Há humor no cotidiano musicado em Volto amanhã

Primeiro disco da banda Besouro Mulher viaja no universo sentimental e imaginário dentro do plano concreto do dia-a-dia
por
Maria Eduarda dos Anjos
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11/08/2023 - 12h

         Alguns desconfortos são postos no mundo melhor pelo humor, outros, pela música. A banda paulistana Besouro Mulher brinca e mistura essas duas formas tão cotidianas de comunicarmos sentimentos no seu álbum de estreia Volto Amanhã (RKMB), sequência do EP Depois do Carnaval. O projeto estava nos rascunhos de Arthur Merlino (baixo), Bento Pestana (guitarra), Sophia Chablau (voz) e Vitor Park (bateria) e ganhou contorno no meio da pandemia, durante intensivões de criação de um lugar para além daquele do isolamento, algo que existisse apesar do que é possível tocar, mas que ainda acena para o mundo real. “O nome [do disco] traz uma coisa um pouco indecifrável do futuro e de um passado que não aconteceu, tem cara de algo que beira o mundo da imaginação e, ao mesmo tempo, chama pelo real e pela dureza do real” conta Bento.

           Apesar de ser o debut da banda, a vocalista não é nem um pouco estranha à cena independente:girou pelas casas noturnas com sua outra banda, Sophia Chablau e Uma Incrível Perda de Tempo. O disco homônimo despontou com produção de Ana Frango Elétrico e arrastou a cena indie pela cidade. A sonoridade dos projetos se conversam na dinâmica dois-lados-da-mesma-moeda: se a Besouro Mulher é mais sentimental sobre amor, Incrível Perda de Tempo foca no ‘delícia, luxúria’ ; a primeira traz uma guitarra mais melódica, enquanto a segunda pesa em sintetizadores e distorções que formem uma parede de som que se arrasta, preenchendo os segundos; ambas carregam um tom descontraído que arranca uma risada do público, às vezes proposital, às vezes não.

         ‘Torresmo’, faixa emprestada que virou single, encapsula a essência do disco que viria pela frente: “Essa música fala muito sobre imaginação e até uma certa subversão do normal, daquilo que é a nossa sina”, comenta Sophia. A composição de Juliana Perdigão e Arnaldo Antunes íntegra sem ruído a coletânea; “eu sou um Super-Homem submisso” e “Queria estar a sós comigo mesmo/ e ter a eternidade toda em torno” são tão naturais à voz de Sophia que poderiam ser composição própria. “Foi um desafio trazer para uma sonoridade mais nossa, o Bento e eu pensamos pra ‘tirar o blues’ dela, porque tudo que a gente fazia ficava com cara de blues, por causa da harmonia e talvez alguma outra essência inominável que estava na música, mas acabamos conseguindo e ficamos muito felizes com o resultado. Além disso, acabamos ficando sabendo que a própria Juliana e o Arnaldo gostaram da versão, então a satisfação foi grande”, completa Arthur.

Imagem: Igor Miranda
Imagem: Igor Miranda 


          Volto Amanhã é um apanhado de como o cotidiano transborda de material para reflexão, uma “crônica que nunca consegue ser completamente captada pelas palavras. O som, assim como a capa e o nome trazem um pouco essa sensação de vertigem, de algo que não tem um começo e que se soma a um real imaginário e que termina voltando para o começo”, define Bento. “Carótida” é uma colagem de questionamentos sobre a essência das pessoas e como é possível o universo interior ser muito maior do que qualquer esqueleto pode ser, tudo em cima de uma guitarra que soa como um relógio, os pensamentos correndo mais rápido que o tempo. “Pão Francês” é mais calma, e salta entre o francês e o português para desenhar um relacionamento tão dessincronizado que chega a parecer que não falam a mesma língua. ‘Curto/Tempo’, um loop ambiente, é sobre “curtir passar o tempo curto com você” - simples assim. A faixa traz um pouco de Mac DeMarco, Homeshake e até Billie Eilish, segundo a banda.

          Em “Alguma Coisa”, Sophia Chablau explora o desejo de expressar algo único e original para alguém especial, mas ao mesmo tempo reconhece a dificuldade de encontrar palavras verdadeiramente inéditas. Nesse sufoco, faz graça da sua própria situação no meio da canção, falando “ela não diz nada de original, coitada!” , que arranca um risinho de surpresa de quem ouve. Quanto a esse humor casual, Sophia diz que não é intencional, acaba sendo a forma que escreve músicas, mas é principalmente como o público as lê. “ É constante as pessoas acharem minhas músicas engraçadas. Outro dia estava tocando numa edição do Tranquilo SP e durante “Hello” o pessoal deu muita risada. Eu acho curioso legal, curioso porque não escrevo música pra “ser engraçada”, mas eu acho legal, rir é uma forma das pessoas reagirem. E não é que eu seja uma pessoa séria ou sem senso de humor, eu dou risada o dia todo. Acho rir e chorar duas sensações boas, e fico feliz de despertar alguma emoção. Não me “utilizo do humor” de forma pensada, acho que é uma coisa meio natural, muitas das vezes a minha música soa engraçada porque deve ser diferente ouvir “miojo” numa música séria em português”, Chablau fala enquanto tenta tirar sentido disso.


          É fato, pouquíssimas músicas falam dos três minutinhos tão curtos mas tão rotineiros, mas a Besouro Mulher decidiu que até a mais banal das banalidades merece suas cinco notas na. E que bom.


          A Besouro Mulher fará seu show de estreia na Casa Rockambole no sábado (12) , com abertura de Uiu Lopes. Volto Amanhã pode ser ouvido todos os grandes streamers e os ingressos podem ser adquiridos pela Sympla.