No dia 31 de outubro, começou no Rio de Janeiro o campeonato mundial de Counter Strike: Global Offensive, reunindo as melhores equipes e jogadores do cenário de um dos jogos mais tradicionais do mundo. O torneio vem ao Brasil pela primeira vez em sua história, com 24 equipes participantes do mundo inteiro. Entre elas, as brasileiras Imperial, 00Nation e FURIA, além da sul-americana 9Z.
Também estreia no IEM Rio Major 2022 a presença de público nas duas primeiras fases do campeonato, inédito na história dos mundiais. Normalmente, esses jogos são realizados em hotéis ou arenas menores, enquanto no campeonato atual, serão divididos entre com ou sem público. A “Challengers Stage” e “Legends Stage” ocorrem no Riocentro, com capacidade para 10.000 pessoas. Essas fases são formadas pelo Formato Suíço, em que o time que consegue três vitórias, ou três derrotas, será classificado, ou eliminado. Apenas as equipes com o mesmo recorde podem se enfrentar.
O evento conta com lojas da organizadora e patrocinadora ESL, anteriormente conhecida como Electronic Sports League, que vende uniformes, acessórios e merchs das equipes com preços de R$150 a R$280 e um fácil acesso à comidas e banheiros no Riocentro.
Para a próxima fase, onde ocorrerá o mata-mata, será jogado na Jeunesse Arena, com um público previsto de 20.000 torcedores. A premiação do campeonato é avaliada em 1 milhão de dólares, aproximadamente R$5.000.000;
A narração e coordenação da torcida no evento conta com o streamer Alexandre Borba, mais conhecido como Gaules. O brasileiro é o mais seguido do mundo na plataforma Twitch, com mais de 15 milhões de seguidores e transmite os jogos em seu canal para uma média de 200 mil pessoas. Além de Gaules, a “Tribo”, grupo de outros streamers e influenciadores organizados por ele, participa da transmissão, seja com reportagens, entrevistas ou comentários.
Outro ponto a se destacar é o público brasileiro, mais conhecido como “La Tribonera”, apelido dado por Gaules, sendo elogiado por grande parte dos jogadores pelo barulho excessivo e paixão pelo jogo, como Oleksandr "s1mple" Kostyliev, ucraniano eleito o melhor do mundo em 2021, descrevendo a torcida brasileira em seu twitter como “A melhor do mundo, eu amo vocês”, além do russo Dzhami "Jame" Ali, que comparou com a plateia europeia “Sempre fui tratado na Europa como vilão, e diziam pra mim ‘Vá se foder’, enquanto aqui, gritam e comemoram meu nome, me sinto muito bem”, à Liminha, em live de Gaules.
Porém, a torcida brasileira também têm sido alvo de polêmicas e sanções da ESL. No Counter-Strike, há a opção de ver a silhueta do personagem para facilitar ao telespectador entender a partida, como um raio-x. Contudo, muitas vezes o público gritava aos jogadores, que não possuem acesso ao sistema, a posição e estratégia dos adversários, fazendo a organizadora retirar o xray e o mapa do jogo na transmissão do Gaules.
Explicação do Sistema Suíco. Foto: Reprodução / GOAL
Exemplo da visão do telespectador. Para o jogador, não há silhuetas. Foto: Reprodução / ESLCSGO
Com isso, internautas do mundo inteiro criticaram massivamente a torcida brasileira: ”Vai ser tão bom quando todos os times brasileiros forem eliminados, então essa torcida nojenta irá acabar“ escreveu um torcedor no Twitter.
Alexandre desabafou após as medidas: “Peço desculpas à maior transmissão de Counter-Strike do mundo por não estar podendo assistir com xray e mini-mapa. Pra nós, é sempre mais difícil”, e complementa com o lema que viria a ser utilizado pelos brasileiros durante o campeonato “Eles não vão entender nunca o que é ser brasileiro e traduz para eles essa p#rra”.
Gaules com “La Tribonera” ao fundo em jogo da FURIA. Foto: Divulgação / Gaules
Foto destaque: Torcida brasileira no IEM Rio Major 2022. Foto: Reprodução / theMAKKU.
Escritório lotado, telefones tocando, televisão ligada, vozes intercalando-se e barulhos do teclado do computador são as primeiras características notadas ao chegar na Agência MTC assessoria de imprensa, localizada no bairro Vila Olímpia, em São Paulo. A empresa especializada em assessoria e relações públicas atende clientes do meio de entretenimento e das artes como cantores, atores e principalmente influenciadores digitais.
O dia-a-dia dos funcionários baseia-se em cada demanda e necessidade do agenciado no momento. ''Cada dia preciso estar em um lugar diferente, seja na própria agência ou em alguma externa como uma sessão de fotos, a gravação de um programa de TV, o lançamento de alguma marca. Sempre acompanhando o artista, auxiliando a imprensa presente’’, explica a estagiária Lívia Almeida, que está a quase dois anos na empresa.
Como estudante do último ano de Relações Públicas na Fundação Cásper Líbero, Almeida diz que as áreas possíveis em sua profissão são diversas, mas foi na assessoria de imprensa que ela encontrou-se e descobriu um mundo dos bastidores dos influenciadores digitais que se encontrou.
A estagiária entra em seu trabalho às treze horas da tarde e encerra o expediente às dezenove horas. Quando ela precisa fazer alguma pauta externa, passa o dia fora acompanhando aquela diária, porém quando o trabalho é interno ela alterna entre o home office e a presença no próprio escritório da agência.
‘’Acredito que quando lidamos com a assessoria de imprensa de artistas, estamos trabalhando com sonhos, é a construção de uma carreira e a inserção dessas pessoas nos meios de comunicação. Tem que ter uma atenção minuciosa aos detalhes e ser proativo para trazer os melhores resultados possíveis’’, pontua Almeida.
Mayara Oliveira, coordenadora da assessoria de quatro artistas da Agência MTC, inicia seu expediente às dez da manhã. Ao longo do dia, monitora todos os grupos com os artistas que cuida como assessora, para saber se tem alguma novidade de agenda, alguma crise acontecendo ou alguma atividade externa para ir. Normalmente, seu dia é cheio de reuniões para alinhar demandas para algumas entrevistas e futuros projetos e eventos que irão acontecer.
Ao mesmo tempo, Oliveira também precisa ficar o dia todo em contato com jornalistas de diversos veículos para conseguir incluir seus clientes em pautas de veículos importantes. A assessora é atarefada de alinhar coletivas de imprensa, os veículos que vão contatar, quais assuntos vão debater e checar com os artistas a disponibilidade para atender a imprensa. Ao final do dia, ainda tem que reunir tudo aquilo que fez e anotar, para no dia seguinte dar continuidade e continuar as estratégias de comunicação.
Como assessora de imprensa da Agência MTC, Mayara Oliveira conta que a rotina de alguém que trabalha na área é muito diversa e requisita muita disposição: ela precisa lidar com o gerenciamento de crises, pois não tem hora para sair e nem entrar; precisa se dedicar 24 horas para amenizar a situação e sair dela o mais rápido e da melhor forma possível; é necessário estar disposta a acompanhar os artistas em alguns eventos a qualquer hora do dia.
Por outro lado, a assessora diz que esse ramo do jornalismo abriu novas portas em sua vida: “Obtive a oportunidade de conhecer vários artistas que admiro e sou fã, indo em shows, programas e eventos com eles, lado a lado. É um universo muito diverso, que te leva para diversas áreas, e quando se trabalha com artistas é uma explosão de cultura e conhecimento do universo das celebridades que me faz muito feliz”.
Diante de uma rotina movimentada e exaustiva com muitas interações no mundo jornalístico, o ramo da assessoria de imprensa continua sendo necessário e altamente requisitado. Porém, Mayara e Lívia, mesmo tendo encontrado prestígio na profissão em uma área que não é bem valorizada no meio da comunicação, persistem ao enfrentar os desafios presentes em suas rotinas.

Na segunda-feira, 17, a primeira mesa da Semana da Diversidade foi composta por William de Lucca, apresentador do podcast “ Nos armários dos vestiários” e um dos fundadores do coletivo LGBTQIA+ “Palmeiras Livre”; Nathan Mouro, representante do coletivo “Porco Íris”; Tayna Fiori, jornalista e produtora de futebol feminino na TNT Sports Brasil; e Gabriel Paes, administrador da página “Quebrando o Tabu”. O mediador da mesa foi o jornalista e também representante das causas LGBTQIA+ no futebol brasileiro, João Abel.
De Lucca mencionou os ataques que sofreu em suas redes sociais, em 2018, após criticar o canto homofóbico da torcida palmeirense em jogo contra o São Paulo, e relata muitas ameaças online, inclusive, de morte. Mas o apresentador reiterou que, apesar da violência enfrentada pelas pessoas LGBTQIA+, não deixará a militância: “Eu sou um homem homossexual, jornalista e vou ocupar o espaço que acho que tenho que ocupar, e as arquibancadas são um espaço de todo mundo".

Nathan, ativista da causa, diz que o "Porco Íris" foi fundado em 2019, com o objetivo de criar um lugar que não existia para a comunidade LGBTQIA+ dentro dos estádios, e afirma que este é “um espaço que ainda precisa ser ocupado". O coletivo já levou a bandeira de representatividade em dois jogos do Palmeiras antes da pandemia, mas, desde a volta aos estádios, ainda não puderam fazê-lo novamente.
O "Palmeiras Livre" também já foi pro estádio com as bandeiras arco-íris, porém somente em jogos femininos. O motivo disso, consensual entre os palestrantes, é de que a discussão sobre a LGBTfobia é muito maior na liga feminina.
“O futebol feminino é um cenário que engloba e aceita muito mais”, diz Tayna.

a homofobia no esporte.
“Eu acho que a gente precisa dar tempo pra gente sofrer”

Na terça-feira, 18, o debate foi sobre a “ Psicofobia, banalização e romantização de transtornos mentais” e contou com a presença de Luana Alves, trabalhadora da saúde e vereadora em São Paulo; e Bruno Branquinho, psiquiatra com foco na saúde mental da comunidade LGBTQIA+.
Luana mencionou que a aceitação e o interesse em discutir transtornos mentais é resultado de uma luta mais antiga, a antimanicomial. Para ela, “prender” um indivíduo no manicômio é um dos passos da violência e da discrminação, mas que “negar direitos, desumanizar, desconsiderar aquela pessoa enquanto uma pessoa que tem opiniões” fazem parte, também, da lógica de exclusão, e são formas de deslegitimar a identidade do indivíduo.
Branquinho acredita que o conhecimento atual sobre os transtornos psíquicos têm ajudado a quebrar as barreiras do preconceito em relação à psiquiatria, mas que, por outro lado, há uma “patologização” excessiva de situações que não são transtornos.

“A gente precisa dar tempo pra gente sofrer, dar tempo pras nossas emoções, na verdade. Talvez não seja patológico, talvez seja o tempo que você precise”, orienta.
“ Ninguém dá valor à carne indígena, dão valor à terra indígena”
O tema discutido no terceiro encontro, 19, destacou a representatividade indígena, principalmente, na educação. Daniela Reis, coordenadora do programa social "Pindorama" - criado em 2001 pela PUC-SP para oferecer bolsas de estudo para alunos indígenas -, diz que, além das dificuldades financeiras para permanência dos alunos indígenas nas universidades, têm questões relacionadas à manutenção das culturas e ao reconhecimento étnico, que também precisam ser enfrentadas.

Álvaro Gonzaga, indígena e professor de Direito na PUC-SP , relata que o preconceito em relação à formação de indígenas está relacionado à ideia de primitividade e que, por outro lado, a universidade significa universalidade.
Álvaro menciona que todo o processo de incorporação do indígena nas cidades foi feito de forma a subalternizar esses corpos, colocando-os em uma posição sempre abaixo dos outros. “Ninguém dá valor à carne indígena, dão valor à terra indígena”, declara.

“É necessário que a nossa geração entenda que houve um grupo que lutou pela constituição, mas que existe um outro que precisa lutar pela implementação dela”, finaliza Gonzaga.
“ Se Deus é por nóis quem será contra nóis?”

Na quinta-feira, 20, o tema abordado foi a elitização da cultura, principalmente o funk. Para Thiagson, professor de música clássica e doutorando em Funk, todas as produções pretas e periféricas sempre trabalharam em um espaço de precariedade, e isso resultou no processo de desmerecimento de tudo aquilo que é popular.
Além dessa precarização, Lorrany, DJ desde 2013, também cita o “embranquecimento” das letras como uma forma de tornar essas produções um pouco mais elitizadas. “Eu não toco as mesmas músicas em festas de branco que eu toco na quebrada porque a galera branca se ofende”, compartilha.

Thiagson acrescentou que esse processo de embranquecimento parte, muitas vezes, de um cancelamento do funk por setores progressistas da sociedade, principalmente, pelo feminismo, mas um feminismo branco. “Eu não sei se essa coisa de objetificação do corpo assusta uma mina de quebrada, porque o corpo na favela já é objetificado, não só em relação ao sexo, mas também em relação ao trabalho”.
O professor ainda menciona que a música vai muito além de uma experiência auditiva, já que ela também carrega um estigma social.
“Levantar uma bandeira é ser atacado dia sim, dia também”

A última mesa do evento aconteceu na sexta-feira, 21, formada por Jonas Maria, palestrante sobre diversidade e gênero; Jacqueline Rocha, ativista em causas de inclusão, como a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+); Marina Daquanno Testi, estudante de jornalismo e pessoa não-binárie; e Alexandre Makhlouf, jornalista e produtor de conteúdo de pautas identitárias.
Na discussão sobre o ativismo LGBTQIA +, Alexandre Makhlouf, mediador da mesa, falou sobre a hostilidade que os indivíduos da comunidade sofrem. “Levantar uma bandeira é ser atacado dia sim, dia também”. Ele ainda relatou que, muitas vezes, só não sente medo de sofrer algum tipo de violência na rua com seu companheiro por conta da “passabilidade heteronormativa” com que são identificados. “Somos dois homens que, se você não abrir a boca e fizer a gente rir, você não sabe se a gente é gay ou não”.
Sobre os ataques que as pessoas LGBTQIA+ sofrem, Jonas conta que foi alvo antes mesmo de compreender sua sexualidade. "Na escola, eu era chamado de sapatão, mas não sabia o que era isso, então chegou antes de mim".
A respeito da provável representatividade que as bandeiras provocam na sociedade, Maria acredita que apesar das discussões sobre identidade não aderirem totalmente ou restringirem-se às bandeiras, percebe que elas possuem uma funcionalidade social. “A gente usa as bandeiras porque elas nos servem socialmente para nos conectar com outras pessoas, mas não se reduz a isso”.
Muitas vezes o exercício jornalístico envolve a investigação e a publicação daquilo que determinados grupos não querem que seja revelado, o resultado disso é a perseguição a esses profissionais.
Ontem (27) o “Ato em Defesa do Jornalismo e da Democracia” destacou um grupo específico de perseguidores e perseguidos: os apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) e mulheres jornalistas.
De acordo com a Fenaj ( Federação Nacional dos Jornalistas), uma das associações convocadoras do ato, o ano de 2021 registrou recorde de registros de ataques aos profissionais e aos veículos de comunicação. Cerca de 34,19% desses ataques foram promovidos pelo próprio presidente da República.
As jornalistas Patrícia Campos Mello e Bianca Santana, vítimas desse desrespeito do presidente Bolsonaro e seus apoiadores, estiveram presentes no encontro de maneira remota. Em sua fala, Patrícia relembrou a série de ataques que sofreu em 2018, após a publicação da série de reportagens sobre campanhas de desinformação.
Patrícia ainda relatou que as agressões iam de montagens de fotos a ataques diretos a sua integridade física. “Pessoas que ligavam pro meu celular dizendo que iam dar um murro na minha cara, mensagens dizendo que eu deveria sair do país se quisesse a segurança do meu filho [...] chegou um momento que eu não podia sair de casa porque eu tinha medo”, desabafou.
Em conjunto com a Fenaj, outras organizações convocaram a cerimônia, sendo essas: o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Repórteres sem Fronteiras (RSF), Instituto Vladimir Herzog, Associação Profissão Jornalista (ApJor), Barão de Itararé, Intervozes, Centro Acadêmico Vladimir Herzog (Cásper Líbero), Centro Acadêmico Benevides Paixão (PUC-SP). Ademais, tiveram a participação de corporações da sociedade civil entre eles o Grupo Prerrogativas, CONDEPE(Conselho Estadual de direitos da Pessoa Humana), OAB e o Grupo Tortura Nunca Mais.

A mesa foi presidida por Cláudia Tavares, integrante da diretoria do SJSP, e foi composta por Fábio Cypriano, diretor da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC (Faficla), Diogo de Holanda, coordenador do curso de jornalismo da universidade, Thiago Tanji, presidente do SJSP, Paulo Zocchi, vice-presidente da Fenaj (que representou também todas as demais entidades organizadoras do evento), Ana Amélia Camargos, representante do grupo prerrogativas, Natália Cristóvão, advogada da OAB, Ariel de Castro Alves, advogado representante do Grupo Tortura Nunca Mais e a vice-diretora do Centro Acadêmico Benevides Paixão (BENÊ), Maria Clara Alcântara.
Na sua fala, Maria Clara apontou a importância da defesa da democracia para o jornalismo brasileiro. "É impossível fazer jornalismo num país que não exista a democracia, principalmente como mulheres, porque eles atacam a gente não somente pela profissão, mas duvidam do nosso caráter e nos atacam diariamente no âmbito pessoal e profissional”, afirmou a estudante.
Sob essa perspectiva, a organização do evento exibiu um vídeo com depoimentos de oito jornalistas mulheres, de diferentes veículos, sobre as violências que sofrerem devido ao seu gênero e sua carreira. A gravação contou com depoimentos de Carla Vilhena, Flávia Oliveira , Josi Gonçalves, Amanda Audi, Paula Guimarães, Tatiana Dias, Tai Nalon e Juliana Dal Piva.
As mulheres viraram o principal foco dos ataques direcionados à imprensa, retrato que se ampara na misoginia da sociedade brasileira. A situação fica ainda mais tensa e intensa, como apontou Flávia Oliveira, d’O Globo, se a profissional for negra.
O depoimento de Bianca Santana foi o último a ser apresentado e logo depois a representante da Abraji, Cristina Zahar leu o documento preparado pelas entidades organizadoras que lembrou os assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, enquanto realizavam seu trabalho na Amazônia em junho deste ano.
De 1964 a 1985, o Brasil estava sob regime militar e, por isso, havia forte repressão a qualquer movimentação política. Com isso em mente, em 1977, estudantes se organizaram para driblar os militares para que conseguissem realizar o III Encontro Nacional dos Estudantes (ENE), organizado pela UNE (União Nacional dos Estudantes), marcado para o dia 22 de setembro. O plano de fazer com as tropas acreditassem que o evento estaria acontecendo na USP foi bem sucedido por um tempo, mas assim que descobriram a manobra a infantaria tratou de ir ao local verdadeiro.
Ao encontrar os universitários reunidos diante do TUCA (Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), os militares começaram a dispersar as pessoas com extrema violência, aos que participavam do Ato restou passarem por uma “triagem”, para identificar seus antecedentes e serem ou não conduzidos ao Departamento de Ordem e Política e Social (DOPS). O ambiente passou de um ato de resistência para um centro de tortura e violência a céu aberto. Como relembra o então aluno e agora professor do curso de jornalismo na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Norval Baitello. “Entraram para quebrar mesmo”,afirmou em entrevista à AGEMT sobre as salas de aula e equipamentos destruídos pelos agentes.

A memória marcante do docente é compartilhada entre as demais pessoas presentes durante essa violação. Com o objetivo de evocar essas lembranças, a PUC-SP em parceria com o Prerrô (Grupo Prerrogativas) e o Washington Brazil Office realizou o “PUC pela democracia” nesta quinta-feira (22), há exatos 45 anos do desrespeito militar.
Uma apresentação do Coral do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras) abriu o ato, mediado pelo jornalista Chico Pinheiro, enquanto a Bateria 22, do curso de direito, tocava em frente ao TUCA. Na presença de figuras importantes na luta pelo Estado Democrático de Direito, como ex-ministros, professores e estudantes da época da invasão, a PUC-SP declarou estar em “estado de vigilância permanente pela democracia”.
A maioria das pessoas que discursaram na cerimônia frisou a questão das prisões e perseguições do Regime Cívico Militar e, consequentemente, sofridas pelos militantes da instituição. O público prestou homenagem aos estudantes assassinados durante o período e demonstrou repulsa e resistência ao governo Bolsonaro e suas ações antidemocráticas.“As mesmas forças que tentaram invadir a PUC naquela época são as que ameaçam uma ditadura hoje. E nós não vamos aceitar isso”, declarou o jornalista José Arbex. No saguão do Tuca, estavam expostas fotografias da invasão de 1977, do fotojornalista Hélio Campos Mello.
Na ocasião, o jornalista Juca Kfouri afirmou estar emocionado, não só pelo ato ocorrido naquele mesmo lugar há 45 anos, mas também pelo apelo sentimental ao se lembrar da tia, Nadir Gouvêa Kfouri, então reitora da Pontifícia. Isso porque quando Erasmo Dias, o coronel responsável pelo batalhão invasor e, na época, Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, foi cumprimentar a professora, ela o deixou “com a mão no ar”, pois não daria sua mão a assassinos.
Outra notável personalidade da luta pelo fim da ditadura foi aclamada, a de Dom Paulo Evaristo Arns. “Quero dizer que, no dia da invasão, ela [Nadir Kfouri] foi a grande voz e esteve o tempo todo presente com dignidade excepcional. Deve ser modelo para todos nós”, afirmou a professora de direito Silvia Pimentel, também atuante durante o ocorrido em 1977. “A invasão foi, não apenas em função de movimentações nossas, mas relacionada à reitoria que a PUC tinha. Essa dupla [Dom Paulo e Nadir Kfouri] é o exemplo maior de toda uma vida”, completou.
Além de rememorar a invasão, outra temática do evento foi o cenário atual pelo qual a PUC-SP está passando. Há duas semanas, todo o corpo docente da universidade recebeu um salário com 10% a menos de seu valor integral. Unilateralmente, a Fundação São Paulo (FUNDASP), mantenedora da Pontifícia, computou 4,5 semanas mensais aos salários que eram calculados em cima de 5 semanas desde 1987 - tempo que o qualifica como Direito Adquirido dos professores.
A Associação dos Professores da PUC-SP classificou a medida de antidemocrática e contestou o corte. Em apoio, o Movimento Estudantil da PUC-SP realizou no dia 15 deste mês um ato em solidariedade à causa dos professores com a união não só dos Centros Acadêmicos e Entidades Estudantis, mas dos três setores da Universidade: estudantes, professores e funcionários. Na ação foi questionada a conduta da FUNDASP, além de defendida a saída dessa da gestão da PUC, junto à saída do Gestor Padre Rodolpho Perazzolo de seu posto.
Dentre os discursos do evento da manhã de 22 de setembro, uma carta redigida pelo Movimento Estudantil e lida por Camilo Mota, representante do Centro Acadêmico de Jornalismo Benevides Paixão, apresentou indignação diante de tais condutas antidemocráticas da FUNDASP. “A democracia não deve ser só dos portões pra fora”, afirma a carta.
Próximo ao final do evento, a organização foi informada de que viaturas da Polícia Militar estavam em frente ao TUCA. Os policiais teriam sido acionados por uma transeunte que afirmou que um dos quatro meninos negros que estavam vendendo balas na região estaria portando uma faca. Estes meninos foram abordados, e, durante a revista, a advogada Jaqueline Pereira se disse responsável pelos menores.

Quando questionada de sua profissão, ela se recusou a entregar ao agente sua carteira da OAB, um dos policiais responsáveis pelo enquadro retirou o documento bruscamente das mãos de Pereira, que, por sua vez, o acusou de ser racista. Durante toda a deliberação e discussão sobre o ocorrido, diversos professores presentes se inteiraram do assunto. Durante o conflito, os meninos ainda não tinham sido liberados e estavam em linha, com as mãos atrás das costas.
A polícia, não havendo encontrado a arma branca na posse de nenhum dos meninos, os liberou e, segundo fontes contaram à AGEMT, deu Voz de Prisão a Jaqueline Pereira, que, não querendo ir à delegacia de “camburão”, foi dentro de um carro de uma das testemunhas presentes durante a abordagem.
