No sábado (07), integrantes do grupo islâmico Hamas realizaram uma ofensiva contra Israel que desencadeou um novo confronto armado com mais de três mil mortos entre palestinos e israelenses, segundo as autoridades locais. A AGEMT preparou uma série especial de quatro reportagens sobre o conflito Palestina e Israel. Para entender esse novo capítulo da história, é necessário voltar à segunda década do século XX, ao final da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), com a vitória dos Aliados da Entente - aliança militar composta por França, Rússia e Grã-Bretanha - sobre o Império Otomano.
Em 30 de outubro de 1918, foi assinado o Armistício de Mudros, que decretou a derrota do Império Otomano. Dois anos mais tarde, em 10 de agosto de 1920, os Aliados e o Império assinaram o Tratado de Sévres, que concedeu independência à Grécia, Armênia e o Curdistão, deixando o território Otomano restrito à Turquia. Uma guerra civil comandada por Mustafa Kemal Pasha, conhecido como Ataturk (pai dos turcos), colocou fim ao Império Otomano, reconquistou a Armênia e parte do território concedido à Grécia, e proclamou a República da Turquia em 1923.
O novo arranjo territorial resultou no Tratado de Lausanne, em 1923, que reconheceu a República da Turquia com as fronteiras atuais, e colocou os territórios árabes sob mandatos de França e Reino Unido. Os franceses ficaram com a Síria e o Líbano, enquanto os britânicos ficaram com a Mesopotâmia e a Palestina - então formada pela Palestina e a Transjordânia.

Arte de Luana Galeno com informações da BBC
Colonização sionista
O sionismo é um movimento político que surgiu no final do século XIX e defendia a autodeterminação do povo judeu no que chamava de sua “terra histórica”. O primeiro teórico do movimento foi o filósofo alemão Moses Hess (1812-1875), que utilizou a perseguição sofrida pelos judeus para justificar a necessidade da criação de uma nação judaica na palestina. O termo "sionismo", foi criado pelo escritor austríaco Nathan Birnbaum (1864-1937), como referência a Sião, um dos nomes bíblicos para a cidade de Jerusalém. O historiador israelense Ilan Pappé defende que o sionismo secularizou e nacionalizou o judaísmo, utilizando o território bíblico como base para um movimento nacionalista.
O pesquisador Arturo Hartmann, doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, Unicamp e PUC-SP) e membro do Centro Internacional de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Federal de Sergipe, explica que o início do processo de colonização do território acontece ainda no século XIX. “Os colonos europeus, sionistas especificamente, começam a chegar na Palestina em 1880, mas era um movimento incipiente. O Arthur Ruppin, como o diretor da companhia de terras da Palestina, que era uma organização sionista, estava imbuído de comprar terras de proprietários árabes, palestinos, alguns eram libaneses, isso ainda no governo Otomano”, conta o pesquisador.
“Era a compra da terra e ali a colocação do trabalhador judeu. Alguns sociólogos israelenses vão falar do ‘trabalho judaico’. Então, era essa chave dupla, no início da prática da colonização na visão desses caras, que era a conquista da terra, nesse momento pela compra, e a inserção de trabalho judaico. E começam a ter primeiras tensões, porque você tinha um sistema de terras de cultivadores palestinos secular. Quando os sionistas compravam aquelas terras, eles [nativos] eram expulsos ou impedidos de cultivar essa terra. [...] Era a primeira percepção de que aquilo causaria um choque” - Arturo Hartmann, doutor em Relações Internacionais e membro do Centro Internacional de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Federal de Sergipe
Em 29 de setembro de 1923 entrou em vigor o “Acordo de Mandato”, da então Liga das Nações, do Reino Unido em território palestino. Nos 28 artigos contidos no texto do Mandato, não há citação direta dos palestinos. No entanto, o acordo cita o “povo judeu” aos quais foi “reconhecido o vínculo histórico do povo judeu com a Palestina e os fundamentos para a reconstituição de seu lar nacional naquele país”.
O texto do que também foi chamado de “protetorado” se baseia na Declaração de Balfour, documento elaborado em 1917 pelo então ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, Arthur Balfour, que respalda pela primeira vez “o estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina”. A mensagem de 67 palavras foi enviada por Balfour a Walter Rothschild, importante figura do movimento sionista.

"O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não-judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país"
Tanto o texto do Mandato quanto a Declaração de Balfour previam a preservação dos “direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes na Palestina”. No artigo 2º determina que os mandatários serão os responsáveis por “colocar o país sob tais condições políticas, administrativas e econômicas que assegurem o estabelecimento do lar nacional judaico”, o que significou na prática uma repressão a qualquer movimento de autodeterminação palestino.
Em seu 4º artigo, foi previsto que uma “agência judaica” seria reconhecida como órgão público para auxiliar na administração da Palestina. O próprio texto estabeleceu a Organização Sionista como a “agência judaica” responsável. O resultado desse controle foi o reconhecimento de diversas entidades judaicas pelo Império Britânico e nenhuma entidade árabe palestina.

Foto: Federação Árabe Palestina do Brasil/Reprodução
“A Agência Judaica ali criada naquele momento, ela vai se acoplar e vai quase ser como um departamento de governo dentro da administração britânica. [...] Os britânicos fizeram isso em outros lugares, ele cria um mediador ou um colaborador da colonização de determinado território. E no caso da Palestina, os sionistas se acoplaram como esse mediador. Então, eles ganham acessos a recursos, começam a administrar questões públicas como eletricidade, as empresas sionistas vão receber um aporte britânico [...] e crescem muito a partir da década de 20 e, principalmente, na década de 30”, explica Hartmann.
Em 1929, a tensão entre palestinos e judeus chega ao seu primeiro conflito. A Revolta de Buraq se deu por disputa das duas comunidades com relação ao Muro das Lamentações, local em que muçulmanos e judeus realizam suas orações. Os conflitos duraram de 23 a 29 de agosto, e estima-se que mais de 116 palestinos e 133 judeus foram mortos. Outras mais de 400 pessoas ficaram feridas, entre palestinos e judeus.
A Revolta Palestina
A morte de Sheikh Izz al-Din al-Qassam, líder da resistência palestina, em 1935, em um tiroteio com forças coloniais aumentou a revolta entre os palestinos. A essa altura, a comunidade palestina convivia com uma lei promulgada pelos britânicos que previa o confisco de terras para fins militares. Porém, depois de confiscadas essas terras eram entregues aos colonos judeus.
Em 16 de abril de 1936, em Nablus - hoje território da Cisjordânia -, foi criado um Comitê Nacional Árabe na Palestina. O Comitê convocou os palestinos a uma greve geral, incentivando que os palestinos deixassem de pagar impostos aos britânicos e provocando o boicote a produtos dos colonos judeus. Dez dias depois, comitês nacionais dos países árabes se uniram e formaram o Alto Comitê Árabe, liderado por Amin Al-Husseini.
A greve contou com adesão de parte significativa da sociedade, comprometendo o funcionamento da economia. Em resposta, os palestinos foram presos, torturados, submetidos a buscas e demolição de suas residências. A Grã-Bretanha enviou uma Comissão Real de Inquérito - conhecida como Comissão Peel, por ser presidida por Earl Peel - para apurar as razões da revolta e buscar soluções.
Acreditando no trabalho da Comissão Peel, a greve foi encerrada em novembro de 1936. No entanto, o relatório apresentado pela Comissão, em julho de 1937, fez voltar a insatisfação palestina, já que sugeria a divisão da Palestina em um estado árabe e um estado judeu. Pelo plano elaborado, havia mais transferências de terras e o deslocamento forçado de 225 mil habitantes palestinos.
O resultado do relatório foi a retomada da resistência, dessa vez com mais intensidade, com palestinos assumindo o controle total de cidades do interior, criando instituições para substituir estruturas e serviços do mandato colonial. A resposta britânica foi o envio de cerca de 20 mil soldados e armamento para conter a revolta popular. Essas ações também fortaleceram grupos paramilitares sionistas, que foram treinados e armados pelo mandato colonial, como as gangues Haganah que depois se tornou a força de defesa do então proclamado Estado de Israel.
Uma nova comissão, chefiada por John Woodhead, entregou um relatório em novembro de 1938, afirmando que a partilha não era viável por conta da resistência. A revolta palestina terminou em maio de 1939. Entre 1936 e 1939, segundo números do governo britânico, 3.069 palestinos morreram na revolta, seja em combate, enforcados ou por causa de “gangues e atividades terroristas”. O número, no entanto, foi contestado pelo historiador palestino Walid Khalid, formado na Universidade de Oxford, que afirmou a morte de 5.032 palestinos, além de mais de 14 mil feridos e outros 5.600 presos.
Um território e dois Estados
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando cerca de seis milhões de judeus morreram vítimas do regime nazista, o debate sobre um território judeu na Palestina foi intensificado. Em 18 fevereiro de 1947, o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Ernest Bevin, anunciou o fim do mandato britânico sobre o território da Palestina, assumindo o fracasso britânico e deixando a cargo da Organização das Nações Unidas (ONU) a promoção da paz entre árabes e judeus. No mesmo período, países da Liga Árabe, fundada em 1945 e formada por Egito, Iraque, Árabia Saudita e Líbano - que conquistou a independência em 1943 - e Síria, solicitaram uma sessão especial para tratar do fim do mandato britânico e da sua independência.

Arte de Luana Galeno com informações da BBC
O pedido dos árabes foi recusado, enquanto a moção britânica foi aceita e, no mesmo ano, em 29 de novembro, a resolução 181 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu a divisão do território da Palestina em dois Estados independentes: um judeu e outro palestino. Pela resolução, 57% do território seria dos judeus - que na época representavam 32,95% da população - e 43% para os palestinos, com a cidade de Jerusalém sendo considerada território internacional.
Para Arturo Hartmann, a proposta da ONU era a materialização de medo dos palestinos desde o final do século XIX. “É bom pensar em um ciclo final, desde as primeiras colônias lá em 1880, é a década onde começa mais claramente essa colonização, até a década de 40 do século XX, são quase 60 anos. A proposta de partilha era a materialização de uma visão da ameaça que eles já tinham previsto lá no início”, explica.
“A proposta da ONU fez um apanhado dos principais distritos da Palestina em 1947, e tentou separar a Palestina entre onde tinha uma população judaica e onde tinha uma população palestina. Qual era o problema disso, era muito difícil você pegar distritos que não tinham população palestina. Naquele momento, dois terços da população era palestina e um terço era judaico.” - Arturo Hartmann, doutor em Relações Internacionais e membro do Centro Internacional de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Federal de Sergipe
Na Assembleia, 33 dos 56 países votaram a favor da partilha, dentre eles Brasil, Estados Unidos e a extinta União Soviética. Outros 13 votaram contra e 10 se abstiveram. A resolução foi rejeitada pelos palestinos e demais estados árabes vizinhos, que se recusaram a acatar a divisão territorial.
Em 14 de maio de 1948, as tropas britânicas se retiraram da Palestina e foi proclamado o Estado de Israel. Antes, o governo colonial elaborou o Plano de Dalet, que alegava ser um plano de contingência e defesa do estado judaico. Na prática, foi um plano de ocupação das instalações civis e militares por integrantes do estado judaico. Ainda na retirada de tropas, os britânicos deixaram parte do seu arsenal militar com os grupos sionistas.
No dia seguinte à saída britânica, países da Liga Árabe iniciaram uma ofensiva militar contra a independência de Israel e consolidação do novo Estado, no que ficou conhecido como a Primeira Guerra Árabe-Israelense.
O terrorismo sionista
Dois grupos clandestinos alinhados com o movimento sionista de direita, se notabilizaram pelo planejamento e execução de ideias para expulsar palestinos do próprio território. O Irgun, liderado por Menachem Begin, que mais tarde seria primeiro-ministro de Israel (1977-1983), e o Lehi, comandado por Avraham Stern. No início dos anos 40, o Lehi ensaiou uma aliança com o nazismo. Os judeus alemães seriam transferidos para a Palestina em troca da expulsão dos ingleses. O acordo não vingou pelo fato de a mão de obra escravizada judaica ser relevante na guerra.
Atentado do Hotel King David
Em 22 de julho de 1946, antes da proclamação da república de Israel, integrantes do grupo Irgun promoveram um atentado, organizado por Menachem Begin, contra o Hotel King David, situado a oeste da cidade de Jerusalém, no território palestino. O Hotel funcionava como uma espécie de sede administrativa do mandato palestino.

A explosão do prédio deixou 91 mortos entre palestinos, britânicos, judeus e outras cinco nacionalidades, além de 45 pessoas gravemente feridas.
Em 1974, o jornalista britânico Russell Warren Howe conduziu uma entrevista com o líder do grupo Irgun. Na conversa com Begin, Russell perguntou como ele se sentia sendo “o pai do terrorismo no Oriente Médio”. Segundo o jornalista, Begin respondeu: “No Oriente Médio? Em todo o mundo!”.
A conversa foi retratada na coluna “Seeing the Light” ( em tradução, Vendo a Luz), o artigo foi publicado em 12 de julho de 1991 e teve o título de “Fighting the “Soldiers of Occupation,” From WWII to the Intifada” (em tradução, “Lutando Contra os “soldados da ocupação”, da Segunda Guerra Mundial à Intifada”). A coluna na íntegra está disponível no site da revista estadunidense Washington Report on Middle East Affairs.
Massacre de Deir Yassin
No dia 09 de abril de 1948, já com a proclamação do Estado de Israel e dando sequência ao plano de expulsão dos palestinos do território, 120 integrantes desses grupos Irgun e Lehi invadiram o povoado de Deir Yassin, localizado a oeste da cidade de Jerusalém.
Já durante a manhã, o vilarejo de 610 habitantes estava tomado. De acordo com relatos de sobreviventes, os terroristas passaram de casa em casa para assassinar os moradores sejam crianças, mulheres ou idosos. Também há relatos de mutilações, estupros e sobreviventes sendo carregados pelas ruas em uma espécie de desfile da vitória antes de serem executados. Estima-se que morreram entre 100 e 250 pessoas.
A ação foi encerrada à tarde, quando moradores judeus-ortodoxos retornaram e contaram que os demais habitantes do vilarejo sempre foram pacíficos. Cerca de 250 sobreviventes foram levados de caminhão e colocados no lado árabe de Jerusalém. Nada aconteceu com os grupos responsáveis pelo massacre. Em 1949, foi construído o bairro judeu Giayt Shaul Bet no que era o vilarejo de Deir Yassin. Hoje o bairro faz parte de Har Nof, uma região judaica ortodoxa.
Expansão israelense e diáspora palestina
O resultado do primeiro embate árabe-israelense, terminado em junho de 1949, foi a vitória do Estado de Israel, expansão territorial que correspondeu a 60% do que seria o território árabe estabelecido pela partilha da ONU. Apenas os territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza permaneceram palestinos, com ocupação de forças militares egípcias e jordanianas. A cidade de Jerusalém foi dividida em duas partes, com a parte ocidental sob controle de Israel, e a parte oriental com a Jordânia.
A negociação para o fim do primeiro conflito teve início em fevereiro de 1949, com o acordo de armistício entre Egito e Israel, e depois, em julho do mesmo ano, com o acordo de armistício entre Israel e os países árabes vizinhos. No acordo com o Egito, ficou acertado que a linha de demarcação fosse traçada considerando a fronteira internacional de 1922 entre os egípcios e o Mandato da Palestina. A exceção a essa demarcação foi na região próxima ao Mar Mediterrâneo, que ficaria conhecida como Faixa de Gaza, cujo poder ficou sob controle egípcio.
O pesquisador Arturo Hartmann analisa que a proposta de partilha feita pela ONU e a guerra árabe-israelense favoreceram um contexto de “limpeza étnica palestina”. “A limpeza étnica é o arcabouço ideológico que vai sendo construído desde o momento que começa a colonização, vai se consolidando uma visão de como a comunidade sionista/judaica deveria se encaixar na palestina, no sentido de criar essa exclusividade étnica, e o dilema e o debate interno era como a gente lida com a maioria da população palestina, árabe, que não é judaica, e que não era europeia sionista, também”, conta. “O projeto que acaba se tornando hegemônico e vai adiante de implementação, é o de exclusividade (étnica). É de você usar a força extrema, e aí nasce o conceito de muralha de ferro em 1920, que é a força militar para bater nos palestinos, para que só sobre os moderados”, diz o pesquisador.
Ao longo do conflito, segundo a ONU, cerca de 700 mil palestinos saíram do território e foram para países vizinhos. A diáspora palestina foi chamada de “Al Nakba” - em árabe, “a catástrofe”. “A Nakba foi esse processo de expulsão e transformação e renomeação do território. [...] Israel vai criar uma série de leis para não permitir que os refugiados voltem, e nessas leis também estão mecanismos para que o Estado possa se apossar das terras dos ausentes. [...] Palestinos que vão se tornar árabe-israelenses pela legislação de Israel [...] Toda a geografia vai ganhar um nome hebraico”, explica Hartmann.
Na próxima reportagem da série especial Palestina e Israel você vai entender o processo de resistência dos palestinos e como foram estabelecidas as fronteiras de Israel nos limites que conhecemos hoje.
A trajetória do jornalista paulistano Mateus Camillo, formado pela USP, iniciou-se na Folha de S.Paulo como editor de Interação e Redes Sociais. Mais adiante, tornou-se repórter de tecnologia e turismo. Enquanto exercia tal função, comandava os perfis do veículo de Instagram, Facebook, Twitter e TikTok, além de gerenciar uma equipe com mais de dez pessoas.

Possui mais de uma década de experiência em redações de grande relevância no Brasil, como por exemplo, a Abril (onde ficou por dois anos e quatro meses), e era o responsável pela manutenção da página inicial do portal de notícias e pela criação de conteúdos especiais. Além dessas funções, colaborava com as mídias sociais da revista. E com O Estado de S. Paulo (durante quatro meses), exercia a função de trainee em diferentes editorias, de esporte a economia. Também, fez parte da produção e edição de um caderno especial sobre as Olimpíadas do Rio, que aconteceram em 2016.
Desde 2013, trabalha no estilo freelance e integra a equipe de colunistas da Folha com seu blog semanal intitulado #Hashtag, sobre redes sociais e tecnologia. Foi membro integrante da comissão dos cem anos do jornal com a função de organizar uma série de reportagens, conteúdos especiais e eventos que marcaram o centenário. Segundo ainda Camillo, quando iniciou esse modelo de trabalho, aceitava todas as oportunidades que estavam ao seu alcance, de modo a ampliar o conjunto de experiências e aventurar-se em várias áreas até encontrar uma específica que o fizesse se destacar por completo.
Durante bate-papo com os alunos de jornalismo do primeiro semestre da PUC-SP, foram compartilhadas algumas dicas de como se destacar na profissão, dentre elas a de começar a estagiar o mais breve possível, a fim de obter experiência prática desde o início e para aqueles que possuem condições financeiras, considerar a opção de morar fora do país, mesmo que seja por um curto período. Essa vivência internacional poderá ampliar a bagagem cultural e proporcionar um diferencial na carreira.
Mateus já foi palestrante, ministrou cursos e workshops nas principais faculdades do estado de São Paulo sobre o uso das redes com enfoque no âmbito jornalístico. Durante a pandemia de COVID-19, migrou para o trabalho remoto e se encantou pela flexibilidade oferecida. A partir desse ponto, decidiu se tornar nômade digital - isso significa que mora em airbnb de cidades diferentes e trabalha onde quer que esteja. Quando questionado, se não sente falta do seu sofá, responde, com humor, que nos apartamentos alugados consegue móveis confortáveis que o façam sentir-se como se estivesse em casa.
Em janeiro de 2023, lançou seu newsletter completamente em inglês, intitulado No Direction Home (http://nodirectionhome.substrack.com) sobre nomadismo digital e modelos de trabalhos flexíveis. No mês de abril, juntou-se a Eliane Brum, Jonathan Watts, Verônica Goyzueta e Talita Bedinelli para contribuir como editor das redes para o SUMAUMA - site de jornalismo do centro do mundo, cuja sede fica em Altamira, no Pará.
Por Laura Boechat (texto) e Maria Clara Alcântara (audiovisual)
Em um sol tímido que começa a surgir perto das oito da manhã, a movimentação na avenida mais famosa da cidade de São Paulo, a "Paulista", já dá seus primeiros indícios de mais um dia corrido – como todos os outros na região. A longa rua, que ostenta bancos bilionários, museus famosos e lojas de roupas de três andares, faz circular pelas calçadas executivos engravatados, turistas curiosos, vendedores ambulantes e muitos outros tipos dentre os 1.500.000 transeuntes que por lá caminham diariamente. Mas não só esses.
A Avenida Paulista é também o cenário do cotidiano de Joaquim. Aos 66 anos, ele é catador de materiais recicláveis. Morador da Zona Leste e cristão fiel, ele circula, como muitos outros, pela região da avenida de 9h00min às 21h00min, recolhendo o que encontra pelas calçadas, restaurantes e lixeiras. Com seu carrinho elétrico, Joaquim procura desde papelão a latinhas e revistas. "O papelão está meio defasado, tem épocas que sobe e desce, agora tá baixo. Mas nós estamos aí, na luta", comenta Joaquim, com a perseverança que ele diz ser entregue por Deus.
A história de Joaquim como catador de recicláveis começou cedo. Já aos 14 anos, ele separava latinhas para vender. "Naquele tempo, se você pedia dinheiro pros pais, eles não davam", diz bem-humorado enquanto protege os olhos do sol das 3 da tarde na Avenida Paulista, em frente ao Juizado Especial Federal. "Fui trabalhar de varredor de rua e não deu certo. Eu acho que já tô com sangue na veia de reciclagem", conta Joaquim em meio a risadas, marcado pelo tempo de seus 50 anos como catador.
Hoje, Joaquim não precisa mais separar latinhas pela falta de dinheiro dos pais, mas são elas que ainda mantêm sua casa: "O meu carrinho dá sustento para minha família. Eu e minha esposa compramos os meus remédios, porque com o tempo vêm as coisas. Eu tenho uma hérnia, varizes, tudo por conta do meu trabalho".
Pai de família, hoje, ele trabalha com uma associação chamada Nova Glicério, na qual operam catadores e triadores, e que viabilizou a conquista do tão querido carrinho elétrico através da organização Pimp My Carroça. "Pra mim, foi uma benção. Esse carrinho tem buzina, tem luz noturna, seta, carregador de celular…. Pega até 400kgs. Pra mim é uma maravilha, eu não pego mais peso. Facilita muito", explica, exibindo a buzina posicionada no guidão do carrinho, além dos adesivos na traseira para sinalizá-lo nos túneis que compõem o cenário do seu dia a dia.
"Essa aí é a logo deles!", mostra Joaquim enquanto aponta para o adesivo colado em seu carrinho com o nome Pimp My Carroça. Segundo o site, a ONG se descreve como "um movimento que atua desde 2012 para tirar os catadores de materiais recicláveis da invisibilidade – e aumentar sua renda – por meio da arte, sensibilização, tecnologia e participação coletiva". Uma das ações para alcançar esse objetivo é o projeto Carroça do Futuro – que foi por onde Joaquim conquistou sua carroça elétrica.
As carroças elétricas possuem velocidade máxima de 6 km/h, motores elétricos com funções de ré e itens de segurança como os descritos por Joaquim. O primeiro projeto de carroça elétrica surgiu em 2021. Atualmente, a meta é expandir o projeto através de um fundo coletivo com parceiros e aliados.
Se a carrocinha elétrica que suporta 400 quilos ajuda o trabalho de Joaquim, o mesmo não se aplica à maior parte dos catadores, que não têm a facilidade impulsionada pela tecnologia. Márcio, de 44 anos, também é catador. Morador de Bom Retiro, Márcio circula pela região de Perdizes todos os dias. Com um carrinho manual e bem menor que o de Joaquim, Márcio nos explica que, por não ter uma carroça maior, fica difícil juntar muito volume de material. "Eu vou juntando lá perto do terminal até umas nove da noite. Guardo por uns dez dias em casa. Quando tem uma quantidade maior, o pessoal do ferro-velho lá de Bom Retiro, onde eu moro, vem com o caminhãozinho buscar", conta, dando um gole de água que acabou de pedir em uma mecânica localizada na rua Bartira.
Mesmo com a dificuldade por conta do tamanho do carrinho, Márcio aponta que, para a região em que ele circula, é mais prático: "Ele é pequeno, mas é melhor para andar pela região aqui, que tem muito morro".
Diferente de Joaquim, que trabalha por doze horas, Márcio costuma chegar às 17h30min em Perdizes, deixando a região por volta das 21h00min. "É que é a hora que o pessoal está colocando o lixo dos prédios para fora, né. É o horário que a gente começa a trabalhar, e tem que ir antes do caminhão do lixo chegar. Daqui a pouco ele passa", explica Márcio.
Catou. E depois?
Da latinha de refrigerante até o papelão do vídeo-game novo, colhido por um trabalhador filiado à associação, como Joaquim, ou de maneira autônoma, como Márcio, o material coletado precisa de um destino final.
O primeiro passo é a triagem – como ocorre na associação Nova Glicério, onde participa Joaquim. Todo o material é separado em categorias e analisado para definir se está apto à reciclagem. É também na triagem que ocorre a pesagem, o enfardamento e a estocagem do material. Após a seleção, os materiais são vendidos para a indústria como matéria-prima para a confecção de novos artigos. "Tudo o que a gente cata vira outras coisas. Um pedaço de ferro pode ajudar na composição de uma geladeira, por exemplo", explica Joaquim.
Apesar de Joaquim e Márcio venderem os materiais para a reciclagem, esse, infelizmente, não é o único destino dos materiais descartados no Brasil. Chamados de Resíduos Sólidos Urbanos, grande parte dos RSU ainda são encaminhados para destinação inadequada em todas as regiões do País. Segundo o Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil de 2022, da Abrelpe, 39% dos resíduos coletados ainda vão parar em lixões e aterros controlados. Isso representa um total de 29,7 milhões de toneladas com destinação inadequada.
Segundo o doutor em saneamento Luis Hamilton Garbossa em seu livro "Gestão de resíduos: sólidos, líquidos e atmosféricos", o aterro sanitário é considerado atualmente – dentre as três opções tratadas – a melhor maneira de tratar os resíduos sólidos. Os lixões consistem em jogar todo o resíduo coletado em um local a céu aberto, o que acaba por atrair ratos e urubus, além de prejudicar o solo. Já os aterros controlados, apesar de menos tóxicos que a primeira opção, também não se mostram como a melhor opção, uma vez que não ocorre a impermeabilização do solo.
Diferente disso, o aterro sanitário segue uma série de condutas para que o descarte não seja prejudicial à saúde da população do entorno, nem dos envolvidos na cadeia do mercado do lixo. Essas regras envolvem tratamento de chorume, a coleta de biogás e a impermeabilização do solo. Dessa forma, a melhor maneira de descarte dos RSU são os aterros sanitários.
A necessidade da função de catador
Para Joaquim, sem a função de catador, São Paulo se tornaria um caos. "É muito importante ter um lugar para descartar os recicláveis, que não são lixo. Eu lembro que em 1970 a turma não ligava para coleta de materiais recicláveis, mas aí começou os efeitos do aquecimento global e o povo começou a se preocupar né", diz ele.
E ele tem razão: segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2017, os catadores já eram responsáveis por quase 90% do lixo reciclado no Brasil. Mesmo com o número surpreendente, os catadores ainda enfrentam diariamente preconceitos, além de um processo de invisibilização e exclusão.
Márcio acredita que falta respeito por boa parte da população. "Você está andando com carrinho na rua ou carroça e o pessoal passa de carro e buzina, te xinga. Eles acham que você tá atrapalhando o trânsito", lamenta. "Mas isso é falta de entender a realidade. É que nem uma garrafa pet, tá aí na chuva e desce pro bueiro, causando um monte de problema. Se não fosse por nós, isso aconteceria ainda mais", explica ele.
Apesar do preconceito direcionado aos catadores e da má remuneração, a outra ponta da pirâmide parece se dar bem. Segundo dados do Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil, da Abrelpe, o mercado de limpeza urbana movimentou, em 2021, R$ 29,9 bilhões, 3,0% a mais do que o montante verificado em 2020. A região Sudeste apresentou variação acima da média nacional, com 3,2%.
Como suporte para dignificar a função dos catadores, Joaquim propõe que o assunto seja vociferado: "essa é uma forma de valorizar o trabalho do catador, mostrando pros outros a importância dele. Acabar com a visão de que o catador é um coitado – o catador é um profissional que gera empregos, gera reciclagem".
Na terça-feira (6), aconteceu a quarta edição do Troféu Audálio Dantas – Indignação, Coragem, Esperança, no auditório Prestes Maia, sediado na Câmara Municipal de São Paulo. Em conjunto com a curadoria da família Kunc Dantas e da Oboré Projeto Especiais, 97 associações contribuíram para a realização do prêmio incluindo a participação dos Centros Acadêmicos Benevides Paixão (PUC-SP), Lupe Cotrim (ECA-USP), Vladimir Herzog (Cásper Líbero) e de estudantes da Escola Municipal de Ensino Fundamental Vladimir Herzog. Além de mais uma vez celebrar o dia do Jornalista e o dia Nacional de Liberdade de Imprensa, comemorados em 07 de abril e 07 de junho, respectivamente, o evento regido pelo vereador Eliseu Gabriel (PSB) e com o apoio dos jornalistas Sérgio Gomes, um dos fundadores da Oboré e Vanira Kunc, viúva de Audálio Dantas homenageou seis jornalistas nesta edição.

Com o início às 19h, o vereador começou a cerimônia relembrando a carreira do jornalista Audálio Dantas, nome o qual a premiação carrega desde a data de seu falecimento (30 de maio de 2018) para preservar sua memória e o legado. Em seguida, representantes de algumas entidades participantes do evento promoveram uma reflexão sobre o atual cenário jornalístico no Brasil. “Nós suportamos tempos duros, mas resistimos e seguiremos resistindo na defesa de um direito que não é só dos jornalistas, e sim de toda a sociedade”, declarou Cristina Zahar, representante da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), somando em sua fala um dado levantado por sua própria entidade de que os números de ataques à imprensa quase quadruplicaram durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Audálio Dantas não teve tempo de ter medo”, afirmou José Eduardo, representante do Sindicato dos Jornalistas, ele reafirmou a importância da ética na profissão independente das condições de trabalho. “Infelizmente, estamos vivendo um tempo de profundo desrespeito ao diferente, provocado pelo fascismo que cresce nesse país”, refletiu Eduardo. Ademais, recém-formados e estudantes de jornalismo, uniram-se para a leitura de uma carta propondo o compromisso para a continuação do Troféu Audálio Dantas a fim de contemplarem jornalistas experientes na profissão em uma possível próxima edição.
Bruno Paes Manso, Gregório Duvivier, Juliana Dal Piva, Leonardo Sakamoto, Rene Silva e Valmir Salaro foram os seis jornalistas homenageados nesta edição, a qual buscou profissionais que produzem um "jornalismo ético e plural que a gente quer e que o país precisa", segundo Leda Beck, atual presidente da Associação Profissão Jornalista (APjor).

Ao receber o troféu, Salaro, experiente repórter policial da Rede Globo e o primeiro a ser gratificado levantou uma reflexão sobre o erro jornalístico que qualquer profissional da área está sujeito a cometer ao exercício da profissão.
Sakamoto, um dos fundadores da Repórter Brasil, organização focada em investigações sobre direitos humanos, ressaltou a dificuldade dos comunicadores durante o governo bolsonarista. “Se a gente que é jornalista e moramos no Sul-Sudeste, em grandes cidades, sofremos muito nos últimos 4 anos de Jair Bolsonaro, tenho certeza de que jornalistas do interior do Brasil sofrem muito mais desde sempre", afirmou Sakamoto. Por fim, o jornalista avaliou que a crise democrática no país não possui 4 anos, e sim 523 anos.

O terceiro prestigiado, Bruno Paes Manso, escritor do livro “República das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro” e repórter especializado na área de segurança pública, exaltou sua relação com os colegas homenageados e a importância de cada um para o funcionamento de um bom jornalismo no Brasil.
A jornalista Juliana Dal Piva, que fez trabalhos investigativos relacionados à família Bolsonaro, ao ser agraciada, fez uma crítica sobre o cenário feminino no jornalismo brasileiro diante do fato dela ser a única mulher homenageada nesta edição. “Não posso parar e não olhar para mim e saber quem eu sou. Sou uma mulher jornalista e para que eu pudesse ter feito o trabalho que fiz e recebesse essa homenagem linda hoje, muitas [mulheres] vieram antes de mim”, declarou Dal Piva.

O humorista, escritor e apresentador do “Greg News”, programa de jornalismo satírico disponível na plataforma de streaming HBO Max, Gregório Duvivier não pôde comparecer ao evento. Entretanto, Denis Russo, um dos editores-chefes do programa, compareceu à premiação representando o humorista. Russo destacou o caráter não jornalístico do Greg News, mas demonstrou a importância do viés humorístico em torno de uma narração factual produzida pela equipe de Duvivier.
Por fim, o último jornalista a receber o troféu Audálio Dantas foi Rene Silva, criador do jornal “Voz das Comunidades”, originário no Morro do Alemão, comunidade do Rio de Janeiro. Silva recebeu o prêmio através da reunião entre os integrantes da Escola Municipal de Ensino Fundamental Vladimir Herzog no palco. “Nossos estudantes vieram aqui porque sabiam da possibilidade de conhecer o futuro. Homenagear o jornalista Rene Silva nesta noite, é conhecer o futuro de um jovem da periferia do Rio de Janeiro com características de vida escolar muito parecidas com a dos estudantes de nossa escola”, declarou Keila Girotto, diretora da escola.

“O que a gente não quer mais, é ver a favela sendo retratada a partir de um olhar de violência, tráfico de drogas e mortes. Queremos que a favela seja mostrada como um lugar de esperança e coragem”, refletiu o jornalista, acrescentando a ideia de democratização da informação diante da pouca comunicação existente nas comunidades brasileiras por meio do jornalismo comunitário enquanto um trabalho de resistência.
A solenidade foi transmitida pela Câmara Municipal de São Paulo e pode ser assistida através do link.
"99% das vezes que somos chamados, não fazemos ideia do que vamos dublar", diz Cassius Romero, (56), dublador, ator e cartunista brasileiro que fala sobre os bastidores e como funciona um estúdio de dublagem. O contato foi feito via WhatsApp, e mesmo saindo de São Paulo, na volta para casa no interior, dentro de um ônibus de viagem, o artista ainda disponibilizou um tempo para a entrevista.
Cassius é um dos grandes nomes entre os dubladores brasileiros, com 30 anos de carreira, é ele quem fornece a voz para diversos personagens no universo cinematográfico, como os de John Rambo e Exterminador. Mas ganhou maior destaque com o vilão Negan, da série de terror americana "The Walking Dead".
O ator descreve como funciona o processo de chamada de um dublador: "O coordenador artístico ou diretor em dublagem indica um talento. Daí a empresa manda mensagem para o dublador no WhatsApp para escalá-lo, a produção é quem faz esse trâmite. Após o artista dar o ok que aceitou a escala em determinado horário, seu nome é incluído numa famosa 'pedra' ou 'tabela' com outros tantos dubladores, e preenchem o dia do estúdio em si".
Para trabalhar profissionalmente e exercer a função de dublador, é necessário dar entrada ao DRT, documento a partir do qual a pessoa está capacitada e tem autorização legal para trabalhar como ator/atriz profissional, essencial e obrigatório para exercer a função. Além das obrigatoriedades, Cassius cita como essencial para um bom profissional "ter uma boa comunicabilidade, boa desenvoltura de fala, entendimento de texto, boa leitura, conhecimento da gramática portuguesa, ter noções em outros idiomas e ter ciência de cultura".
Contudo, uma das habilidades imprescindíveis e que não é ensinada em nenhum curso de dublagem é a de adaptação. O dublador necessita pegar com rapidez o entendimento da ideia que lhe foi passada em minutos e dublar, pois de acordo com Romero: "Somente quando o dublador adentra o estúdio que o diretor conta a história do personagem que ele fará ali naquele instante. Já o diretor, deve e precisa saber com antecedência do projeto para dirigir e indicar o caminho para o dublador. Chamamos isso de 'ter o filme na mão'".
Além de sua vida cotidiana, Cassius também fala como foi trabalhar na pandemia: "No começo, alguns links foram disponíveis para gravação, logo, o diretor dirigia da casa dele, o técnico operava de casa e o dublador dublava na casa dele". Além disso, as dificuldades eram diversas. Muitos dubladores criaram em casa verdadeiras cabanas com lençóis e edredons para diminuir o som externo.
O investimento foi necessário por parte dos atores, com equipamentos como computadores, microfones, fones, tablets e mesinhas de som. Em muitos casos, houve um atraso nas produções de dublagem devido aos problemas com a internet que retardam o processo - Netflix e outras plataformas, avisaram o público que as dublagens de diversas séries demorariam para ser entregues. Com o tempo, os técnicos em dublagem começaram a ajudar os atores para poderem gravar de casa, os auxiliando com cabines de áudio, acústica seca e equipamentos em geral.
Além das dificuldades na pandemia, no presencial, Cassius relata que o deslocamento de um estúdio para outro sempre foi um problema em sua rotina, muitas vezes inclusive, tendo que atravessar a cidade para chegar ao local. "O diretor em dublagem geralmente fica em estúdio fixo, mas os dubladores, de um modo geral, circulam em quase todos os estúdios. Quando eu comecei na dublagem havia seis estúdios em São Paulo e quatro no Rio de Janeiro. Atualmente temos aproximadamente 30 em São Paulo e mais 16 no Rio", comentou.
No ramo da dublagem, Edeli Cremonese é a empresária e fundadora da empresa Lexx Filmes e Produções. A companhia é especializada em Dublagem e Legendagem para a indústria cinematográfica, televisão mundial, plataformas de videogames e outros meio audiovisuais. Estabelecida desde 2010 em São Paulo.
Edeli disseca o procedimento que percorre um filme até o estúdio de gravação. "Antes que um script entre em produção, ele percorre um longo caminho dentro da empresa, desde o atendimento ao cliente, orçamento, aprovação de valores e prazo de entrega e recebimento. Tudo concordado, inicia-se a produção da peça", conta a empresária.
Logo após, segundo ela: "chegam vídeos e script originais em sua língua oficial, ambos são enviados para a tradução; já com as falas traduzidas, passa para o 'marcador de anéis, essa pessoa é responsável, por fazer uma marcação no script de 20 e 20 segundos, numerando-os de 01 no início da primeira fala até o último número no final da última fala, existe um cronômetro na tela para que isso seja feito", assim o dublador saberá a hora exata em que sua fala aparecerá, e os anéis ajudam também a contabilizar quantas horas de escala é preciso para cada ator, que vai determinar quanto será pago. Cada grupo de 20 anéis representa uma hora de dublagem (o dublador recebe por hora).
Outro ponto importante citador por Cassius é o tal do "boneco", que é determinado por dublar inúmeras vezes o mesmo ator ou atriz. "Por exemplo, quando pensamos no personagem Nick Fury dos Vingadores, logo lembramos da voz do dublador. Assim é com o Homem de Ferro. Isso é Boneco".
Cassius passa por situações de apego em relação a um personagem, o que pode colaborar com a sua performance: "Eu mesmo me conectei ao Negan; só não podemos agir como tal, mas ter um apego no bom sentido, ajuda muito também na integração e interpretação com o personagem".