Desigualdade, corrupção e desemprego juvenil deflagram uma revolta que expõe a fragilidade econômica profundamente enraizada.
por
Pedro Bairon
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14/11/2025 - 12h

Por Pedro Bairon

 

Na primeira semana de setembro de 2025, as ruas de Kathmandu foram tomadas por uma onda de protestos liderados pela chamada Geração Z, quando milhares de jovens se reuniram para denunciar a corrupção, o nepotismo e a desigualdade que dominam a vida pública do Nepal. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de redes sociais incluindo Facebook, Instagram, X e YouTube, decretada pelo governo, uma medida que ativistas viram como um ataque à liberdade de expressão, Raj Rana, um nepalês que participou das recentes manifestações reafirma tal posição.

Os protestos rapidamente escalaram: confrontos com a polícia resultaram em uso ostensivos de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, segundo Rana. No dia 9 de setembro, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou, pressionado pela magnitude da insatisfação dos jovens, porém, não se limitou ao veto digital. Por trás da indignação estava uma reclamação mais profunda: a escassez de empregos dignos, a persistência de elites privilegiadas (os chamados “nepo kids”) e a sensação de que, apesar de tanto crescimento econômico reportado, o Estado falhou em converter recursos em oportunidades para a maioria da população. De fato, segundo o Banco Mundial, mais de 80% da força de trabalho nepalesa está na informalidade, um número clássico de economias frágeis. O economista Karki Lama aponta que as remessas enviadas por nepaleses que trabalham no exterior (equivalentes a mais de um terço do PIB, segundo Fundo Monetário Internacional, FMI) sustentam o país, mas não geram empregos de qualidade e mantêm muitos jovens reféns de oportunidades materiais mínimas.

Esses protestos, segundo analistas, não são apenas uma manifestação política: são um grito de alerta sobre a saúde estrutural da economia nepalesa. A relação entre a frustração juvenil e as debilidades econômicas torna-se evidente à medida que se examina o modelo de desenvolvimento vigente no país. A economia nepalesa há muito tempo depende fortemente das remessas de migrantes para manter sua liquidez externa e financiar o consumo interno. Para Lama, entretanto, essa dependência representa um fracasso de capacidade produtiva nacional, não há trabalho suficiente internamente, e a migração torna-se quase inevitável. Mas a crise das ruas tem um custo direto para a economia. Um relatório recente do Banco Mundial alerta que a turbulência política pode reduzir fortemente o crescimento econômico em 2025-26: a previsão foi ajustada para 2,1%, com possibilidade de contração se a instabilidade persistir. O documento prevê ainda uma queda nas chegadas de turistas, um golpe duplo para o Nepal, que depende fortemente do turismo para gerar divisas e emprego formal. A erosão da confiança dos investidores já se tornou palpável. A Federação da Indústria do Nepal (FNCCI), por exemplo, emitiu um apelo para que o novo governo garanta segurança e estabilidade para os negócios, destacando que o setor privado é vital para a recuperação. Segundo esse mesmo apelo, as perdas com os danos materiais causados pelos protestos já afetam indústrias, propriedades e a cadeia de valor do turismo, hotéis, guias, transportes, tudo foi afetado.

Além disso, a insatisfação juvenil encontra respaldo em dados econômicos estruturais que expõem fragilidades profundas. O Nepal registra uma das maiores taxas de desemprego entre jovens na região: cerca de 20 %, segundo o mais recente relatório do IBGE Países. A falta de emprego qualificado, o baixo investimento em infraestrutura produtiva e a fraca diversificação industrial criam uma economia incapaz de absorver seu capital humano mais o peso das remessas, embora vital, é paradoxal: elas sustentam a economia, mas corroem o potencial de desenvolvimento autônomo. Conforme observa a New Humanitarian, muitos jovens veem sua saída como única rota possível, enquanto outros permanecem para protestar contra um sistema que lhes fecha portas. A migração, nesse contexto, deixa cicatrizes na cena política, no tecido social e nas finanças públicas.

O choque dos protestos também traz riscos no balanço externo. A volatilidade gerada pelas manifestações mobiliza redes de capital para fora do país, deixando o Nepal vulnerável a choques cambiais e restringindo sua capacidade de investir em longo prazo. A perda de turistas, a recomposição mais lenta de reservas cambiais e a alta cautela dos investidores estrangeiros são efeitos colaterais duradouros desse momento de ruptura. Do ponto de vista fiscal, a crise exige que o governo interino encontre um delicado equilíbrio. Por um lado, há pressão para responder às demandas dos jovens por mais transparência, combate à corrupção e reforma política. Por outro, há necessidade urgente de restaurar a confiança dos mercados, garantir fluxo de investimentos e sustentar a receita pública. Se o Estado optar por cortes agressivos para manter a disciplina fiscal, pode abrir mão de sua capacidade de gerar empregos, exatamente aquilo que a Geração Z exige. Por outro lado, expandir gastos sem controle também pode agravar vulnerabilidades já existentes. A situação contemporânea do Nepal também reflete um dilema geopolítico. Localizado entre Índia e China, o país sempre foi estratégico para ambos. A instabilidade recente pode frear projetos bilaterais de infraestrutura e perturbar o plano de desenvolvimento sustentável que muitos observadores internacionais defendiam para a nação. Além disso, a falta de boas políticas industriais internas limita sua capacidade de atrair investimento direto que não dependa exclusivamente de remessas ou do turismo.

Embora a revolta da Geração Z tenha derrubado um governo, ela colocou a economia nepalesa sob os holofotes: o modelo baseado em remessas e fluxo turístico é funcional, mas frágil. A instabilidade desencadeada pelos protestos expôs o dilema clássico de economias dependentes: crescer, mas sem construir uma base real de produção, oportunidades e institucionalidade. Se o novo governo quiser responder ao grito dos jovens, terá de investir não apenas na reconstrução política, mas sobretudo na transformação econômica: criando empregos, promovendo reformas estruturais e reduzindo a dependência de fatores que escapam ao controle interno. Sem isso, o Nepal pode voltar a caminhar, mas continuará sobre uma ponte frágil, com vento forte acima e abismo profundo abaixo.

Videogames se aproximam de artigos de luxo devido aos elevados custos
por
Lucca Cantarim dos Santos
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07/11/2025 - 12h

Por Lucca Cantarim

 

Quem acompanha o cenário dos videogames vem se surpreendendo com a alta nos preços dos jogos nestes últimos meses. Com valores que vão desde R$ 249,95, valor do jogo “Hundred Line – Last line of defense”, lançado em abril de 2025, até R$ 499,99, preço do jogo Mario Kart World, que chegou às lojas em junho do mesmo ano. Esses preços têm dificultado cada vez mais o acesso dos fãs aos jogos que desejam, uma vez que acaba sendo inviável para muitos precisar gastar tanto dinheiro sempre que querem jogar um jogo novo. A estudante de sistemas de computação Gabrielle Rodrigues afirma sempre se arrepender de pagar caro em um jogo no dia do lançamento e acabar ficando sem dinheiro para comprar uma roupa ou até mesmo uma passagem do Rio de Janeiro até São Paulo para visitar seus entes queridos. Já o estudante Gabriel Merino alega sentir cada vez mais que não consegue comprar jogos no lançamento, precisando esperar diversos meses até uma baixa no preço ou promoção para finalmente ter acesso ao produto.

Fazer um jogo é um processo extremamente caro, e para a desenvolvedora independente “Dumativa”, responsável por jogos brasileiros como “Enigma do Medo” e “Lenda do Herói”, esse é o principal motivo para o aumento no custo do produto final. Já para Juno Cecílio, CEO da “Gixer Entertainment”, outra desenvolvedora independente, criadora do projeto “Changer Seven”, que se encontra em desenvolvimento atualmente, existe um fator ainda mais sensível.

 

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"Changer Seven", jogo de Juno Cecílio                                                 Foto:Divulgação/Gixer

 

Juno defende que existe uma estratégia de mercado mais agressiva por parte das empresas, que almejam maximizar sua receita em cima de um público fiel e cada vez mais disposto a pagar por franquias conhecidas. O grande problema, é que não existe um teto que defina até onde uma corporação queira ganhar, o que acaba sucateando o setor. O desenvolvedor faz um comparativo com outros setores no Brasil, como o de faculdades, que são compradas, demitem o corpo docente e substituem-no por profissionais mais baratos e revendem para o próximo, que fará o mesmo. Esse caso pode se observar na faculdade Anhembi Morumbi, que sofreu demissões e perdas massivas na grade horária após ser comprada pelo grupo Ânima Educação em 2021, como afirma uma matéria publicada na UOL em 2023.

Mas ele também aponta para outro fator, que também é abordado pela Dumativa, a falta de regionalização do preço. Quando um jogo chega no Brasil apenas convertido pela taxa do dólar, sem considerar a realidade do poder de compra local, ele acaba se tornando um produto quase que de luxo, e é nessas situações que observamos preços como os R$ 500,00 de Mario Kart World. A maioria dos jogos independentes já consideram fatores regionais quando lançam seus produtos em outros países, mas as produções de empresas grandes, como Nintendo, Ubisoft e Activision não, o que agrava uma ideia de “ganância” por parte dessas empresas.

Oferecer preços acessíveis ao consumidor é importante por inúmeros fatores, e um deles é justamente oferecer a experiência de jogo para um público mais amplo. Para muitos fãs de videogames, é extremamente doloroso, apesar de não chegar a um estágio extremo, ser privado de jogar algum jogo que goste devido ao seu custo elevado.

Gabrielle, por exemplo, diz que se sentiria mal caso fosse impedida de comprar um lançamento que estivesse com vontade de jogar. Ela alega que tem vontade de jogar o “Persona 3 Reload” a cerca de um ano, mas até hoje não o fez devido ao alto custo do jogo. Ela conta que até pensou em piratear a mídia apenas para consumo, e pagar por ela quando tivesse a oportunidade – igual já fez com outras franquias – mas que os sistemas que as empresas andam colocando em seus produtos, dificultam muito a pirataria. Gabriel Merino passa por uma situação similar, ficaria chateado caso não conseguisse comprar um jogo devido ao preço, mas também não compraria um jogo à preços exorbitantes mesmo se tivesse as condições para isso.

Lançar os jogos à preços acessíveis é essencial para que essas pessoas consigam consumir a mídia que desejam sem precisar se arriscar na pirataria ou pagar valores elevados. Além disso, é essencial para a criação de um consumo saudável. Nas palavras de Juno, quando um jogo lança à um preço compatível com a realidade do brasileiro, ele vende mais e ajuda a fortalecer o mercado e a comunidade local, e a trazer mais espaço para as empresas no País. Um exemplo foi o “Hollow Knight: Silksong”, lançado pela Team Cherry em setembro desse ano. O preço de R$ 60,00 cobrado pela mídia fez com que ela vendesse muitas unidades em um único dia – culminando na queda dos servidores da plataforma de compras Steam.

As empresas e publicadoras são as primeiras que podem participar na criação de um preço mais acessível e justo para o bolso da população. Grandes empresas e distribuidoras (Nintendo, Ubisoft, Microsoft) podem ajudar aprimorando a regionalização de preços, levando em conta o poder de compra de cada país; aprimorar a educação e formação de talentos, o que em longo prazo reduz o custo de produção global; oferecer programas de incentivo e parcerias com estúdios locais, o que acaba por gerar mais empregos, e visibilidade.

Quanto às empresas independentes, não se pode transferir as mesmas responsabilidades, uma vez que estas não tem o mesmo poder financeiro que as “gigantes do setor”. No entanto, elas podem e devem estabelecer métodos de acessibilidade nos preços de seus jogos, e algumas já tomam as providências, apesar de este ser um dos maiores desafios para essas instituições.

A Dumativa têm feito uso dos sistemas de financiamento coletivo em seus lançamentos, isso ajuda as empresas a terem uma base financeira mais sólida antes mesmo do lançamento, além de estabelecer uma relação saudável com empresa e consumidor, a partir do sistema de recompensas e conteúdo adicional dependendo de quanto cada pessoa optou por investir no jogo, além do próprio produto completo após o lançamento.

Já Juno, da Gixer, amplia ainda mais sua visão, para ele, jogos independentes não precisam competir com os grandes lançamentos em preço, na realidade, esses lançamentos têm de entregar valor percebido, autenticidade e qualidade dentro de seu escopo. Além disso, ele acredita que uma das melhores formas de equilibrar as contas sem depender do preço cheio é a diversificação de fontes de receita, e podem fazer isso por meio do lançamento de edições digitais com bônus, participação em festivais e até mesmo outros tipos de produto, como colecionáveis, histórias em quadrinho e até trilhas sonoras.

Outra ajuda também pode vir das próprias lojas, plataformas como a Steam se destacam quando o assunto é tornar seus preços mais acessíveis. Além da abundância de promoções, principalmente em datas comemorativas, que podem levar um preço de R$ 200,00 a R$ 40,00, a plataforma criou um sistema de famílias, que permite que um grupo de pessoas compartilhem a mesma biblioteca, podendo jogar jogos que pertencem à conta de terceiros (desde que inseridos na mesma família, cujo limite de pessoas é seis).

 

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Logo da loja digital Steam                                                                           Foto: Divulgação/Steam

 

Para Gabrielle Rodrigues e Gabriel Merino, que participam da mesma família alegam o quão benéfico isso é para eles, ambos afirmam como conseguiram ter mais acesso à jogos que não conseguiriam ter de outra forma, além da possibilidade de repartir os custos com os membros do grupo. Gabrielle afirma que financeiramente a família Steam é algo divino.

 

Movimento nas lojas aumentam conforme as épocas temáticas do ano vão chegando
por
Nathalia de Moura
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24/10/2025 - 12h

Por Nathalia de Moura

 

Entre o vai e vem e o sobe e desce das pessoas, a 25 de Março é o centro das vendas, principalmente em épocas como Carnaval, Natal e Halloween. Cores, brilhos, formas, luzes, ocupam as fachadas das lojas fazendo cada cliente lembrar que as bruxas chegam em 31 de outubro, o Papai Noel dará o ar da graça em 25 de dezembro e o Carnaval em breve tomará conta das ruas do País. 

A correria para atender o cliente que precisa de uma abóbora laranja e gigante, a atenção para cortar o tecido para a roupa do velhinho do Polo Norte ou até mesmo separar as lantejoulas para a confecção da fantasia faz parte do dia a dia das vendedoras do centro de São Paulo. Marlene tem 53 anos e veio atrás dos sonhos na capital paulista aos 16. Hoje fala com muito carinho no orgulho em fazer parte desses momentos. Com um sorriso, mas a voz embargada e os olhos marejados, relembra a dificuldade de se iniciar nesse mundo dos produtos de aviamentos e sazonais. Sempre sonhou em ter o que possui hoje, e mesmo com tantos patrões desacreditando de seu potencial, conseguiu ir atrás daquilo que a motivava: a arte do artesanato.

Os produtos chegam na loja e dali, são transformados em grandes realizações. Ela conta que nada é mais gratificante do que poder ajudar alguém que nem sabia o que estava procurando e encontra ali no seu estabelecimento. Na correria dos dias, as horas passam, a agitação aumenta, o fluxo cresce. Cada cliente fica um tempo observando aquele ambiente repleto de oportunidades. Oportunidade de fazer algo diferente do ano anterior, a chance de colocar uma cor diferente na decoração, de enfeitar a casa com pisca-pisca ou até fazer a festa temática do dia das bruxas que não aconteceu antes.

Na salinha apertada, rodeada de papelada importante e também do quadro estampando a foto da sua família, Marlene contava que proporcionar produtos de qualidade aos clientes a transforma. Pode ser que o Papai Noel não seja vendido hoje, que a abóbora gigante ainda passe despercebida ou o letreiro de “Feliz Natal” não seja usado, mas ela segue acreditando que cada fio, botão ou glitter pode ser utilizado em outros momentos justamente para não ser desperdiçado.

Ao andar pelas lojas, percebemos os olhares atentos nas promoções, o barulho dos comentários ao ver uma peça exposta ou as perguntas em relação aos preços. Para lá ou para cá, a multidão toma conta dos ambientes. Mesmo antes dos dias de comemoração, as pessoas fazem questão de irem em busca do que procuram o quanto antes. Mas sempre tem os que preferem comprar aos 45 minutos do segundo tempo. Na pressa para conseguir atender todos os clientes, Elen, funcionária que enfrenta todas as épocas corridas de venda do ano, fala que em alguns momentos, não consegue dar a atenção que as pessoas merecem. Seu olhar acompanhava a chegada e a saída dos clientes na loja. A atenção é máxima em um lugar que a exige a todo tempo.

No meio das linhas, botões e tecidos, a cearense de sotaque presente e forte expressa que nem imagina as diversas possibilidades que podem sair dali na sacola de cada pessoa. Uma linha pode se tornar mais de uma peça no Carnaval do Sambódromo do Anhembi ou nos bloquinhos pela cidade. E quando ela pensa nisso, os olhos até brilham em saber que, de alguma forma, fez parte daquilo.

A oferta e a demanda não param, assim como a agitação que só o ambiente da mais conhecida rua de comércio paulistana é capaz de proporcionar. Pelas ruas da 25 de março andam jovens, idosos, mulheres e homens carregando pequenas sacolas ou grandes volumes de mercadorias. De um lado o consumidor, do outro o vendedor. Ambos sabem que precisam um do outro, principalmente nessas épocas agitadas do comércio. Para Marlene, inspirar pessoas com seu empreendimento é motivo de orgulho. Em meio aos elogios que sua loja recebe, ela sempre sai com o sentimento de missão cumprida ao ver seus clientes com as sacolas recheadas de produtos que farão a diferença em épocas que se tornam especiais nas particularidades de cada um.

Lugares que focavam em atividades de lazer e contemplação da natureza estão sendo transformados em shoppings a céu aberto
por
Victória da Silva
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31/10/2025 - 12h

Por Victória da Silva

 

Na Zona Sul da capital paulista, o Parque Ibirapuera é bastante frequentado por pessoas que não se restringem a residentes da cidade. Miriam Santos, sorridente e carismática, frequenta regularmente o local em períodos de descanso e, acompanhada por Andre Bressa, sente as mudanças causadas pela iniciativa privada que invade o espaço público e o torna um tanto quanto diferente do habitual. Miriam trabalhou durante 48 anos na mesma empresa e agora, aposentada, encontra no parque um refúgio no meio da selva de pedra, diz que o lugar já não é mais para todos os tipos de pessoas. Atualmente, com a grande quantidade de carrinhos de sorvetes sofisticados e o aumento do preço de lanches, ela mostra a mochila que Andre carrega com bolsas térmicas cheias de garrafas de água e alimentos para quando necessário. Bressa, que é pintor e trabalha em feiras livres, demonstra certa curiosidade sobre a quantidade de propagandas e publicidades que estão sendo distribuídas por todo o parque após a concessão. Ele atenta para um anúncio da tinta Suvinil, algo nunca visto antes em anos de visita ao local.

O Parque Ibirapuera não foi privatizado, já que sua propriedade continua sendo do município, mas foi concedido à iniciativa privada em 2020 para a concessionária Urbia, que vai comandá-lo durante os próximos 30 anos. Não só o Ibirapuera, mas os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari também estão sob concessão, lidando com as mudanças. Há também projetos de concessão para outras regiões, principalmente na Zona Leste, no Parque Ecológico do Tietê, Parque Vila Jacuí e Parque Maria Cristina Hellmeister de Abreu.

No Parque da Água Branca, localizado em Perdizes, Andre relembra o episódio em que a concessionária, Reserva Novos Parques Urbanos S.A, instalou um showroom de carros da Peugeot que foi desmontado após ser considerado ilegal e gerar vários protestos. O pintor destaca como os espaços estão sendo utilizados para promover eventos de nichos mais elitizados e o quão evidente isso se tornou após o controle da e empresas. Além disso, ele observa que as lojas e restaurantes distribuídos, além dos eventos, shows e festivais realizados são majoritariamente frequentados por pessoas brancas, repercutindo uma desigualdade racial dentro dos parques que anteriormente não eram exclusivos de determinada raça ou classe.

Outros visitantes como Beatriz e sua mãe Alessandra, que costumam andar de bicicleta pela pista do local, se depararam com o alto preço de produtos simples, como a água. A garota relata que o preço da garrafa é o que mais a incomoda e sua mãe complementa contando que todos os produtos ficaram caros, incluindo os alugueis das bicicletas em que 1 hora com o veículo custa 18 reais.

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Concedido à iniciativa privada em outubro de 2020, Ibirapuera enfrenta alta no preço de produtos e instalação de unidades comerciais. Foto: Victória da Silva

Em maio deste ano, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares. Na época, o promotor Silvio Marques manifestou sua indignação contando que a empresa estava transformando o Ibirapuera em um “verdadeiro shopping center”. Também segundo o inquérito do MP, a Urbia promove um "loteamento" com a instalação de lojas, construção de grandes edifícios, comércio de bens e serviços e o uso remunerado de diversos espaços, com redução do espaço livre para uso gratuito da população. A investigação revela a crescente tensão entre o discurso de modernização via parcerias público-privadas.

Os radialistas, Viviane e Everton, que semanalmente vão ao parque para praticar exercícios e corrida, relembram a instalação da Casa Centauro que foi retirada após as muitas denúncias. Diferentemente, o casal não vê problemas nas mudanças que a concessionária promove e afirma que não sentiu tantas diferenças. No entanto, o mau planejamento dos serviços é um fator levantado pelos dois. Ele afirma que os espaços livres estão sempre lotados, dividindo-se entre pessoas que vão para passear e outras que praticam algum esporte. Apesar de admirada com a quantidade de novos serviços e possibilidades dentro do parque, a mulher faz uma dura crítica à falta de segurança, já que, para ela, a concessionária deveria investir em questões como essa.

Para além dos fatores levantados, taxas para corredores e para assessorias esportivas também são alvos de revolta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou, em julho deste ano, a aplicação de tarifas pensando no uso do espaço do parque para atividades esportivas. Mais do que discutir contratos e taxas, está em jogo o compromisso de preservar os espaços públicos como lugares de encontro, lazer e diversidade, e não como territórios delimitados pelo poder de consumo. A garantia que espaços públicos não se convertam em mercados restritos permanece aos órgãos municipais e a população que frequenta os ambientes precisa lidar com a frequente disputa que acontece desde 2024.

Gratuidade do transporte público no Brasil é possível, e joga luz nos gastos das famílias com a locomoção e exclusão social
por
Vítor Nhoatto
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24/10/2025 - 12h

Por Vítor Nhoatto

 

É de manhã, por volta das sete, e o começo do dia para milhões de brasileiros em um ponto lotado. As dezenas de pessoas tentando se colocar fora do sol escaldante da cidade, com rostos franzidos e olhos apertados toda vez que um ônibus passa, torcendo para que seja o seu. E decepcionadamente dispostos, pagam por algo que deveria ser universal, e poderia, mas é na verdade um peso desproporcional e impede o acesso a outros direitos.

Mas nos últimos meses uma luz no fim do túnel, ou melhor, um letreiro iluminado no ônibus com o destino desejado voltou a ser discutido. A chamada Tarifa Zero do transporte público no País está em análise pelo Governo Federal, e o presidente Lula solicitou estudos para a viabilidade do projeto, que envolve questões políticas e relativa falta de esperança pelo povo.

O público no meio da avenida é desse jeito, já apático diante do barulho do motor diesel e dos corpos todos em contato na condução do dia a dia. Para Josefa Sueli, só Sueli pede ela, e cerca de 10 milhões de pessoas só na capital paulista segundo a SPTrans, é exatamente nesse cenário que o ir e vir acontece. Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos e pernambucana arretada, conta que pelo menos quatro vezes por semana desembolsa R$5,80 no ônibus da EMTU azul e vermelho até a estação em Osasco ou a Lapa aqui na capital, e mais R$5,20 no trem ou R$5,00 no ônibus agora da SPTrans. Fato é que como milhões de outros brasileiros, o gasto só na ida passa dos dez reais, e o tempo nessa brincadeira urbana não é menor que duas horas. 

Pessoas com mochila nas costas que atrapalham a passagem, condução que não chega no intervalo que era para chegar. Olhos nervosos mirando o relógio na tela do celular que seguram com uma mão, enquanto a outra suada se segura nas próprias pessoas ao redor… não há espaço para encontrar as barras de suporte. E lá se foram as duas horas. Sueli chega então na casa do dia perto das nove da manhã, e com R$11 a menos na conta. Entre vassouradas e esfregadas, continua comentando sobre episódios que só o transporte coletivo pode proporcionar. Mas depois de uma janela que não pôde abrir, uma encarada de lá e um empurrão de cá, a constatação que mesmo assim ainda gasta um absurdo só para chegar até os lugares, em vida e dinheiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o gasto com transporte das famílias só não é maior que habitação e alimentação, sugando até 20% do salário por mês. No caso da Sueli, que perde a mesma quantia na volta, lá se foram pelo menos R$350 no mês, só indo e vindo do trabalho quatro dias na semana.

Recentemente tendo passado por uma suspeita de câncer de intestino, ela conta feliz que não tem a doença, e todo final de semana sai para comemorar a vida. Às vezes com o filho, que mora na zona leste de São Paulo, há mais de duas horas de distância, outras com a irmã e com as amigas em algum bar, se ela não conseguiu um ingresso para um show de algum cantor sertanejo que tanto gosta.  E tudo isso ela faz de ônibus e metrô na maioria das vezes, salva as pouquíssimas vezes que sobra algo para o Uber, mas enfim, também meio de locomoção. Fazendo então seus “passeios” obrigatórios no transporte ultrapassarem o gasto de 400 reais. 

Não precisava nem ser totalmente de graça aos olhos dela, que já viveram muitas histórias, e suas mãos calejadas que agarram as barras no ônibus e metrô tanto quanto o esfregão. Ela suspira enquanto levanta o seu óculos e indaga que algumas patroas ajudam com a condução, mas é um dinheiro que podia gastar com tantas outras coisas. 

Comprar um saco de arroz e feijão a mais, uma guloseima para a companheira de quatro patas, Bela, uma ida na Villa Country ou no Centro de Tradições Nordestinas (CTN). Uma quantia que faria a economia girar. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), nas cidades com gratuidade universal, o número de empregos aumentou 3,2% e o de empresas 7,5%, sem falar da redução em 4,2% das emissões de poluentes pela diminuição de carros. 

Mas ela ainda se lembra da parte da sua família que vive em Pernambuco e dos conhecidos de lá. Cada real a mais faz a diferença para quem não tem o que ela tem. Um litro de leite, uma ida no posto que não pode fazer por causa da passagem, destaca.

Uma realidade para milhões de brasileiros que têm os seus direitos básicos negados também pelo transporte, um outro direito que consta na Constituição de 1988. O artigo 5º prevê direito à livre locomoção, e o artigo 6º o direito ao transporte, mas que são segregados e traduzidos como ferramenta de desigualdade social na prática.

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Transporte público é o meio de acessar os outros direitos além de simples meio de locomoção  - Foto: Vítor Nhoatto

De olhos na cidade

De volta ao ônibus, agora à tarde, mesmo que de pé ou sentado, é engraçado ver a vida passando pela janela. Os olhos dos CLTs, dos estudantes, dos trabalhadores informais como a Sueli olham para a cidade lotada de trânsito… quando não estão cochilando de cansaço com a cabeça encostada tremendo no vidro. Sobre essa questão, o mestre em economia pela universidade de São Paulo (USP), e mais que isso, militante da área, Antônio Carlos de Moraes destaca como isso é enorme e importante. Não se trata apenas de algo eleitoreiro e de apelo popular, destaca ele, mas algo que realmente muda a vida das pessoas. 

O modelo atual do transporte se baseia no ganho por passageiro, então quanto mais cheia for a linha, quanto mais empurrões e reclamações a Sueli tiver para contar na ida e vinda do trabalho, dentista, mercado, médico, bar, mais rentável ela se torna. Nisso tudo o número de carros aumenta para quem pode, tal qual o de acidentes, congestionamento e poluição, além das pessoas que deixam de acessar lugares pelo preço cada vez mais alto das tarifas. 

Com um sistema público nacional de transporte coletivo a história seria muito diferente, como enfatiza Antonio, lembrando de suas vivências e não de números que só interessam a economistas. Ele destaca que todos arcam com os prejuízos da troca do ônibus pelo carro, mas são os mais pobres que pagam o preço na pele, com cada vez menos para gastos básicos como alimentação, e abrindo mão de ir e vir compulsoriamente pelo orçamento que não fecha. 

Falando em sistema, tramita na Câmara o Marco Legal do Transporte Público, que visa estabelecer diretrizes nacionais sobre a contratação de empresas, regras, fiscalização e fontes de financiamento. Isso pode aumentar ainda mais a quantidade de cidades que adotam a Tarifa Zero de algum jeito, hoje o Brasil é o país com o maior número do mundo, com 170 municípios. E mais que isso, ele pressiona e possibilita a reparação histórica que seria um Sistema Único de Saúde (SUS) do transporte público. Poder ir e vir seria garantido, mais pessoas iriam à escola, ao médico, ao museu, ao mercado… e prefeririam o coletivo ao individual. 

Porém, quem iria então pagar a conta? Essa é a principal pergunta de Roseli Rodrigues, passageira de ônibus não por opção. Com um semblante preocupado, atrasada para o trabalho na Avenida Doutor Arnaldo enquanto espera no ponto da Rua Guaicurus, reclama do preço da gratuidade lembrando que de domingo, quando é de graça, o ônibus nunca chega.  Passando a mão pelo rosto em sinal de aflição e cinco reais no bolso ardendo para sair dali quando o número certo aparecer no letreiro no horizonte, destaca que é contra a gratuidade se a qualidade piorar. 

Mas em seguida, lembra que seria ótimo poder ir ao mercado com 200 reais a mais, valor que gasta em média por mês, já que prefere não ter 6% descontado do seu salário com Vale-Transporte (VT). Nos domingos, Roseli destaca ainda, que sempre que pode opta pelo carro de aplicativo devido a demora do ônibus e a lotação do metrô. 

Em exclusividade à CNN Brasil, segundo o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, o custo anual da gratuidade universal de ônibus, trem e metrô custaria R$90 bilhões. Quantia, no entanto, que como destaca Antonio, pode se tornar realidade sem colocar as contas públicas em risco. Ele destaca que a solução não é tirar de outras áreas essenciais nem criar impostos novos para o povo, mas sim, por exemplo, tributar super ricos. Uma decisão política que precisa ser bancada além de calculada para dar certo. 

No caso das empresas, ele lembra como elas se beneficiam diretamente das obras de infraestrutura voltadas ao transporte, apontando para os prédios em construção ao redor com destaque para o outdoor que grita “more perto da futura linha-6 laranja do metrô”. É mais que justo que elas contribuam para o transporte, portanto, sem falar da diminuição do trânsito e melhora no rendimento dos funcionários, defende.  Além disso, o ônibus que não chega aos domingos para levar Roseli, ou a lotação de todo dia que pega na Guaicurus, e que faz jus a esse apelido, deixaria de ser o modelo de negócios praticado. Com a criação de regras e diretrizes tal qual o Marco Legal propõe, e a Frente Parlamentar - Tarifa Zero, as empresas em acordo iriam receber verba independente da quantidade de passageiros pagantes. Assim, não sendo benéficas economicamente a superlotação e qualidade ruim.

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Os públicos no ônibus são diversos, mas a necessidade de se locomover é universal - Foto: Vítor Nhoatto

E agora já está quase escuro lá no céu, e o fluxo de volta para casa começou. A fila no ponto de Roseli está dando a volta no quarteirão, tão longa quanto essa discussão. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pasta quer apresentar os estudos de viabilidade ainda em 2025, mas os embates políticos e ideológicos são tão intensos quanto os pisões e esbarradas no corredor cansado do transporte coletivo. 

Avisos dizem, “cuidado degrau” no ônibus, e “atenção com o vão” nos trilhos, mas o verdadeiro foco deve ser nas ações políticas das próximas estações dessa história. Inegável programa de redistribuição de renda, esses 90 bilhões são um investimento e devolução de direitos a milhões de brasileiros, desde que passem a ser vistos assim. Mas enfim, até lá a vida não para, e agora tenho que ir que esse é o meu ônibus. 

Leilões de dívidas iniciaram na segunda-feira, 25, saiba como participar
por
Marcello Toledo
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29/09/2023 - 12h

O programa "Desenrola Brasil" deu início na segunda-feira, 25, à fase em que os credores terão a oportunidade de oferecer descontos mais generosos, que serão aplicados na etapa final de renegociação de dívidas.

De acordo com informações do Ministério da Fazenda, um total de 924 empresas que detêm créditos de consumidores inadimplentes se inscreveram no programa. Esse número representa 86% de todas as dívidas individuais de até R$ 5 mil dos brasileiros, que foram agrupadas em categorias para facilitar o processo de leilão. As categorias incluem serviços financeiros, securitizadoras, varejo, eletricidade, telecomunicações, educação, saneamento, micro e pequenas empresas, entre outras. Além disso, as dívidas foram organizadas por ano de inadimplência, abrangendo 2019, 2020, 2021 e 2022.

Como Funcionará o Leilão?

Foto: Guilherme Santos/Sul21.com.br
Foto: Guilherme Santos/Sul21.com.br

Com base na segmentação mencionada, o governo anunciou que as empresas apresentarão descontos por meio de lances individuais, aplicados sobre o valor de cada dívida, respeitando um desconto mínimo estabelecido para cada lote.

As dívidas que obtiverem os maiores descontos serão selecionadas e poderão ser renegociadas à vista ou em até 60 parcelas, com o respaldo do governo, que disponibiliza R$ 8 bilhões em garantias, além de taxas de juros de até 1,99% ao mês, tornando a oportunidade atrativa para as empresas credoras.

Essa garantia será fornecida por meio do Fundo de Garantia de Operações (FGO) e será aplicada em duas etapas: a primeira destinada às dívidas com valores atualizados de até R$ 5 mil, enquanto a segunda abrange dívidas com valores entre R$ 5 mil e R$ 20 mil.

Em termos numéricos, as dívidas de até R$ 5 mil totalizam surpreendentes R$ 78,9 bilhões, enquanto as dívidas na faixa de R$ 5 mil a R$ 20 mil atingem R$ 161,3 bilhões, de acordo com os registros dos credores que aderiram ao programa Desenrola. Dívidas com valores superiores a R$ 20 mil não estão disponíveis para renegociação neste momento.

Quando e Quem Pode Renegociar as Dívidas?

O governo prevê que a população poderá quitar seus débitos a partir da primeira semana de outubro, quando a plataforma de renegociação será lançada. Para acessar o sistema, será necessário possuir um cadastro ativo no Gov.br.

Podem participar pessoas que ganham até dois salários mínimos ou que estejam inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) para programas sociais do governo federal e que tenham dívidas em atraso, desde débitos bancários até contas de luz, água, varejo e educação.

Banco Central reduz mais 0.5 ponto percentual e taxa passa à 12,75% ao ano
por
Laura Teixeira
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27/09/2023 - 12h

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu, na última quarta-feira (20), reduzir novamente a taxa básica de juros, Selic, em 0.5 ponto percentual. É a segunda alteração consecutiva no marcador e a taxa vai de 13,25% para 12,75% ao ano.

A redução na taxa básica de juros já era esperada pelo Mercado./ Fonte: FreePik
A redução na taxa básica de juros já era esperada pelo Mercado. Fonte: FreePik

Ao anunciar queda em agosto (13,25%), o BC se posicionou afirmando que atitudes como essas seriam recorrentes no ano. Na ata da última reunião (20), foi indicado que esse ritmo de diminuição deve se manter nos próximos encontros: “se confirmando o cenário esperado, os membros do Comitê, unanimemente, antevêem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões e avaliam que esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário” diz o documento.

A Selic é a taxa básica de remuneração de títulos públicos, sendo o piso para outras taxas de juros da economia, sua queda afeta outras tarifas o que afeta de forma direta o mercado e o consumo. Com a diminuição da taxa há uma facilidade de acesso a crédito e com mais acesso a crédito as famílias gastam mais e investem em mais coisas . 

Em relação ao mercado financeiro, o foco fica no investimento produtivo (quando o investimento proporciona uma taxa de lucro, sobre o capital, maior ou igual a inflação)  e não em ações e ativos de dívida pública ou privada. 

Já quando o movimento é contrário e a Selic aumenta, os bancos exigem mais para fornecer crédito, afetando de forma negativa o consumo e investimento. Por outro lado, o lucro no mercado financeiro sobe, já que os títulos públicos estão rendendo mais.

Ata do Copom na íntegra:

O ambiente externo mostra-se mais incerto, com a continuidade do processo de desinflação, a despeito de núcleos de inflação ainda elevados e resiliência nos mercados de trabalho de diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas. O Comitê notou a elevação das taxas de juros de longo prazo dos Estados Unidos e a perspectiva de menor crescimento na China, ambos exigindo maior atenção por parte de países emergentes.

Em relação ao cenário doméstico, observou-se maior resiliência da atividade econômica do que anteriormente esperado, mas o Copom segue antecipando um cenário de desaceleração da economia nos próximos trimestres. Como antecipado, ocorreu uma elevação da inflação cheia ao consumidor acumulada em doze meses no período recente. As medidas mais recentes de inflação subjacente apresentaram queda, mas ainda se situam acima da meta para a inflação. As expectativas de inflação para 2023, 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,9%, 3,9% e 3,5%, respectivamente.

As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 5,0% em 2023, 3,5% em 2024 e 3,1% em 2025. As projeções para a inflação de preços administrados são de 10,5% em 2023, 4,5% em 2024 e 3,6% em 2025.

O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; e (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.

Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reforça a importância da firme persecução dessas metas.

Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu reduzir a taxa básica de juros em 0,50 ponto percentual, para 12,75% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2024 e, em grau menor, o de 2025. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento e por expectativas de inflação com reancoragem parcial, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária. O Comitê reforça a necessidade de perseverar com uma política monetária contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.

Em se confirmando o cenário esperado, os membros do Comitê, unanimemente, anteveem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões e avaliam que esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário. O Comitê ressalta ainda que a magnitude total do ciclo de flexibilização ao longo do tempo dependerá da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.

Votaram por uma redução de 0,50 ponto percentual os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, Gabriel Muricca Galípolo, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Renato Dias de Brito Gomes.

* No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de USD/BRL 4,90, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). O preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária "verde" em dezembro de 2023, de 2024 e de 2025. O valor para o câmbio é obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio USD/BRL observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.

 

Entenda o que pode mudar com o novo projeto de lei apresentado pelo Ministério da Fazenda para o Congresso Nacional
por
Laura Teixeira
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14/09/2023 - 12h

O Ministério da Fazenda enviou, no último dia 28,  dois projetos focados na taxação de super ricos para o Congresso Nacional . Trata-se de uma medida provisória (MP) para taxar fundos especiais e um projeto de lei (PL) para tributar Offshores. De acordo com o governo, as propostas têm capacidade de arrecadar R$7,05 bilhões de reais em 2024 e chegar a 7,13 bilhões em 2026.

A Constituição brasileira, elaborada em 1988, menciona a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Desde então, alguns projetos foram enviados para o Congresso Nacional, contudo, não tiveram êxito até o momento. Segundo um levantamento da CNN Business, 37 propostas já foram feitas, mas nenhuma mudança de fato ocorreu.

Relação entre partido e número de projetos para taxação de grandes fortunas desde a constituição de 1988/ Fonte: Câmara do Deputados
Relação entre partido e número de projetos para taxação de grandes fortunas desde a constituição de 1988/ Fonte: Câmara do Deputados

Taxação de Fundos Exclusivos

Fundos especiais, também chamados de fundos exclusivos, se diferenciam dos fundos abertos pois possuem apenas um cotista, ou seja, somente uma pessoa física ou grupo familiar pode participar do rendimento deste fundo.  Para se encaixar na categoria, precisa-se de um investimento de pelo menos 10 milhões de reais. Em termos práticos, equivale a apenas uma pessoa ter direito a usufruir a infraestrutura de um clube fechado. Por outro lado, fundos abertos são como  clubes em que todos contribuem e usufruem da mesma infraestrutura.

Os fundos exclusivos são usados para processos de sucessão, isto é, no momento que um bilionário transmite sua herança, há uma doação de cotas para os beneficiados, evitando custos maiores e burocracias. 

A maior vantagem desse tipo de investimento é a isenção de imposto de renda semestral, cobrado em maio e novembro de cada ano. Dessa forma, há uma antecipação do imposto de renda para investimentos de longo (15%) e curto prazo (20%). Com um fundo de investimento especial, os cotistas estavam isentos dessa política apelidada de “come-cotas”, lucrando entre 30% a 40% a mais que o cidadão comum, já que haveria uma maior quantidade de dinheiro rendendo. 

Além disso, para esse tipo de fundo, o imposto de renda só é cobrado no momento de resgate do capital com uma cobrança regressiva. Ou seja, quanto mais tempo o dinheiro render, menos imposto ele terá.

A medida provisória assinada por Lula foca na alteração desse cenário.  A política de imposto de renda vai valer também para os fundos exclusivos. O desconto, neste caso, será feito duas vezes ao ano, e não mais somente no momento de saque do investimento. A alíquota pode sofrer variação de 15% a  20% 

A MP prevê uma arrecadação total de R$24 bilhões de reais entre 2023 e 2026. Com o aumento da isenção do Imposto de Renda, que é válido desde maio, houve uma diminuição do valor que será coletado.  Assim, a nova taxação compensará a quantidade em falta. Aqueles que optarem por começar a taxação ainda em 2023 terão uma alíquota de 10%.

Taxação das Offshore 

“Offshore” é um termo em inglês utilizado para se referir a investimentos feitos no capital exterior. Boa parte dessas aplicações estão em países chamados de “paraísos fiscais” - locais com baixa ou nenhuma tributação internacional em busca de aplicações estrangeiras. 

Empresas offshores optam por esse tipo de investimento com o objetivo de proteger o seu patrimônio. Além de não concentrarem todos os seus bens  em só uma nação, utilizam-se também dos “trusts”, empresas que são abertas com o objetivo de terceirizar a administração de bens e direitos de uma pessoa ou grupo familiar para evitar taxações no momento de dividir a herança.

Gráfico de dias que a população brasileira trabalha por ano para pagar imposto. Fonte: impostometro.com.br
Gráfico de dias que a população brasileira trabalha por ano para pagar imposto. Fonte: impostometro.com.br

Atualmente, a taxação ocorre somente no momento do resgate e envio do dinheiro ao Brasil. Estima-se que o valor aplicado no exterior seja de mais de 1 trilhão de reais. O Projeto de Lei, protocolado pelo Governo Federal, prevê uma cobrança de imposto anual sobre as offshores com alíquotas que variam de 0% a 22,5%. 

Dependendo do valor aplicado, usuários com uma renda de até R$6 mil reais estarão  isentos. Cidadãos que  participarem dessa taxação ainda em 2023 terão uma  alíquota fixa de 10%.

Em entrevista à AGEMT, o economista e professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP),  Paulo Roberto Feldmann, analisa que esse tipo de política tributária é necessária, tendo em vista que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. 

Não podemos aceitar que metade das famílias brasileiras tenham que viver com menos de R$ 3000,00. Enquanto isso, as famílias mais ricas, como vivem de rendas de seus investimentos, ou dos lucros de suas empresas ou, então, de dividendos de ações não pagam impostos”, afirma Feldmann.

Segundo dados do Ministério da Fazenda, quase 48% do valor arrecadado pela União vem de impostos sobre bens e serviços, valores presentes, por exemplo, no preço de produtos alimentícios e transporte público.Enquanto isto, o imposto sobre a renda equivale a 19% da arrecadação.

A tributação na renda tem mais chance de afetar o rico já que o pobre faz parte de uma menor alíquota e trabalha muito na informalidade. Dessa forma, a União teria chance de arrecadar mais, além de poder também taxar dividendos. De acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no mundo, o imposto sobre a renda é equivalente a 33% da arrecadação.

Economistas mais conservadores criticam políticas como as sugeridas pela medida provisória e do projeto de lei do governo federal, já que o aumento de tributação altera o lucro das empresas, fazendo com que saiam  do país. 

Para Rodrigo de Losso Bueno, economista financeiro e também professor da FEA-USP, o efeito a longo prazo desse tipo de medida é menos emprego e menor crescimento econômico no Brasil. “ Aqueles que ainda vão fazer sucesso estão na situação mais confortável. Quando perceberem que seu negócio vai decolar, transferem sua matriz para o exterior e mudam o domicílio fiscal”, explica o especialista.

Bueno também observa que aqueles que serão diretamente afetados pela MP, podem  sair do país e, com isso, deixarem de participar da arrecadação a longo prazo. Frente a este cenário, na visão do economista, o objetivo futuro do Governo Federal em cobrir os rombos que a isenção do imposto de renda pode causar, poderá não se concretizar. 


 

Consumidores sofrem com o crescimento exponencial dos preços dos alimentos
por
Giuliana Barrios Zanin
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23/09/2023 - 12h

 

Você já pensou quanto você gasta com alimentação nos últimos tempos? A Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2018, relatório mais recente de economia, calculou que as despesas per capita do setor atingem 70,5% da renda de uma família média no Brasil. Cinco anos depois, após uma pandemia e uma crise política na economia pós transição de governo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede o valor da cesta básica de indivíduos com faturamento até 5 salários mínimos (R$ 6.600), fechou o mês de agosto com inflação de 0,2%, taxa superior a julho desse ano e agosto de 2022.  

Todo domingo, Armando Silva, (nome fictício) 82 anos, vai à feira. Aposentado há quase 30 anos, mora com a esposa em um prédio e sobrevivem com 4,2 salários mínimos contribuídos ao longo desses anos. Em entrevista à Agência Maurício Tragtenberg (Agemt), ele conta como os gastos com frutas e legumes “pesaram” de alguns anos para cá. “Mais ou menos 20% do que eu ganho vai para a feira”.

Isso porque as placas amarelas espalhadas pelas lojas não significam mais promoção. Os tubérculos, raízes e legumes foram os produtos que mais sofreram variação entre a categoria de alimentos e bebidas, enquanto a carne está em terceiro lugar dos alimentos que sofreram menos variação - dados coletados pelo Ministério da Economia em janeiro de 2021.

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Os legumes sofreram maior variação de preços em 2023. Foto: Giuliana Zanin

Diante desse expoente e dos preços que prejudicam os lucros dos feirantes, André Fiori, analista de economia da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP), contou à Agemt as estratégias utilizadas pelos vendedores. “Eles estão 'regulando' as quantidades a serem compradas, assim sendo, os preços mesmo subindo não tem "força" para ficar nas alturas por conta da compra escalonada dando preferência para produtos sazonais (com boa oferta) e regionais.”

 

O leite e os derivados não ficaram de fora do orçamento. “Após quatro anos de altas consecutivas na produção leiteira, o setor apresentou dois anos de quedas significativas e estima-se que o Brasil encerre o ano com queda de 4,4% na produção formal”, relata a pesquisadora da Embrapa Gado de Leite Kennya Siqueira para o site da empresa. Se, por um lado, a crise nas estruturas lacínias mexeu com o mercado financeiro, por outro, o consumidor não ficou de fora. O consumo anual de leite por habitante foi reduzido de 170,3 litros para 163 litros.

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Menos de 20% da população latinoamericana consegue sustentar uma alimentação saudável por causa dos preços altos dos produtos. Foto: Giuliana Zanin

Com base em todos os acréscimos na indústria alimentícia, a segurança por uma alimentação saudável sofre para não ser atingida pelos preços. O Panorama 2022 publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outras instituições internacionais analisou que o custo e o acesso à alimentação saudável na América Latina e no Caribe são, atualmente, o mais caro do mundo. O custo da média mundial por pessoa por dia é US$3,54, enquanto nas outras regiões citadas é de US$3,89. “Como consequência, 131 milhões de pessoas não têm acesso a esse tipo de rotina.” Enquanto isso, em 2020, 18,5% da América do Sul não tinha condição de sustentar esse custo.

Assim como o senhor Amando, quase um quarto da população que tenta manter uma alimentação saudável sofre para administrar a renda com um custo de vida elevado.

 

 

*o nome Armando Silva é fictício

Medida defendida pelo presidente do Banco Central gera discussão entre instituições privadas e o Poder Legislativo
por
Marcela Rocha
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11/09/2023 - 12h

Maquininha de cartão de crédito
Foto: Divulgação

Na falta de dinheiro na conta, o cartão de crédito é o maior “quebra-galho” da população brasileira. O recurso permite o rápido consumo de itens, desde para aproveitamento próprio, até para pequenos comerciantes que utilizam do cartão para reabastecer o estoque.

Em discurso para o Senado, Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central, defendeu o fim da isenção de juros por compras parceladas no cartão, dizendo que a medida poderia evitar o endividamento da população por juro rotativo.

No último mês de julho, o juro rotativo (isto é, a taxa cobrada quando o cliente não paga o valor total da fatura do cartão de crédito) teve acréscimo de quase 9 por cento, passando de 437,0% para 445,7%. A taxa é uma das principais causas de inadimplência no país.

Esperando por votação no Senado após ser aprovado na Câmara, o projeto criado pelo deputado federal Elmar Nascimento (União-BA) e relatado por Alencar Santana (PT-SP) visa estabelecer um limite para o juro rotativo, com o objetivo de diminuir a taxa e evitar cobranças abusivas. No ofício aprovado consta o prazo de 90 dias para que as instituições emissoras de cartões desenvolvam propostas para regulamentação da taxa. Caso após o prazo a condição não tenha sido atendida, a taxa total deverá ser de 100%.

Especialista em consumo brasileiro, Cristina Helena Pinto de Melo, que tem experiência em economia política e crescimento e desenvolvimento econômico, relata que pensando no aspecto social, a compra no cartão de crédito normalmente relacionada com estímulos de processos psicossociais, como a falsa sensação de não estar de fato gastando dinheiro, já que ao pagar com o cartão o consumidor não vê o dinheiro saindo da conta imediatamente, mas também ao fato de grande parte das compras com cartão não oferecer descontos quando comparado ao valor pago à vista.

A escolha pelo pagamento no cartão pode ser impulsionada pela baixa renda que impossibilita o pagamento à vista. Dessa forma, o indivíduo opta pelo consumo presente, isto é, pela compra no agora, visualizando o que deixará de comprar no futuro, para que assim possa fazer uso dos produtos no presente. Esse pensamento explicado por Cristina como o “consumo presente”, é bastante abordado na teoria econômica como um prejudicial para o planejamento financeiro de consumos futuros.

De acordo com a economista: “uma parte significativa da população já tem comprometida parcialmente a renda futura com compras já realizadas (com cartão). Neste caso, não há impactos imediatos sobre as aquisições já feitas. Mas, considerando que parte dos recursos futuros já estão comprometidos, uma mudança de prática altera as condições para novas aquisições parceladas o que desafia a gestão do orçamento doméstico."

Sobre consumidores de classes mais altas que utilizam o cartão de crédito mesmo quando têm renda o suficiente para pagar à vista, seus estímulos são outros: o acúmulo de milhas para trocar por produtos e serviços. A estratégia não deve ser afetada, já que comumente quando utilizada por esta finalidade os consumidores realizam as compras no cartão em uma única parcela: “Hoje a venda parcelada é considerada na hora da precificação. Isso significa que o preço do produto embute juros do parcelamento. Uma mudança no crédito rotativo pode mudar a precificação, e, portanto, o acúmulo de milhas. Essa é a única possibilidade (de prejuízo). Muitos usam o cartão sem parcelamento com a finalidade de acumular milhas e este hábito não deverá se alterar em função de mudanças no parcelamento”, ressalta Cristina.

Quando se trata das classes mais baixas, a medida pode evitar endividamento por juro rotativo, mas tem sua eficácia questionada, pois ainda deve comprometer o orçamento. Segundo Cristina, a alteração de fim de isenção de juros por parcelamento “pode desestimular o uso do cartão como meio de pagamento. Isso evita sim o endividamento por juro rotativo”.

Apesar disso, não há evidências de que os consumidores de baixa renda deverão deixar de consumir com cartão, já que sem valores na conta para compras à vista, o cartão resiste como principal possibilidade de crédito, fazendo com que consumidores de classe C e D possam permanecer com a renda prejudicada e o orçamento exposto a risco de endividamento. A medida segue como uma grande questão.

A economista reforça: “Não podemos esquecer que a taxa de juros no rotativo é uma das mais elevadas na economia. Quem não consegue pagar as parcelas conforme acordado no momento da compra ou não atenta para a soma das várias parcelas e não consegue fazer o pagamento vê sua dívida crescer a um ritmo que impossibilita ao pagador honrar seus compromissos. Estamos falando de uma taxa de juros em torno de 15% ao mês, maior que a taxa básica (SELIC) anual. Portanto, administrar uma mudança na possibilidade de compras parceladas é importante e muito desafiadora.”