise social, política e econômica em que o país se encontra. Ainda assim, o premiê já deixou claro que não irá desistir.

Déficit habitacional e grande número de moradias irregulares em SP faz câmara criar Comissão de Habitação, Desenvolvimento e Reforma Urbana
por
Luísa Ayres
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05/04/2023 - 12h

De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do estado de São Paulo, na capital paulista existe hoje a carência de 1,6 milhões de moradias, além de outras 3,19 milhões consideradas inadequadas. O desajuste se dá pela localização em áreas de risco, necessidade de reforma, ampliação ou regularização.  

Diante da urgência do tema, o Plenário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), aprovou ontem à noite, 4 de abril, a criação da Comissão de Habitação, Desenvolvimento e Reforma Urbana.  

Mas o que faz uma comissão? 

Como explica a própria ALESP, “as Comissões são órgãos técnicos compostos por grupos de onze ou treze parlamentares, por períodos de dois anos, e têm a incumbência de discutir e apreciar projetos de lei, emendas e outras proposições, antes da votação em Plenário; convidar ou convocar autoridades para prestar esclarecimentos e realizar audiências públicas”.  

A Comissão de Habitação tem como responsabilidade estudar, monitorar e debater questões relacionadas à moradia no estado de São Paulo. Essa iniciativa tem como objetivo avaliar e implementar políticas públicas para melhorar a qualidade de vida da população, fornecendo moradias de qualidade. 

Moradia é direito 

A região metropolitana da capital do estado é a mais carente de moradias dignas. No último Censo sobre a população de rua, depreendeu-se que cerca de 50.000 pessoas vivem em situação de completa vulnerabilidade social longe de um lar. Além disso, conforme a própria Prefeitura da cidade de São Paulo, apesar de ser a cidade mais rica da América Latina, ainda é uma das metrópoles com maior número de moradias irregulares.  

"Eu sempre achei um absurdo, com tantas demandas na área da Habitação no Estado de São Paulo, a Casa (ALESP) não ter uma comissão específica sobre o tema", afirmou o deputado Jorge do Carmo (PT), que demonstrou interesse em fazer parte do grupo. 

A deputada Ediane Maria (PSOL) também se mostrou preocupada com a temática, pedindo uma salva de palmas para todos que resistiram. “Agora, finalmente, vamos discutir Habitação aqui. A dignidade começa com uma habitação de qualidade", exclamou.  

Em entrevista à AGEMT, Geni Monteiro, ativista e militante da Frente de Luta Por Moradia (FLM) pontua que a luta por habitação, apesar de fundamental, é apenas o primeiro passo de uma causa muito maior. “Esse problema (a falta de moradia) evidencia a profundidade da desigualdade social, da pobreza e da concentração de renda, em que a luta por direitos mais básicos, como a moradia, é apenas o começo da mudança de todo esse sistema”.  

O direito à moradia digna é dever do Estado, assegurado pela Emenda Constitucional nº 26, de 14/02/2000, vem expresso no artigo 6º, caput, da Constituição Federal.  

FLM
Ocupação da FLM na zona norte de São Paulo / Foto: Reprodução própria.  

 

Com três meses de governo, a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a menor registrada quando comparada com seus mandatos anteriores
por
Beatriz Brascioli
Isabelle Maieru
Laura Teixeira
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04/04/2023 - 12h

 

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em evento realizado no Palácio do Planalto - Foto: Reprodução/ Folha-Uol

O Instituto Datafolha divulgou, nesta segunda-feira (3), a primeira pesquisa de popularidade do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo o instituto, Lula, que está em seu terceiro mandato, tem 38% de aprovação. Essa é a menor porcentagem se comparada com o seu primeiro mandato, em 2003, quando recebeu 43% e 48% no segundo, em 2007.

A pesquisa foi realizada com 2.028 pessoas entre os dias 29 e 30 de março. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

Gráfico comparando as pesquisas dos outros mandatos do Presidente Lula (2003, 2007, 2023) 

Com 29% de reprovação da população brasileira, o resultado assemelha-se ao ex-presidente Jair Bolsonaro com noventa dias de governo, que teve o pior desempenho de popularidade desde a redemocratização, com 30% de desaprovação. Os dados revelados na pesquisa desta semana mostram o reflexo de uma rachadura que se intensificou no período eleitoral, marcado por uma polarização política e uma disputa acirrada e que deu a vitória à Lula por uma pequena diferença percentual. 

Comparação do nível de rejeição no primeiro mandato do atual presidente (Lula) e o ex-presidente (Bolsonaro)

Segundo o Datafolha, sua maior aprovação pode ser notada entre os eleitores nordestinos e que pertencem a uma classe social menor ou os mais jovens, enquanto boa parte de seu 29% de rejeição vêm de sulistas, pessoas que possuem uma melhor condição econômica e os evangélicos. Outros 30% consideram seu governo regular até o momento e 3% não souberam responder. 

Ainda de acordo com a pesquisa, 51% das pessoas afirmam que até o momento, o presidente fez menos do que esperavam e 61% acreditam que ele agiu mal ao trocar cargos por apoio no congresso, novamente, a prática foi mais criticada por aqueles que recebem mais de cinco salários mínimos. A maioria dos entrevistados acham que a política do ‘toma lá, dá cá’ é péssima. 

Além disso, 26% acreditam que a situação econômica do país tende a piorar ainda mais nos próximos meses, havendo também uma queda de 3% nos que acreditavam que a economia iria melhorar em uma pesquisa realizada anteriormente.  

Apesar dessa primeira pesquisa do terceiro mandato registrar sua pior performance em início de mandato, 50% acreditam que até o final, o governo de Lula será ótimo ou bom. 

Questionados sobre os temas que acreditam ser prioridade durante este governo, estão a saúde, a educação e o desemprego como os mais bem colocados e 16% acreditam que até o momento, seu melhor desempenho foi na causa dos povos indígenas. Enquanto isso, a maioria afirma que seu pior desempenho foi na economia, onde 44% acreditam que o desemprego vai aumentar e 54% que a inflação tende a aumentar. 

O que esses números significam?

Os números mostrados pelo Datafolha possuem algumas interpretações. Em entrevista ao podcast “Café da Manhã”, Eduardo Scolese, editor de política da Folha, afirmou que mesmo que seja apenas o retrato de 90 dias de governo há alguns pontos que Lula deve rever. Ao haver uma mudança de governos há certa expectativa sobre uma melhora a mais curto prazo na qualidade de vida da população, fato que não ocorreu. Além disso, o atual presidente teve mandatos anteriores bem avaliados o que também nutre uma expectativa que quando não é suprida pode resultar em uma maior rejeição.

Outro ponto levantado na entrevista é que quando Lula assumiu o governo federal nos anos de 2003 e 2007 não havia um contexto de polarização política como há  no cenário de 2023, em que  tem uma onda bolsonarista como oposição e, principalmente, diversas denúncias feitas na lava jato anos atrás contra o atual presidente. Mesmo que a investigação seja alvo de críticas, grande parte da população ainda a considera relevante. Tais pontos ajudam a um questionamento na capacidade do atual presidente, o que também pode ter colaborado para números mais baixos.

Por fim, a economia é um ponto delicado para a população. Como foi dito anteriormente, uma transição de governo gera expectativas que não foram supridas. Diversas famílias continuam em dívidas causadas pelo cartão de crédito, não houve um controle de inflação, um aumento do salário mínimo e ainda ocorreu um aumento no preço da gasolina. Pontos que somados podem ter causado uma frustração de seu eleitorado.

Atividade existe desde 1995 no Brasil e hoje conta com grande popularidade e apoio político
por
Artur dos Santos
Guilherme Timpanaro Gastaldi
|
04/04/2023 - 12h

O manejo e controle do javali no Brasil, em razão do aumento de sua distribuição pelo território nacional, foi oficialmente autorizado pelo Ibama no ano de 2013. Além do aumento, a espécie invasora é considerada uma ameaça ao ecossistema brasileiro e é classificada como uma das cem piores espécies exóticas do mundo pela União Internacional de Conservação da Natureza.

Em 2023, os relatos de invasão de javalis e javaporcos triplicaram no Brasil em comparação a 2013, colocando mais uma vez holofotes sobre a questão. A pauta de Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs), embora tenha ganhado popularidade recentemente, não é um projeto novo e, desde 1995 existe no país. A comunidade de caçadores e controladores notou crescimento e incentivo consideráveis nos últimos anos a ponto do número de CACs chegar a 673.818 em 2022. Nesse mesmo ano, foram compradas 36.276.913 munições (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) por caçadores e atiradores desportivos. 

Além de instrumentos normativos (Decretos) que facilitaram o acesso a armamentos e ao registro para a caça, a comunidade vem recebendo apoio de Deputados Estaduais e Federais que lutam pela disseminação e legalidade da atividade. Dentro da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), por exemplo, está em trânsito a PL 228 2022 da “Rota Turística do Tiro”, que visa incentivar e popularizar a atividade e o turismo de armas. A comunidade é marcada por uma união e coesão de ações como a campanha de recadastramento de armas.

 

A entrada do javali no Brasil

A espécie Sus Scrofa (Javali) foi introduzida no Brasil na década de 1960 por uma migração de varas (grupos de porcos) do Uruguai causada por um período de seca. Desde então, se expandiu pelo país de maneira a ocupar cerca de 17,6% do território em 2016 (Ibama), além de estar em todos os biomas do país, exceto a Amazônia. À época, era estimada uma expansão de 143,2 km² ao ano.

A invasão dessa espécie exótica no país ocorreu de maneira acelerada. Segundo o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali (Sus Scrofa) no Brasil publicado em 2017 pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, a “expansão do javali em território nacional a partir dos anos 2000 não condiz com a capacidade biológica de dispersão da espécie nem com o histórico das populações de porcos asselvajados existentes há décadas no país”. 

O monitoramento da espécie apresentado no estudo também aponta que houve “saltos geográficos” observados nas populações de Javali nos quais essas começam a povoar áreas geográficas que não tinham contato umas com as outras - denunciando envolvimento de ações humanas na disseminação do animal em território nacional.

 

Mapa: Reprodução Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali (Sus Scrofa) no Brasil
Mapa: Reprodução Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali (Sus Scrofa) no Brasil  

 

O Governo Federal vem controlando a Sus Scrofa por meio de ação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) desde 1995, quando foi liberado o abate experimental do Javali no Rio Grande do Sul. Neste ano, 26 Javalis foram abatidos em 3 meses e, desde então, experimentos quanto à atividade foram realizados em diversos estados do país, passando pela liberação parcial, com acompanhamento, sem arma de fogo, entre outras.

 

Danos Ambientais

A Sus Scrofa é responsável por danos em lavouras e biomas brasileiros. Um Cachaço, gíria que caracteriza um Javali adulto, pode chegar a mais de 1,70 m de comprimento por 90 cm de altura, pesando cerca de 130 kg.

Em 2017, o Ibama estimou que esses animais se reproduzissem durante o ano todo com gestações de três meses. Por se alimentarem de pequenos animais, destruírem lavouras, serem reservatório de doenças e desregularem ecossistemas, são vistos pelo Governo Federal como espécie invasora prejudicial à fauna brasileira.

Michel dos Santos Pinto, veterinário e estudante de pós-graduação da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP) Araçatuba, trabalha com o acompanhamento de grupos de controladores para a coleta de vísceras, couro e crânio dos Javalis abatidos em campo para monitorar e mapear as doenças encontradas nesses animais. 

Em entrevista à equipe da AGEMT, Michel detalhou os procedimentos da coleta e do estudo dividido em “três tempos”. A primeira parte do trabalho envolve a medição do animal,  colheita do sangue, das vísceras, do couro e do crânio: “pego o couro e a cabeça; tudo que eles [controladores] descartam”. A segunda parte é a fase da necrópsia e a terceira, análise nos laboratórios no Setor de Patologia da UNESP na qual são analisados parasitas e agentes patogênicos encontrados nos animais. 

 

Michel dos Santos usando equipamentos do laboratório.
Michel dos Santos, UNESP Araçatuba, realizando procedimentos no laboratório.

 

Por dentro do Controle e da Caça

Por não ser algo novo, a caça ao Javali é realizada de certos modos e utiliza técnicas definidas para a maior efetividade do abate que também garantem a maior segurança do caçador controlador. Michel dos Santos acompanha controladores realizando a coleta e a análise de carcaças de javalis, investigando possíveis agentes parasitários na espécie. Além de trabalhar com as questões de saúde, Michel detalhou os principais procedimentos de um dia normal de caça.

Para atuarem, os controladores se dirigem ao local designado através de queixas realizadas por proprietários de terra que estiverem com problemas relacionados a javalis. Tanto os caçadores quanto a propriedade devem estar registrados no Ibama para a autorização da caça (caçadores também devem ter o Certificado de Registro tirado no exército).

As pessoas que realizam o controle estão no ramo por hobby, ou seja, fazem parte de um grande movimento voluntário e atuam desde os estágios iniciais da liberação da caça. Para  Rafael Salerno, presidente da Associação Nacional de Caçadores, o fato da atividade ser um hobby evidencia que este é o “maior movimento voluntário pró meio ambiente do Brasil”.

Por realizarem a caça há muitos anos, os controladores são amplamente conhecidos e têm contatos com proprietários de terra, o que facilita a divulgação boca a boca do serviço prestado. Com esse contato, a população local já sabe que, quando precisar de qualquer coisa, eles estarão ali: “eles vão aonde tem porco”, afirma Michel à reportagem. Como alguns caçadores atuam na área há mais de 15 anos, o conhecimento que possuem é grande. Segundo Michel, o conhecimento que eles têm são “experiências que não estão em livros”.

As operações ocorrem tanto de dia como de noite e os procedimentos são diferentes em ambas as ocasiões. De dia, os controladores se dirigem aos locais em grupos de sete/oito pessoas. Nesse cenário, o uso de cachorros é extremamente comum. Esses, agindo em bando, são trajados de coletes de couro e coleiras de rastreamento. Além das ferramentas, o faro natural dos cães é de extrema importância, sendo fundamental até mesmo para a segurança própria deles. Ao entrarem em contato com os javalis, os animais acabam se expondo a um certo risco de saúde e, por isso, Michel atua também no suporte à conscientização sobre as doenças que podem afetar os cachorros.

Os cães podem ser divididos em dois grupos diferentes: os pegadores e os acuadores. Os nomes são auto-explicativos: os pegadores, que atuam em sua maioria em duplas, têm como função agarrar os javalis e têm como principal característica a pegada na cervical que imobiliza o javali. 

Os acuadores ajudam acuando e afastando os javalis que acabam ou evacuando as lavouras e as plantações ou correndo aos caçadores que realizam o abate. Os principais tipos de cachorros usados são os americanos, pit-bulls e os s.r.d (sem raça definida ou vira-lata) e o treinamento dos animais é imprescindível, sendo muitas das vezes até mais importante do que a raça em si dos cães.

De noite, a situação é diferente. Ao contrário da manhã, os grupos são mais “intimistas”, com três / quatro pessoas por requererem uma tranquilidade e uma paciência maior - até por demorarem mais tempo do que as matutinas. Além disso, não há o uso de cães e, para compensar a perda da visão obtida através dos cachorros, é comum o uso de lunetas térmicas nas armas dos controladores, capazes de observar animais a 500 / 600 m de distância no escuro.

 

Imagem de drone com câmera térmica de um cachorro perseguindo um javali.
Cachorro perseguindo javali pela visão de um drone com câmera térmica (Reprodução | Instagram: @samurai_cacador)

 

Além da atenção redobrada por se tratar de um ambiente escuro, é importante lembrar que o javali é um animal de hábito noturno e que consegue se esconder facilmente. Isso porque, nas épocas de chuva, as lavouras de soja, cana e principalmente milho ficam muito altas, oferecendo, assim, esconderijo aos javalis, que em um mesmo lugar possuem abrigo, comida e água das poças, tornando ainda mais difícil a tarefa dos controladores de retirar esses animais dessas áreas.

 

Tabel Gráfica - Javalis Abatidos (SIMAF/IBAMA 2019 e 2020)
Número de javalis abatidos por mês e ano conforme relatórios de controle de javalis (SIMAF/IBAMA 2019 e 2020).

 

A caça, segundo registros do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do SIMAF (Sistema de Informação de Manejo e Fauna) é o meio mais efetivo para o controle da população de javalis. Segundo os levantamentos do SIMAF e IBAMA, entre 2019 e 2020 (publicados em 11/01/2021), foram abatidos 104.545 javalis. 

 

Políticas Armamentistas

A modalidade de controle das populações de javali com o uso de armas de fogo é a que mais vem crescendo no Brasil. Segundo Rafael Salerno, presidente da Associação Nacional de Caçadores: “o crescimento do número de caçadores que hoje fazem esse controle de forma voluntária sofreu um estímulo de crescimento muito grande. Independente de questões de governo, esse crescimento era necessário para enfrentar essa expansão da praga que é o javali”

Durante os últimos anos (período ao qual Salerno se refere), o Governo Federal implementou mais de 50 Decretos que flexibilizaram o controle e o acesso a armas e munições por parte da população, além de terem facilitado a questão do porte de armas - que até então era menos concedido às pessoas registradas que, caso quisessem transportar armas de fogo, deveriam fazê-lo desmontadas. 

“Foram criando uma série de instrumentos normativos legais que permitiram que mais pessoas conseguissem licenças e que mais tipos de armamentos fossem disponibilizados para essa população”, afirma Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em entrevista à equipe de reportagem. 

Quanto ao aumento dos registros de Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs) nos últimos anos, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública fez um levantamento que aponta que em 2022 houve um total de 673.818 emissões de Certificado de Registro (CR) de armas de fogo ativo. Desses, 175.075 se encontram na Região Militar de São Paulo. 

 

Regiões Militares de SP; PR e SC; DF, GO, TO e Triângulo Mineiro; e RS são as que registraram mais CRs no país.
Regiões Militares de SP; PR e SC; DF, GO, TO e Triângulo Mineiro; e RS são as que registraram mais CRs no país. (Gráfico: Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022)

 

De 2005 a 2022, houve um aumento de 4.936% no número de CRs registrados no país. Segundo o mesmo levantamento feito pelo Fórum, em 2022 havia o registro ativo de 1.781.590 armas no SIGMA (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), órgão ao qual compete o registro de Caçadores. Dessas, 99.446 foram registradas por Caçadores propriamente ditos.

No início de 2023, o atual Governo Federal anunciou o Decreto de nº 11.366 como medida de desarmamento da população. Este não tem a capacidade de tirar de circulação as armas adquiridas até o momento, mas tem de suspender a concessão de novos registros de clubes de tiro, restringir os quantitativos de aquisição de armas e munições de uso restrito por caçadores, dentre outras. 

Em resposta ao Decreto - que também marcou o período de recadastramento dos armamentos -, houve uma movimentação significativa da comunidade de caçadores na atividade de recadastramento das armas. Até o momento, o número de recadastramento (613 mil) corresponde a mais de 80% das armas registradas por CACs (762 mil). Os números divulgados pelo Ministério da Justiça divergem dos levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no ano de 2022.

A comunidade de caçadores e controladores de javali foi diretamente afetada pelas medidas do Decreto. Para o presidente da Associação Nacional de Caçadores, Rafael Salerno, a restrição de calibres mais pesados pela medida normativa representa um problema ao caçador e ao próprio animal abatido. 

"Houve uma suspensão de calibres restritos. O que quer dizer isso? A gente tem que lembrar que o javali é animal de grande porte; animal perigoso, inclusive. Então, quanto maior o calibre, mais efetivo pode ser o abate. Isso é bom pra segurança do caçador e é bom também que o abate é mais limpo, mais efetivo”, afirma.

Para outros caçadores e controladores entrevistados pela reportagem, as medidas de desarmamento e restrição de calibres também não foram positivas. Segundo os relatos, calibres mais fracos e de menor alcance são menos efetivos. Para Samurai Caçador, vereador de Monte Azul Paulista pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), “não existe um calibre inadequado, existe um calibre usado de forma inadequada”.

Ainda sobre o uso inadequado, Samurai comenta que “se você pegar, por exemplo, uma calibre doze e efetivar um tiro a 100 metros, vai ter uma uma ineficácia. (...)  Ela é um calibre efetivo até 20, 30 metros.  Nós temos que usar calibres que realmente façam um manejo humanizado e racional. Quando você vai abater, você tem que abater o mais rápido possível, usar calibres fortes. Eu tenho que saber qual calibre necessário para se utilizar. O calibre mais forte vai cumprir melhor o seu desempenho. Eu sempre digo que é melhor sobrar do que faltar”, conclui. 

O aumento de emissão de CRs - e do incentivo à aquisição de armas em geral - acarretou em uma alta na importação de armas no Brasil. Consequentemente, os preços reduziram e o acesso a elas aumentou. Um rifle AR-15, por exemplo, antes comercializado na faixa de R$ 60 mil reais, chegou a custar R$ 15 mil. 

 

Quantidade de cartuchos de munição vendidos no mercado nacional, por segmento de compra, ns. Absolutos
Em 2021, foram registrados mais de 36 milhões de cartuchos de munição para Atiradores desportivos e caçadores. (Gráfico: Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022)

 

As políticas armamentistas, entretanto, não facilitam apenas a aquisição de armas; agem sobre munições também. Segundo o levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram compradas 393.417.048 munições no ano de 2022. Dessas, cerca de 36.276.913 foram adquiridas por caçadores e atiradores desportivos.

 

Popularidade e Apoio Político

A popularidade da caça e controle do javali não vem apenas de políticas realizadas dentro das Câmaras e instituições. Hoje em dia, caçadores e controladores de javali formam comunidades e grupos online que mostram a efetividade e capacidade de atuação em grupo que esse público tem.

Grupos e perfis nas redes sociais representam uma boa parcela do apoio que a comunidade de caçadores e manejadores recebe. Essas contas  compartilham dicas; registros de caçadas e javalis abatidos; além da venda de equipamentos, como é o caso de contas como as do Samurai Caçador e Aqui tem Javali, no instagram, e Canil do Caçador, no youtube. 

A caça ao javali com o uso de armas de fogo também conta com apoio de deputados como Lucas Bove (PL), Gil Diniz (PL), Castello Branco (PL) e Itamar Borges (MDB), entre outros, para o avanço das pautas dentro de Casas como a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) a nível estadual, e Câmara dos Deputados, a nível nacional.

Sobre o apoio recebido por Deputados nas Câmaras, Samurai Caçador analisa que “[formar uma] bancada é muito difícil… apoio sim, de deputados armamentistas, que estão conscientes da necessidade do manejo para conter a praga”.

Dentro da política, a comunidade de caçadores e controladores de Javali vê em medidas que reduzem impostos, burocracias e criem insumos, uma ajuda para o aumento da popularidade e adesão à prática. O trabalho de conscientização também é importante. Segundo Samurai Caçador:

“Conscientizar as novas gerações, sendo através de palestras em escolas, faculdades, vai fazer com que você tenha um ‘estourar da bolha’ para que as pessoas entendam a real necessidade do incentivo do manejo”.

Michel dos Santos comenta que conscientizar vai além da importância do manejo. Para o veterinário, a conscientização quanto à questão do Javali chega ao assunto de saúde e das doenças que esse animal pode transmitir.

Samurai completa: “primeiro, tirar um pouco da burocracia, principalmente no manejo com cães, (...) isso atrapalha. E eu acho que o incentivo de isenção de imposto já ajudaria muito o manejador”. Para o vereador, os impostos sobre as armas e munições são altos. “Se você tivesse um incentivo de redução de ICMS para o manejo de javali, você teria aí uma graduação maior de pessoas voluntárias”.

O esforço para a redução de impostos e implementação de insumos não é o único objetivo da comunidade de caçadores e controladores. Há uma ambição na profissionalização da caça - em analogia à profissionalização da pesca 

A profissionalização da caça, como projeto, vê os CACs como público consumidor - que teve um aumento de 4.936,8 % nos últimos 18 anos - que, além de alvo de ações, cursos, vendas de materiais, está suscetível ao turismo como é o caso do Projeto de Lei 228 da “Rota Turística do Tiro” criado em 2022 pelos deputados Castello Branco (PL) e Gil Diniz (PL).

 

Número de Certificados de Registros (CR) ativos de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CAC) no SIGMA/Exército Brasileiro
Em 2022, o Brasil apresenta mais de 600 mil Certificados de Registros (CR) ativos. (Gráfico: Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022)

 

Rota Turística do Tiro - PL 228 / 2022

Implementado no dia 26/04 de 2022, o Projeto de Lei de n°228 propõe a promoção e a divulgação dos Clubes e Escolas de Tiro nos municípios integrantes da "Rota Turística do Tiro". Também tem a finalidade de “promover e a divulgar os eventos de tiro e pontos turísticos dos Municípios que integram a ‘Rota Turística do Tiro’, com vista a potencializar o desenvolvimento socioeconômico regional e do Estado”.

Este é um projeto inspirado nas atividades que se desenvolvem no Texas, estado dos Estados Unidos “que recebe turistas em busca de eventos ligados ao tiro esportivo, e tornou uma indústria lucrativa nos Estados Unidos: o turismo de armas. As empresas com estandes de tiro exploram, ao máximo, esse mercado, sediando casamentos e vendendo camisetas de souvenir cheias de buracos de projéteis” - segundo o próprio projeto de lei descreve.

Em relação a perceber os CACs como consumidores, a PL elabora que “para esse público pujante de apreciadores de armas, o mercado tem oferecido cada vez mais serviços, como Clubes de Tiro de luxo com funcionamento 24 horas, treinamento exclusivo para mulheres e até hotel rural, com espaços para a prática de ‘tiroterapia’ em família”.

Um projeto semelhante criado pelo Deputado Estadual João Amin (PP) está em trânsito em Santa Catarina e leva o mesmo nome. Em São Paulo, alguns dos municípios até agora incluídos no Projeto são: Americana, Atibaia, Bauru, Campinas, Itaquaquecetuba, Lorena, Ribeirão Preto, Santos, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São Carlos, São José dos Campos, São José do Rio Preto, São Paulo, entre outros.

 

Influência nas Redes Sociais

 

Cartoon - Samurai Caçador
Imagem disponibilizada por Samurai Caçador.

 

“Samurai Caçador”, nome da conta de Mardqueu Silvio França Filho, vereador de Monte Azul Paulista pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), tem 88,9 mil seguidores no instagram e é uma das principais representações dessa comunidade no aplicativo. 

Suas publicações envolvem vídeos de caçadas, abate, dicas e estímulo ao recadastramento das armas de fogo (que até o momento da escrita desta reportagem chegou a 660.000). Mardqueu, sob o nome Samurai Caçador, foi candidato a Deputado Estadual pelo Estado de São Paulo em 2022, mas acabou não sendo eleito. 

 

Rafael Salerno segurando uma magnum.
Imagem disponibilizada por Rafael Salerno.

 

O perfil do instagram “Aqui Tem Javali” é o portal de notícias oficial da Associação Nacional de Caçadores da qual Rafael Salerno é presidente. Este é um dos perfis mais influentes da área. Com 156 mil seguidores, a conta integra venda de equipamentos de caça com fotos enviadas por seguidores e Cachaços abatidos.

O portal “Aqui tem Javali” foi criado em 2008 como um movimento de redes sociais motivado pelo alerta do crescimento das populações de javali no Brasil. Segundo Salerno: ”naquele momento também iniciei o movimento nas redes sociais que chamei de ‘Aqui Tem Javali’. Fizemos um mapa em tempo real a partir dos relatos [de avistamento de javalis]. Com isso, a gente ia mostrando às autoridades que o javali já não era mais um problema só do Rio Grande do Sul ou de Santa Catarina.”

 

Mario Knichalla com sua moto. (Reprodução: Instagram | @canildocacador)
Mario Knichalla com sua moto. (Reprodução: Instagram | @canildocacador)
Divulgação de sua campanha eleitoral. (Reprodução | Facebook: Canil do Caçador)
Divulgação de campanha eleitoral. (Reprodução | Facebook: Canil do Caçador)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O “Canil do Caçador”, canal de Mario Knichalla no youtube, é uma das maiores referências do mundo da caça e do controle do Javali atualmente. Knichalla, além de influenciador da área, concorreu a Deputado Estadual de Minas Gerais pelo PP nas eleições de 2022 e recebeu 10.911 votos.

A conta tem 955 mil inscritos e mais de 200 milhões de visualizações. Alguns dos seus vídeos mais vistos do canal ultrapassam a marca de 10 milhões de visualizações e foram postados há 7 anos na plataforma, o que mostra a longevidade da pauta do controle de Javalis. O foco principal do canal são vídeos curtos, entre 10 e 15 minutos, e que resumem o funcionamento de uma operação de abate, inclusive em muitos casos, como é realizada a utilização de cães (seja pelo uso de agarradores ou acuadores) nessas operações.