O novo coronavírus encontrou a sociedade brasileira em uma situação frágil do ponto de vista econômico, social e político. Além das desigualdades latentes, o desemprego estava em alta e Brasília em chamas com a acirrada disputa entre os poderes Executivo e Legislativo. Como se não bastasse, o presidente Jair Bolsonaro e o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, expunham publicamente suas divergências. A pandemia traz grandes impactos não só para a economia, mas também para o sistema público de saúde.
Segundo a professora de economia da PUC-SP Cristina Amorim, estes impactos já são visíveis. Em entrevista à TV PUC, ela citou as demissões que estão ocorrendo em diversos setores e disse que, com indústria e comércio parados, há riscos de desabastecimento de produtos essenciais. “Os próximos dois ou três anos serão reflexo dessa violenta redução de demanda e de oferta. A retomada do crescimento e da renda dos consumidores não ocorrerá em poucos meses”, avaliou.
Em relação aos gastos públicos, muitas pessoas acreditam que a gestão dos Estados é similar à gestão individual, ou seja, quando o poder público gasta mais do que arrecada, assume uma dívida que põe em xeque o bem-estar social. No entanto, a professora explicou que o argumento é equivocado e não justifica a redução de investimentos na saúde.
“A dívida pública é um instrumento de política econômica, e não um indicador de Estado perdulário. Se a dívida é excessiva ou inadequada à economia, depende da percepção do credor, e não da sua relação como proporção do PIB”, disse Amorim, que pesquisa a economia e a gestão da saúde.
No atual cenário, o sistema público de saúde precisa mais do que nunca de investimentos. A economista afirmou que o Sistema Único de Saúde (SUS), disponível para qualquer pessoa em território brasileiro, tem uma capacidade única de diagnosticar e atender milhões de pessoas, coisa que nenhum plano de saúde faz. Por isso, ele é essencial para o enfrentamento do novo coronavírus.
“A Covid-19 é uma pandemia, ataca populações. O sistema privado de saúde não alcança os cidadãos, apenas os seus clientes”, afirmou Amorim, acrescentando que, apesar de o Brasil ser um país em desenvolvimento, o SUS é superior em relação ao sistema de saúde pública dos Estados Unidos e de muitos países da Europa.
Ainda assim, no Brasil há um processo cada vez mais acentuado de privatização da saúde. Em 2015, foi aprovada a participação majoritária de empresas estrangeiras no setor. Planos como a Amil foram comprados. Em função da pandemia, hospitais públicos e privados de muitos estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará, já estão lotados.
O SUS enfrenta problemas há tempos, principalmente no que diz respeito ao financiamento. Em seu artigo “Sistema Único de Saúde (SUS) aos 30 anos”, publicado em 2018 na revista online Ciência & Saúde Coletiva, Jairnilson Silva Paim, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, aponta que os municípios foram os entes que sustentaram o SUS para a população. “Mais de 40% dos estados não aplicam o mínimo de 12% na saúde, contudo 100% dos municípios aplicam acima do mínimo de 15% na saúde, chegando à média de 26%.” Diante disso, a estagnação econômica de muitos municípios agrava o problema do SUS, pois as prefeituras ficam à mercê das transferências da União.
Apesar de o SUS possuir conhecimentos acumulados e profissionais experientes, ainda depende do repasse do governo federal, cada vez mais restrito devido à lógica de eficiência, própria do capitalismo e do Estado neoliberal. Isso é expresso na Emenda Constitucional 95, que provocou a diminuição dos gastos públicos e significou uma perda de cerca de R$ 20 bilhões na saúde nos últimos dois anos. O bom funcionamento da rede básica de saúde pode ser essencial para evitar o colapso do sistema como um todo. “O que não pode faltar é a quantidade suficiente de recursos financeiros, materiais e humanos para o SUS tocar essa situação e ajudar a debelar a crise”, expõe a professora de economia.
Para que o sistema não fique sobrecarregado, a pesquisadora acredita ser fundamental o cumprimento do isolamento social recomendado pelo Ministério da Saúde, com base em critérios médicos e científicos. Amorim alertou que quanto menos infectados demandarem assistência médica e hospitalar, maior a capacidade de atendimento e menor o número de vítimas fatais.
A economia é afetada no mundo inteiro. O Fundo Monetário Internacional (FMI) pediu aos países do G20, os mais ricos do mundo, que suspendam o pagamento das dívidas dos mais pobres, e está abrindo linhas de crédito para economias que precisam de dinheiro. Amorim avaliou que para o Brasil é mais interessante recorrer a essas linhas de crédito do que vender as reservas cambiais.
“No Brasil, a União tem recursos para minimizar os efeitos da nossa crise tríplice de saúde, econômica e política. Há várias fontes de recursos. Primeiro a redução da taxa de juros dos últimos quatro anos reduziu o principal dreno dos recursos brasileiros, o custo da dívida interna, e é muito provável que a taxa de juros chegue a zero nos próximos meses”, explicou a economista.
Outra fonte importante de renda que ajuda a diminuir a crise é a emissão de moeda. Segundo Amorim, não há chance de inflação nesse ciclo econômico. “Sempre há outros recursos fiscais que poderiam ser realocados para o combate do coronavírus”, complementou. Mesmo que o Brasil tenha conhecimento em saúde pública e recursos financeiros, a professora acredita que “ a crise política e a decorrente falta de liderança é um entrave crítico para o enfrentamento da situação”.
Em função das recomendações de isolamento social da população de São Paulo, o volume de compras online dos supermercados disparou. Na última semana de março, por exemplo, as entregas mais do que dobraram em relação à média. E esse aumento não indica que os consumidores estão comprando em excesso, mas sim que o delivery está ganhando cada vez mais espaço nestes tempos de quarentena.
Desde o dia 24 de março, quando a recomendação de isolamento social passou a ser mais difundida entre os paulistas, os super e hipermercados do estado de São Paulo passaram a ser grandes alvos da população, que, em meio às incertezas da Covid-19, correu para armazenar mantimentos. A prática foi veementemente condenada por jornais e nas redes sociais, mas o aumento no volume de compras não se limitou às lojas físicas: 77% dos mercados relataram forte alta nas vendas online entre os dias 16 e 22 de março.
No total, em comparação com a média dos três meses anteriores, o aumento durante esse período foi de 74% e, consequentemente, 59% das empresas do ramo precisaram realocar mão de obra para o setor online, segundo a Associação Paulista de Supermercados (Apas).
A experiência de fazer compras pela internet, porém, não é comum entre os brasileiros. Até 2019, apenas 15% dos consumidores faziam uso dos meios tecnológicos para as compras de supermercado, mas, em meio ao novo coronavírus, as novas formas de comunicação foram inevitáveis e necessárias para evitar a disseminação da nova doença.
Entre os clientes que sempre optavam por comprar nas lojas físicas, está a aposentada Maria Elizete, 67, que se disse surpresa com a funcionalidade do aplicativo “James”, do Pão de Açucar, embora ainda prefira escolher suas frutas pessoalmente. “Ah... confesso que fiquei com um pouco de medo no primeiro momento, mas, assim que meu neto me ensinou a mexer, deu tudo certo”, comentou.
Com a boa aceitação, ainda que insubstituíveis para alguns, as compras presenciais perderam espaço para o e-commerce e, nestes tempos de reclusão, não é difícil entender o porquê. Após as primeiras semanas do vírus no estado de São Paulo e a aparente conscientização de parte da população, as vendas online atingiram o ápice de crescimento na última semana de março, ficando 107% acima da média.
Surpreendidos pela demanda, 52% dos supermercados relataram que tiveram de suspender temporariamente os serviços online para evitar atritos com os clientes, segundo levantamento da Apas. A logística e a operação dos canais virtuais foram os principais problemas apontados pelas empresas do setor nesse período inicial.
Porém, engana-se quem pensa que apenas as grandes redes se adaptaram por meio da tecnologia para manter as vendas e atender a clientela. Localizado na Vila Olímpia, o Mercadinho Nova Cidade, por exemplo, criou um WhatsApp para receber as encomendas. “Seguimos todas as medidas de higiene e estamos fazendo as entregas com luvas e máscaras”, contou Paulo Gomes, dono do estabelecimento.
Com mais de 6.100 mortes causadas pelo coronavírus no estado de São Paulo, a população parece optar cada vez mais pelas alternativas tecnológicas para compras nos supermercados. De acordo com o levantamento da Apas, durante a semana de Páscoa (06/04 a 12/04), houve um aumento de 81% no volume de vendas online, mas apenas 15% dos supermercados registraram aumento no volume total de compras, sinalizando assim que a tendência inicial de estocar mantimentos já não é mais realidade e que as compras online estão substituindo, mesmo que por ora, o comércio físico.
Além disso, ainda em 2019, as previsões de crescimento nas vendas online para 2020 no estado de São Paulo eram de 12% (segundo a FecomercioSP). Após as mudanças comportamentais causadas pelo novo surto epidemiológico, o crescimento da modalidade ainda não pode ser calculado, mas, a julgar pela aproximação da sociedade com essas tecnologias, assim como pela “familiaridade forçada” que tem ocorrido durante os dias de isolamento, é bem provável que supere as expectativas.
Em nota, a Apas informou que continua negociando com os fornecedores para manter o abastecimento com preços justos e sugere aos consumidores que realizem compras conscientes e procurem produtos substitutos quando possível. No que diz respeito ao abastecimento dos mercados, a associação enfatizou que os consumidores precisam se programar para as compras online, mas que não é preciso fazer estoque.
Desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil, muitas empresas foram obrigadas a adotar o home office para preservar seus funcionários e dar continuidade às suas atividades. Anteriormente, esse formato de trabalho muitas vezes era considerado inapropriado, mas o que ninguém imaginava é que ele se tornaria tão fundamental para a sobrevivência de muitas empresas e também da população.
Um estudo recente realizado pelo professor André Miceli, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), revelou que as atuais mudanças podem fazer com que o home office cresça 30% após a estabilização dos casos de Covid-19 e o retorno às atividades normais. Além disso, uma pesquisa realizada em 2019 pela SAP Consultoria em Recursos Humanos constatou que, entre 2016 e 2018, o número de empresas que adotam essa política de trabalho cresceu 22%.
Apesar dos dados, o home office exige atenção em relação à infraestrutura e conforto dos funcionários, além das questões trabalhistas e disciplinares. Uma pesquisa realizada no final de março pela Betania Tanure Associados, uma consultoria de empresas, mostrou que 43% das 359 empresas consultadas haviam adotado o home office por conta da pandemia. Entre as maiores dificuldades relatadas, tiveram destaque a adaptação das atividades presenciais para virtuais (61%), o gerenciamento remoto da equipe (45%) e a infraestrutura tecnológica (43%).
Para compreender a legislação relativa ao trabalho à distância, é necessário estabelecer, em primeiro lugar, a diferença entre o teletrabalho e o home office. Entende-se por teletrabalho a prestação de serviços executados majoritariamente fora das dependências do empregador. Já o home office se caracteriza quando o trabalho é realizado à distância de forma pontual. Para o teletrabalho existe uma legislação, para o home office não.
Como conta a advogada trabalhista e professora da PUC-SP Fabíola Marques, antes da reforma trabalhista não existia nenhum tipo de legislação que fizesse distinção entre o trabalho à distância e o realizado nas dependências do empregador. Desde 2017, quando entrou em vigor a Lei nº 13.467/2017, o teletrabalho foi normatizado e recebeu regras específicas para sua realização. Segundo o artigo 75-B, considera-se como teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
A lei também estabelece que o regime de trabalho à distância deverá constar no contrato de trabalho individual do funcionário, e que o comparecimento eventual às dependências do empregador não descaracteriza o regime contratual. Além disso, a lei prevê que, por conta da flexibilidade e autonomia do funcionário, não há direito ao adicional de horas extras e nem ao intervalo durante a jornada.
Fabíola explica que, com a chegada do novo coronavírus ao Brasil, foi necessário criar uma medida provisória que facilitasse a adoção do trabalho à distância para as empresas. Assim entrou em vigor a Medida Provisória n° 927, de 22 de março de 2020, que determina algumas alternativas trabalhistas para o enfrentamento do coronavírus. A partir desta medida, os empregadores poderão, durante o estado de calamidade, alterar o regime de trabalho de seus funcionários sem necessidade de alteração prévia no contrato individual, desde que o empregado seja avisado com 48 horas de antecedência.
Além disso, segundo a MP, caso o funcionário não disponha de recursos tecnológicos, é responsabilidade do empregador fornecer os equipamentos necessários sob regime de comodato, ou seja, empréstimo gratuito. Em caso de impossibilidade no oferecimento, as horas não trabalhadas ficarão à disposição do empregador. A MP ainda permite que estagiários e aprendizes também adotem esse regime alternativo de trabalho.
Segundo dados do IBGE divulgados no final do ano passado, em 2018, 3,8 milhões de brasileiros trabalharam à distância. De acordo com a pesquisa, 5,2% do total de trabalhadores ocupados adotam esse regime de trabalho, uma alta de 44,4% em relação a 2012.
A empresa de análise e monitoramento de redes sociais Elife adota o teletrabalho desde que fundada, em 2004. Segundo o coordenador de projetos, William Ferreira, entre os maiores temores dos empregadores em relação ao trabalho à distância está a segurança da informação, assim como a gestão dos colaboradores. Para ele, no entanto, o bem-estar gerado para o funcionário acarreta o aumento da produtividade e a satisfação com a empresa.
William avalia que nem todas as pessoas estão aptas para trabalhar à distância, justamente por questões de adaptação e gosto pessoal. Por isso, ele afirma que é responsabilidade da empresa na hora da contratação buscar entender qual o perfil de determinado candidato. William observa que os profissionais mais jovens tendem a se adaptar melhor ao sistema por estarem mais habituados às plataformas digitais.
Na Elife, as equipes adotam algumas ferramentas básicas que William considera imprescindíveis na gestão e para manter o contato diário entre os funcionários, diminuindo a sensação de distância. Uma delas é o Slack, uma espécie de chat que facilita as divisões de equipe e o mapeamento do trabalho. Outras são o Google Suite – que conta com diversas funcionalidades, entre elas o Google Drive para armazenamento dos arquivos –, o Google Hangouts, para a realização de videoconferências, e o Facebook Groups, para a divulgação de acontecimentos internos da empresa, alinhamentos de RH e conteúdos específicos.
Por fim, William pontua que a pandemia rompeu com todas as barreiras que a maioria das empresas tinha em relação ao teletrabalho e que este cenário mostrou que os principais argumentos relacionados à produtividade e segurança da informação não se sustentam, visto que o mundo opera sob esse regime há mais de 30 dias e as empresas seguem funcionando sem grandes problemas.
A quarentena determinada pela Covid-19 trouxe à tona uma questão há muito tempo discutida por economistas e formuladores de políticas públicas: a possibilidade de destinar uma renda básica às camadas mais pobres da população, sobretudo em momentos de crise.
Entre as medidas do governo para atenuar os impactos da pandemia, a proposta de renda básica – também chamada de renda mínima – está sendo materializada no auxílio de R$ 600 concedido a trabalhadores informais, mulheres chefes de família e outros segmentos penalizados pela paralisação inédita da atividade econômica. Porém, de acordo com especialistas, embora relevante, essa renda está longe de ser suficiente, considerando que equivale a pouco mais de metade de um salário mínimo.
A Agemt conversou com dois especialistas da área econômica e administrativa, que explicaram o conceito de renda básica e se posicionaram sobre sua aplicabilidade no cenário brasileiro.
O primeiro entrevistado foi Paulo Feldmann, professor livre-docente do Departamento de Administração da Faculdade de Economia e a Administração (FEA) da USP e doutor em administração pela Fundação Getúlio Vargas. O segundo foi João Almeida Santos, professor de economia da Universidade Metodista de São Paulo e doutor em economia pela PUC-SP.
Os dois destacaram a importância de programas de renda mínima, não apenas no atual contexto de crise, mas também para o futuro. Feldmann observou que alguns países, como a Dinamarca e a Finlândia, já adotaram a medida de forma permanente, buscando amortecer os impactos do desemprego, que, por razões tecnológicas, inevitavelmente irá aumentar no futuro.
Feldmann disse que é inegável que muitas pessoas hoje assumem funções não muito valorizadas pela sociedade, como trabalhos de caráter mais braçal, como delivery, telemarketing, entre outros. Após a precarização por que têm passado nos últimos tempos, esses postos de trabalho caminharão para a automação completa, ou seja, a mão de obra humana será substituída por máquinas com maior capacidade de trabalho e inteligência cada vez mais desenvolvida.
O professor da USP contou que o Japão, considerado uma das maiores potências tecnológicas do mundo, está implantando pela segunda vez a renda básica. Após um primeiro teste, os resultados foram verificados e serviram de base para uma segunda edição aprimorada do programa, aplicado em forma de lei em todo o território japonês.
Segundo Feldmann, esses países concluíram que a renda mínima é a melhor medida para salvar grande parte da população de uma crise econômica sem precedentes.
Almeida, por sua vez, disse que a precarização do trabalho ressalta a necessidade de programas de renda básica. Ele comentou que os trabalhadores precarizados (por exemplo os motoboys autônomos que trabalham para empresas como Rappi e Ifood) mal conseguem se sustentar com o que recebem, já que não têm um salário fixo e muito menos direitos trabalhistas.
“A precarização está na relação entre empregador e trabalhador e a forma em que o trabalho é realizado. Não existe contrato formal de trabalho (ou, quando existe, ele é como falso empreendedor com registro de MEI – microempreendedor individual), além de outros problemas graves para o trabalhador, como a falta de jornada de trabalho definida, falta de EPI – equipamento de proteção individual –, equipamento inadequado e etc”, comentou Almeida.
Os dois entrevistados concordaram que os recursos não devem vir apenas do governo federal, mas da taxação de grandes riquezas e de impostos sobre os bancos. “O principal problema da renda básica é de onde irão sair os recursos, já que o governo não possui uma riqueza infinita. Nos países escandinavos há impostos sobre as grandes riquezas, aqui no Brasil isso seria primordial para angariar recursos e destina-los à população”, disse Feldmann.
Mas, para fazer isso, salientou, seria necessária uma reforma total no sistema tributário do país, que é extremamente desigual: os que têm menos renda pagam relativamente mais impostos do que os que possuem mais. “O ponto central de uma reforma tributária é sempre o imposto de renda, onde as pessoas muito ricas devem pagar taxas muito mais altas do que as pessoas mais pobres. Com essa mudança, o governo federal destinaria esse recurso para as áreas principais, como educação, saúde, segurança pública e etc., além de poder destinar parte desses ganhos para o projeto de renda mínima”, acrescentou Feldmann.
O professor da USP considera insatisfatório o auxílio de R$ 600 anunciado pelo governo para amortecer os impactos da pandemia. “Os R$ 600 não serão suficientes. Esse valor terá que aumentar muito, não existe outra saída para a economia que não seja a diminuição do neoliberalismo, pois o governo deve intervir na economia. O governo é que precisa salvar e auxiliar a população nesses tempos de crise, priorizando as necessidades da população em detrimento do lucro privado."
Ainda lutando para superar a recessão de 2015 e 2016, o Brasil deve experimentar neste ano uma crise econômica sem precedentes devido aos impactos do novo coronavírus. As expectativas para o Produto Interno Bruto (PIB), que antes giravam em torno de 2,5% para cima, pioram a cada semana e agora apontam uma queda de até 9%. Até junho, o número de desempregados deve aumentar em pelo menos 2,2 milhões.
Por conta da estratégia de isolamento social, grande parte do comércio cujas atividades não são consideradas essenciais fechou e muitas pessoas perderam o emprego.
A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que os impactos dessa pandemia já são maiores do que o choques de 2001 e 2008, e que a recuperação será ainda mais difícil para os países em desenvolvimento, onde a retomada começaria, muito lenta, a partir de junho.
A taxa de desemprego, da mesma forma, deve experimentar um forte avanço. Dos 11,6% verificados no trimestre encerrado em fevereiro, o índice deve saltar para 13,5% em junho, segundo estimativas feitas pelo economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, em entrevista ao Valor Econômico. Em números absolutos, isso significaria um acréscimo de 2,2 milhões no número de desempregados, que passaria de 12,3 milhões para 14,5 milhões. Para o fim do ano, porém, Jensen acredita em um pequeno alívio, com o desemprego chegando a 12,9% e o total de desempregados a 13,8 milhões.
Um dos mais afetados pela crise, o setor de bares e restaurantes prevê que até o mês de maio 3 milhões de trabalhadores dos setores não essenciais sejam demitidos. A estudante de administração Isabella Carvalho, de 21 anos, foi uma das pessoas pegas de surpresa quando recebeu a notícia da demissão. Trabalhava há 3 anos em um restaurante perto de sua casa. “Pensei que essa crise fosse demorar para afetar o Brasil, isso se afetasse. Mas agora vi que a situação está bem mais grave do que imaginava”, comenta.
Isabella ajuda a mãe a pagar as contas da casa, onde mora com mais dois irmãos e o sobrinho, em Vargem Grande Paulista, no interior de São Paulo. “Agora não sei o que fazer, me sinto perdida. Não sei por onde recomeçar. Dá até um desespero”, afirma.
A indústria é a próxima a sofrer os reflexos dessa pandemia. As consequências demoram um pouco mais para aparecer, já que as fábricas têm conseguido conter demissões em massa, colocando os trabalhadores em férias coletivas ou diminuindo a jornada de trabalho. Entretanto, o setor tem uma participação cada vez menor no PIB, levando o país a uma desindustrialização precoce e à concentração cada vez maior de commodities em sua pauta de exportações.
O economista e professor da FMU Marcos Henrique do Espirito Santos faz um panorama da situação: ”O coronavírus tende a dar uma virada de jogo em qualquer possibilidade de ‘recuperação’ da economia. A taxa de desemprego vai voltar a subir, tendo um impacto muito forte, especialmente, sobre os trabalhadores informais e até sobre os formais que estão na base da pirâmide, que ganham menos e que têm uma rede de proteção menor”.
Segundo Espírito Santo, a economia do Brasil, estruturalmente falando, sempre foi informal, afinal, tratava-se de uma economia colonial baseada na escravidão. No entanto, nos governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016), algumas políticas de inclusão foram implementadas, como a geração do trabalho formal. No atual governo, no entanto, a informalidade voltou a bater recorde.
Diante desse cenário, o governo anunciou uma série de ações na tentativa de minimizar a deterioração do mercado de trabalho, como o home office, antecipação de férias, férias coletivas e uso do banco de horas. Já para os trabalhadores informais, o Congresso aprovou um auxílio emergencial de R$ 600 por até três meses.
Também foi aprovado um programa de liberação de crédito por intermédio do Banco Central na intenção de corrigir as disfunções do mercado. Inclusive para disponibilizar recursos aos próprios bancos, viabilizando mais empréstimos a pessoas físicas e jurídicas e evitando que passem por uma crise de liquidez que leve à quebra do sistema como um todo.
“Esse momento que estamos prestes a viver, de recuo muito forte do PIB e de toda a atividade econômica, irá ajudar a repensar a forma de existência e organização do sistema capitalista, que já vem encontrando limites há algum tempo e desde a crise de 2008 vem dando possíveis indícios de rompimento”, afirma Espírito Santo.
Além disso, com a ciência e a pesquisas sob os holofotes do mundo, uma importante discussão, principalmente no Brasil, foi levantada. As áreas historicamente rejeitadas no país, que vêm sendo prejudicadas pelo subfinanciamento e têm perdido cada vez mais prestígio, hoje mostram, mais do que nunca, sua relevância.